Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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 - ACRL de 11-10-2018   Processo de promoção e protecção. Interesses e direitos da criança e do jovem. Emat.
1 - A intervenção dos Tribunais de Família e Menores deve atender primacialmente aos interesses e direitos da criança e do jovem, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses conflituantes no caso concreto (artigos 3.° da Convenção dos Direitos da Criança e 4.°, alínea a), da LPCJP).
2 - Comunicada ao Tribunal de Família e Menores uma situação de perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade de uma criança ou jovem, qualquer que seja a fonte donde provenha essa comunicação, aquela entidade deverá proceder, obrigatoriamente, ao estudo sumário da situação e proporcionar a protecção compatível com as suas atribuições, recorrendo, sempre que possível, à Equipa Multidisciplinar de Apoio aos Tribunais (EMAT) para apoio na avaliação da situação (art.° 66.°, n.°s 1 e 3, da LPCJP).
Proc. 867/14.5T8BRR-C.L1 6ª Secção
Desembargadores:  Manuel Rodrigues - Ana Paula Carvalho - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Apelação 867/14.5T8BRR-C.L1 [recurso em separado - Processo Tutelar Educativo]
Tribunal recorrido: Juiz de Família e Menores do Barreiro — Juiz Relator: Manuel Rodrigues
1ª Adjunta: Ana Paula A. A. Carvalho
2ª Adjunta: Gabriela de Fátima Marques
I - A intervenção dos Tribunais de Família e Menores deve atender primacialmente aos interesses e direitos da criança e do jovem, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses conflituantes no caso concreto (artigos 3.° da Convenção dos Direitos da Criança e 4.°, alínea a), da LPCJP).
II - Comunicada ao Tribunal de Família e Menores uma situação de perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade de uma criança ou jovem, qualquer que seja a fonte donde provenha essa comunicação, aquela entidade deverá proceder, obrigatoriamente, ao estudo sumário da situação e proporcionar a protecção compatível com as suas atribuições, recorrendo, sempre que possível, à Equipa Multidisciplinar de Apoio aos Tribunais (EMAT) para apoio na avaliação da situação (art.° 66.°, n.°s 1 e 3, da LPCJP).
(Sumário elaborado pelo relator)

Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I - Relatório
1.1. No processo tutelar educativo de que estes autos são apenso, que corre termos no Juízo de Família e Menores do Barreiro - Juiz 1, por requerimento enviado por e-mail em 11/07/2018, posteriormente confirmado em suporte de papel, a Menor V..., ora Recorrente, representada por Ilustre Advogada nomeada pela Ordem dos Advogados no âmbito de patrocínio oficioso, informou que não estava a conseguir adaptar-se, no que se refere à sua integração na Associação ... [doravante AR], onde está integrada desde 05/02/2018.
Nesse requerimento, a Menor alegou incompatibilidades com outros Jovens que também se encontram integrados na AR, relatando alguns dos episódios de violência e agressão ocorridos, e que as suas dificuldades de adaptação lhe têm causado uma forte instabilidade, o que veio a dar origem a mais episódios de automutilação (para além dos já anteriormente relatados àquele Tribunal), tendo inclusive, junto fotografias ilustrativas por forma a documentar o alegado.
Por entender que se encontrava em situação de perigo, a Menor requereu ao Tribunal a quo que fosse autorizada a continuidade do cumprimento da medida de acompanhamento educativo, que lhe foi aplicada, em Instituição distinta daquela em que se encontra actualmente, tendo requerido a sai imediata transferência, sob pena de, a não ser assim, poder vir a correr sérios perigos, quer para a sua integridade física, quer para a sua vida.
1.2. A Digna Magistrada do Ministério Público pronunciou-se do seguinte modo:
A jovem V... veio, mais uma vez requerer a sua transferência para outra instituição devido a incompatibilidades com outros jovens que se encontram na Associação ..., com episódios de violência e agressão que relatou, alegando que as suas dificuldades de adaptação lhe têm causado forte instabilidade emocional, dando origem a mais episódios de automutilação documentados nas fotos que juntou aos autos.
