Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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 - ACRL de 27-11-2018   Responsabilidades parentais. Menor com grave deficiência.
I. Constitui fundamento para alteração da regulação das responsabilidades parentais o sacrifício pessoal e desgaste físico e mental acumulado (ao longo de oito anos) da progenitora guardiã de menor com grave deficiência (e inerentes limitações e cuidados acrescidos), constituindo circunstâncias que se repercutem, severamente, na vida da progenitora e, de modo reflexo, tal saturação é idónea a diminuir a capacidade e qualidade dos cuidados a prestar a menor com tais limitações.
II. A residência alternada pode ser fixada pelo tribunal mesmo que os progenitores estejam em desacordo com ela e sem que seja necessário que não exista conflito entre eles.
III. Numa situação em que o menor tem grave deficiência, estando totalmente dependente de terceiros para qualquer ato da vida quotidiana, a fixação da residência alternada cumpre outro desiderato muito relevante, qual seja o de envolver os pais na parentalidade em condições de estrita igualdade, com repartição dos sacrifícios pessoais e profissionais.
Proc. 2261/17.7T8PDL.L1 7ª Secção
Desembargadores:  Luís Filipe Pires de Sousa - Carla Inês Câmara - -
Sumário elaborado por Margarida Fernandes
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CONCLUSÃO - 27-11-2018
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Sumário da responsabilidade do relator:
I. Constitui fundamento para alteração da regulação das responsabilidades parentais o sacrifício pessoal e desgaste físico e mental acumulado (ao longo de oito anos) da progenitora guardiã de menor com grave deficiência (e inerentes limitações e cuidados acrescidos), constituindo circunstâncias que se repercutem, severamente, na vida da progenitora e, de modo reflexo, tal saturação é idónea a diminuir a capacidade e qualidade dos cuidados a prestar a menor com tais limitações.
II. A residência alternada pode ser fixada pelo tribunal mesmo que os progenitores estejam em desacordo com ela e sem que seja necessário que não exista conflito entre eles.
III. Numa situação em que o menor tem grave deficiência, estando totalmente dependente de terceiros para qualquer ato da vida quotidiana, a fixação da residência alternada cumpre outro desiderato muito relevante, qual seja o de envolver os pais na parentalidade em condições de estrita igualdade, com repartição dos sacrifícios pessoais e profissionais.
Proc. Nº 2261/17.7T8PDL.L1
Tribunal Recorrido: Juízo de Família e Menores de Ponta Delgada – Juiz 1
Recorrente: J...
Recorrida: T...
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
RELATÓRIO
T... veio instaurar contra J... processo de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas ao filho ainda menor de ambos, F..., nascido a 30/09/2001.
Alega, em síntese, que a regulação até aí vigente, de 14/01/2010, fixando consigo a residência do menor e prevendo um regime de convívios deste com o pai, se tornou com o passar dos anos insustentável para si mesma, face às especiais exigências que a deficiência profunda do filho lhe impõe e que lhe geraram intenso desgaste de saúde, físico e psíquico, a ponto de não conseguir mais assegurar só e a tempo quase inteiro aqueles cuidados e temer-se de que isso se repercuta na qualidade desses cuidados: A final e nesse contexto, pede que a alteração que entende necessária passe por uma residência alternada do menor entre si e o pai.
Logo na decisão que ordenou a citação, foi oficiosamente determinada a tramitação urgente do processo (em face dos termos do requerimento inicial e das nele descritas ditas condições pessoais do menor). Citado o requerido, veio o mesmo a título prévio insurgir-se contra a tramitação urgente do processo e, quanto à questão central, opor-se à pretensão de alteração, essencialmente sob os seguintes argumentos: de que quando da respetiva configuração a regulação até aqui vigente assumira, como melhor para o filho e até por exigência da mãe, que ele vivesse com esta em lugar de fazer sucessivas mudanças entre a respetiva casa e a do pai; que para isso ela ficou logo até à subsequente partilha com o uso da casa que até então fora a de morada de família e estava adaptada ao menor e às suas necessidades; que neste contexto ele estruturou subsequentemente e ao longo do tempo uma vida profissional cujas muitas exigências lhe não permitem cuidar do filho a tempo inteiro, mesmo que só metade do tempo ou até menos; que as suas condições pessoais e familiares também nesse sentido militam; que a mãe tem pelo contrário melhores condições e disponibilidade profissional para o efeito e aliás dispõe de apoios vários que em muito lhe minoram as dificuldades, além de estar ele mesmo sempre disponível para quando pode ajudar, como em termos económicos já fortemente contribui; e enfim que o que interessa é, única e exclusivamente, o bem-estar do menor e que este é melhor assegurado mantendo-se com a mãe nos termos originais, sendo a pretensão da requerida apenas dirigida à satisfação dos seus próprios interesses.
Na sequência, foi determinada audição da requerente e do requerido e foi solicitada à Equipe Multidisciplinar de Apoio ao Tribunal (=EMAT) a recolha e prestação de informações sociais, com vista à tomada de decisão sobre o prosseguimento ou não do processo, remetendo-se para mais tarde avaliação sobre manter ou não a tramitação urgente respetiva. Foi dispensada a audição do menor, postas as respetivas características pessoais, que o inviabilizariam. Na data da audição dos progenitores, em face do que da mesma resultou e das informações sociais então prestadas, decidiu-se o prosseguimento do processo, logo se aproveitando a presença de todos para realização de conferência de pais, em que se não logrou acordo, ambos mantendo as posições antes manifestadas nas peças.
Foram as partes remetidas para audição técnica especializada (=ATE), logo do mesmo passo e por celeridade se solicitando à EMAT informações sociais. Constatada a frustração ainda das tentativas de alcançar consenso e a subsistência do dissídio, foi agendada a segunda sessão da conferência de pais. Naquela segunda sessão de conferência, e de novo se não logrando acordo, mantendo-se as posições em alteração relevante, foi tomada decisão provisória que, no essencial, estabeleceu residência alternada do menor com ambos os pais e por períodos de uma semana, sendo que posteriormente e em vista de julgamento ambas as partes ofereceram alegações.
Após julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Em face do exposto, e nos termos dos art. 42.°, n.° 1 e 5, e 40.°, do RGPTC, determino, quanto ao menor, F..., nascido a 30/09/2001, filho de T... e de J..., a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais de 14/01/2010, em lugar dela passando a observar-se a seguinte:
1. O menor terá residência alternada com ambos os progenitores e em base semanal, fazendo-se a mudança, salvo acordo expresso em contrário, aos domingos pelas 18:30 horas.
2. Os progenitores exercem em comum as responsabilidades parentais ao menor relativas nas questões de especial importância para a sua vida, designadamente em matérias de viagens para o estrangeiro, de intervenções médico-cirúrgicas e de representação judiciária ou patrimonial, mas cada um exercerá as responsabilidades parentais relativas às matérias da vida do quotidiano nos períodos em que o tenha a residir consigo; o cargo de encarregado de educação será exercido por cada um dos progenitores em anos letivos alternados.
3. Independentemente da alternância de residência do menor referida em 1), qualquer dos pais pode na semana em que o não tem a viver consigo, e em dias úteis, vê-lo e estar com ele quando quiser, desde que com aviso prévio ao outro e sem prejuízo das suas obrigações educativas nem dos seus horários de descanso.
4. Também independentemente da alternância de residência referida em 1), o menor passa sempre com a mãe o dia de aniversário desta e do Dia da Mãe e sempre com o pai o dia de aniversário deste e o Dia do Pai, com cada um passando em anos alternados o seu próprio dia de aniversário.
