1 - O plano de recuperação torna-se vinculativo para a generalidade dos credores, mesmo para os que não tenham tomado parte nas conversações, ou, independentemente disso, o não hajam subscrito, logo que proferida e notificada aos interessados a respectiva sentença homologatória e não com o trânsito em julgado desta [artigos 17.-F. n.° 5, 17.°-G e 217.° (este por analogia) do CIRE].
2 - O disposto no artigo 288.° do CIRE é aplicável às decisões proferidas no âmbito do processo especial de revitalização previsto e regulado nos artigos 17.°-A a 17.°-I do mesmo diploma legal.
3 - Nos termos da alínea b) do n.° 1 do art.° 288.° do CIRE só não deve ter lugar o reconhecimento de decisão proferida em processo de insolvência ou PER estrangeiro se o mesmo conduzir a resultado que manifestamente afronte os princípios fundamentais, estruturantes, da ordem jurídica portuguesa.
Proc. 11045/18.4T8LSB.L1 6ª Secção
Desembargadores: Manuel Rodrigues - Ana Paula Carvalho - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Processo n.º 11.045/18.4T8LSB.L1 [recurso de apelação]
Tribunal Recorrido: Juízo de Comércio de Lisboa - Juiz 2
Recorrentes: O..., S.A. — Em Recuperação Judicial, TEL..., S.A. ¬Em Recuperação Judicial, O... Móvel, S.A. — Em Recuperação Judicial, COP..., S.A. — Em Recuperação Judicial e CO5..., S.A. — Em Recuperação Judicial.
Relator: Juiz Desembargador Manuel Rodrigues
1.ª Adjunta: Juíza Desembargadora Ana Paula A.A. Carvalho
2.a Adjunta: Juíza Desembargadora Gabriela de Fátima Marques
I - O plano de recuperação torna-se vinculativo para a generalidade dos credores, mesmo para os que não tenham tomado parte nas conversações, ou, independentemente disso, o não hajam subscrito, logo que proferida e notificada aos interessados a respectiva sentença homologatória e não com o trânsito em julgado desta [artigos 17.-F. n.° 5, 17.°-G e 217.° (este por analogia) do CIRE].
II — O disposto no artigo 288.° do CIRE é aplicável às decisões proferidas no âmbito do processo especial de revitalização previsto e regulado nos artigos 17.°-A a 17.°-I do mesmo diploma legal.
III - Nos termos da alínea b) do n.° 1 do art.° 288.° do CIRE só não deve ter lugar o reconhecimento de decisão proferida em processo de insolvência ou PER estrangeiro se o mesmo conduzir a resultado que manifestamente afronte os princípios fundamentais, estruturantes, da ordem jurídica portuguesa.
IV - Tal reconhecimento deve ser concedido se ele, conduzindo embora a resultados não completamente sobreponíveis ou subsumíveis aos referidos princípios fundamentais e estruturantes do ordenamento jurídico português, todavia, não os afronte.
(Sumário elaborado pelo relator).
Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I) Relatório
1.1. O... S.A. — Em Recuperação Judicial, sociedade constituída e existente no Brasil, com sede e principal estabelecimento na Rua ..., na Cidade e Estado de Rio de Janeiro, CEP …, Brasil, inscrita no CNPJ/MF sob o n.° 7…;
- TEL..., S.A. - Em Recuperação Judicial, sociedade constituída e existente no Brasil, com sede e principal estabelecimento na Rua ..., na Cidade e Estado de Rio de Janeiro, CEP … Brasil, inscrita no CNPJ/MF sob o n.° 3…
- O... Móvel, S.A. — Em Recuperação Judicial, sociedade constituída e existente no Brasil, com sede no Sector Comercial Norte …, Brasília, DF, …, no Brasil, inscrita no CNPJ/MF sob o n.° 0…;
- COP..., S.A. — Em Recuperação Judicial, sociedade constituída e existente no Brasil, com sede e principal estabelecimento na Rua …, …, Rio de Janeiro, CEP…, no Brasil, inscrita no CNPJ/MF sob o n.° 1…; e
- CO5..., S.A. — Em Recuperação Judicial, sociedade constituída e existente no Brasil, com sede e principal estabelecimento na Rua …, Rio de Janeiro, CEP …, no Brasil, inscrita no CNPJ/MF sob o n.° 1…,
Requereram, ao abrigo do disposto nos artigos 288.° e 290.° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) o reconhecimento, em Portugal, com os efeitos daí decorrentes e que são devidamente explicitados na certidão junta aos autos (Doc. n.° 16), ordenando-se igualmente a sua publicidade, da Decisão de Homologação do Plano de Recuperação Judicial, proferida em 8 de Janeiro de 2018, pelo Juiz de Direito da 7ª Vara Empresarial da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, Brasil, homologado no contexto de Processo Judicial de Recuperação das Recuperandas aí pendente.
Alegaram, para tanto, em síntese:
- Em 20 de Junho de 2016, a O..., em conjunto com algumas das suas subsidiárias directa ou indirectamente por si detidas, entre as quais a O... Móvel, a TEL..., a COP..., CO5..., a POR... B.V. — Em Recuperação Judicial (PTIF) e a O... Brasil … U.A. — Em Recuperação Judicial requereu um Processo de Recuperação Judicial (doravante PRJ), distribuído à 7.a Vara Empresarial da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, ali correndo os seus termos sob o n.° 0…
- Tendo em vista o reconhecimento do PRJ em Portugal, a O... e a TEL... e, num segundo momento, a O... Móvel, desencadearam os procedimentos legais adequados para o efeito, tendo, ao abrigo do disposto nos artigos 288.° e 290.° do CIRE, requerido tal reconhecimento no âmbito dos processos que tomaram, respectivamente, o n.° 28111/....T8LSB, que correu termos pelo Juízo de Comércio de Lisboa — Juiz 3, e n.° 16421/....T8LSB, que correu termos no Juízo de Comércio de Lisboa — Juiz 5.
- No Brasil o PRJ é disciplinado pela Lei n.° 11.101, de 9 de Fevereiro de 2005 e tem por objectivo viabilizar a recuperação da(s) empresa(s) em situação de crise económico-financeira, com vista à preservação da empresa, fonte de empregos e riquezas para toda a sociedade, donde ser em tudo semelhante ao Processo Especial de Revitalização (PER), previsto nos artigos 17.°-A a 17.º 4 do nosso CIRE.
- o Plano de Recuperação foi aprovado por maioria esmagadora de Credores, em Assembleia de Credores, reunida, para o efeito, nos dias 19 e 20 de Dezembro de 2017.