Importa, antes de mais, clarificar uma questão e que diz respeito à natureza da medida de internamento educativo, uma vez que esta foi aplicada no âmbito do presente processo tutelar educativo e deverá ser cumprida no local (meio natural de vida ou instituição) onde a mesma se encontra.
Ora, ao acolhimento residencial da menor na AR — Associação ... — sita em …, onde se encontra desde o dia 5 de Fevereiro de 2018, foi aplicada no âmbito do processo de promoção e protecção de colhimento residencial aplicada no processo apenso.
Desta forma, a eventual alteração da medida de promoção e protecção, nomeadamente a transferência para outra instituição, em rigor, deve ser apreciada no âmbito do processo de promoção e protecção, cabendo à EMAT avaliar sobre a necessidade da aludida transferência.
Assim, e antes de mais, P. que se desentranhe o expediente de fls. 212 a 226 e se junte ao processo de promoção e protecção apenso.
1.3. Apreciando o requerimento da Jovem V..., o Tribunal a quo proferiu, em 16/07/2018, o seguinte despacho:
O requerimento apresentado nos presentes autos é de todo impertinente, porquanto, a questão suscitada já foi apreciada por despacho de 09 de Maio de 2018 (cfr. fls. 201 a 203) onde, segundo se julga, se deixou claro que a integração da menor em comunidade terapêutica não foi aplicada no presente Processo Tutelar Educativo, mas sim no Processo de Promoção e Protecção apenso. Processo onde devem ser suscitadas as questões atinentes a tal medida e não no âmbito do presente em que foi aplicada à menor a medida de acompanhamento educativo, que, naturalmente, tem vindo a cumprir no local em que se encontra.
Considerando que a ilustre defensora não representa a menor nos autos de promoção e protecção apensos, não se determinará o propugnado pelo Ministério Público, nomeadamente o desentranhamento e junção ao processo de promoção e protecção, mas tão só o desentranhamento do requerimento.
Face ao exposto, por impertinente, desentranhe o requerimento de fls. 212 a 222, e restitua-se o mesmo à apresentante.
Sem custas, atendendo à simplicidade do incidente. Notifique, com cópia da douta promoção que antecede.
1.4. Inconformada com a decisão proferida, a Menor V... apelou para esta Relação, rematando as motivações de recurso, com as seguintes Conclusões:
«1. Por requerimento enviado para o Tribunal recorrido, a Recorrente, informou não se estar a conseguir adaptar, no que se refere à sua integração na AR (Associação ...), onde está integrada desde 05/02/2018.
2. Em referência às incompatibilidades com outros Jovens que se encontram integrados na Associação ..., a Recorrente relatou alguns dos episódios de violência e agressão, mais tendo alegado que as suas dificuldades de adaptação lhe têm causado urna forte instabilidade, o que veio a dar origem a mais episódios de automutilação (para além dos já anteriormente relatados àquele Tribunal), tendo inclusive, junto fotografias ilustrativas por forma a documentar o alegado.
3. Por se entender que a Menor se encontra em situação de perigo, a Recorrente requereu àquele Tribunal, que fosse autorizada a continuidade do cumprimento da medida de acompanhamento educativo, que lhe foi aplicada, em Instituição distinta daquela em que se encontra actualmente, tendo requerido a sua imediata transferência, sob pena de, a não ser assim, poder vir a acarretar sérios perigos, quer para a sua integridade física, quer para a sua vida.
4. O Ministério Público, considerando que a eventual alteração da medida de promoção e protecção, nomeadamente a transferência para outra instituição, em rigor, deve ser apreciada no âmbito do processo de promoção e protecção, cabendo à EMAT avaliar sobre a necessidade da aludida transferência pronunciou-se no sentido de ser desentranhado o expediente de fls. 212 a 222, devendo o mesmo ser junto ao processo de promoção e protecção apenso.