5. Sempre independentemente da alternância semanal de residência referida em 1), e portanto fazendo-se as necessárias alterações a essa alternância, o menor passa sempre com cada um dos pais e alternadamente a primeira ou a segunda metade do período oficial das férias escolares de Páscoa, e a primeira ou a segunda metade do período oficial das férias escolares das de Natal (neste caso fazendo-se a mudança a 26 de Dezembro pelas 15:30 horas)
6. Ainda independentemente da alternância semanal de residência referida em 1), e portanto fazendo-lhe as alterações para isso necessárias, o menor passa sempre com cada um dos pais, alternadamente, o mês inteiro de Julho ou o mês inteiro de Agosto – e durante cada um desses meses aquele dos pais que o não tem a residir consigo pode durante a semana vê-lo e estar com ele nos termos referidos em 3), e tê-lo consigo em fins de semana alternados desde as 18:30 horas de sexta-feira até às 19:30 horas de Domingo.
7. Cada um dos progenitores suportará as despesas correntes do sustento do menor (as gerais e as especiais decorrentes das suas condições particulares e dos apoios de terceiros) durante os períodos em que o tem a seu cuidado.
8. Quanto às despesas extraordinárias do menor, designadamente de saúde na medida que não sejam comparticipadas por quaisquer seguros ou serviços públicos ou privados de saúde, e bem assim as de frequência de (ou internamento em) quaisquer instituições (desde que previamente acordadas em comum), serão suportadas por ambos em partes iguais, para esse efeito:
a) Quando inferiores a 200,00 €, devendo aquele que as efetuar comunicá-lo ao outro por escrito e com cópia dos correspondentes comprovativos no prazo máximo de dez dias após efetuá-las e devendo este outro no prazo de dez dias após receber essa comunicação depositar na conta pelo primeiro indicada a metade que lhe corresponde.
b) As que sejam de valor superior, e salvo o caso de urgência ou força maior [em que podem ser de imediato assumidas por um aplicando-se depois as regras previstas em a)], terão de ser previamente informadas ao outro, por aquele que as entender primeiro necessárias, ambos dispondo antecipadamente a parte que lhes corresponde.»

Não se conformando com a decisão, dela apelou o requerente, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
«O - O artigo 42º, n.º 1 do RGPTC prevê que “...quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido...” pode qualquer dos progenitores requerer ao tribunal nova regulação das responsabilidades parentais.
B – Tendo os processos tutelares de menores natureza de jurisdição voluntária (art. 12º do RGPTC), aplica-se o art. 988º do CPC que, de forma taxativa quanto à natureza superveniente das circunstâncias estabelece que estas são tanto as “ocorridas posteriormente à decisão como as anteriores que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso”.
C – As patologias do menor são as que apresentava por ocasião do regime em vigor, pois têm natureza congénita;
D – como se diz na douta sentença recorrida, a mãe pretende a alteração, não por qualquer circunstância atual que se tenha alterado, mas “por temer deixar ela de ter capacidade para continuar a prestar-lhos adequadamente, mas também e sobretudo por entender que tem direito e carece de se dedicar mais à profissão e dispor de mais tempo para si mesma e para atividades de lazer, bem como para retemperar-se regular e periodicamente, e por outro por entender que essa responsabilidade é igualmente dele...” (sublinhado nosso);
E – Por outro lado, “temer deixar ela de ter capacidade” é um mero juízo de prognose, logo futuro e hipotético, e o entendimento do direito a dedicar-se à sua profissão a dispor de mais tempo para se dedicar a si e para atividades de lazer e, ainda, que a responsabilidade é também do progenitor, não constitui qualquer alteração objetiva das circunstâncias, uma vez que tais questões já se levantavam à data do acordo em vigor;
F - Resulta do RGTPC as circunstâncias supervenientes a justificarem a alteração serão só e apenas aquelas em que estejam em causa os interesses do menor, interesses que o artigo 1906º do Código Civil impõe ao julgador como parâmetro primeiro da decisão.
G – Por isso, sempre haveria que identificar o interesse do menor e avaliar se o regime atual satisfazia adequadamente aquele interesse ou tal não acontecendo se justificasse a alteração.
H – Para fundamentar a necessidade de alteração não se avaliou o interesse do menor e a inadequação do acordo vigente a satisfazê-lo.
I - A douta decisão recorrida violou o artigo 42º, n.º 1 do RGTPC e o n.º 1 do art. 988º do Código de Processo Civil
J - Nos n.ºs 3 e 5 do artigo 1906º do Código Civil não permitem fixar a residência alternada na falta de acordo dos progenitores;
K – Mesmo a jurisprudência menos restritiva só admite a imposição da residência alternada quando ambos os progenitores pretendam a guarda exclusiva (cf. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 04/27/2017, relatado pela Exma. Desembargadora Maria João Areias (in www.dgsi.pt) e os arestos ali citados).
L – O próprio Senhor Juiz recorrido admite que, reiteradamente, tem considerado que os n.ºs 3 e 5 do art. 1906º do Código Civil apenas permitem fixar a residência alternada havendo acordo dos progenitores, aliás de acordo com a jurisprudência e doutrina dominantes (cf. na jurisprudência: Ac. Relação do Porto de 13-05-2014 (Rodrigues Pires), Acórdão da Relação de Lisboa de 7-08-2017 (Pedro Martins) e Acórdão da Relação de Lisboa de 14-02-2015 (Catarina Arêlo Manso);
M – O recurso à equidade no nosso sistema jurídico não permite ao Juiz ignorar o Direito positivo e decidir contra o ali estabelecido;
N – Ao decidir com recurso ao art. 988º do CPC contra o disposto nos n.ºs 3 e 5 do art. 1906º do Código Civil, a decisão recorrida violou esta disposição legal.
O – Mesmo admitindo a possibilidade de recurso à equidade contra legem sempre a decisão teria que se fundar no superior interesse do menor, identificando-o, avaliando se o regime em vigor o satisfaz ou se há necessidade de alteração e, neste caso quais as hipóteses de o satisfazer.
P – A douta sentença não fundamentou a necessidade de alteração no interesse do menor e na inadequação do regime vigente para satisfazê-lo, nem inventariou as hipóteses mais aptas a esse objetivo;
Q – A decisão impugnada fundou-se exclusivamente no interesse da progenitora a cujas reivindicações deu integral satisfação.
R – A douta decisão recorrida ao não se fundar factualmente no superior interesse do menor, é nula por omissão da fundamentação legalmente exigida nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 615º do Código de Processo Civil. L – De qualquer forma, tendo como fundamento exclusivo o interesse da mãe do menor, violou o disposto no n.º 5 do art. 1906º do Código Civil.
S – A douta decisão recorrida viola ainda o n.º 3 do artigo 1906º do Código Civil. Nestes termos deve a presente sentença ser revogada e substituída por outra que:
a) Considere não ter havido alteração das circunstâncias relevantes para a alteração do regime de regulação das responsabilidades parentais vigente, ordenando o arquivamento do processo; a não ser assim entendido
b) Ser declarada a nulidade da sentença por falta de fundamentação, nos termos do art. 615º do CPC; ou
c) Em qualquer dos casos declare que se mantém em vigor o regime de regulação das responsabilidades parentais em vigor.»
Contra-alegou o Ministério Público, propugnando pela improcedência da apelação. QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.
Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes:
i. Nulidade da sentença por omissão de fundamentação legal.
ii. Saber se há ou não motivo para alteração da regulação de 14/01/2010,
iii. Caso haja, quais os concretos termos da alteração a fazer;
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
a) F..., nascido a 30/09/2001, natural de S. José, Ponta Delgada, é filho de J... e de T..., que foram casados entre si e se divorciaram em 14/01/2010, sendo que por ocasião desse divórcio, por mútuo consentimento, entre ambos acordaram regulação do exercício das responsabilidades a ele relativas;
b) Nessa regulação ficou determinado que o menor ficaria a residir habitualmente com a mãe, exercendo ambos os pais as responsabilidades parentais a ele relativas nas questões de particular importância da vida dele, estipulando-se regime de visitas e convívios entre o pequeno e o pai que para além da possibilidade de contactos durante os dias úteis e certas datas festivas (aniversários, natal e fim de ano) apenas contempla dois fins de semana por mês e um período de quinze dias nas férias de Verão, no mais definindo-se obrigação alimentar de 400,00 € mensais (atualizável anualmente segundo a inflação e desse modo por último já em 454,00 € mensais), especificadamente dirigidos a despesas de alimentação, educação, transportes, vestuário, empregada doméstica, formação social e profissional, e a isso acrescendo ainda a obrigação de repartição em partes iguais das despesas de saúde, médicas e medicamentosas e as de material escolar do início dos anos letivos.
c) O F..., não obstante frequentar a escola, em currículo adaptado, padece desde a nascença de uma forma muito grave de paralisia cerebral, com tetraparésia espástica, que por completo lhe tolhe mobilidade dos membro superiores e inferiores, o controlo dos esfíncteres e o impede de falar ou por outro modo comunicar, sendo por isso totalmente dependente de terceiros para qualquer ato da vida quotidiana, desde alimentar-se, vestir-se e despir-se, fazer a higiene corrente (com necessidade de fraldas e de ser limpo), tomar banho, deitar-se e levantar-se, mudar de posição durante o sono (diversas vezes), até deslocar-se para quaisquer atividades; sofre igualmente de epilepsia,
parcialmente controlada com medicação, e a sua condição é frequentemente acompanhada de complicações de saúde, principalmente a nível respiratório mas igualmente esquelético (tendo sido operado às ancas e à coluna).
d) Apesar dessa sua condição, o F... apresenta-se aos pais e em geral às pessoas do respetivo círculo, familiares e amigos do pai, como uma criança feliz e tranquila, até comunicativa na medida em que por trocas de olhares e expressões faciais isso a todos é percetível, e tanto o pai como a mãe têm por ele afeto intenso, com manifestações permanentes de carinho, ambos sendo atentos às suas muitas e constantes necessidades, conhecedores das rotinas e características de personalidade dele, mostrando-se ambos recorrentemente zelosos e protetores, naturalmente a mãe a maior parte do tempo e o pai nas ocasiões em que o tem a seu cuidado, mas de todo o modo ambos reconhecendo um no outro essas qualidades.
e) De todo o modo, ambos têm capacidade e competência para cuidar do filho e o terem a residir consigo, ambos para isso dispondo de condições materiais.
f) Em concreto, a mãe, cujo agregado familiar tem sido composto apenas por si e pelo F..., vive em casa própria (apartamento adquirido com empréstimo bancário) em Ponta Delgada e, sendo técnica principal de um instituto público regional de promoção de investimento, aufere mensalmente cerca de 1.670,00 €, aos quais têm acrescido as prestações sociais relativas ao filho (227,73 € de abono de família com bonificação por deficiência e majoração de monoparentalidade e subsídio por assistência de terceira pessoa), e ainda a prestação alimentar paga pelo pai, de 454,02 € mensais; as principais despesas montam a cerca de 1.500,00 € mensais, incluindo prestação para pagamento do crédito hipotecário à habitação, consumos domésticos (água, eletricidade, gás e telecomunicações), impostos, despesas de condomínio e empregada doméstica, imposta também para auxílio às necessidades correntes do menor, e outras específicas deste, como propina da frequência da associação de paralisia cerebral de S. Miguel, senhas de refeições escolares, fraldas, gastos médicos diversos, géneros alimentares, despesas com carrinha adaptada, vestuário e calçado, material escolar e apoio domiciliário.
g) Não obstante um horário de trabalho em geral entre as 09.00 h e as 18.00 horas, as funções profissionais da mãe implicam que faça por vezes viagens a outras ilhas, ao continente e mesmo ao estrangeiro, paras reuniões e/ou acompanhar investidores, por vezes por vários dias, além disso não raro tendo de atender a almoços ou jantares de trabalho, e tudo incluindo em dias feriados e fins de semana.
h) Por seu lado o pai, cujo agregado é composto apenas por si e pelo F... nos períodos em que o tem consigo, reside durante a semana em Ponta Delgada, em apartamento de renda, aos fins de semana e nas mais ocasiões em que o F... está ao seu cuidado desloca-se habitualmente com ele para a freguesia dos Mosteiros, do mesmo concelho, onde dispõe de casa própria e onde privam com os seus pais, ali residentes, também em casa destes.
i) Sendo diretor/administrador de um centro comercial em Ponta Delgada, aufere mensalmente cerca de 2.550,00 €, acrescidos de bónus anual variável mas de cerca de 5.000,00 € segundo os objetivos alcançados, montando as respetivas despesas principais a cerca de 2.000,00 €, incluindo renda de casa em Ponta Delgada, prestação para pagamento do crédito hipotecário à habitação relativa à casa nos Mosteiros, e transportes, e outras específicas do filho, como a prestação de alimentos em seu favor e que entrega à mãe, apoio domiciliário (cujo custo partilha com a mãe), gastos de saúde, fraldas, despesas para deslocações e gastos diversos em vestuário – montando as quantias especificamente entregues à mãe, entre a prestação de alimentos e a participação no apoio domiciliário, a cerca de 570,00 €; neste contexto, o pai destina cerca de 900,00 € às suas despesas pessoais.
j) Embora com horário laboral geral entre as 09.00 h e as 18.00 h, e tendo em conta as múltiplas incidências próprias da direção/administração de um estabelecimento de grandes dimensões e com variadas áreas de atividade e plúrimos intervenientes, o pai na verdade trabalha com frequência para além daqueles horários e uma ou duas vezes por mês também aos fins de semana, nesses casos cerca de oito horas aos Sábados e de quatro horas aos Domingos, além disso tendo necessidade de fazer frequentes deslocações, desde logo ao continente, para formação, reuniões, convenções, seminários ou negócios, variando o número e duração dessas viagens de ano para ano e sendo imprevisível a maioria delas.
k) A rotina diária do F... passa, durante a semana (dias úteis), por ter de ser levantado, limpo (higiene e mudança de fralda), vestido e alimentado (pequeno almoço), no que a mãe é auxiliada por técnica de apoio domiciliários, sendo depois recolhido por viatura adaptada dos serviços escolares (com sistema elevatório) que o leva à escola, onde passa a maior parte do dia e onde lhe é dado almoço, depois da escola frequentando as instalações da associação de paralisia cerebral de S. Miguel, para onde a mesma viatura com os mesmos condutores/funcionários o transportam, e ali permanece até cerca das 18.00 h ou 18.30 h, quando a mãe o recolhe, em viatura própria igualmente adaptada e com sistema elevatório, depois em casa retomando os cuidados dele e para isso contando com o auxílio de uma empregada doméstica, que diariamente com exceção das quintas-feiras tem ao seu serviço entre as 16.00 h e as 20.00 h, às quintas-feiras tendo o já referido apoio domiciliário não apenas de manhã (30 minutos) mas também ao fim da tarde (outros trinta minutos) precisamente por ser o dia em que a empregada doméstica não vai; o pai por seu lado nas pontuais ocasiões em que durante a semana tem o F... consigo, dispõe igualmente do referido apoio domiciliário, e ao fim de semana ou em dias feriados nenhum o tem, socorrendo-se ela da ajuda de amigas e ele da da namorada e dos pais.