- o Plano de Recuperação Judicial foi homologado por decisão proferida no dia 8 de Janeiro de 2018, pelo Juiz de Direito da 7ª Vara Empresarial da Comarca Capital do Estado do Rio de Janeiro.
- sob prejuízo de inutilizar a decisão de reconhecimento do PRJ, por duas vezes proferida no tribunal de comércio de Lisboa, impõe-se agora reconhecer o Plano de Recuperação homologado pela 7 a Vara Empresarial da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro.
- na lógica do regime legal vigente, o preenchimento dos requisitos de reconhecimento em relação ao PRJ, duas vezes confirmado pelo Tribunal, aproveita ao reconhecimento do Plano de Recuperação homologado no âmbito do PRJ, já reconhecido.
- conquanto que o Plano de Recuperação seja único para as sete sociedades do Grupo O…, incluindo as Recuperandas Holandesas, sendo estas sociedades de Direito Holandês, na Holanda, é necessária a aprovação de planos de composição, nos mesmos moldes do Plano de Recuperação, naquilo que se refere às Recuperandas Holandesas, tendo sido agendada a votação dos respectivos planos de composição pelos respectivos credores, junto dos competentes tribunais holandeses, para o dia 01 de Junho de 2018.
- a decisão proferida pelos tribunais holandeses, confirmando os planos de composição após a sua aprovação, será abrangida pelo disposto no artigo 32.° do Regulamento (EU) 2015/848, de 20 de maio de 2015, relativo aos processos de insolvência, sendo, então, reconhecida em Portugal sem mais formalidades devendo ser executada nos termos dos artigos 39.° a 44.° e 47.° a 57.° do Regulamento (UE) n.° 1215/2012.
- não exigindo o legislador português que a Decisão de Homologação cujo reconhecimento se requer tenha transitado em julgado, nem carecendo o processo de reconhecimento da realização de qualquer citação, entendem as Requerentes que todos os requisitos legalmente prescritos para a procedência do seu pedido estão cumpridos.
1.2. Conhecedora do pedido, a PHA... S.A., anteriormente denominada POR… SGPS, S.A., Sociedade Aberta, dirigiu requerimento ao processo a invocar a exceção dilatória de preterição de litisconsórcio necessário, com todas as legais consequências e, subsidiariamente, que seja julgada a acção totalmente improcedente, por não provada, não sendo reconhecido nem publicitado o Plano de Recuperação Judicial com base nos argumentos de facto e de direito supra-elencados e à luz do disposto nos artigos 288.° e 290.°, ambos do CIRE.
1.3. Por despacho de 20/06/2018 [ref.ª Citius …] ordenou-se o desentranhamento dos autos do articulado apresentado pela PHA... SA, por os autos não comportarem a citação e intervenção de eventuais interessados por abrangidos no plano de recuperação judicial.
1.4. Notificadas para se pronunciarem sobre a legalidade e interesse do pedido que formularam, as Requerentes estribaram-se na anotação de Luís Carvalho Fernandes e João Labareda ao disposto no art.° 293° do CIRE (cfr. Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 2008, pág. 896), para concluir que tal disposição tem apenas lugar quando seja necessária a execução compulsiva em Portugal de uma decisão estrangeira.
E, na esteira do defendido por tais autores, acrescentaram que o entendimento que têm por melhor, é, com efeito, o sentido de alribuir ao n.° 2 do art.° 288.°, na parte em que estende às providências de conservação adoptadas posteriormente à declaração de insolvência e, em geral, a quaisquer decisões tomadas com vista à execução do processo (estrangeiro, leia-se), o regime de reconhecimento da própria decisão declaratória, fixado no seu n.° 1 e complementada pelo art.° 290.° do CIRE.
Mais informaram nos autos as Requerentes que:
- Em decisão proferida pelo Juiz da 7.a Vara Empresarial da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, prolatada em 26 de Junho de 2018, refere-se que o plano de recuperação cuja decisão de homologação se pretende ver reconhecida e publicitada nos presentes autos, foi aprovado pela esmagadora maioria dos credores reunidos em AGC [Assembleia Geral de Credores], tendo sido devidamente homologado, não tendo sido proferida até ao momento qualquer decisão em segundo grau modificando ou suspendendo a decisão homologatória, no todo ou em parte;
- por decisão proferida em Nova Iorque foi concedido pleno efeito e vigência nos Estados Unidos ao plano de recuperação aprovado e homologado no âmbito do processo de recuperação judicial das aqui Requerentes.
1.5. Na sequência, em 30/07/2018 foi proferido saneador-sentença, com a ref.ª Citius …, cujo segmento decisório é do seguinte teor:
«Em face do exposto, fundamentado e escudado nos princípios e normativos que no caso regem, indefiro o reconhecimento de sentença de homologação de plano de revitalização proferida em processo estrangeiro, por estar pendente de recurso.
Custas a cargo das AA.».
1.6. Inconformadas com a referida Decisão, que indeferiu o reconhecimento da sentença de homologação de plano de recuperação proferida em processo estrangeiro, por estar pendente de recurso, dela apelaram as Requerentes, formulando, no final das suas alegações, as seguintes Conclusões:
«A. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou improcedente o pedido de reconhecimento da decisão de homologação do plano de recuperação das ora Recorrentes, aprovado e homologado no âmbito do processo de recuperação judicial que corre os seus termos pela 7.ª Vara Empresarial do Tribunal Judicial da Comarca do Rio de Janeiro, no Brasil.
B. O pedido de reconhecimento foi requerido ao abrigo do disposto nos artigos 288.° e 290.° do CIRE, tendo sido indeferido com o fundamento de não se mostrar transitada a sentença de homologação o que, no entender do Tribunal a quo, conduziria a um resultado manifestamente contrário aos princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa.
C. O artigo 288.° não impõe o trânsito em julgado das decisões proferidas em processo estrangeiro que se pretendam ver reconhecidas em Portugal. Não tendo o legislador imposto, como pressuposto para o reconhecimento, o trânsito em julgado da decisão que se pretende ver reconhecida, entender que o mesmo é necessário constitui uma restrição inadmissível ao âmbito de aplicação do referido preceito.
D. A interpretação teleológica do artigo 293.° do CIRE não permite concluir que, a contrario, o pedido de reconhecimento requerido ao abrigo do artigo 288.° do mesmo diploma, dependa do trânsito em julgado da decisão.
