Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Cível
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 - ACRL de 18-10-2018   Processo de promoção e protecção. Situação de perigo. Encerramento da instrução. Conferência com vista ao possível acordo da rerp.
Foi dado como assente na decisão recorrida que: os autos tiveram início, face à situação de perigo traduzida em inadequadas práticas parentais e negligência na prestação de cuidados à menor (nomeadamente alegados comportamentos menos adequados por parte do progenitor); a menor está a viver com os avós paternos os quais têm assegurado a prestação dos cuidados necessários à jovem bem como o adequado acompanhamento do seu percurso vivencial; e para além disso os avós paternos continuam a manter total disponibilidade para continuarem a assumir a prestação de cuidados à jovem.
Nos termos do artigo 3°, n° 2, alínea d) da LPCJP a criança ou jovem está em perigo quando está aos cuidados de terceiros, durante período de tempo em que se observou o estabelecimento com estes de forte relação de vinculação e em simultâneo com o não exercício pelos pais das suas funções parentais.
Assim e tendo sido entendido pelo Juíz a quo que relativamente à criança há fundamento para intervenção a nível tutelar cível, não devia ter determinado o encerramento da instrução com o consequente arquivamento do processo nos termos do artigo 111° da LPCJP mas sim determinar o encerramento da instrução e designar dia para conferência com vista à obtenção de acordo tutelar cível, nos termos dos artigos 110°, n° 1, alínea b) e 1129-A da LPCJP. Em suma determinar o prosseguimento dos autos, com a realização de conferência com vista ao possível acordo da RERP, tendo em vista o superior interesse da criança.
A celebração de um acordo para aplicação de medida tutelar cível constitui uma forma mais célere e estável de atingir a finalidade do processo de promoção e proteção.
Proc. 12958/17.6T8LRS.L1 8ª Secção
Desembargadores:  Mário Silva - José António Moita - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Apelação n° 12958/17.6T8LRS
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa
RELATÓRIO:
O Digno Procurador da República instaurou processo judicial de promoção e proteção em benefício da criança S..., nascida a 17.12.2002, tendo sido requerido que se declare aberta a instrução, se designe dia e hora para audição dos pais, da avó paterna e da S... e se notifique os pais da menor nos termos e para os efeitos do artigo 107°, nº 3 da LPCJP.
Por despacho de 13-07-2018 foi declarada encerrada a instrução e determinado o oportuno arquivamento dos autos, por não se justificar a aplicação de medida de promoção e proteção face à inexistência de situação de perigo para a criança- artigos 110°, al. a) e 11° da LPCJP.
Inconformado com esta decisão, o Digno Procurador da República interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
1°- O Ministério Público discorda e não se conforma com a douta decisão judicial que determinou o arquivamento dos presentes autos de P.P.P., por inexistência de situação de perigo para a criança para a S..., nascida a 17-12-2002, não se acolhendo a antecedente proposta do Ministério Público de:
22- Designação da conferência visando possível acordo tutelar cível- de REPP, com confiança a terceira pessoa, aos avós maternos da criança, da S...- artigos 1102, nº 1, al. b), 2ª parte e 112-A, nº 1, ambos da LPCJP, convocando-se os seus progenitores e avós maternos, assim se salvaguardando o eventual perigo.
39- Na verdade, justificando-se, deverá ser marcada a respetiva conferência, nos termos dos artigos 1102, n° 1, al. b), 2ª parte e 1122-A, n° 1, ambos da LPCJP, para possível acordo titular cível no P.P.P., ficando a constar caso se verifique esse acordo e determinando-se a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, por falta de indiciação do perigo, sendo extraída a respetiva certidão, a autuar, por apenso, como RERP, assim findando o/s processo/s (o principal e esse seu apenso).
