As medidas de promoção e proteção aplicadas a crianças, inclusive as medidas de acolhimento residencial, são obrigatoriamente revistas findo o prazo fixado no acordo ou na decisão judicial, e, em qualquer caso, decorridos períodos nunca superiores a seis meses.
Quando aplicadas a título cautelar, as medidas têm a duração máxima de seis meses e devem ser revistas no prazo máximo de três meses.
Uma medida de promoção e proteção aplicada a título cautelar não pode ser renovada (enquanto medida cautelar) se já estiver a ser aplicada há mais de seis meses.
(Sumário elaborado pelo Relator).
Proc. 7773/12.6TCLRS-A.L1 7ª Secção
Desembargadores: Higina Castelo - José Capacete - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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7.ª Secção — Cível
Proc. n.º 7773/12.6TCLRS-A. L1
SUMÁRIO (ART. 663, N. º7, Do CPC)
I. As medidas de promoção e proteção aplicadas a crianças, inclusive as medidas de acolhimento residencial, são obrigatoriamente revistas findo o prazo fixado no acordo ou na decisão judicial, e, em qualquer caso, decorridos períodos nunca superiores a seis meses.
II. Quando aplicadas a título cautelar, as medidas têm a duração máxima de seis meses e devem ser revistas no prazo máximo de três meses.
III. Uma medida de promoção e proteção aplicada a título cautelar não pode ser renovada (enquanto medida cautelar) se já estiver a ser aplicada há mais de seis meses.
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO
O presente recurso é interposto pelo Ministério Público no âmbito do processo de medida
de promoção de direitos e de proteção, relativo aos irmãos GA...
e GR..., ambos nascidos em 11/01/2004.
Em 14/12/2007, tinha sido aplicada às crianças medida provisória de promoção e proteção
de acolhimento institucional.
Por despacho de 14/01/2010, a medida foi declarada cessada pelo decurso do prazo máximo
legal de 18 meses.
Em 03/10/2012, foi aplicada nova medida provisória de acolhimento institucional, por seis
meses.
Por despacho de 13/03/2013, a medida foi prorrogada por 4 meses.
Despacho de idêntico conteúdo — prorrogação por 4 meses da medida provisória aplicada —repetiu-se em 15/07/2013, 17/12/2013, 24/04/2014, 05/02/2015, 29/10/2015 e 14/11/2016.
Entretanto, em 2014, houve uma promoção de institucionalização com vista a adoção, que não teve seguimento.
Em 11/07/2017, foi promovido pelo Ministério Público o acolhimento em instituição em termos definitivos, dado o decurso do prazo máximo de aplicação de medida provisória. Em 05/02/2018 e em 28/06/2018, o Ministério Público faz mais duas promoções em idêntico sentido.
Em 04/07/2018, novo despacho prorroga a título excecional a medida provisória, por mais 3 meses.
Com este despacho não se conforma o Ministério Público que dele recorre por violação da lei que impõe prazo máximo para a medida provisória, de há muito ultrapassado.
Termina as alegações de recurso, concluindo:
1.ª - O Ministério Público discorda e não se conforma com a douta decisão judicial que determinou, v. g., a 04.07.2018 - fls. 1004, a prorrogação de medida cautelar de promoção e protecção de acolhimento residencial/institucional, mesmo após o decurso do prazo legal de seis meses, previsto no artigo 37.º, n.º 3 da LPCJP, não se acolhendo, dessa forma, a/s antecedente/s proposta do Ministério Público de aplicação dessa medida mas em termos definitivos, v. g. face à decorrência daquele prazo, pois, consequentemente, as crianças, a GA... e o seu irmão GR..., ambos nascidos a 11-01-2004, estavam/estão, então e agora, sem medida.
2.ª - No âmbito do presente processo de promoção e proteção, resulta que, desde que foi aplicada, a 03-10-2012, em benefício da GA... e do seu irmão GR..., medida provisória de acolhimento institucional, por 6 (seis) meses, nos termos e com os fundamentos do douto despacho judicial de fls. 360 a 362, onde se inclui, v.g., a invocação do artigo 37.º da LPCJP, a mesma se manteve, em sucessivas prorrogações, até hoje!...
3.ª - Ao optar pela prorrogação daquela medida cautelar, para além do prazo legal, o qual está, evidentemente, largamente excedido, o Tribunal a que incorreu, manifestamente, na violação das normas legais e respectivo espírito da lei/legislador, atentas a previsão e disposições dos artigos 4.º, alíneas a) e e); 35.º, n.º 1, al. f) e n.º 2; 37.º; 62.º; 68.º, al. d) em conjugação com o 71.º, n.º 1 e 102.º, todos da LPCJP, v.g. atenta a urgência do processo e o acautelar do superior interessa daquelas crianças.