E. A menção à dispensa do trânsito em julgado que o legislador fez constar no citado artigo 293.° justifica-se, e tem a sua razão de ser, apenas pelo facto de tal norma remeter para o processo de revisão e confirmação e revisão de decisões estrangeiras previsto no Código de Processo Civil, esclarecendo o legislador que, no caso de revisão de sentenças estrangeiras em matéria de insolvência, se dispensa o requisito do trânsito em julgado que é imposto naquele processo.
F. Pretendesse, de facto, o legislador impor o trânsito em julgado das decisões cujo reconhecimento é pedido nos termos do artigo 288.° do CIRE, não deixaria de expressamente impor tal requisito a par das alíneas a) e b) do seu n.° 1. O que não fez.
G. Na ordem jurídica portuguesa, os efeitos do plano de recuperação aprovado no âmbito de um processo especial de revitalização produzem-se automaticamente com a notificação da sentença homologatória, vinculando todos os credores, mesmo aqueles que se tenham mantido à margem das negociações, como igualmente os credores discordantes e os que tenham requerido a sua não homologação, não sendo, portanto, necessário que a sentença homologatória transite em julgado para produzir os seus efeitos.
H. Da atual redação do n.° 7 do artigo 17.°-F do CIRE resulta serem aplicáveis ao plano de recuperação aprovado e homologado em sede de processo especial de revitalização as regras previstas para o plano de insolvência, nomeadamente, o artigo 217.° do CIRE.
I. Como sucede no regime jurídico português, a decisão homologatória do plano de recuperação das ora Recorrentes, cuja certidão instruiu o pedido de reconhecimento, produziu efeitos imediatos, vinculativos para todos os credores.
J. Também como sucede no regime jurídico português, por força do disposto no artigo 14.° do CIRE, o recurso interposto da decisão de homologação do plano tem efeito meramente devolutivo.
K. No caso concreto, mostra-se, de resto, junto aos autos um ofício expedido pela 7.a Vara Empresarial do Tribunal Judicial da Comarca do Rio de Janeiro, informando os autos não ter sido proferida, até ao momento, qualquer decisão de segunda instância modificando ou suspendendo a decisão homologatória do plano.
L. De acordo com a sentença posta em crise o resultado manifestamente contrário aos princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa decorre do facto de não ter transitado em julgado a decisão de homologação do plano de recuperação das ora Recorrentes, o que, considerando a inerente possibilidade de execução, lançaria por terra os direitos exercidos por interessados e visados no reconhecimento que, por terem interesse e legitimidade, dela recorreram.
M. O efeito devolutivo dos recursos é regra do sistema legal português, nomeadamente, em matéria de insolvência, sendo, naturalmente, esse efeito conforme aos princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa.
N. Garantindo-se no processo de recuperação judicial das ora Recorrentes, como no direito português, o direito ao recurso aos credores da decisão que homologou o plano de recuperação das ora Recorrentes (designadamente, aos credores residentes em Portugal) e, atribuindo-se a esse recurso, como no direito português, efeito devolutivo, não se vislumbra motivo para se considerar que o reconhecimento daquela decisão, não transitada em julgado, conduz a um resultado manifestamente contrário aos princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa.
O. Contrária aos princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa é antes a sentença posta em crise. Com efeito, indeferindo o pretendido reconhecimento por não se mostrar transitada em julgado a decisão de homologação do plano de recuperação das ora Recorrentes, a sentença recorrida, impedindo a sua execução em Portugal, contraria frontalmente o disposto nos artigos 14.°, 17.°-F n.° 7, 217.° e 288.°, todos do CIRE.
Nestes termos e nos demais de Direito aplicável, deve ser julgado procedente o presente recurso de apelação, e, em consequência, ser revogada a sentença posta em crise, sendo substituída por Douto Acórdão que, considerando preenchidos os pressupostos legais previstos no artigo 288.° do CIRE, reconheça, em Portugal, a decisão de homologação do plano de recuperação das ora Recorrentes, de quais depende o reconhecimento nos termos do artigo 288.° do CIRE, ordenando igualmente a sua publicidade nos termos do artigo 290.° do CIRE».
1.7. Não foram apresentadas contra-alegações.
1.8. Corridos que foram os vistos legais, cumpre decidir.
II — Objecto do recurso — questão a decidir:
De acordo com o disposto nos artigos 635°, n.° 4 e 639°, n.°s 1 e 2, do Código de
Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, contanto que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5°, n.° 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.
Assim, a questão fulcral a decidir é a seguinte:
- Deve ser reconhecida em Portugal a Decisão de Homologação do Plano de Recuperação das sociedades de Direito brasileiro, ora Requerentes, proferida por Tribunal Brasileiro [Juiz de Direito da 7 a Vara Empresarial da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro!?