4ª- Atenta a exposição dos motivos do novo regime da LPCJP é sabido: E para Que também nesta área seja possível desburocratizar e simplificar procedimentos, estabelece-se a possibilidade de a regulação das responsabilidades parentais ser acordada no mesmo processo de promoção e de proteção das crianças. Dispensa-se a instauração de um novo processo a decorrer em paralelo e assim resolvem-se mais depressa os conflitos e evita-se, até a degradação da própria situação familiar (sublinhado nosso).
5ª- Na verdade constou, evidente, desde logo, no presente P.P.P., daqueles dois relatórios sociais da ECJLO/EMATO, a justificação de, com caráter urgência, estabelecer a RERP, pois os pais da criança estão separados, há vários anos, devendo-se providenciar pela definição da atual situação da criança, ora à guarda e cuidados diretos dos seus avós maternos, sendo que a sua progenitora tem estado no estrangeiro, ausente da vida da filha e o progenitor, devido a doença, tem dificuldade no exercício das responsabilidades parentais.
6ª- É sabido, de resto, que os progenitores têm as suas responsabilidades parentais para com o/s filho/s, v.g. quando menores- artigos 1877º e seguintes do Código Civil, devendo incentivar-se a que, na medida do possível, as assumam, contribuindo para a alimentação, crescimento, formação do filho/a, participando nessa alimentação e com ele/a convivendo, sempre e mesmo que a criança seja confiada a terceira pessoa- artigo 1907º do Código Civil e 402, nº 5 do RGPTC e tal não seja inconveniente ou prejudicial para a criança, atentas as previsões dos nºs 3, 8, 9 e 10 do artigo 40º do RGPTC.
7ª- No presente caso, a S... deverá ser confiada aos cuidados diretos dos seus avós maternos, com a necessária atribuição dos seus progenitores, procurando-se que, desde já, compareçam à conferência para, atentos os termos legais, acordarem em tal regulação das suas responsabilidades para com a filha.
8ª- O Tribunal deve promover e aceitar acordos ou tomar decisões que favoreça, amplas oportunidades de contacto com ambos (os progenitores) e de partilha de responsabilidades entre eles- nº 7 do artigo 19062 do Código Civil.
9ª - Já constava no ponto 51 do Decreto-Lei nº 44.287 de 20-04-1962, D.G. nº 89:
Tudo deve, porém, ser tentado no sentido de auxiliar as famílias, mesmo muito deficientes, a educarem os seus filhos (...). Para isso é, no entanto, indispensável (...) despertar nos pais a consciência das suas responsabilidades para com os filhos.
Concluiu, pedindo que o presente recurso seja julgado procedente, determinando-se, com urgência, a conferência com vista ao possível acordo da RERP, em beneficio/interesse de S..., nascida a 17-12-2002.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Este recurso foi admitido, como sendo de apelação, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II- OBJETO DO RECURSO: É pelas conclusões das alegações de recurso que se delimita o âmbito do recurso (artigos 635º, nº 4 e 6399, nº 1 do CPC), salvo as questões de conhecimento oficioso (artigo 608º, nº 2 ex vi do artigo 663º, nº 2 do CPC).
Nestes termos, a questão submetida a recurso consiste em saber se no despacho de encerramento da instrução constatada a necessidade de intervenção tutelar cível se pode encerrar o processo de promoção e proteção ou deve ser designada conferência com vista a possível acordo tutelar cível.
III- FUNDAMENTAÇÃO
a) De facto
Com base nos documentos e atos processuais considero relevantes os seguintes factos para a decisão da questão acima enunciada:
1- A criança S... nasceu a 17.12.2002 e é filha de RIJ... e SAN....
2- A 12-12-2017 foi proposto o respetivo processo de promoção e proteção.
3- A 15-03-2018 o Ministério Público promoveu o seguinte: Concordamos com a proposta de fls.43, pelo que, quanto à PPP deverão os autos ser arquivados — artigos 110º, nº1, al. a) e 111° da LPCJP, prosseguindo, atenta a necessidade, também transmitida pela ECJLO/EMAT, de estabelecer/definir a situação tutelar cível da criança — artigo 112º-A da mesma Lei.