4.ª - Na verdade está subjacente na LPCJP, a necessária e indispensável celeridade, contida, desde logo, no artigo 102° da LPCJP: os PPP são urgentes. Já mesmo quando se encontram na CPCI devem, em regra, ser decididos até seis meses e, não o sendo, devem tais situações ser comunicadas ao Ministério Público - artigo 68.º, al. d) da LPCJP, não cessando a intervenção da respectiva Comissão - artigo 71.º, n.º 1 da LPCJP e deverá ser estabelecido um plano de recuperação ou de aceleração desses processos - Ponto «3.7.1» da Diretiva Conjunta da PGR e da CNPCJR de 23-06-2009.
5.ª - Dispunha o artigo 37.º da LPCJP, antes da atual redação dada pela Lei n.º 142/2015 de 08/-09: «As medidas provisórias são aplicadas nas situações de emergência ou enquanto se procede ao diagnóstico da situação da criança e à definição do seu encaminhamento subsequente, não podendo a sua duração prolongar-se por mais de seis meses».
Atualmente, diferente é a redação dada pela Lei n.º2 142/2015 de 08-09: «1-A título cautelar, o tribunal pode aplicar as medidas previstas nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 35.º, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 92.º, ou enquanto se procede ao diagnóstico da situação da criança e à definição do seu encaminhamento subsequente. (2-...) 3-As medidas aplicadas nos termos dos números anteriores têm a duração máxima de seis meses e devem ser revistas no prazo máximo de três meses.»
6.ª - No que ora mais releva, porque antes essa duração da/s medida/s provisória/s, agora cautelar/es, por seis meses, era uma faculdade: (não) podendo; atualmente, após a entrada em vigor daquela Lei n.º 142/2015, a 01-10-2015, trata-se de uma categórica imposição: têm a duração máxima.
7.ª - Entendemos ser, assim, agora, indefensável, injustificável, ultrapassar aquele prazo (máximo) de seis meses, sem que se aplique medida definitiva.
8.ª - Será esta a correta solução, atenta, v.g., também, desde logo, a melhor doutrina: «Em qualquer uma destas situações (do n.º 1 do artigo 37.º da LPCJP na atual formulação) a medida não pode ter uma duração superior a seis meses, pois o legislador fixou um limite temporal máximo de duração das medidas cautelares.
E isto porque considerou suficiente o prazo de seis meses para proceder ao estudo da situação da criança ou do jovem e aplicar a medida definitiva adequada.
Na realidade, a definição do projeto de vida da criança ou jovem implica uma avaliação aprofundada da sua situação e meio familiar, decisão que importa ponderar, mas exige igualmente alguma celeridade, uma vez que o tempo útil da criança é diferente do tempo útil do adulto.
Este prazo deixou de ser meramente indicativo, tal como entendíamos antes das alterações introduzidas pela Lei n.º 142/2015, pelo que o seu decurso terá de implicar a cessação imediata da medida cautelar aplicada.»
9.ª - Consequentemente, considerando os elementos de facto e de Direito constantes dos/nos autos, devia a Meritíssima Juiz de Direito ter decidido de forma diversa, deferindo, desde já, a aplicação da medida, em termos definitivos, nos termos propostos pelo Ministério Público.
10.ª - Designando-se, oportunamente, com a necessária urgência, o debate judicial artigo 114° da LPCJP, para aplicação da apropriada medida, da medida que, na atualidade se afigurar como proporcional e do superior interesse destas crianças - artigo 4.º, alíneas a) e e) da LPCJP. Pelo exposto:
De imediato, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se o douto desencho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que, no superior interesse destas crianças, determine com urgência, v. g. a aplicação da medida protetiva da GA... e do GR..., em termos definitivos;
Assim e atenta a costumada JUSTIÇA.»
Foram colhidos os vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito.
OBJETO DO RECURSO
Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (arts. 635, 637, n.° 2, e 639, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Tendo em conta o teor daquelas, a questão que se coloca é a de saber se, em 04/07/2018, a medida provisória de acolhimento ainda podia ser excecionalmente prorrogada por três meses.
II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos relevantes são os processuais que constam do relatório.
III. APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
Está em causa a aplicação da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP), anexa à Lei 147/99, de 1 de setembro, entretanto alterada pela Lei 31/2003, de 22 de agosto, pela Lei 142/2015, de 08 de setembro, pela Lei 23/2017, de 23 de maio, e pela Lei 26/2018, de 5 de julho.
São da LPCJP todos os artigos citados sem indicação de outra proveniência.
Às crianças (menores de 18 anos) e jovens em perigo podem aplicar-se medidas de promoção dos direitos e de proteção, definidas na lei como providências adotadas pelas comissões de proteção de crianças e jovens ou pelos tribunais, nos termos do diploma, para proteger a criança e o jovem em perigo (art. 5.º, al. e), epigrafado «definições»).
