Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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 - ACRL de 30-10-2018   Processo judicial de promoção e protecção. Sinalização de situação de perigo para a formação do menor. Recusa da mãe do menor em colaborar com a cpcj. Arquivamento determinado pelo juiz a quo.
1 - A deslocação da PSP à escola frequentada pelo menor, que foi solicitada pelos respectivos elementos dirigentes em virtude do comportamento desadequado do aluno em causa, que incluiu a sua resistência a abandonar a sala de aula depois da ordem do professor para o efeito, conjugada com a notícia da repetição frequente de incidentes desta natureza que terão sido praticados pelo menor ora identificado, é razão suficiente para que a sua situação seja devidamente sinalizada pelas instâncias competentes, em especial a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens da área.
2 - A intervenção do Ministério Público no sentido de desencadear os meios processuais próprios para averiguar os exactos contornos do sucedido e vir possivelmente a adoptar as medidas legalmente previstas para a defesa do correcto desenvolvimento e formação deste jovem, não pode, naturalmente, ser liminarmente bloqueada pelo juiz a quo, sem admitir o prosseguimento de qualquer tipo de diligência ou procedimento, sob o pretexto de considerar peremptoriamente que o jovem não tem que ser protegido (e apoiado) no seu direito a uma formação equilibrada e à integração social plena, mas tão somente educado para o cumprimento das regras da vida em sociedade.
3 - A postura da mãe do menor de recusa de colaboração não deverá ser liminarmente entendida como absolutamente inviabilizadora da intervenção, mas ser antes objecto de tentativa de sensibilização, num contexto fortemente responsabilizante, para a mudança de atitude nesta matéria, o que certamente se procurará no presente processo judicial de promoção e protecção.
Proc. 7422/18.9T8LRS.L1 7ª Secção
Desembargadores:  Luís Espírito Santo - Conceição Saavedra - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Relator : Luís Espírito Santo
Adjunto: Conceição Saavedra
Adjunta : Cristina Coelho
Assunto:
Processo Judicial de Promoção e Protecção. Sinalização de situação de perigo para a formação do menor. Recusa da mãe do menor em colaborar com a CPCJ. Arquivamento determinado pelo juiz a quo.
Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa (7ª Seccão).
Instaurou o Ministério Público acção de promoção e protecção em favor do menor PED..., nascido em 20 de Abril de 2002, com a seguinte fundamentação:
A situação do menor foi sinalizada em 13 de Novembro de 2017, tendo sido instaurado processo de promoção e protecção.
De acordo com a sinalização, a PSP deslocu-se à escola …, em …, porquanto o menor teve comportamentos desadequados com um professor da disciplina de Português, comportamentos esses não concretizados, mais se verifindo que o menor vinha adoptando, no decurso do ano lectivo, um comportamento incorrecto perante a comunidade escolar.
A Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) remeteu o expediente aos serviços do Ministério Público, por falta do consentimento para a intervenção da comissão, nos termos previstos no artigo 11°, alínea c) da LPCJP, por parte da mãe do menor (com quem este viverá).
A CPCJ de Loures convocou a mãe do menor para três datas, tendo inclusive solicitado à PSP a sua notificação por duas vezes, nunca se tendo a mesma deslocado à referida comissão.
Importa, pois, avaliar a situação do menor, se recebe os cuidados, o carinho e atenção necessários à sua idade para que sejam tomadas medidas que proporcionem as condições tendentes a proteger e promover a educação, formação, saúde, a segurança e o desenvolvimento do mesmo.
Conclui-se pela aplicação ao menor de medida de promoção e protecção que se revelar mais adequada, privilegiando-se a intervenção nas áreas da educação, saúde, formação e relações sociofamiliares, o que se faz nos termos das disposições combinadas dos artigos 3°, n° 1 e 2, alíneas c) e f), 34°, alíneas a) e b), 35° e 72°, n° 3, todos da LPCJP.