5. O Tribunal recorrido, considerou que a ilustre defensora não representa a menor nos autos de promoção e protecção apensos (...).
6. Mais considerou o Tribunal recorrido que: não se determinará o propugnado pelo Ministério Público, nomeadamente o desentranhamento e junção ao processo de promoção e protecção, mas tão só o desentranhamento do requerimento.
7. Pelo que, decidiu o Tribunal recorrido que: Face ao exposto, por impertinente, desentranhe o requerimento de fls. 212 a 222, e restitua-se o mesmo à apresentante.
8. A Recorrente não se pode conformar com o teor do Despacho proferido e ora recorrido.
9. A situação vivenciada pela Recorrente piorou, verificando-se cada vez mais situações de incompatibilidade com outros Jovens, conforme resulta dos episódios de violência e agressão por si relatados.
10. Tais factos contribuíram para um aumento da instabilidade emocional da Recorrente, o que deu origem a novos episódios de automutilação, conforme resulta das fotografias por si juntas aos autos.
11. A Recorrente entendeu que deveria informar o Tribunal acerca da situação de perigo em que se encontra, para que este pudesse providenciar pelas condições necessárias quer ao seu bem-estar, quer quanto à defesa da sua integridade física e eventualmente da sua vida.
12. Documentou o alegado, através da junção de fotografias ilustrativas dos mais recentes episódios de automutilação, que se têm vindo a agravar cada vez mais.
13. Por estar perante situações susceptíveis de, eventualmente, colocarem em risco a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade da Jovem, entendeu que a respectiva comunicação reveste carácter de obrigatoriedade, nos termos do art.° 66.° da L.P.C.J.P.
14. Face ao carácter de obrigatoriedade da comunicação, deveria o Tribunal recorrido, em cumprimento do disposto pelo n.° 3 do art.° 66.° da L.P.C.J.P., ter procedido ao estudo sumário da situação, criando as condições necessárias para proporcionar à Recorrente, a protecção compatível com as suas atribuições, nomeadamente, dando conhecimento da situação à comissão de protecção.
15. O Tribunal recorrido ignorou a situação e limitou-se a mandar desentranhar o requerimento, determinando a sua consequente restituição à apresentante.
16. A Recorrente optou por relatar o que se estava a passar consigo, por referência ao direito que tem a ser ouvida e participar activamente, em todos os assuntos do seu interesse (alínea d) do art.° 58.° da L.P.C.J.P.).
17. Entendeu que deveria requerer a sua transferência de comunidade, sob pena de não o fazendo e de se manter naquela mesma comunidade, face à sua situação de inadaptação, que tem contribuído em muito para as situações de automutilação, se manter a situação de perigo, quer para a sua integridade física, quer para a sua vida (alínea g) do art.° 58.2 da L.P.C.J.P., a contrario sensu).
18. Considerando que, a Recorrente: tem sofrido algumas incompatibilidades com outros Jovens que se encontram na Associação onde se encontra, com episódios de violência e agressão, conforme por si relatado; as suas dificuldades de adaptação têm-lhe causado uma forte instabilidade emocional; o que tem dado origem a mais episódios de automutilação, documentados nas fotos por si juntas aos autos - por referência ao Superior Interesse da Criança, a Recorrente, deve ser transferida de Instituição (alínea g) do art.° 58.° da L.P.C.J.P.), a contrario sensu).
19. Resulta implicitamente da Promoção da Digna Magistrada do Ministério Público que, a requerida transferência deveria ser apreciada, ou se assim não fosse, não teria feito constar que: (...) a eventual alteração da medida de promoção, nomeadamente da transferência para outra instituição, em rigor, deve ser apreciada no âmbito do processo de promoção e protecção, cabendo à EMAT avaliar sobre a necessidade da aludida transferência.