O artigo 35 contém o elenco das medidas aplicáveis, a saber:
a) Apoio junto dos pais;
b) Apoio junto de outro familiar;
c) Confiança a pessoa idónea;
d) Apoio para a autonomia de vida;
e) Acolhimento familiar;
f) Acolhimento residencial;
g) Confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adoção.
A medida de acolhimento residencial consiste na colocação da criança ou jovem aos cuidados de uma entidade que disponha de instalações, equipamento de acolhimento e recursos humanos permanentes, devidamente dimensionados e habilitados, que lhes garantam os cuidados adequados; o acolhimento residencial tem como finalidade contribuir para a criação de condições que garantam a adequada satisfação de necessidades físicas, psíquicas, emocionais e sociais das crianças e jovens e o efetivo exercício dos seus direitos, favorecendo a sua integração em contexto sociofamiliar seguro e promovendo a sua educação, bem-estar e desenvolvimento integral (art. 49).
Quando aplicadas a título definitivo, as medidas previstas nas alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 35 têm a duração estabelecida no acordo ou na decisão judicial (art. 61). Findo o prazo fixado no acordo ou na decisão judicial, as medidas aplicadas são obrigatoriamente revistas. Além disso, elas são periódica e necessariamente revistas, no mínimo, todos os seis meses (art. 62, n.º 1).
A decisão de revisão determina a verificação das condições de execução da medida e pode determinar, ainda: a) A cessação da medida; b) A substituição da medida por outra mais adequada; c) A continuação ou a prorrogação da execução da medida (n.º 3 do art. 62). Assim é quando aplicadas a título «definitivo», repetimos.
Com exceção da medida de confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adoção, todas as demais podem ser decididas a título cautelar (n.º 2 do art. 35).
Nos termos do disposto no art. 37, n.º 1, e para o que ora releva, o tribunal pode aplicar a medida prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 35, cautelarmente, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 92, ou enquanto se procede ao diagnóstico da situação da criança e à definição do seu encaminhamento subsequente.
Assim sucedeu no processo em recurso: foi aplicada às crianças, pelo tribunal, em tempos, a medida de acolhimento residencial, a título cautelar (art. 35, n.º 1, al. f) e n.º 2) e art. 37).
As medidas cautelares aplicadas têm a duração máxima de seis meses e devem ser revistas no prazo máximo de três meses (n.º 3 do art. 37, na redação introduzida em 2015).
Já anteriormente o art. 37 era claro no sentido de as medidas provisórias (agora designadas cautelares) não poderem ter duração superior a seis meses: «são aplicáveis nas situações de emergência ou enquanto se procede ao diagnóstico da situação da criança e à definição do seu encaminhamento subsequente, não podendo a sua duração prolongar-se por mais de seis meses».
Na redação de 2015 estará porventura ainda mais claro.
Quando o Ministério Público promoveu o acolhimento em instituição em termos definitivos (em 11/07/2017 e em 05/02/2018), por estar esgotado o tempo de aplicação de medida cautelar, o prazo durante o qual uma criança pode ser submetida a uma medida cautelar como a dos autos (seis meses) estava de havia muito esgotado, mesmo considerando o momento da entrada em vigor da alteração de 2015. Assim, torna-se desnecessário discutir se, perante a anterior redação do artigo em causa, podiam ou não ter sido efetuadas as prorrogações reiteradas que foram feitas desde março de 2013 (primeira prorrogação da medida aplicada em 03/10/2012).
Tem razão o Ministério Público recorrente ao pedir a revogação do despacho de 04/07/2018, que prorrogou a medida por três meses, quando estava esgotado o prazo máximo de seis meses durante o qual medidas cautelares podem vigorar.
Chama-se a atenção para o facto de o despacho recorrido invocar como fundamento da prorrogação o art. 62, n.º- 3, al. c), norma que se refere à aplicação e revisão de medidas aplicadas a título «definitivo», não cautelarmente. Para a revisão de medidas aplicadas a título cautelar vigora o art. 37, n.º 3, que o art. 62, n.º 1, ressalva.
Em suma:
As medidas de promoção e proteção aplicadas a crianças, inclusive as medidas de acolhimento residencial, são obrigatoriamente revistas findo o prazo fixado no acordo ou na decisão judicial, e, em qualquer caso, decorridos períodos nunca superiores a seis meses. Quando aplicadas a título cautelar, as medidas têm a duração máxima de seis meses e devem ser revistas no prazo máximo de três meses.
IV. DECISÃO
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando o despacho recorrido que deve ser substituído por outro que, no superior interesse de GA... e de GR..., determine com urgência a aplicação de medida de proteção em termos definitivos.
Considerando as condições de vida destas crianças narradas nos autos e o seu superior interesse, nomeadamente de estabilidade e de proteção face à família, até à prolação do despacho ora ordenado, mantêm-se as mesmas a residir na instituição de acolhimento.
Sem custas.
Lisboa, 25/09/2018
Higina Castelo
José Capacete
Carlos Oliveira