Foi proferida a seguinte decisão, datada de 10 de Julho de 2018:
O MINISTÉRIO PÚBLICO instaurou o presente processo de promoção e proteção, a favor de PED..., nascido a 20 de Abril de 2002, alegando para tanto que: - o menor teve comportamentos desadequados com um professor (...), comportamentos esses não concretizados, mais se referindo que o menor vinha adotando, no decurso do ano letivo, um comportamento incorreto perante a comunidade escolar; - o processo veio remetido da CPCJ por falta de colaboração (consentimento) da mãe que, convocada para três datas, nunca se tendo a mesmo deslocado à referida comissão. Cumpre apreciar e decidir: Desde logo, nenhum facto concreto é alegado ou resulta dos autos que indicia estar o menor em situação de perigo. Por outro lado, a falta de colaboração por parte da progenitora, inviabiliza a concretização de qualquer estratégia de intervenção e demonstra claramente que, chegando a mesma a ser delineada, não contará com a mãe para a respetiva implementação. O mesmo se diga, mutatis mutandis, do menor, face à personalidade que o mesmo evidencia, com os referidos comportamentos desadequados. Muito embora a intervenção em sede de promoção e proteção não careça da concordância do menor e dos seus progenitores, para o seu sucesso, carece de um mínimo de adesão de, pelo menos, um ou outro, em particular quando estão em causa jovens quase adultos, como é o caso.
Por outro lado, a personalidade e comportamentos do jovens, são mais indiciadores de que o mesmo carece de ser educado para o cumprimento das regras da vida em sociedade, do que de ser protegido. Deste modo, importa determinar o arquivamento dos autos, por não ser inviável e inútil intervenção de promoção e proteção (art° 110°, al. a) da LPCJP). Pelo exposto, e ao abrigo da citada disposição legal, determino o oportuno arquivamento dos autos. Sem custas (art° 4°, n° 1, al. i), do R.C.P.)..
Apresentou o Ministério Público recurso desta decisão, o qual foi admitido como de apelação (cfr. fls. 49).
Juntas as competentes alegações, a fls. 39 a 49, formulou o apelante as seguintes conclusões:
I. Deverá ser fixado ao recurso efeito devolutivo da decisão impugnada, não existindo fundamento para ser determinado o efeito suspensivo do recurso uma vez que nenhuma medida se encontra em curso nos autos (Art. 124°, n° 2 da LPCJP );
II. O Ministério Público considera que o processo foi encerrado violando-se as disposições legais da LPCJP, designadamente o Art. 106°, 107° e 108° da LPCJP uma vez que foi determinado o arquivamento dos factos sem avaliação da situação efectiva de perigo do menor, não sendo assegurada a defesa do seu superior interesse;
III. A sinalização do menor foi efectuada pela PSP à CPCJ, tendo a referida autoridade policial sido chamada à escola frequentada pelo menor por comportamentos desadequados para com um professor da disciplina de Português e, ainda, no decurso do ano lectivo, também perante a comunidade escolar.
IV. A CPCJ remeteu o seu processo aos serviços do Ministério Público deste Tribunal por falta do consentimento para a intervenção da comissão no termos previstos no Art. 11°, al. c) da LPCJP, por parte da mãe do menor.
V. O tribunal justifica o arquivamento dos autos porque o Ministério Público não concretizou factos, nem resulta dos autos estar o menor em situação de perigo.
VI. Concedendo-se que não foram concretizados os comportamentos de desrespeito para com o professor, considera o Ministério Público que, a deslocação da PSP à escola por ali ter sido chamada por responsáveis da
mesma, constitui um facto concreto revelador de que o comportamento do menor poderá ser desadequado e tem que ser avaliado.
VII. Ora, a situação sinalizada carece avaliação em sede de instrução dos autos para se apurar quais são esses comportamentos e se justificam a aplicação de medida tutelar educativa.
VIII. A não concretização do comportamento desrespeitoso, não pode servir de fundamento para o arquivamento dos autos, por despacho liminar, porque não se trata de uma acção tutelar educativa, onde os factos têm que ser concretizados para poderem ser qualificados como um ilícito de natureza criminal (Art. 1° da LTE );
IX. Por outro lado, a acção judicial de promoção e protecção proposta pelo Ministério Público não obedece aos procedimentos de uma acção cível comum, cabendo, nestas acções, ao autor alegar e provar os factos essenciais, nos termos do Art. 5°, n° 1 do Código de Processo Civil;
X. Trata-se, isso sim, de um processo de jurisdição voluntária (Art. 986° do Código de Processo Civil), podendo o tribunal investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes.
XI. Resulta do disposto nos Arts. 106°, n° 2, 107°, n° 2 e 108° da LPCJP que Tribunal tem poderes de investigação, podendo ouvir técnicos que conheçam a situação do jovem para prestarem os esclarecimentos necessários e/ ou solicitar avaliações e relatórios;
XII. A investigação prévia do Ministério Público de quais os comportamentos concretos do jovem em meio escolar só servia para retardar a entrada da acção em tribunal e a repetição de algumas diligências.