III) Fundamentaçâo
A) Motivação de Facto
Os factos relevantes a atender são os que resultam do processado e documentação junta aos autos e ainda os seguintes:
1. No dia 20 de Junho de 2016, a O..., em conjunto com algumas das suas subsidiárias directa ou indirectamente por si detidas, entre as quais a O... Móvel, a TEL..., a COP..., e a CO5... (todas em conjunto as Recuperandas Brasileiras), aqui partes, e, ainda, a POR... B.V. — Em Recuperação Judicial (PTIF) e a O... U.A. — Em Recuperação Judicial (O... Coop e, em conjunto com a PTIF as Recuperandas Holandesas e, em conjunto
com as Recuperandas Brasileiras, Grupo O...), sociedades constituídas e existentes na Holanda, requereu um Processo de Recuperação Judicial (doravante PRJ), distribuído à 7.a Vara Empresarial da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, ali correndo os seus termos sob o n.° 0…, conforme certidão junta como Doc. n.° 6, cujo teor se dá integralmente reproduzido;
2. O processamento do PRJ foi deferido por decisão de 29 de Junho de 2016 (doravante a Decisão), que foi devidamente publicada e publicitada, conforme decorre do Documento n.° 7, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
3. O teor da mencionada decisão é o seguinte:
V - CONCESSÃO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL - Ante todo o exposto, considerando a aprovação do plano pela maioria expressiva dos credores das recuperandas, na AGC realizada em 19/12/2017, que aguardam a homologação do PRJ pelo Poder Judiciário, e uma vez examinados os aspectos de legalidade do plano, resta ao Juízo Recuperacional ratificar por homologação a decisão soberana dos credores. A decisão de homologação deve ser imediata não apenas par força da lei, mas porque milhares de credores terão seus créditos satisfeitos mais rapidamente, lembrando que os credores que mediaram com o Grupo 01, que são mais de 30 mil, receberão o saldo residual em até 10 dias depois da homologação; e os credores trabalhistas começarão a receber em 180 dias contados da homologação. Confiram-se as cláusulas 4.4.1 e 4.1 do plano aprovado: Também depende da homologação do plano o início do prazo para que os credores escolham entre as opções de pagamento de seus créditos na plataforma das Recuperandas, como se extrai da cláusula 4.5 do plano. Assim, ante o exposto, cumpridas as exigências legais, CONCEDO A RECUPERAÇÃO JUDICIAL e HOMOLOGO O PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL apresentado por 0… S.A., TEL... S.A., 0… MÓVEL S.A., COP... S.A., CO5... S.A., POR... , e 0… U.A., com as seguintes ressalvas: a) ser inválida a Seção 11 do Anexo (denominado SubseriptionCommitment Agreement do PRJ), no que tange à faculdade conferida às Recuperand as de realizarem reembolsos de despesas incorridas pelos credores na busca pela satisfação de seus créditos; b) serem as condições previstas no item 5 do mesmo Anexo, que prevêem o pagamento de commitment fee, extensíveis a todos as credores nas mesmas condições. Nos termos da fundamentação acima, e atento ao art. 50 da LRF, esclareço que a vontade soberana dos credores deve ser integralmente respeitada, sendo até mesmo vedada a prática de qualquer ato — seja por acionista, membro do conselho ou administrador da companhia — que tenha o fim de inviabilizar o cumprimento do plano de recuperação aprovado na forma da lei. Cabe, inclusive, ao Presidente do Conselho de Administração dar imediato e efetivo cumprimento ao plano aprovado, tão logo homologado, assegurando, dentre outras, as condições provisoras de governança corporativa e conversão de dívida em acções conforme manifestação soberano dos credores. Dispenso as certidões exigidas no art. 57 da LRF, na forma das razões acima expostas, Publique-se e dê-se ciência pessoal ao MP e demais órgão com a mesma prerrogativa. Intime-se e cumpra-se;
4. Tendo em vista o reconhecimento do PRJ em Portugal, a O... e a TEL... e, num segundo momento, a O... Móvel, desencadearam os procedimentos legais adequados para o efeito, tendo, ao abrigo do disposto nos artigos 288.° e 290.° do CIRE, requerido tal reconhecimento no âmbito dos processos que tomaram, respectivamente, o n.° 28111/…T8LSB, que correu termos pelo Juízo de Comércio de Lisboa — Juiz 3, e n.° 16421/…T8LSB, que correu termos no Juízo de Comércio de Lisboa — Juiz 5;
5. No âmbito daquele primeiro processo, por sentença proferida no passado dia 1 de Março de 2017, junta como Doc. n.° 8, cujo teor se dá por reproduzido, o Tribunal julgou procedente o pedido de reconhecimento, em Portugal, da declaração de abertura e pendência do Processo de Recuperação Judicial da O... e da TEL...;
5. E, no âmbito do segundo processo referido em 4., por sentença proferida no passado dia 4 de Agosto de 2017, junta como Doc. n.° 9, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, o Tribunal também julgou procedente o pedido de reconhecimento, em Portugal, da declaração de abertura e pendência do Processo de Recuperação Judicial da O... Móvel.
6. Entre outros efeitos, a Decisão referida em 2., ao deferir o processamento do PRJ, determinou o seguinte:
1) a nomeação de administrador judicial, após indicações que fossem realizadas pela ANATEL (a Agência Nacional de Telecomunicações que regula o sector das telecomunicações no Brasil);
2) a suspensão de todas as execuções e acções por valores líquidos, abrangendo inclusive:
(i) as execuções extrajudiciais ou de cumprimento de sentença, provisórias ou definitivas, inclusive aquelas em que sejam cobradas multas e/ou sanções administrativas aplicadas contra as devedoras;
(ii) os procedimentos jurisdicionais que traduzam constrição patrimonial (ou seja, que impeçam as devedoras de dispor livremente dos seus bens), ou que versem sobre bloqueio ou penhora (nesse caso, mesmo de quantia ilíquida), que impliquem qualquer tipo de perda patrimonial das requerentes, ou interfiram na posse de bens afectos à sua actividade empresarial;
(iii) as arbitragens no âmbito das quais já hajam sido definidas as quantias líquidas devidas pelas requerentes;
3) o aditamento, após a sua designação comercial, da expressão em recuperação judicial;
4) a publicação de edital contendo o pedido das requerentes, da Decisão e a relação dos credores, contendo o valor actualizado dos créditos e a sua qualificação, fixando o prazo para reclamação e impugnação;
5) a publicação pelo administrador judicial da relação dos credores no momento oportuno;
6) a notificação do Ministério Público e das demais instituições públicas;
7) a fixação do prazo de 60 dias úteis para apresentação do plano de recuperação.