20. A Recorrente também discorda do Despacho recorrido, na parte que refere: considerando que a ilustre defensora não representa a menor nos autos de promoção e protecção apensos, não se determinará o propugnado pelo Ministério Público, nomeadamente, o desentranhamento e junção ao processo de promoção e protecção, mas tão só o desentranhamento do requerimento.
21. À Recorrente, foi-lhe nomeada a Defensora Oficiosa, no âmbito do Inquérito Tutelar Educativo n.° 4824/15.6T9BRR.
22. A referida nomeação oficiosa manteve-se para o Processo Tutelar Educativo n.° 867/14.4T8BRR-A, que por sua vez, se encontra apenso ao Processo de Promoção e Protecção n.° 867/14.5T9BRR.
23. O Tribunal recorrido entende que a Defensora Oficiosa, nomeada oficiosamente no âmbito do Processo Tutelar Educativo, não representa a Menor/Recorrente no Processo de Promoção e Protecção Apenso e a que lhe corresponde o n.° 867/14.5T8BRR - motivo pelo qual entendeu o Tribunal recorrido que considerando que a ilustre defensora oficiosa não representa a menor nos autos de promoção e protecção apensos, não se determinará o propugnado pelo Ministério Público, nomeadamente, o desentranhamento e junção ao processo de promoção e protecção, mas tão só o desentranhamento do requerimento.
24. Sem prejuízo de à Recorrente ter sido nomeada a Defensora Oficiosa no Processo Tutelar Educativo n.° 867/14.4T8BRR-A, cuja nomeação se manteve para o Processo Tutelar Educativo n.° 4824/15.6T9BRR, a nomeação da Defensora Oficiosa, mantém-se também para os autos principais, a que lhe corresponde o Processo de Promoção e Protecção n.° 867/14.5T8BRR.
25. O apoio judiciário mantém-se para efeitos de recurso, qualquer que seja a decisão sobre a causa, e é extensivo a todos os processos que sigam por apenso àquele em que essa concessão se verificar, sendo-o também ao processo principal, quando concedido em qualquer apenso - vd. Lei n.° 47/2007, de 28 de Agosto, no n.° 4 do art.°18.
26. Nos processos judiciais de promoção e protecção, a nomeação de patrono é efectuada nos termos da lei do apoio judiciário (art.° 103.°, n.° 3 da Lei n.° 147/99, de 01/09).
27. O Tribunal recorrido, deve considerar que a Defensora Oficiosa também representa a Menor/Recorrente, no Processo de Promoção e Protecção apenso aos presentes autos.
28. Na parte em que considerou que: a ilustre defensora oficiosa não representa a menor nos autos de promoção e protecção apensos, não se determinará o propugnado pelo Ministério Público, nomeadamente, o desentranhamento e junção ao processo de promoção e protecção, mas tão só o desentranhamento do requerimento, o Despacho recorrido deve ser substituído por outro que considere que a Defensora Oficiosa também representa a Menor nos autos de promoção e protecção apensos, por referência à manutenção da nomeação oficiosa, que embora efectuada no Processo Tutelar Educativo n.° 4824/15.6T9BRR, se mantém para todos os processos apensos, assim como para o processo principal, quando concedido em qualquer apenso, - ou seja, também para o Processo de Promoção e Protecção.
29. Na parte em que determinou que se desentranhe o requerimento de fls. 221 a 222 e restitua-se o mesmo à apresentante, deve o Despacho recorrido ser substituído por outro que, proceda à transferência da Menor de Instituição, face à situação de perigo que a mesma se encontra a viver.
30. Caso assim não se entenda, e uma vez considerada, quer a manutenção da nomeação oficiosa da Defensora nomeada à Menor, quer a obrigatoriedade legal da comunicação de situações de perigo, por qualquer pessoa, por referencia ao vertido no art.° 66.° da Lei n.° 147/99, de 01/09, sempre deverá o Despacho recorrido, na parte supra transcrita, ser substituído por outro que - na sequência da Douta Promoção do Ministério Público - determine o desentranhamento do expediente de fls. 212 a 226 e a consequente junção do mesmo ao processo de promoção e protecção.