XIII. Como alternativa, face a matéria tão sensível - que é acautelar o interesse do jovem e apurar se se encontra numa situação de perigo ¬deveria o tribunal convidar o Ministério Público a concretizar tais factos, ao abrigo do disposto no Art. 590°, n° 2 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi o disposto no Art. 126° da LPCPJP, mediante o aperfeiçoamento da p.i., e não determinar, de imediato, o arquivamento do processo de promoção e protecção.
XIV. Ao contrário das acções declarativas comuns, nas acções de jurisdição voluntária, especialmente nas acções de promoção e protecção, o tribunal pode intervir mesmo que sejam alegados determinados factos e venham a apurar-se outros sem qualquer relação com os inicialmente alegados, desde que se verifique uma situação de perigo, aplicando medida de promoção por via negociada ou após o debate judicial.
XV. Se, assim, não fosse, o Ministério Público ver-se-ia obrigado a propor nova acção ou a sinalizar esses factos novos à CPCJ, com o risco de nunca ter lugar uma intervenção em tempo útil.
XVI. Por outro lado, é incongruente que o Tribunal assinale o facto de não terem sido concretizados os factos, mas depois retirar ilações de que a conduta do menor carece é de intervenção tutelar educativa.
XVII. Até porque nem todo o comportamento desrespeitoso em meio escolar implica que possa ser qualificado como ilícito penal;
XVIII. Ao decidir-se pelo arquivamento liminar do processo com fundamento de que não se prevê a adesão da mãe e do menor para a intervenção, o Tribunal assumiu ser incapaz de intervir junto do jovem quase adulto, sem concretizar quais as dificuldades da intervenção, até porque não se sabe o que motiva os comportamentos desadequados do menor, podendo, por exemplo, carecer de algum tipo de intervenção médica.
XIX. Com efeito, a idade do menor foi um dos factores determinantes para o tribunal considerasse desnecessária a intervenção, referindo-se-lhe como um jovem adulto, ignorando a disposição legal que prevê a possibilidade da intervenção ter lugar até aos 18 anos.
XX. Se não merecer provimento o recurso, não será avaliado se o menor se encontra nalguma situação de perigo, se os seus representantes legais assumem as suas responsabilidades parentais, ou seja, fica por fazer a avaliação das situações de perigo enunciadas no Art. 3°, n° 1 da LPCJP.
XXI. A decisão a quo já está, só por si, a retardar essa avaliação, podendo levar a que o menor pratique factos graves que o coloquem em perigo, tornando ainda mais resistente a sua adesão às medidas a aplicar porque se aproxima cada vez mais da maioridade.
XXII. Ao contrário das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, que apenas podem aplicar medidas por via negociada (Art. 95° da LPCPJ), o tribunal pode agir sem consentimento prévio dos menores e dos seus legais representantes.
XXIII. Aliás, se a situação não justificasse a intervenção em termos de, pelo menos se avaliar a situação do menor, a CPCJ tinha arquivado logo o processo e não remetia ao tribunal.
XXIV. Por outro lado, o Ministério Público não tem poderes legais para solicitar, junto das equipas de apoio aos tribunais, a realização de avaliações prévias com vista à propositura da acção.
XXV. Ainda que o Ministério Público oficiasse à escola para poder concretizar os comportamentos do menor, sempre seria necessário avaliar a razão de tais comportamentos.
XXVI. Face a todo o exposto, incorreu o tribunal num erro de julgamento, tendo violado as disposições legais que determinavam a abertura da instrução, com a subsequente audição do menor e dos seus legais representantes, nos termos previstos no 106 e 107° e, se considerar necessário, a recolha de prova prevista no Art. 108°, todos da LPCPJ.
Termos em que a decisão proferida na Sentença recorrida deve ser revogada, sendo substituída por outra que determine: a) A abertura de instrução nos termos do Art. 106°, n° 2 da LPCPJP; ou b) O convite ao aperfeiçoamento da p.i. do Ministério Público
Não houve resposta.
II - FACTOS PROVADOS.
Os indicados no RELATÓRIO supra:
III - QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.
São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar:
Processo Judicial de Promoção e Protecção. Sinalização de situação de perigo para a formação do menor. Recusa da mãe do menor em colaborar com a CPCJ. Arquivamento determinado pelo juiz a quo.
Passemos à sua análise:
A decisão recorrida não pode obviamente manter-se.
A deslocação da PSP à escola frequentada pelo menor, que foi solicitada pelos respectivos elementos dirigentes em virtude do comportamento desadequado do aluno em causa, que incluiu a sua resistência a abandonar a sala de aula depois da ordem do professor para o efeito, conjugada com a notícia da repetição frequente de incidentes desta natureza que terão sido praticados pelo menor ora identificado, é razão suficiente para que a sua situação seja devidamente sinalizada pelas instâncias competentes, em especial a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens da área.