7. Na sequência dessa Decisão, foram nomeados para conduzir o processo no qual foi proferida a Decisão cujo reconhecimento se requer, a PRI... LDª., com sede na Av…. SP; e b) o Escritório de Advogados …, com sede na Av… SP — conforme decorre de despacho proferido em 22.07.2016 — cf. Doc. n.° 10, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
8. A PRI... LDª., que exercia a função de administrador judicial financeiro, foi substituída pelo próprio Escritório de Advogados …, conforme acta de audiência junta como Doc. n.° 12, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
9. O Plano de Recuperação das Requerentes foi aprovado por maioria expressiva de Credores, em Assembleia de Credores, reunida, para o efeito, nos dias 19 e 20 de Dezembro de 2017;
10. Tal Plano de Recuperação Judicial foi homologado por decisão proferida no dia 8 de Janeiro de 2018 pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro - 7.ª Vara Empresarial da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro;
11. O teor da mencionada decisão é o seguinte:
V - CONCESSÃO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL - Ante todo o exposto, considerando a aprovação do plano pela maioria expressiva dos credores das recuperandas, na AGC realizada em 19/12/2017, que aguardam a homologação do PRJ pelo Poder Judiciário, e uma vez examinados os aspectos de legalidade do plano, resta ao Juízo Recuperacional ratificar por homologação a decisão soberana dos credores. A decisão de homologação deve ser imediata não apenas par força da lei, mas porque milhares de credores terão seus créditos satisfeitos mais rapidamente, lembrando que os credores que mediaram com o Grupo 01, que são mais de 30 mil, receberão o saldo residual em até 10 dias depoiss da homologação; e os credores trabalhistas começarão a receber em 180 dias contados da homologação. Confiram-se as cláusulas 4.4.1 e 4.1 do plano aprovado: Também depende da homologação do plano o início do prazo para que os credores escolham entre as opções de pagamento de seus créditos na plataforma das Recuperandas, como se extrai da cláusula 4.5 do plano. Assim, ante o exposto, cumpridas as exigências legais, CONCEDO A RECUPERAÇÃO JUDICIAL e HOMOLOGO O PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL apresentado por 0… S.A., TEL... S.A., O... MÓVEL S.A., COP... S.A., CO5... S.A., POR... av, e 0… UA., com as seguintes ressalvas: a) ser inválida a Seção 11 do Anexo (denominado SubseriptionCommitment Agreement do PRJ), no que tange à faculdade conferida às Recuperand as de realizarem reembolsos de despesas incorridas pelos credores na busca pela satisfação de seus créditos; b) serem as condições previstas no item 5 do mesmo Anexo, que prevêem o pagamento de commitment fee, extensíveis a todos as credores nas mesmas condições. Nos termos da fundamentação acima, e atento ao art. 50 da LRF, esclareço que a vontade soberana dos credores deve ser integralmente respeitada, sendo até mesmo vedada a prática de qualquer ato — seja por acionista, membro do conselho ou administrador da companhia — que tenha o fim de inviabilizar o cumprimento do plano de recuperação aprovado na forma da lei. Cabe, inclusive, ao Presidente do Conselho de Administração dar imediato e efetivo cumprimento ao plano aprovado, tão logo homologado, assegurando, dentre outras, as condições provisoras de governança corporativa e conversão de dívida em acções conforme manifestação soberano dos credores. Dispenso as certidões exigidas no art. 57 da LRF, na forma das razões acima expostas, Publique-se e dê-se ciência pessoal ao MP e demais órgão com a mesma prerrogativa. Intime-se e cumpra-se.
12. Por Decisões proferidas em 11 de Junho de 2018, pelo Tribunal de Amesterdão, Holanda, foi homologada a composição, isto é, o Plano de Recuperação Judicial da O... U.A. e da POR... B.V. [cfr. certidões juntas de 297 a 300 verso e de fls. 301 a 304 verso, respectivamente, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e ref.ª Citius …, de 23/06/2018].
1.7. A coberto de requerimento de 23 de Julho de 2018, as Requerentes fizeram juntar aos autos, devidamente traduzidas e apostilhadas, as Decisões proferidas pelo Tribunal de Amsterdão, que homologaram a composição, isto é, o Plano de Recuperação Judicial da O... U.A. e da POR... B. V. [cfr. docs. juntos de fls. 297 verso e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido].
B) Motivação de Direito
1. Está somente em causa saber deve ou não ser reconhecida em Portugal a Decisão de Homologação do Plano de Recuperação das Requerentes, proferida por Tribunal Brasileiro [Juiz de Direito da 7. Vara Empresarial da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro] no dia 8 de Janeiro de 2018, no contexto do Processo de Recuperação Judicial [PRJ] ali pendente.
2. No que para aqui releva, o Mm.° Juiz a quo fundamentou a sua Decisão de indeferimento do pedido reconhecimento da Decisão de Homologação do Plano de Recuperação das Requerentes proferido em processo estrangeiro, nos seguintes termo s [3] :
O thema decidendum dos presentes autos consiste em saber se o regime do processo de insolvência previsto no art. 288° do CIRE é aplicável ao processo especial de revitalização e, na afirmativa, se o reconhecimento de decisão não transitada em julgado pelo tribunal de primeira instância não conduz a resultado manifestamente contrário aos princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa.
(...)
3.2 - Do trânsito em julgado da sentença de homologação de plano de revitalização.
É pacífico que, por força do primado do direito comunitário, o Regulamento (UE) do Parlamento Europeu e do Conselho de 20 de maio de 2015 prevalece sobre o direito interno português e, consequentemente, qualquer decisão que determine a abertura de um processo de insolvência (leia-se processo especial de revitalização) proferido por um órgão jurisdicional de um Estado-Membro competente, é reconhecida em todos os outros Estados-Membros logo que produza efeitos no estado de Abertura do processo — cfr. art. 19° do Regulamento, com grifado nosso.
Já no que concerne ao reconhecimento de decisões proferidas em Estado não membro da União Europeia, a al. b) do n° 1 do art.° 188° do CIRE estabelece que a decisão é reconhecida em Portugal, salvo se o reconhecimento conduzir a resultado manifestamente contrário aos princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa.
Neste conspecto é afastado o reconhecimento automático (das decisões que produzam efeito em Estados-Membros), sendo a decisão estrangeira submetida ao controlo jurisdicional dos tribunais portugueses para que o reconhecimento fique efetivamente assegurado.
A lei não o refere, mas subentende-se que também no reconhecimento previsto no art.° 288° do CIRE se exige que tal decisão produza efeitos no Estado estrangeiro.
Na verdade, resulta dos processos de revisão e confirmação, previstos no TÍTULO XIV do CPC (arts. 978° e ss.), que os princípios e direitos a que fizemos alusão no âmbito do caso julgado mostram-se salvaguardados com a citação dos interessados para deduzirem a sua oposição, discussão e julgamento, e, bem assim, a verificação do duplo grau de jurisdição com interposição de recurso de revista (art. 985° do CPC).
Deste modo, da mens legis do art. 293° (in fine) do CIRE, mormente das referência à revista e confirmação das decisões tomadas em processo de insolvência estrangeiro, bem como da desnecessidade do requisito do trânsito em julgado, pode concluir-se, a contrario, que nos termos do art. 288° são apenas reconhecidas pelo tribunal de primeira instância as decisões em que se verifica o requisito do trânsito em julgado.
De resto, e conquanto que o recurso que recaia sobre o despacho de homologação do plano de insolvência ou sobre o plano de revitalização tenha efeito devolutivo, a origem normativa diverge: (i) o primeiro está expressamente previsto no n° 5 do art. 14° do CIRE (o processo só é encerrado por declaração judicial nos termos da al. b) do n° 1 do art. 230° do CIRE); (ii) o segundo decorre da aplicação do regime processual civil (art. 647°, n° 1 do CPC ex vi art. 17°, n° 1 do CIRE), com subida nos próprios autos - cfr. al. a) do n° 1 do art. 14° do CIRE -, em virtude de a decisão homologatória pôr termo ao processo.