l) Tal como a mãe, o pai acompanha os assuntos escolares do F..., sempre ou quase sempre o acompanhando a atividades quando seja o caso, reuniões de pais, festas na escola ou a associação de paralisia cerebral, viagens para consultas e exames fora de S. Miguel, e de resto por vezes, pontualmente, quando a mãe lho peça e ele entende que as obrigações profissionais lho consentem, dispõe-se a tomar conta do filho durante deslocações daquela, ou a ir buscá-lo ou levá-lo a algum lado e/ou tê-lo consigo quando aquela não pode.
m) A requerente não tem em S. Miguel outros familiares senão uma irmã, e o requerido os seus progenitores, estes todavia já idosos e, sendo ele pessoa desenvolta e claramente capaz, sendo ela pelo contrário doente oncológica e cardíaca, ambos residentes na freguesia dos Mosteiros e precisamente sendo o requerido quem lhes presta apoio quando dele necessitem.
n) Quando depois de requerente e requerido se separarem ele adquiriu a casa na freguesia dos Mosteiros, contava vir ali a fixar residência e em paralelo a desenvolver projeto de alojamento local no edifício, o que todavia foi até hoje deixando indefinidamente postergado devido à sua ocupação laboral e ao acompanhamento ao filho nos termos já referidos, sendo que embora tivesse chegado a com efeito ali residir, para tudo melhor conjugar é que acabou por fixar a residência em Ponta Delgada, num apartamento arrendado.
o) Ambos os pais necessitam, em função do F..., de que nas habitações respetivas haja disponibilidade de elevador no edifício e espaço para circulação de cadeira de rodas, com casas de banho espaçosas, limitações que lhes encarecem as opções e em concreto e pelo menos no caso do pai condicionou a específica escolha do apartamento que veio a arrendar.
p) De um modo geral e a despeito de desencontros quanto a valores pouco significativos, todas as despesas que as condições especiais do F... importam, em equipamentos adaptados (incluindo a viatura), bem como em medicamentos, consultas, exames e o mais, e mesmo no serviço de apoio domiciliário, são suportadas por ambos os pais, a esta última correspondendo a verba de comparticipação pelo pai, já referida acima (em i), de 119,00 € mensais – e sendo que a mãe é que recebe as comparticipações/subsídios públicos e os benefícios fiscais, quanto ao pai apenas recebendo as comparticipações de um seguro de que beneficia.
q) Quando da separação dos pais e da regulação entre eles do exercício das responsabilidades parentais a si relativas, o F... tinha oito anos de idade a compleição física nessa idade expectável, atualmente tendo já quase dezassete anos de idade e a compleição física igualmente correspondente, por conseguinte sendo agora mais pesado e fisicamente mais exigentes os cuidados a prestar-lhe que ao longo do tempo se mantiveram.
r) Desse modo, a mãe, entretanto também oito anos mais velha (com quarenta e oito anos, tal como o pai), passado este tempo, no decurso do qual além das repercussões da exigência de cuidados ao filho na respetiva profissão, se viu em larga medida privada de vida social ou de lazer, durante a semana e nos fins-de semana em que o F... não está com o pai não tendo em geral quem sequer possa ficar em casa à noite com ele para que possa sair, mostra-se saturada, sobrecarregada, psicológica e fisicamente exausta, e entretanto foi padecendo as seguintes maleitas: (i) desde 2008, dispepsia e dor abdominal recorrentes com seguimento em consulta de medicina interna e exames vários, incluindo endoscopias, TACs, biópsias e colonoscopias, mas com sintomatologia persistente e complicações diversas até ao surgimento em 2015 de Helicobacter pylori, erradicada por tratamento; (ii) perturbações do ritmo cardíaco ligeiras com queixas a partir de 2015 e acompanhadas de vertigens e náuseas depois de Agosto desse ano, com deteção, através de TAC, de vaso anómalo depois estudado complementarmente com ressonância magnética e angio-TAC mas que se revelou sem significado patológico; (iii) em 2016, três episódios de infeção respiratória alta com alguma gravidade clínica com terapêutica antibiótica e subsequentemente indicação para vacinação anual da gripe; (iv) também a partir de 2016, aparecimento de cervicalgias intensas com posterior apuramento através de TAC de patologia degenerativa das plataformas articulares mas sem patologia compressiva; (v) atualmente, tiroidite com hipotiroidismo e nódulo no lobo direito da tiroide que reclama seguimento em consulta de endocrinologia e terapêutica de substituição hormonal; e (vi) também desde 2015 apresenta à especialista de medicina interna que a segue desde 2008 queixas de fadiga crónica, alterações do sono com insónia e alterações da função cognitiva, com agravamento progressivo, períodos intermitentes de dificuldade em manter a sua atividade diária e profissional de forma eficiente e rotineira. Em paralelo com isto, foi sendo sucessivas vezes afetada por maleitas diversas, que já vinham de 2006 e, incluindo tendinites, dores e ruturas musculares, com lombalgias, dorsalgias e cervicalgias, escoliose, bursite, trocanterite e quisto, foram implicando as correspondentes medicação e fisioterapia, com melhoras, e pelo menos uma vez baixa médica.
s) Nas ditas condições, a mãe motiva-se a pretender a alteração da regulação, não estando mais disposta a continuar a assegurar ela a tempo inteiro os cuidados ao filho, tendo-o a residir habitualmente consigo, e pelo contrário pretendendo que, passando ele a ter residência alternada com ambos os pais, o pai assegure também esses cuidados em metade do tempo, por um lado por se temer deixar ela de ter capacidade para continuar a prestar-lhos adequadamente, mas também e sobretudo por entender que tem direito e carece de se dedicar mais à profissão e dispor de mais tempo para si mesma e para atividades de lazer, bem como para retemperar-se regular e periodicamente, e por outro por entender que essa responsabilidade é igualmente dele.
t) Por seu lado o pai motiva-se à pretensão de que no essencial se mantenha a regulação de 14/01/2010, continuando o F... a ter residência habitual com a mãe e as visitas e convívios consigo em dois fins de semana por mês, por quinze dias nas férias de Verão e em datas festivas, sem prejuízo de manifestar (continuidade da) disponibilidade para outras ocasiões pontuais se e quando a mãe precisar e ele puder, com o entendimento de que nada na situação do filho e de essencial se alterou entretanto, que ele com a mãe está bem cuidado e feliz e a alteração das rotinas e da vida que tem tido pode ser-lhe prejudicial, bem como e sobretudo por considerar que precisamente não tem condições para cuidar dele a tempo inteiro em semanas alternadas, desde logo devido aos seus afazeres profissionais, que com isso não são compatíveis e que teria de negligenciar, com risco até dos ganhos que obtém, e isso quando a partir de 2010 estruturou o desenvolvimento da sua carreira no pressuposto de que o pequeno ficaria a viver com a mãe, em todo o caso renunciando a melhor progressão dela com o não se ausentar de S. Miguel para se não afastar do filho.
u) Quando em 14/01/2010 se divorciaram por mútuo consentimento e nesse contexto acordaram a regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas ao menor, ambos os pais tinham já os empregos que atualmente mantém, e no caso do pai era de resto já diretor do mesmo centro comercial.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
NULIDADE DA SENTENÇA POR OMISSÃO DE FUNDAMENTAÇÃO LEGAL
Sustenta o apelante que a decisão impugnada, ao não se fundar factualmente no superior interesse do menor, é nula por omissão da fundamentação legalmente exigida, nos termos da alínea b) do nº1 do Artigo 615º do Código de Processo Civil.
Nos termos do Artigo 615º, nº1, alínea b), do Código de Processo Civil , é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Trata-se de um vício formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo ou erro de atividade que afeta a validade da sentença.