4- Em 20-03-2018 foi proferido o seguinte despacho:
Resulta dos autos que, nomeadamente do relatório social apresentado de que não existem indicadores de perigo e que a S... está bem, porquanto o seu bem-estar e as rotinas diárias da mesma, estão asseguradas pelos seus avós paternos.--
Só há legitimidade para intervir, de acordo com o disposto no art..° 3º da LPCJP, quando os pais ponham em perigo a segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento da criança, ou quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros ou da própria criança a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo.
Não é o caso, pelo que não há fundamento para a intervenção a nível da promoção e proteção relativamente à S..., conforme resulta do relatório junto aos autos.--
Pelo exposto, concordando com a Douta Promoção que antecede declaro encerrada a instrução e determino o oportuno arquivamento dos autos, por não se justificar a aplicação da medida de promoção e proteção face à inexistência de situação de perigo para a criança arts.110º, al. a), 63º nº 1 al. b) e 11° da LPCJP.
5- A 23-05-2018 foi requerida a reabertura do presente processo judicial da promoção e proteção, conforme consta de fls. 49 a 58, constando a final, nova proposta, nos termos dos artigos 110º, n° 1, al. b) e 112-A, ambos da LPCJP, no sentido de, caso oportunamente se justificasse, se diligenciar pela respetiva conferência.
6- Por despacho de 1-06-2018 foi declaro reaberto o presente processo nos termos e para efeitos do artigo 99º da LPCJP,---
7- A 11-07-2018 foi promovido Fls. 57 e seguintes: atento o já requerido logo na petição, ponto D, a fls. 57, visto que se justifica conforme o relatório social que antecede, concordando com a proposta de fls. 92, p. seja designada a conferência com vista ao possível acordo tutelar cível- RERP, com confiança a terceira pessoa, aos avós maternos da criança, da S...- artigos 110°, n° 1, al. b), 2ª parte e 112-A, ambos da LPCJP, convocando-se os progenitores e os avós maternos, assim se salvaguardando o eventual perigo.
8- Em 13-07-2018 foi proferido o seguinte despacho:
Os presentes autos tiveram início, face à situação de perigo traduzida em inadequadas práticas parentais e negligência na prestação de cuidados à S..., nomeadamente alegados comportamentos menos adequados por parte do progenitor.
A S... neste momento encontra-se a viver com os avós paternos os quais têm assegurado a prestação dos cuidados necessários à jovem bem como o adequado acompanhamento do percurso vivencial da S....--
Para além disso os avós paternos continuam a manter total disponibilidade para continuarem a assumir a prestação de cuidados à jovem.
Só há legitimidade para intervir, de acordo com o disposto no artigo 32 da LPCJP, quando os pais ponham em perigo a segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento da criança, ou quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros ou da própria criança a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo.
Não é o caso, pelo que não há fundamento para a intervenção a nível da promoção e proteção relativamente à S... mas sim a nível tutelar cível.--
Pelo exposto, declaro encerrada a instrução e determino o oportuno arquivamento dos autos, por não se justificar a aplicação de medida de promoção e proteção face à inexistência de situação de perigo para a criança- artigos 110°, al. a) e 111° da LPCJP.
b) De Direito
Dispõe o artigo 110°, n° 1, al. a) da LPCJP (Lei n° 147/99, de 1 de setembro, com as alterações introduzidas pela Lei n° 31/2003, de 2 de agosto, e pela Lei n° 142/2015, de 8 de setembro):
1- O juiz, ouvido o Ministério Público, declara encerrada a instrução e:
a) Decide o arquivamento do processo;
b) Designa dia para conferência com vista à obtenção de acordo de promoção e proteção ou tutelar cível adequado.
Segundo o artigo 111° o juiz decide o arquivamento quando concluir que, em virtude de a situação de perigo não se comprovar ou já não subsistir, se tornou desnecessária a aplicação de medida de promoção e proteção, podendo o mesmo processo ser reaberto se ocorrerem factos que justifiquem a referida aplicação.