Assim, a subida do recurso nos próprios autos, habilitaria a revitalizanda tão-somente à prática, quando muito, de atos com natureza provisória, donde os planos de insolvência e de revitalização que correm termos em Portugal remeterem, em regra, o início da sua execução ou efeitos para a data do trânsito em julgado.
Aqui chegados, e ressalvando o sempre devido respeito por opinião contrária, é de considerar que o plano de revitalização só produz efeitos jurídicos após o trânsito em julgado da decisão que o homologar.
3.3 — Da natureza e efeitos do trânsito em julgado no ordenamento jurídico português.
No ordenamento jurídico português uma decisão judicial, seja sentença ou despacho, transita em julgado quando se torna insusceptível de recurso ordinário ou de reclamação.
A definição de trânsito em julgado na vertente procedimental é bifronte, porquanto incide sobre a vertente temporal e aspecto recursal. Ultrapassado o prazo para a interposição dos recursos sem que haja a impugnação da sentença, ocorre o trânsito em julgado da sentença por preclusão — cfr. art 619° do CPC.
Mas para além da delimitação do conceito num puramente processual-dogmático, releva ainda a questão de saber se a decisão jurisdicional encontra legitimidade na base produtiva e fiscalizadora do processo.
No âmbito dos princípios processuais que regem o nosso ordenamento jurídico releva entre os constitucionais: princípio do contraditório e da ampla defesa, bem como do duplo grau de jurisdição.
Conquanto que a Constituição não contenha preceito expresso que consagre o direito ao recurso para um outro tribunal em processo civil (previsto no processo penal após revisão constitucional n.° 1/97, de 20 de Setembro, que passou a incluir, no artigo 32°, a menção expressa ao recurso, incluído nas garantias de defesa), vem sendo defendido como constitucionalmente incluído no princípio do Estado de direito democrático o direito ao recurso de decisões que afectem direitos, liberdades e garantias constitucionalmente garantidos, mesmo fora do âmbito penal.
Pacifico é o entendimento de que impondo a Constituição uma hierarquia dos tribunais judiciais (com o Supremo Tribunal de Justiça no topo, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional - artigo 210°), terá de admitir-se que o legislador ordinário não poderá suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos.
Ora, in casu, o reconhecimento de uma decisão estrangeira sob recurso, com a inerente possibilidade de execução, lançaria por terra os direitos exercidos por interessados e visados no reconhecimento que, per terem interesse e legitimidade, dela recorreram.
Termos em que, resultando dos autos que a decisão submetida a reconhecimento não transitou ainda em julgado por força de recurso interposto por credores residentes em Portugal, deve o pedido ser julgado improcedente relativamente às sociedades sediadas, ou que tenham o centro dos seus principais interesses, em Estado não membro da União Europeia, por a decisão em sentido diverso conduzir a resultado manifestamente contrário aos princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa.
Já no que concerne a empresas sediadas ou que tenham o centro dos seus principais interesses em Estado-Membro, o reconhecimento é automático logo que produza efeitos no Estado em que corre termos o processo (cfr. art. 19° do Regulamento (UE) 2015/848 de 20 de maio de 2015, e, produzindo ali efeitos, terá que ser tomado em consideração o regime do registo e publicidade constantes dos arts. 24° (entrado em vigor a 26 de Julho de 2018 — art. 92° do Regulamento) e 28° (Fim de citação).
3. Antecipamos, desde já, que não sufragamos nem o sentido decisório alcançado, nem os fundamentos ent que se estriba a sentença em crise, com excepção do segmento em que concluiu - e bem - que o reconhecimento previsto no art.° 288.° do Código da Insolvência e da Recuperação da Empresas [doravante CIRE] é também aplicável a processos de recuperação judicial como aquele que foi requerido pela ora Recorrentes, o que está em consonância, aliás, com o que vem defendendo a doutrina e jurisprudência.
As normas de conflitos que estatuem directamente sobre a relevância em Portugal do processo de insolvência [ou de recuperação de empresa] estrangeiro, designadamente no que concerne ao reconhecimento, publicidade e exequibilidade, em Portuga, de decisões de declaração de insolvência [ou de homologação de plano de recuperação de empresa], têm o seu assento legal no Título XV, Capítulo II, do CIRE [artigos 288.° a 293.°]
O artigo 288.° do CIRE, com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.° 79/2017, de 30/06, sob a epígrafe «Reconhecimento», dispõe:
1 - A declaração de insolvência em processo estrangeiro, sempre que o centro dos principais interesses do devedor se situa fora de um Estado membro da União Europeia, é reconhecida em Portugal, salvo se:
a) A competência do tribunal ou autoridade estrangeira não se fundar em algum dos critérios referidos no artigo 7. ° ou em conexão equivalente;
b) O reconhecimento conduzir a resultado manifestamente contrário aos princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa.
2 - O disposto no número anterior é aplicável às providências de conservação adoptadas posteriormente à declaração de insolvência, bem como a quaisquer decisões tomadas com vista à execução ou encerramento do processo.
Por sua vez, o artigo 290.°, com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.° 282/2007, de 07 de Agosto, trata do tema «Publicidade», estabelecendo o seguinte:
1 - Verificando-se os pressupostos do reconhecimento da declaração de insolvência, o tribunal português ordena, a requerimento do administrador da insolvência estrangeiro, a publicidade do conteúdo essencial da decisão de declaração de insolvência, da decisão de designação do administrador de insolvência e da decisão de encerramento do processo, nos termos do artigo 37.°, aplicável com as devidas adaptações, podendo o tribunal exigir tradução certificada por pessoa que para o efeito seja competente segundo o direito do Estado do processo.
2 - As publicações referidas no número anterior são determinadas oficiosamente se o devedor tiver estabelecimento em Portugal.
No que concerne à «Exequibilidade» das decisões, rege o artigo 293.° do CIRE, que estatui que As decisões tomadas em processo de insolvência estrangeiro só se podem executar em Portugal depois de revistas e confirmadas, não sendo, porém, requisito da confirmação o respectivo trânsito em julgado.
Do corpo do n.° 1 resulta, desde logo, que o nosso ordenamento jurídico acolhe, como regra geral, o reconhecimento, em Portugal, da declaração de insolvência proferida em processo estrangeiro, princípio que o n.° 2 torna extensivo às providências de conservação que tenham sido adoptadas no processo posteriormente à declaração de insolvência, bem como a quaisquer decisões tomadas com vista à execução ou encerramento do processo.
Só assim não sucederá se ocorrer algumas das situações impeditivas previstas nas alíneas a) e b) do n.° 1 do art.° 288.° do CIRE.