Ensinava a este propósito ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, V Volume, p. 140, que
«Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.»
Nas palavras precisas de TOMÉ GOMES, Da Sentença Cível, p. 39, «Assim, a falta de fundamentação de facto ocorre quando, na sentença, se omite ou se mostre de todo ininteligível o quadro factual em que era suposto assentar. Situação diferente é aquela em que os factos especificados são insuficientes para suportar a solução jurídica adotada, ou seja, quando a fundamentação de facto se mostra medíocre e, portanto, passível de um juízo de mérito negativo. / A falta de fundamentação de direito existe quando, não obstante a indicação do universo factual, na sentença, não se revela qualquer enquadramento jurídico ainda que implícito, de forma a deixar, no mínimo, ininteligível os fundamentos da decisão.»
Conforme se refere de forma lapidar no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.4.95, Raul Mateus, CJ 1995 – II, p. 58, “ (...) no caso, no aresto em recurso, alinharam-se, de um lado, os fundamentos de facto, e, de outro lado, os fundamentos de direito, nos quais, e em conjunto se baseou a decisão. Isto é tão evidente que uma mera leitura, ainda que oblíqua, de tal acórdão logo mostra que assim é. Se bons, se maus esses fundamentos, isso é outra questão que nesta sede não tem qualquer espécie de relevância.” O mesmo Tribunal precisou que a nulidade da sentença por falta de fundamentação não se verifica quando apenas tenha havido uma justificação deficiente ou pouco persuasiva, antes se impondo, para a verificação da nulidade, a ausência de motivação que impossibilite o anúncio das razões que conduziram à decisão proferida a final (Acórdão de 15.12.2011, Pereira Rodrigues, 2/08). Só a absoluta falta de fundamentação – e não a sua insuficiência, mediocridade, ou erroneidade – integra a previsão da alínea b) do nº1 do Artigo 615º, cabendo o putativo desacerto da decisão no campo do erro de julgamento – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2.6.2016, Fernanda Isabel Pereira, 781/11. «O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal e persuasivo da decisão – mas não produz nulidade.»
Ora, a sentença impugnada teve em consideração e pronunciou-se sobre o interesse do filho, designadamente nos seguintes segmentos:
«2.3.4. A abrir, é uma gritante evidência que ambos os pais, indistintamente, têm plenas capacidades
pessoais para cuidar do F... e lidar com as específicas dificuldades que ele impõe, ambos com ele têm forte vinculação afectiva, ambos são atenciosos e dedicados, e embora com alguma diferença na respectiva medida, ambos dispõem de recursos económicos bastantes e muito perceptivelmente se situam em por assim dizer o mesmo estrato social, cultural e económico. Breve, os dois têm inteiras condições para satisfazer-lhe as necessidades, que com qualquer um deles estarão tanto quanto possível asseguradas, em todos os planos. Se a isto somarmos que ambos residem nesta ilha de S. Miguel, onde há muito ambos têm centradas as respectivas vidas e dispõem de habitação, então torna-se claro que com efeito cumpre dar de barato que no plano da residência habitual respectiva os seus interesses são igualmente servidos ficando a residir com um, com outro ou alternadamente com ambos.
2.3.5. Naturalmente, por muito equivalentes que sejam as posições, como são, isso não significa identidade delas; sempre há diferenças, e estas, para lá da já referida algo maior capacidade económica do pai, centram-se em ser a mãe quem há oito anos assume a muito maior parte dos sacrifícios pessoais que aqueles cuidados ao filho e suas especiais dificuldades importam, entretanto e por isso tendo o pai melhor desenvolvido a respectiva carreira profissional. E naquele plano, dos interesses do menor, sendo isso igual, então, porque não são com eles (com esses interesses) irremediavelmente incompatíveis, impõe-se a concatenação também dos dos pais, que são legítimos, equilibrando-os de forma a para cada um os salvaguardar tanto quanto possível, desse modo tudo apontando para, mais do que a conveniência, a verdadeira necessidade de uma residência alternada do menor com cada um deles, de modo a entre ambos
distribuir sacrifícios e a ambos permitir o que possam ter de uma vida para além do serviço ao filho» (sublinhado nosso).
Articulando esta análise na fundamentação de direito com os factos provados sob d), e), l), que sustentam aquela, infere-se que o tribunal a quo analisou – expressamente – a questão do interesse superior do menor.
Improcede a arguição de nulidade.
SABER SE HÁ OU NÃO MOTIVO PARA ALTERAÇÃO DA REGULAÇÃO DE 14/01/2010
A primeira questão suscitada pelo apelante é a da inexistência de circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração da regulação das responsabilidades parentais. Argumenta o apelante que as patologias do menor são as mesmas, sendo que a mãe entende que tem direito e carece de se dedicar mais à profissão e de dispor de tempo para si, sendo a responsabilidade igualmente do pai. Mas invoca que não foi avaliado o interesse do menor para fundamentar a necessidade de alteração.
O tribunal a quo pronunciou-se sobre esta questão essencialmente nestes termos:
«2.2.5. Fazendo-a enfim, afirmo sem reservas que com efeito cabe alteração. Desde logo, é manifesta a verificação de circunstâncias supervenientes, que não são certamente e em si mesmas as patologias de base do F..., que já se manifestavam quando do estabelecimento da regulação em crise e na respectiva tomada de decisão (acordo) não podiam deixar de ter sido consideradas por ambos os progenitores (à cabeça a mãe, que quis então para si a guarda dele); são, isso sim, e são de modo claramente perceptível a uma inteligência e consciência medianas, o natural e incontornável agravamento progressivo dos pesadíssimos encargos pessoais que aquelas patologias impõem aos seus cuidadores, desde logo por efeito do mero decurso do tempo e do crescimento dele, como são ainda, agora no plano dos cuidadores eles mesmos e igualmente até por mero decurso do tempo, o humano envelhecimento, o desgaste físico e psíquico pelo esforço e dedicação constantes, enfim a saturação que a situação inevitavelmente causa.
2.2.6. Mostra-se absolutamente indisputável a afirmação de que ao cabo de oito anos decorridos sobre aquela regulação, tudo isso lhe é posterior, e em se ensaiando, como de certo modo ensaiou o requerido para opor-se à pretensão de alteração, argumentar que tal evolução era previsível, foi efectivamente prevista e portanto e desse modo foi tida em consideração no que há oito anos se decidira, então basto-me com retorquir que nem em boas contas pode nisso crer-se (cfr. supra II/1./1.2./b e II/1./1.3/B/b), nem em todo o caso a objectiva superveniência das ditas circunstâncias seria afastada por uma suposta previsão delas a longa distância, nem enfim e sobretudo a regra da alterabilidade em função dessa superveniência poderia ser afastada por acordo!
2.2.7. O que traz agora ao juízo sobre a necessidade dessa alteração, que igualmente afirmo à cabeça. O F..., já por desgraça o vimos sobejamente, carece de cuidados e atenções constantes, progressivamente mais difíceis e desgastantes para quem essencialmente lhos presta, a mãe, e um desgaste que é físico e é psíquico, emocional, é saturador e se repercute e exprime, obviamente, nos mais diversos planos da vida dela, desde logo o pessoal, nos domínios da saúde e da sociabilidade e convivialidade, mas também o profissional, com destaque para as particulares tensões que nas suas condições implica, e por isso pouco ou nenhum sentido faz que se lhe aponte mutabilidade de fundamentações à pretensão: tudo são faces da mesma realidade prismática mas única, como é marca de água das coisas humanas.
(...)