31. Foram violadas as disposições legais constantes dos art.°s 58.°, alíneas d) e g) (esta, a contrario sensu), 66.° e 103.°, n.° 3 - todos da Lei n.° 147/99, de 01/09 (L.P.C.J.P.) e o art.° 18.°, n.° 4 da Lei n.° 47/2007, de 28 de Agosto (L.A.J.), assim como o Superior Interesse da Criança.
Termos em que,
Deve o presente Recurso merecer provimento. Por ser de elementar Justiça!».
1.6. O Ministério Público apresentou resposta ao recurso, que concluiu nos seguintes termos:
«1.0s objectivos das medidas protectivas e das medidas tutelares educativas são diversos, conforme resulta, respectivamente, do art.° 1° da Lei de Protecção de Criança e Jovens em Perigo (Lei n.° 147199 de 1 de Setembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.° 3112003 de 2 de Agosto e Lei n° 142/2015 de 8 de Setembro) e do ar.° 2.°, n.° 1, da Lei Tutelar Educativa (Lei n.° 166/99 de 14 de Setembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.° 41/2015 de 15 de Janeiro).
2. No primeiro caso, o escopo fundamental tem a ver com a promoção dos direitos e a protecção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral, sendo que as medidas tutelares educativas, aplicáveis a menores, com idades compreendidas entre os 12 e os 16 anos, que pratiquem factos qualificados pela lei como crime (art.° 1° da LTE) visam a educação do menor para o direito e a sua inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade.
3. Efectivamente, estamos perante medidas com natureza distinta, sendo que a medida de acompanhamento educativo aplicada à jovem V... no âmbito do presente processo tutelar educativo deverá ser cumprida no local (meio natural de vida ou instituição) onde a jovem eventualmente se encontre por força da medida aplicada no âmbito de medida de promoção e protecção.
4. Daqui decorre que a eventual modificação na execução da medida de promoção, nomeadamente a transferência para outra instituição, em rigor, deveria ser apreciada no âmbito do processo de promoção e protecção, cabendo à EMAT avaliar sobre a necessidade da aludida transferência, como oportunamente defendeu o Ministério Público.
5. Nesta perspectiva, porém, nada obstava ao desentranhamento do requerimento apresentado pela jovem e a sua junção ao processo de promoção e protecção até por razões de economia processual, assistindo razão à recorrente nesta parte.
6. No que se refere à falta de procuração da ilustre mandatária para representar a jovem no âmbito do processo de promoção e protecção, na nossa perspectiva, assiste igualmente razão à recorrente.
7. Com efeito, por decisão proferida pela Segurança Social, foi concedido apoio judiciário à jovem V..., nas modalidades de dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo e ainda no pagamento da compensação de defensor oficioso.
8. Ora, o art.° 18°, n°4, da Lei 47/2007 de 28 de Agosto dispõe que «o apoio -judiciário-mantém-se para efeitos de recurso é extensivo a todos os processos que sigam por apenso àquele em que essa concessão se verificar...), não sendo legítimo ao intérprete distinguir onde a lei não distingue.
9. Afigura-se, pois, que o apoio judiciário e a nomeação oficiosa da mandatária à menor no inquérito tutelar educativo n.° 4824/15.6T9BRR, incorporado no processo tutelar educativo n° 867/14.5T8BRR-A, é extensivo a todos os processos apensados a este último, nomeadamente o processo de promoção e protecção n. 867/14.5T8BRR, pelo que nada obstava à apreciação do requerimento apresentado pela jovem no âmbito deste último.