Decorre, assim, deste preceito legal que o reconhecimento não é automático, ao contrário do que sucede com o regime comunitário estabelecido pelo Regulamento (UE) 2015/848, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Maio de 2015, que reformou o Regulamento (CE) n.° 1346/2000 do Conselho, de 29 de Maio de 2000, relativo aos processos de insolvência, instrumentos em que se acolheu o princípio geral do reconhecimento automático, pelos outros Estados-Membros da União, da decisão de abertura de um processo de insolvência proferida em qualquer deles, com o sentido e alcance do artigo 2.°, n.°s 4 e 7, bem como o reconhecimento, sem mais formalidades, das decisões relativas à tramitação — estando, por isso, abrangidas as declaratórias de insolvência — e ao encerramento de um processo de insolvência proferidas por um órgão jurisdicional cuja decisão de abertura do processo seja reconhecida por força do art.° 19.°, bem como qualquer acordo homologado por esse órgão jurisdicional, as quais são executadas nos termos dos artigos 39.º a 44.º e 47.° a 57.° do Regulamento (EU) 2015/848, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Maio de 2015.
Resumindo, como referem Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, a propósito do reconhecimento de decisões proferidas em processo de insolvência estrangeiro, de país terceiro, que não seja Estado Membro da União Europeia, (...) por um lado o reconhecimento não é automático, como se vê da conjugação do art.° 288.°
com o art.° 290.° e, por outro, a execução em Portugal das decisões tomadas em processo estrangeiro depende da sua prévia revisão e confirmação, segundo o que estatui o art.° 293.°, muito embora se dispense o trânsito em julgado como requisito de confirmação.
É, aliás, o que resulta do elemento literal das disposições dos artigos 288.° e 293.° do CIRE, que não impõe o trânsito em julgado da decisão revidenda, ou seja, da decisão cujo reconhecimento se pretende na ordem jurídica portuguesa.
E, como acertadamente referem as Recorrentes, onde a lei não distingue ou restringe não cabe ao intérprete fazê-lo, devendo antes presumir que o legislador consagrou na lei a solução mais acertada e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n.° 3 do art.° 9.° do Cód. Civil).
Destarte, se o legislador não impôs, como pressuposto do seu reconhecimento, o trânsito em julgado da decisão que se pretende ver reconhecida, proferida em processo de recuperação de empresa estrangeiro, não pode o intérprete ou aplicador da lei considerar que o mesmo é um requisito necessário ao reconhecimento pretendido [por não contemplado nas alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 288.° e antes expressamente afastado pelo artigo 293.°].
Depois, de acordo com a anotação de Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda em anotação ao artigo 293.° (nota 3) Impõe-se a prévia revisão e confirmação das decisões estrangeiras em matéria de insolvência como pressuposto essencial da sua execução compulsiva em Portugal. E, não havendo nenhuma determinação específica a propósito, o processo a seguir não pode deixar de ser o que se regula nos art.ºs 878.° e seguintes do C.P.Civil. Dispensa-se, todavia, o trânsito em julgado da decisão a rever, que é um dos requisitos gerais impostos pelo art.° 980.° daquele diploma, como se vê da sua al. b)
Também Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, citados, muito a propósito, pelas Requerentes, avançam vários fundamentos para concluir que os efeitos do PER se produzem automaticamente com a notificação da sentença homologatória e não com o trânsito em julgado da mesma.
Segundo os referidos autores, em primeiro lugar, cumpre referir que o n.° 6 do art.º 17.°-F [atualmente n.° 10 do mesmo artigo] vem estabelecer — como não poderia deixar de ser — que o plano homologado vincula todos os credores, mesmo aqueles que se tenham mantido à margem das negociações. Acrescentaríamos ainda que, como igualmente não poderia deixar de suceder, o plano, depois de homologado, vincula também os credores discordantes e aqueles que tenham requerido a sua não homologação (assumindo que a mesma não foi procedente).
Em segundo lugar, e como a própria redação da lei inculca, os efeitos do plano verificam-se com a prolação e notificação da sentença homologatória. Ou seja, homologado o plano e notificada a sentença homologatória aos interessados, os efeitos do plano verificam-se automaticamente (...).
Assim não é necessário que a sentença homologatória transite em julgado para que produza os seus efeitos. Em suma, a letra da lei indicia que, em sede de PER, vale o princípio vertido no artigo 217.°, a respeito do plano de insolvência. Esta conclusão é reforçada pela constatação de que a ratio das normas em confronto — a do n.° 6 do artigo 17.°-F [atualmente n.° 10 do mesmo artigo] e da norma ínsita no artigo 217.° - é a mesma, visando-se assegurar e proteger os mesmos interesses. De resto, sempre existiria lugar à analogia, atento o paralelismo de situações.
Em terceiro lugar, cumpre esclarecer que não poderá deixar de se entender, por exemplo, a aplicação do artigo 217.° ao PER, ao plano de revitalização e aos efeitos da sentença homologatória do mesmo.
É certo que a remissão do artigo 17.°-E, n.° 5, in fine [atualmente n.° 7 do mesmo artigo] não abrange, pelo menos à primeira vista, o citado artigo 217.°, por o mesmo não estar formalmente no capítulo destinado à aprovação e homologação do plano, mas no capítulo dedicado à execução do plano de insolvência. Porém, deste facto não resulta que o legislador tivesse querido afastar a referida norma do âmbito do PER. Em boa verdade, os interesses em jogo e a própria lógica do sistema impõem que se considere mutatis mutandis aplicável o vertido no artigo 217.° ao PER.
Aliás, este terceiro argumento ganhou força com a alteração legislativa introduzida pelo Dec.-Lei n.° 79/2017, de 30 de Junho, que modificou a redacção do n.° 5 do art.° 17.°-F do CIRE.
Até então dispunha o n.° 5 do art.° 17.°-F que, no caso de conclusão das negociações com a aprovação do plano de recuperação conducente à revitalização da empresa, seriam aplicáveis as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência.
Com a redacção introduzida pelo citado Dec.-Lei n.° 79/2017, o n.° 7 [anterior n.° 5] do art.° 17.°-F, passou a dispor serem aplicáveis, sem quaisquer limitações, as regras previstas no título IX [sendo eliminada a referência às regras vigentes em matéria de em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência].