É bom de ver que não se pode exigir da mãe o eternizar de uma vinculação pessoal quase total àquelas necessidades do filho e pelo contrário concluir, como ela argumenta e de resto se me afigura quase trivial, que em algum momento, ao que tudo indica já chegado, a capacidade de lhes assegura a satisfação se lhe esgota ou pelo menos lhe fica gravemente diminuída – com os inevitáveis problemas que isso importará para o bem-estar dele mesmo. Nem se diga que demonstração do contrário disso é o ele estar muito bem tratado!
(...)
2.2.13. Para ser mais plástico, os interesses do menor não são algo que se sobreponha sem mais e por o serem (do menor e “superiores”) a todos e quaisquer interesses legítimos dos pais ou até de terceiros nem aos critérios jurídicos de dirimir os conflitos entre eles. Esses outros interesses terão em geral de se subordinar aos do menor, mas não podem certamente ser simplesmente eliminados ou extremadamente ser-lhe funcionalizados. As pessoas que não são menores também têm dignidade humana, também são regidas por e merecem critérios de igualdade, de proporcionalidade, de equidade, enfim, de justiça; e já agora, a título de exemplo (para argumentação ad absurdum), têm direito (constitucional) a ter filhos e a terem-nos consigo, e se o interesse dos menores a isso fosse incondicionadamente superior, não viria talvez longe o dia em que à porta das maternidades se tirassem filhos à mães e pais para os entregar a milionários ansiosos de ter filhos a quem
tributassem amor, por ser talvez do superior interesse dos petizes ter pais de melhores meios...» Cremos que a questão foi equacionada, corretamente, pelo tribunal a quo.
As circunstâncias supervenientes suscetíveis de justificar a alteração do exercício das responsabilidades parentais (Artigo 42º, nº1, do RGPTC) podem derivar de qualquer um dos polos da relação triangular menor-pai-mãe, não sendo necessário que derivem necessariamente de vicissitudes ocorridas com o menor. Assim, ninguém questiona que a alteração significativa do vencimento de um dos progenitores possa justificar um pedido de alteração do exercício das responsabilidades parentais. Pela mesma ordem de razões, o sacrifício pessoal e desgaste físico e mental acumulado (ao longo de oito anos) da progenitora guardiã de menor com grave deficiência (e inerentes limitações e cuidados acrescidos) constituem circunstâncias (cf factos provados sob c), k), q), r) e s)) que se repercutem, severamente, na vida da progenitora e, de modo reflexo, tal saturação é idónea a diminuir a capacidade e qualidade dos cuidados a prestar a menor com tais limitações. Comparando esta situação com a (mais recorrente) de alteração do nível de rendimentos de um progenitor, fácil é concluir que aquela com maior prontidão se repercutirá na degradação da qualidade de vida do progenitor e do menor do que necessariamente a segunda (redução de rendimentos).
A tese e posição do apelante (bem resumida no ponto 2.3.9 da sentença impugnada) não colhe. Não são invocáveis nesta sede raciocínios típicos de institutos do direito privado como é o caso da boa fé (art. 762º do Código Civil) e da tutela da confiança. Dito de outra forma, não é pertinente a construção do apelante no sentido de que o que foi acordado em 2010 vincula os pais indefinidamente, sendo com base nesse acordo que projetou e desenvolveu a sua carreira profissional, razões pelas quais estaria preterida a alteração da regulação. Pelo contrário, as responsabilidades parentais são indisponíveis e devem ser exercidas no interesse do filho (arts. 1699º, nº1, al. b) e 1878º, nº1, do Código Civil), assistindo-lhes ainda o carácter de uma funcionalidade acentuada, no sentido de que têm de ser exercidas, tratando-se de normas imperativas (cf. JORGE DUARTE PINHEIRO, O Direito da Família Contemporâneo, 5ª ed., pp. 221-222). Estamos perante um dever permanente cuja concreta conformação está sujeita a vicissitudes que ocorram na esfera do pai/mãe, desde que estas sejam idóneas a repercutir-se na consistência e qualidade dos cuidados a prestar ao menor.
Por outro lado, conforme referem JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, p. 410, o princípio da igualdade consagrado no nº3 do Artigo 36º da Constituição não anula a autonomia privada dos cônjuges, não «os impedindo de estabelecer soluções que se traduzam numa diferenciação de tarefas e funções (desde que, e uma vez que a igualdade no artigo 36º, nº3, está formulada em termos que apontam para a sua eficácia (horizontal) imediata nas relações conjugais, tal diferenciação não se consubstancia na adoção de um sistema discriminatório para um deles)» (sublinhado nosso). A ratio deste raciocínio abarca os ex-cônjuges, como é o caso, pelo que o facto da apelada ter assumido, em 2010, tarefas e encargos mais onerosos e desgastantes no que tange ao menor não a vincula indefinidamente a tais encargos acrescidos, em discriminação negativa quanto a si.
Em suma, existem fundamentos suficientes para suscitar a alteração da regulação das responsabilidades parentais.
TERMOS DA ALTERAÇÃO DA REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
O apelante insurge-se contra a residência alternada fixada pelo tribunal a quo, invocando que: (i) o artigo 1906º,nºs. 3 e 5 não permite fixar a residência alternada, na falta de acordo dos progenitores, tratando-se de jurisprudência dominante; (ii) a sentença impugnada não fundamentou a necessidade da alteração no superior interesse do menor e na inadequação do regime vigente para satisfazê-lo; (iii) a decisão impugnada fundou-se, exclusivamente, no interesse da progenitora.
No essencial, o raciocínio seguido pelo tribunal a quo foi o seguinte:
«2.3.4. A abrir, é uma gritante evidência que ambos os pais, indistintamente, têm plenas capacidades
pessoais para cuidar do F... e lidar com as específicas dificuldades que ele impõe, ambos com ele têm forte vinculação afectiva, ambos são atenciosos e dedicados, e embora com alguma diferença na respectiva medida, ambos dispõem de recursos económicos bastantes e muito perceptivelmente se situam em por assim dizer o mesmo estrato social, cultural e económico. Breve, os dois têm inteiras condições para satisfazer-lhe as necessidades, que com qualquer um deles estarão tanto quanto possível asseguradas, em todos os planos. Se a isto somarmos que ambos residem nesta ilha de S. Miguel, onde há muito ambos têm centradas as respectivas vidas e dispõem de habitação, então torna-se claro que com efeito cumpre dar de barato que no plano da residência habitual respectiva os seus interesses são igualmente servidos ficando a residir com um, com outro ou alternadamente com ambos.
2.3.5. Naturalmente, por muito equivalentes que sejam as posições, como são, isso não significa identidade delas; sempre há diferenças, e estas, para lá da já referida algo maior capacidade económica do pai, centram-se em ser a mãe quem há oito anos assume a muito maior parte dos sacrifícios pessoais que aqueles cuidados ao filho e suas especiais dificuldades importam, entretanto e por isso tendo o pai melhor desenvolvido a respectiva carreira profissional. E naquele plano, dos interesses do menor, sendo isso igual, então, porque não são com eles (com esses interesses) irremediavelmente incompatíveis, impõe-se a concatenação também dos dos pais, que são legítimos, equilibrando-os de forma a para cada um os salvaguardar tanto quanto possível, desse modo tudo apontando para, mais do que a conveniência, a verdadeira necessidade de uma residência alternada do menor com cada um deles, de modo a entre ambos distribuir sacrifícios e a ambos permitir o que possam ter de uma vida para além do serviço ao filho.
(...)
Do que se trata, como ficou amplamente dito, é de distribuir os sacrifícios de cada um dos pais com o filho, sacrifícios que obviamente não têm expressão exclusivamente económica, o que porventura nem será a mais relevante das suas manifestações, e em todo o caso se expandem para os planos da vida quotidiana e das disponibilidades de cada um e, com especial acuidade, das respectivas vidas profissionais.