Por sua vez, de acordo com o disposto no artigo 112º-A, n° 1 Na conferência e verificados os pressupostos legais, o juiz homologa o acordo alcançado em matéria tutelar cível, ficando este a constar por apenso.
Em anotação a este artigo escreveu Tomé Ramião, in Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo Anotada e Comentada, Quid Juris, 8° edição, pág. 238:
1. Este preceito foi acrescentado pela Lei n° 142/2015, de 8 de setembro.
2. E quanto à justificação deste novo regime explicitou o legislador: E para que também nesta área seja possível desburocratizar e simplificar procedimentos, estabeleceu-se a possibilidade de a regulação das responsabilidades parentais ser acordada no mesmo processo de promoção e proteção das crianças. Dispensa-se a instauração de um novo processo a decorrer em paralelo e assim resolvem-se mais depressa os conflitos e evita-se, até a degradação da própria situação familiar - exposição motivos.
Regula-se os termos subsequentes quando se opte pela conferência com vista à obtenção de acordo tutelar cível, a designar nos termos previstos nos artgs 1062/2, al. a) e 110º/1, al. b).
Estabelece-se que na conferência se mostrarem verificados os pressupostos legais o juiz homologa o acordo alcançado em matéria tutelar cível, ficando este a constar por apenso, sendo o processo de promoção e proteção arquivado (n° 1). Não havendo acordo, seguem-se os trâmites dos artigos 38° a 40° do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, ou seja, o regime que se mostra previsto para a regulação das responsabilidades parentais, o que significa a convolação do processo de promoção e proteção em processo tutelar cível.
Note-se que a celebração de um acordo para aplicação de medida tutelar cível constitui, efetivamente, uma forma mais célere e estável de atingir a finalidade do processo de promoção e proteção.
Acresce que nos termos do artigo 3°, n° 2, alínea d) da LPCJP a criança ou jovem está em perigo quando está aos cuidados de terceiros, durante período de tempo em que se observou o estabelecimento com estes de forte relação de vinculação e em simultâneo com o não exercício pelos pais das suas funções parentais.
No caso em apreço, foi dado como assente na decisão recorrida que os presentes autos tiveram início, face à situação de perigo traduzida em inadequadas práticas parentais e negligência na prestação de cuidados à S..., nomeadamente alegados comportamentos menos adequados por parte do progenitor; a S... neste momento encontra-se a viver com os avós paternos os quais têm assegurado a prestação dos cuidados necessários à jovem bem como o adequado acompanhamento do percurso vivencial da S...; para além disso os avós paternos continuam a manter total disponibilidade para continuarem a assumir a prestação de cuidados à jovem
Assim e tendo sido entendido pela Srª Juíza a quo que relativamente à criança S... há fundamento para intervenção a nível tutelar cível, não devia ter determinado o encerramento da instrução com o consequente arquivamento do processo nos termos do artigo 111° da LPCJP mas sim determinar o encerramento da a instrução e designar dia para conferência com vista à obtenção de acordo tutelar cível, nos termos dos artigos 110°, n° 1, alínea b) e 1129-A da LPCJP.
Em suma, impõe-se a revogação da decisão recorrida que terá de ser substituída por outra que determine o prosseguimento dos presentes autos, com a realização de conferência com vista ao possível acordo da RERP, tendo em vista o superior interesse da criança da S....
IV- DECISÃO
Com fundamento no atrás exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, com a consequente revogação da decisão recorrida e substituição por outra com o seguinte teor: determina-se o prosseguimento dos presentes autos, com a realização de conferência com vista ao possível acordo da RERP, tendo em vista o superior interesse da criança da S....
Sem custas.
Lisboa, 18 de outubro de 2018
Mário Rodrigues da Silva
José António Moita
A. Ferreira de Almeida