-Resumindo, no nosso ordenamento jurídico o plano de recuperação torna-se vinculativo para a generalidade dos credores, mesmo para os que não tenham tomado parte nas conversações, ou, independentemente disso, o não hajam subscrito, logo que proferida e notificada aos interessados a respectiva sentença homologatória e não com o trânsito em julgado desta [artigos 17.-F. n.° 5, 17.°-G e 217.° (este por analogia) do CIRE].
O mesmo sucede no Brasil, em que a Decisão que se pretende ver reconhecida, de homologação do plano de recuperação da Requerentes se tornou igualmente eficaz e vinculativa, independentemente do respectivo trânsito em julgado, como resulta, aliás, da certidão junta pelas Requerentes com a petição inicial, parcialmente transcrita nos factos assentes (pontos 6 e 11).
Nessa Decisão é concretamente referido: (...) os credores que mediaram com o Grupo 01, que são mais de 30 mil, receberão o saldo residual em até 10 dias depois da homologação; e os credores trabalhistas começarão a receber em 180 dias contados da homologação. (...) Também depende da homologação do plano o início do prazo para que os credores escolham entre as opções de pagamento de seus créditos na plataforma das Recuperandas (...) Cabe, inclusive, ao Presidente do Conselho de Administração dar imediato e efetivo cumprimento ao plano aprovado, tão logo homologado (...).
O mesmo acontece quanto aos efeitos dos recursos interpostos dessa Decisão que, tal como em Portugal (artigo 14.° n.° 5, do CIRE), é sempre devolutivo, não se admitindo, sequer, a possibilidade de ser requerido o efeito suspensivo do recurso, o que se extrai, aliás, do ofício expedido pela 7ª Vara Empresarial do Tribunal da Comarca do Rio de Janeiro e junto aos autos em 17/07/2018 [ref.ª Citius …].
Não procede, assim, sempre salvo o devido respeito, o argumento expendido na sentença recorrida de que o plano de revitalização só produz efeitos jurídicos após o trânsito em julgado da decisão que o homologar.
Assim como não colhe o entendimento do Mmo. Juiz a quo, vertido na sentença em crise, de que o reconhecimento da Decisão revidenda, por não ter transitado em julgado, com a inerente possibilidade de execução, lançaria por terra os direitos exercidos por interessados e visados no reconhecimento que, por terem interesse e legitimidade dela recorreram e conduzi[ria] a resultado manifestamente contrário aos princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa.
Desde logo, em desabono de tal tese, aponta-se o paralelismo existente entre o processo de recuperação judicial, no âmbito do qual foi aprovado o plano de recuperação das ora Recorrentes e proferida a sentença homologatória que se pretende ver reconhecida em Portugal, e o processo especial de revitalização previsto e regulamentado nos artigos 17.°-A a 17.°-I do CIRE.
Depois, sublinha-se que ambos os ordenamentos jurídicos em confronto (português se brasileiro) garantem aos interessados um duplo grau de jurisdição, o que permitiu que os credores residentes em Portugal tivessem interposto recurso da decisão de homologação em apreço.
Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, em anotação à alínea b) do n.° 1 do artigo 288.° do CIRE, referem, com sapiência e pertinência para o caso vertente:
A reserva de ordem pública, que defende que o Estado do reconhecimento compulsivo de decisões proferidas em processos estrangeiros, quando isso conduza a resultados manifestamente contrários aos princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa, corresponde, substancialmente, à opção também adotada em sede do Regulamento, no seu art.° 26.°
Ela opera, tanto quanto à decisão declaratória da insolvência, como em relação a quaisquer outras abrangidas pelo n.° 2 do art.° 288.º.
Justificam-se, contudo, duas observações:
A primeira, para sublinhar o .facto de estar em causa somente a defesa dos princípios fundamentais da ordem jurídica lusa que, em termos gerais, se pode considerar constituírem o núcleo estruturante e essencial sobre o qual assenta o edifício jurídico nacional, traduzindo valores tidos por imprescindíveis e, como tal, indeclináveis.
Por assim ser, aceita-se — e esta é a segunda observação — que a lei condescenda com o reconhecimento se ele, conduzindo embora a resultados não completamente sobreponíveis ou subsumíveis aos referidos princípios fundamentais, ou mesmo divergentes deles, todavia, não os afronte.
É neste sentido que deve ser entendida a exigência de contradição manifesta que se contém no texto da aL b), para obstar ao reconhecimento da decisão proferida em processo estrangeiro.
Ora, no caso vertente, não se vislumbra qualquer afronta aos referidos princípios fundamentais da ordem jurídica, antes pelo contrário, pelas seguintes razões: (i) verifica-se um paralelismo entre o processo de recuperação judicial, no âmbito do qual foi aprovado o plano de recuperação das ora Recorrentes e proferida a sentença homologatória que se pretende ver reconhecida em Portugal, e o processo especial de revitalização previsto e regulamentado nos artigos 17.°-A a 17.°-I do CIRE; (ii) o ordenamento jurídico brasileiro, tal como o português, garante o direito ao recurso aos credores interessados da decisão que homologou o plano de recuperação das ora Recorrentes (designadamente aos credores domiciliados em Portugal); (iii) e atribui efeito devolutivo a esse recurso, à semelhança do que sucede no direito português.
Em conclusão, a apelação terá de proceder, devendo ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que reconheça, em Portugal, a decisão de homologação do plano de recuperação das ora Recorrentes.
Por ter sido requerida pela Recorrentes, deve, ainda, ordenar-se a publicidade de tal Decisão, por interpretação analógica do artigo 290.° do CIRE (art.° 10.°, n.°s 1 e 2, do Cód. Civil), adaptando-se o preceito em causa ao processo especial de revitalização, no qual as funções do administrador judicial são mais limitadas e se exige uma maior actividade intervenção do devedor
IV) Decisão
Por todo o exposto, os Juízes nesta Relação de Lisboa acordam em julgar procedente a apelação e revogar a sentença recorrida, que substituem este acórdão que:
a) Reconhece, para produzir efeitos em Portugal, a Decisão proferida em 8 de Janeiro de 2018 pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro - 7ª Vara Empresarial da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, que homologou o Plano de Recuperação Judicial das Requerentes, ora Recorrentes, 0… S.A., TEL... S.A., O... SA., COP... S.A. e CO5... S.A.;
b) Determina a publicidade dessa Decisão homologatória, com o teor constante do ponto 11 dos factos dados como provados, nos termos do artigo 290.° do CIRE (por aplicação analógica).
Sem custas.
Registe e notifique
Lisboa, 25 de Outubro de 2018
Manuel Rodrigues
Ana Paula A. A. Carvalho
Gabriela de Fátima Marques