(...)
2.3.11. Assim retomando a ponderação dos interesses dos pais, importa com efeito a cada um fazer ver que não lhe é lícito impor ao outro mais encargos do que os que para si mesmo assuma, e muito menos
fazê-lo a pretexto de obrigações profissionais que, sem prejuízo da sua muita importância, não podem, por nenhum deles, ser priorizadas relativamente ao filho. Uma repartição igualitária do tempo que o menor estará a cargo de cada um dos pais, pode até, com as repercussões que isso tenha nas condições profissionais e portanto salariais de um deles, e em especial do pai, redundar em menor disponibilidade financeira para acorrer àquelas necessidades, mas isso não pode ser obstáculo decisivo a essa repartição, de resto não havendo razão para sequer supor, no contexto do estatuto económico médio/alto dos progenitores, que os mínimos deixassem de ser assegurados.»
Nos termos do Artigo 1906º do Código Civil:
“1 - As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
2 - Quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, deve o Tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores.
3 - O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente ou a progenitor com quem ele se encontra temporariamente; porém este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente.
4 – O progenitor a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente poder exercê-las por si ou delegar o seu exercício.
5 - O Tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.
6 – Ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais assiste o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho.
7 - O Tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles”.
Nos termos do nº7 deste artigo, a residência alternada pode ser acordada pelos pais ou imposta pelo tribunal (cf. HELENA BOLIEIRO e PAULO GUERRA, A Criança e a Família, Uma Questão de Direito(s), 2ª ed., p. 209). Conforme refere MARIA PERQUILHAS, “O exercício das responsabilidades parentais: a residência partilhada (alternada): consensos e controvérsias”, in Divórcio e Parentalidade: Diferentes Olhares: do Direito à Psicologia, 2018, p. 74, «O artigo 1906º do CC não impede a fixação por acordo ou por sentença do modelo da residência partilhada/alternada. / A rejeição deste modelo de residência, por crença ou por qualquer outra razão que não seja a que resulte da avaliação concreta da situação e superior interesse da criança em concreto, constitui um ingerência ilegítima do Estado na organização familiar e uma violação do princípio da igualdade dos pais face aos filhos (artigos 13º, 26º, nº1, 36º,nºs 3 e 4 da CRP).»
A doutrina e jurisprudência, que se pronunciam contra a residência alternada dos menores em caso de divórcio, invocam a seguinte ordem de argumentos: possibilidade de causar instabilidade à criança; constitui uma fonte de insegurança e de problemas de adaptabilidade; compromete a continuidade e unicidade da educação; é uma situação muito difícil e exigente para a criança; promove a hostilidade entre os progenitores (cf. JOANA SALAZAR GOMES, O Superior Interesse da Criança e as Novas Formas de Guarda, UCP, 2017, pp. 75-80, 85-88; PEDRO RAPOSO DE FIGUEIREDO, “A residência alternada no quadro do atual regime de exercício das responsabilidades parentais- A questão (pendente) do acordo dos progenitores”, in Julgar, nº 33, pp. 96-98; MARIA PERQUILHAS, ob. cit., p. 69. A este propósito, diversa jurisprudência tem enfatizado que a residência alternada é admissível conquanto fundada no acordo dos progenitores e para os casos de ausência de conflitos entre ambos (cf., por todos, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30.1.2018, 1544/12, www.colectaneadejurisprudencia.com).
Ora, as circunstâncias do caso em apreço assumem contornos que mitigam e neutralizam grande parte destes apontados óbices. Com efeito, o argumento da continuidade e unicidade da educação não é pertinente atentas as limitações físicas, ocupacionais do menor, permanentemente dependente de terceiros e sem autonomia. Não são conjeturáveis problemas de insegurança e adaptabilidade do menor na medida em que o pai tem por ele afeto intenso, sendo atento às suas muitas e constantes necessidades, mostrando-se zeloso e protetor (facto d)). O pai e a mãe , apesar das naturais divergências, têm sabido destrinçar entre as questões da (ex)conjugabilidade e da paternidade, mantendo uma colaboração permanente entre ambos de modo a suprir-se quando necessário (facto l)), não havendo nos autos relato de qualquer incidente/conflito específico entre os mesmos em razão do menor, após o divórcio. Este histórico não suscita um juízo de prognose no sentido de que a residência alternada suscitará hostilidade entre os pais.
Em segundo lugar, existe uma reversão significativa da jurisprudência, agora no sentido de que a residência alternada pode ser fixada pelo tribunal mesmo que os progenitores estejam em desacordo com ela e sem que seja necessário que não exista conflito entre eles. Assim, e a título exemplificativo:
n Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.9.2018, Pedro Martins, 835/17;
n Acórdão da Relação de Coimbra de 24.10.2017, Alberto Ruço, 273/13: «Mesmo não existindo acordo dos pais, a alternância de residências é uma solução adequada ao exercício conjunto das responsabilidades parentais – artigo 1906.º do CC –, salvo se o desacordo se fundamentar em razões factuais relevantes ou se mostrar que a medida não promove os interesses do filho.»
n Acórdão da Relação de Guimarães de 2.11.2017, Eugénia Cunha, 996/16: «O regime da residência alternada é o regime de regulação do exercício do poder paternal mais conforme ao interesse da criança porque lhe possibilita contactos em igual proporção com o pai, a mãe e respetivas famílias. / Não se deve exagerar o facto de a mudança de residência criar instabilidade e, por isso, representar inconveniente para a criança, pois que a instabilidade é uma realidade na vida de uma criança com pais separados, que, sempre, terão de se integrar em duas residências, sendo essa mais uma adaptação a fazer nas suas vidas, sendo certo que as crianças são dotadas de grande aptidão para se integrarem em situações novas. / É de primordial interesse para a criança poder crescer e formar a sua personalidade na convivência em termos de plena igualdade com a mãe e com o pai, sendo, como é o caso, em tudo idênticas as condições afetivas, materiais, culturais e sócio-económicas de ambos os progenitores.»
n Acórdão da Relação de Évora de 7.6.2018, Mário Coelho, 4505/11: «A guarda partilhada do filho, com residências alternadas, é a solução que melhor permite a manutenção de uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades.»
n Acórdão da Relação de Évora de 9.11.2017, F... Matos, 1997/15: «Residindo ambos os pais na mesma localidade, tendo ambos condições económicas e de habitabilidade para terem o filho consigo, dando ambos garantias de velar pela segurança, saúde, educação e desenvolvimento do filho e inexistindo quaisquer razões ponderosas que o desaconselhem, é de fixar a residência alternada, com ambos os pais, a um menor de 12 anos, por ser a solução que melhor defende o seu interesse.»
Neste âmbito, merecem destaque as ponderosas e exaustivas considerações tecidas no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12.4.2018, Ondina Alves, 670/16:
«Como salienta JORGE DUARTE PINHEIRO Ob. Cit., 249., «O modelo legal actual de exercício das responsabilidades parentais nos casos de progenitores que nunca viveram juntos, que se divorciaram ou se separaram, implica uma situação nitidamente desigualitária: em regra, é atribuída a maior parcela temporal do poder de decisão em actos da vida corrente do filho a um dos progenitores (o chamado “progenitor residente”) e, como se não bastasse, o outro (progenitor não residente), quando esteja temporariamente com o filho, está impedido de “contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente”. A preferência devia ter recaído sobre o modelo de exercício unilateral alternado, com repartição paritária do tempo de exercício entre cada um dos progenitores. Deste modo seria assegurado o princípio da igualdade entre os progenitores (art. 36.º, n.º 5, da CRP); seria dado um contributo para criar uma cultura autêntica de partilha de responsabilidades entre eles (já que o modelo de exercício conjunto mitigado “onera” especialmente um dos progenitores); e seria feita uma tentativa para dar à criança dois pais, em vez de um só ou de um e meio (o modelo de exercício conjunto mitigado diminui, ou até anula, a posição de um dos pais)».