10. Assim, deverá o douto despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que ordene o desentranhamento do requerimento da menor a solicitar a sua transferência para outra instituição e a respectiva junção ao processo de promoção e protecção a que diz respeito, admitindo-se ainda a representação da menor em juízo pela mandatária oficiosamente nomeada.
Assim se fazendo JUSTIÇA».
1.7. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II) Objecto do recurso — Questões a decidir:
De acordo com o disposto nos artigos 635°, n.° 4 e 639°, n.° 1, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 32°, n.° 4, do RGPTC, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, estando esta Relação adstrita à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, contanto que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5°, n.° 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.
Dentro destes parâmetros, as questões submetidas à nossa apreciação são as seguintes:
1.a A Senhora Dra. …, representa a Menor V... no processo de promoção e protecção n.° 867/14.5T8BRR, apenso ao processo tutelar educativo n.° 867/14.5T8BRR-A, a que respeita o presente recurso em separado?
2.a - A decisão recorrida ao determinar o desentranhamento e restituição à Menor do requerimento por esta apresentado violou as disposições dos artigos 58.°, alíneas d) e g) (esta a contrario sensu), 66. °e 103.°, n.° 3, todos da Lei n.° 147/99, de 1 de Setembro e o art.° 18.°, n.° 4, n.° 4 , da Lei n.° 34/2004, de 29 de Julho, na redacção dada pela Lei n.° 47/2007, de 28 de Agosto (Lei do Apoio Judiciário), assim como o superior interesse da Menor?
III) Fundamentação
A) Motivação de facto
Os factos pertinentes para a decisão do recurso são os referidos no relatório que antecede e constantes de todo o processado.
B) Motivação de Direito
- Primeira questão:
Insurge-se a Recorrente - e bem - contra o entendimento expresso na decisão recorrida de que a sua Ilustre Defensora, Sra. Dra. …, não representa aquela Menor no processo de promoção e protecção, no âmbito do qual foi lhe aplicada a medida de integração em comunidade terapêutica, entendimento esse em que também se respaldou o não acolhimento da propugnado pelo Ministério Público, nomeadamente o desentranhamento e junção ao mencionado processo de promoção e protecção do requerimento de fls. 212 a 222, que a Menor dirigiu ao Tribunal a quo em 12 de Julho de 2018.
Na verdade tal entendimento não tem qualquer respaldo na lei.
No caso vertente, a nomeação oficiosa da Sra. Dra. … como defensora da Menor, ora Recorrente, ocorreu em Janeiro de 2016 (cfr. fls. 44), no âmbito do Inquérito Tutelar Educativo n.° 4824/15.6T9BRR.
Entretanto, o referido Proc. n.° 4824/15.6T9BRR foi remetido para apensação ao Processo de Promoção e Protecção n.° 867/14.5T8BRR, passando a ser-lhe atribuído o n.° 867/14.5T8BRRR-A.
Destarte, como bem sustentam, quer a Recorrente, quer a Digna Magistrado do Ministério Público, com apoio no n.° 4 do artigo 18.° da Lei n.° 34/2004, de 29 de Julho, na redacção então vigente, que lhe foi dada pela Lei n.° 47/2007, de 28 de Agosto, o referido patrocínio oficioso (...) é extensivo a todos os processos que sigam por apenso àquele em que essa concessão se verificar, sendo-o também ao processo principal, quando concedido em qualquer apenso.
Por conseguinte, deveria o Tribunal a quo ter considerado que a Defensora Oficiosa em causa também representa a Menor no Processo de Promoção e Protecção apenso, não sendo legítimo ao intérprete e aplicador da lei que distinga onde a lei não distingue.
Como bem refere o Ministério Público, nas suas alegações, o menor tem de ser obrigatoriamente assistido por defensor em todas as fases do processo, começando no inquérito tutelar, passando pela audiência preliminar, audiência de discussão e julgamento até à fase de recurso, conforme resulta do art.° 46° da LTE, cabendo à autoridade judiciária respectiva o dever de nomear defensor oficioso ao menor que não o tenha constituído.