A obstida recusa da mãe do menor em responder às solicitações que lhe forma repetidamente dirigidas pelo CPCJ, implicando a negação (prática e implícita) da autorização para a intervenção deste organismo, determinou a remessa dos autos ao Ministério Público.
A intervenção do Ministério Público no sentido de desencadear os meios processuais próprios para averiguar os exactos contornos do sucedido e vir possivelmente a adoptar as medidas legalmente previstas para a defesa do correcto desenvolvimento e formação deste jovem, não pode, naturalmente, ser liminarmente bloqueada pelo juiz a quo, sem admitir o prosseguimento de qualquer tipo de diligência ou procedimento, sob o pretexto de considerar peremptoriamente que o jovem não tem que ser protegido (e apoiado) no seu direito a uma formação equilibrada e à integração social plena, mas tão somente educado para o cumprimento das regras da vida em sociedade.
Conforme refere Paulo Guerra in Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo Anotada, a página 23, com referência ao artigo 3° da Lei n° 147/99, de 1 de Setembro, com as alterações introduzidas pela Lei n° 31/2003, de 22 de Agosto e pela Lei n° 142/2015, de 8 de Setembro:
Pretendeu-se que o elenco de situações fosse o mais abrangente possível, de modo a contemplar o maior número de casos de perigo que, independentemente da sua natureza, são comprometedores de direitos fundamentais da criança ou do jovem e exigem por isso o desencadeamento da intervenção de protecção.
No entanto, considerando que estamos perante um elenco exemplificativo, há que concluir que pode fundamentar a intervenção da protecção qualquer outra ocorrência não descrita no normativo, a qual seja igualmente susceptível de configurar perigo para a segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento da criança ou do jovem.
Contrariamente ainda à posição manifestada pela 1ª instância, a postura da mãe do menor de recusa de colaboração não deverá ser liminarmente entendida como absolutamente inviabilizadora da intervenção, mas ser antes objecto de tentativa de sensibilização, num contexto fortemente responsabilizante, para a mudança de atitude nesta matéria, o que certamente se procurará no presente processo judicial de promoção e protecção.
Ou seja, e em resumo, a situação sinalizada de ausência de enquadramento formativo e social deverá ser devidamente averiguada pelas entidades competentes, através do presente processo judicial de promoção e protecção e não remetida para o campo da pura responsabilização tutelar ou para a intervenção de entidades públicas fiscalizadoras do seus comportamentos desviantes.
A apelação procede, portanto.
O que se decide, sem necessidade de outras considerações ou desenvolvimentos.
IV - DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida e determinando-se o prosseguimento do presente processo judicial de promoção e protecção.
Sem custas.
Lisboa, 30 de Outubro de 2018.
Luis Espírito Santo
Conceição Saavedra
Cristina Coelho
V - Sumário elaborado nos termos do art° 663°, n° 7, do Cod. Proc. Civil.
I - A deslocação da PSP à escola frequentada pelo menor, que foi solicitada pelos respectivos elementos dirigentes em virtude do comportamento desadequado do aluno em causa, que incluiu a sua resistência a abandonar a sala de aula depois da ordem do professor para o efeito, conjugada com a notícia da repetição frequente de incidentes desta natureza que terão sido praticados pelo menor ora identificado, é razão suficiente para que a sua situação seja devidamente sinalizada pelas instâncias competentes, em especial a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens da área.
II - A intervenção do Ministério Público no sentido de desencadear os meios processuais próprios para averiguar os exactos contornos do sucedido e vir possivelmente a adoptar as medidas legalmente previstas para a defesa do correcto desenvolvimento e formação deste jovem, não pode, naturalmente, ser liminarmente bloqueada pelo juiz a quo, sem admitir o prosseguimento de qualquer tipo de diligência ou procedimento, sob o pretexto de considerar peremptoriamente que o jovem não tem que ser protegido (e apoiado) no seu direito a uma formação equilibrada e à integração social plena, mas tão somente educado para o cumprimento das regras da vida em sociedade.
III - A postura da mãe do menor de recusa de colaboração não deverá ser liminarmente entendida como absolutamente inviabilizadora da intervenção, mas ser antes objecto de tentativa de sensibilização, num contexto fortemente responsabilizante, para a mudança de atitude nesta matéria, o que certamente se procurará no presente processo judicial de promoção e protecção.
(o relator Luis Espírito Santo)