A obrigatoriedade de assistência por defensor decorria já do disposto no art.° 64°, n° 1, al. d) do Código de Processo Penal, aplicável subsidiariamente ao processo tutelar por via da remissão operada pelo art.° 128° da LTE.
Mediante decisão proferida pela Segurança Social, foi concedido apoio judiciário à Menor V..., nas modalidades de dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo e ainda no pagamento da compensação de defensor oficioso.
Faz algum sentido admitir sequer que lei prevê que a Menor seja representada por um Defensor Oficioso no processo principal e por tantos outros Defensores Oficiosos quantos os processos apensos àquele?
Não, não faz!
E nem sequer estamos a pensar na incomensurável despesa pública que tal medida, claramente irracional, provocaria, mas antes no prejuízo que uma tal interpretação poderia provocar à defesa da Menor, caso os Defensores nomeados não concertassem entre si as estratégias a adoptar, sem olvidar os incidentais processuais que poderia incrementar, propósitos que a lei claramente pretende evitar.
Em suma, e sem necessidade de outras cogitações, deve considerar-se que a Defensora Oficiosa, Sra. Dra. …, também representa a Menor V... , aqui Recorrente, no Processo de Promoção e Protecção n.° 867/14.5.T8BRRR, impondo-se revogar o despacho recorrido que decidiu em contrário.
- Segunda questão:
A Recorrente também não se conforma com o despacho recorrido na parte em que ordenou o desentranhamento e devolução à apresentante do requerimento que dirigiu ao processo tutelar cível (867/14.5T8BRRR-A Tutelar Educativo), (i) por o ¬considerar impertinente, porquanto, a questão já havia sido suscitada e apreciada em despacho de 9 de Maio de 2018, onde já então se deixara consignado que a integração da menor em comunidade terapêutica não foi aplicada no presente Processo Tutelar Educativo, mas sim no Processo de Promoção e Protecção apenso. Processo onde devem ser suscitadas as questões atinentes a tal medida e não no âmbito do presente em que foi aplicada à menor a medida de acompanhamento educativo, que, naturalmente, tem vindo a cumprir no local em que se encontra.
Antecipando, diremos que também assiste razão à Menor, ora Recorrente, nesta questão, entendimento que é, aliás, partilhado pelo Ministério Público, como se impõe, por ser do mais elementar bom senso considerar que o Tribunal a quo, ao invés de ter ordenado o desentranhamento do requerimento, deveria, outrossim, atento o circunstancialismo nele relatado e o superior interesse da Menor, ter feito uso dos seus poderes/deveres de gestão processual (art.° 6.° do CPC), determinado a junção do expediente em causa — de fls. 212 a 226 ao processo de promoção e protecção n.° 867/14.5T8BRRR, para aí ser apreciado com prévia avaliação, pela EMAT, da situação da Menor e da necessidade da sua transferência para outra instituição, conforme, aliás, douta promoção do Ministério Público.
É consabido que não são coincidentes os objectivos das medidas protectivas e das medidas tutelares educativas, conforme resulta, respectivamente, do art.° 1° da Lei de Protecção de Criança e Jovens em Perigo (LPCJP), aprovada pela Lei n.° 147/99, de 1 de Setembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.° 311/2003, de 2 de Agosto e pela Lei n.° 142/2015 de 8 de Setembro, e do art.° 2.°, n.° 1, da Lei Tutelar Educativa (LTE), aprovada pela Lei n.° 166/99, de 14 de Setembro, com as alterações introduzidas pela Lei n° 41/2015, de 15 de Janeiro.
Enquanto as medidas protectivas têm por escopo fundamental a promoção dos direitos e a protecção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral (cf. artigo 1.° da LPCJP), as medidas tutelares educativas, aplicáveis a menores, com idades compreendidas entre os 12 e os 16 anos, que pratiquem factos qualificados pela lei como crime (art.° 1.° da LTE) visam a educação do menor para o direito e a sua inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade.
Efectivamente, estamos perante medidas com natureza distinta, sendo que a medida de acompanhamento educativo aplicada à Menor V... no âmbito de processo tutelar educativo deverá ser cumprida no local (meio natural de vida ou instituição) onde a jovem eventualmente se encontre por força da medida aplicada no âmbito de medida de promoção e protecção.
Por isso mesmo, a eventual modificação na execução da medida de promoção, nomeadamente a transferência para outra instituição, em rigor, deverá ser apreciada no âmbito do processo de promoção e protecção, cabendo à EMAT avaliar sobre a necessidade da aludida transferência, como oportunamente defendeu o Ministério Público.
Neste contexto, nada obstava, antes pelo contrário, ao desentranhamento do requerimento apresentado pela Menor e à sua junção ao processo de promoção e protecção, até por razões de economia e de boa gestão processual (artigos 6.° e 130.° do CPC), se outras não houvesse.
Foi comunicada ao Tribunal a quo uma situação susceptível de, eventualmente, configurar risco para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade da Jovem V...
A comunicação de situações de perigo às entidades policiais, às comissões de protecção ou às autoridades judiciárias, como dá devida nota a Recorrente, é obrigatória para qualquer pessoa e, por maioria de razão, para a Defensora Oficiosa da Menor em causa, conforme resulta do disposto no art.° 66.°, n.°s 1 e 2, da LPCJP.
Nos termos do n.° 3 da mencionada disposição legal, Quando as comunicações sejam dirigidas às entidades referidas (...), estas procedem ao estudo sumário da situação e proporciona a protecção compatível com as atribuições (...).
Ora, nada disto foi feito pelo Tribunal a quo, o qual, ao invés de exercer as suas atribuições legais, demitiu-se de o fazer, ordenando o desentranhamento e restituição à apresentante do requerimento apresentado pela Menor V... .
Nos termos da lei de protecção de crianças e jovens em perigo, a intervenção do Estado deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto (art.° 4.°, alínea a), da LPCJP).
O art.° 1° da Convenção dos Direitos da Criança afirma que Todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em contra o interesse superior da criança.
E o interesse superior da criança, enquanto conceito jurídico indeterminado carece de preenchimento valorativo, cuja concretização deve ter por referência os princípios constitucionais, como o direito da criança à protecção da sociedade e do Estado com vista ao seu desenvolvimento integral (art.° 69.°, n.° 1, da CRP), reclamando uma análise sistémica e interdisciplinar da situação concreta de cada criança, na sua individualidade própria e envolvência (cf. acórdão da Relação de Coimbra, de 3/5/2006, proc. n° 681/06, acessível em www. dgsi.pt).
É essa análise, esse estudo sumário da situação denunciada pela Defesa da Jovem, com envolvimento da Equipa Multidisciplinar de Apoio aos Tribunais (EMAT), que se impõe fazer no caso concreto.
Por conseguinte, a apelação procede na totalidade.
IV - Decisão
Por tudo o exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e revogar a decisão recorrida, substituindo-a por outra em que: (i) se reconhece que a Sra. Dra. … representa a Menor Recorrente no Processo de Promoção e Protecção n.° 867/14.5T8BRRR Apenso ao Inquérito Tutelar Cível com o mesmo número (ii) se determina o desentranhamento do expediente de fls. 212 a 222 dos autos principais (requerimento da Menor de 12/07/2018) e a sua incorporação no Processo de Promoção e Protecção n.° 867/14.5T8BRRR Apenso, para que aí seja apreciado pelo Tribunal a quo, cabendo à EMAT avaliar da necessidade da transferência da Jovem V... para outra instituição.
Sem custas.

Registe e notifique.

Lisboa, 11 dc Outubro de 2018
Manuel Rodrigues
Ana Paula A. A. Carvalho
Gabriela de Fátima Marques