No modelo de fixação de uma única residência apenas um dos progenitores tem o direito de ter consigo o filho com caráter de permanência, ficando reservados, para o outro progenitor, o direito de visitas, o exercício das responsabilidades parentais, no que concerne às questões de particular importância, aos actos da vida corrente, quando o filho está consigo, e o direito de vigilância – v. Artigo 1906º nºs 1, 3 e 6, do C.Civil.
As desvantagens da guarda única traduzem-se na sobrecarga de tarefas diárias do progenitor guardião, não pagamento da pensão de alimentos pelo progenitor não guardião e, frequentes vezes, o impedimento das visitas pelo progenitor guardião. Outra desvantagem da guarda única é a possibilidade de se verificar a alienação parental, cujos sintomas incluem rejeição em relação ao progenitor alienado, e de culpabilidade em relação a esse progenitor.
O supra referido conceito de “guarda alternada” que, como acima se assinalou se caracteriza pela possibilidade de cada um dos pais deter a guarda da criança, alternadamente, funcionando num quadro de exercício unilateral das responsabilidades parentais, em que as decisões importantes relativas à criança são tomadas exclusivamente por cada um dos progenitores sem necessitar do consentimento do outro, sendo nesta modalidade de guarda maiores os riscos de contradição e de bloqueio, podendo as decisões de um dos pais, durante o período em que detém o exercício das responsabilidades parentais, frustrarem ou anularem as decisões do outro. Nesse contexto, esta modalidade de guarda permite apenas “o revezamento de lares” ou “domicílios alternados”, situação em que o pai e a mãe do menor alternam a guarda dos filhos, mas decidindo, no período em que com eles estiverem, como se fossem guardião único. Não há, neste caso, decisões conjuntas dos pais do menor relativamente à vida quotidiana do filho - Cfr. a este propósito MARIA ALICE ZARATIN LOTUFO, Direito de Família, 2000, 274 e ss. e Ac. TRL de 28.06.2012 (Pº 33/12.4TBBRR.L1-8)
Os inconvenientes deste sistema são reconhecidos no que respeita “à consolidação dos hábitos, valores, e ideias na mente do menor”, com prejuízo para a formação da sua personalidade, face à alternância entre casas e pais, com eventuais padrões de vida diferentes.
Será, pois, de afastar este regime.
Ao invés, o exercício conjunto das responsabilidades parentais com alternância de residência, exige, por parte dos pais, uma cooperação constante, sendo todas as decisões relativas à educação da criança tomadas conjuntamente, centradas na perspectiva do interesse dos filhos, sendo nessa colaboração que reside o regime de exercício compartilhado ou da guarda conjunta em prol e benefício do menor.
No âmbito da “guarda conjunta”, e diferentemente da “guarda alternada”, existe somente a mudança de um ambiente físico determinado, mas mantêm-se os projectos e decisões em comum, com ambos os pais a partilharem e a envolverem-se no crescimento da criança, embora inexista qualquer relação conjugal ou vida em comum, assegurando, por essa via, o saudável e equilibrado desenvolvimento da criança, ou do adolescente, permitindo o diálogo sobre as orientações educativas mais relevantes a adoptar em relação ao menor e as questões de particular importância que envolvam a vida deste, nos termos aludidos nos nºs 1 e 3 do artigo 1906º do CC.
As vantagens são inequívocas, porquanto além de eliminarem os conflitos, reduzem os efeitos do impacto da separação dos pais nas relações parentais, e nas que se estabelecem entre os progenitores e os respectivos filhos, com a envolvência directa e conjunta de ambos os pais, fortalecendo assim a actividade e os laços afectivos entre os filhos e os pais e reforçando, por esta via, o papel parental – cfr. neste sentido Ac. TRL de 28.06.2012 (Pº 33/12.4TBBRR.L1-8), citando Waldir Grisard Filho, “Novo Modelo de Responsabilidade Parental” São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000. e ainda MARIA ALICE ZARATIN LOTUFO, A guarda e o exercício do direito de visita, Revista do Advogado, São Paulo, n. 91, maio, 2007, 93-102, acessível em https://aplicacao.aasp.org.br/aasp/servicos/revistaadvogado/paginaveis/91/index.asp#/93/zoomed
A residência alternada pode, portanto, ser mais benéfica para o menor que a residência exclusiva com um dos progenitores, porquanto aquela será a que está mais próxima da que existia quando os pais viviam na mesma casa, já que a criança continuará a estar com ambos os pais por períodos prolongados e equivalentes, com ambos estabelecendo relações de maior intimidade.
Com efeito, a criança sentirá que pertence aos dois lares em igualdade de circunstâncias e não se sentirá uma “visita” quando está com o outro progenitor e restantes pessoas do seu agregado familiar, mantendo em ambos os lares um «espaço» próprio para a criança e não um espaço sentido por ela sentido como «provisório» ou considerado como tal pelos outros elementos do agregado familiar.
Acresce que a igualização dos direitos e responsabilidades dos pais diminui a conflitualidade e encoraja a cooperação entre estes, uma vez deixa de haver um perdedor e um vencedor, o que reduz a tentativa de denegrir a imagem um do outro através de acusações mútuas. Por outro lado, mesmo que num período inicial subsista alguma conflitualidade entre os pais estes tendem, com a passagem do tempo, a ultrapassarem os seus conflitos, adaptando-se à nova situação e relacionando-se de uma forma pragmática.
Ademais, o estabelecimento de uma residência única constitui uma violação do princípio da igualdade entre os cônjuges consagrada no artigo 36º nº 3 da Constituição da República Portuguesa, visto que na residência singular ou exclusiva o papel secundário que é reservado ao progenitor com quem a criança não reside, não promove a igualdade de direitos e as responsabilidades entre os pais. É igualmente causador da quebra das relações familiares, impeditiva de um convívio estreito e saudável com ambos os progenitores, que pode gerar prejuízos irreparáveis e potencia a disputa entre os pais, com todas as consequências negativas que daí decorrem para a criança.
Conclui-se, portanto, que o regime de residência singular impede que o exercício das responsabilidades parentais, após a separação, possa ser o mais possível próximo de quando vigorava a união do casal, tanto mais que a permanência continuada da criança com apenas um dos progenitores implica, geralmente, que a separação dos pais tenha como consequência também a separação dos filhos daquele progenitor com quem apenas está durante o período estabelecido para as respectivas visitas.
Pelo contrário, na residência alternada estabelece-se uma relação próxima da criança com ambos os progenitores, sendo unanimemente aceite que a vinculação afectiva se constrói no dia-a-dia. Entre os pais e a criança tem de existir uma proximidade física que possibilite uma interligação afectiva real e consistente, sob pena de os laços já existentes se desvanecerem e os ainda inexistentes nunca chegarem a acontecer.
A residência alternada e a proximidade dos pais com os filhos, após a separação, é mais susceptível de minimizar os efeitos negativos da separação e pode constituir um factor inibidor de que o progenitor não residente se acomode e delegue no outro progenitor a responsabilidade pela educação e acompanhamento dos filhos, mesmo que o exercício das responsabilidades parentais seja conjunto. E, através da diminuição do sentimento de perda na sequência dessa separação pode, com grande probabilidade, levar a uma diminuição da conflitualidade entre os progenitores.
Este regime tem, pois, como vantagens a maior proximidade entre a criança e cada um dos pais e o facto de a criança não ter de escolher um pai em detrimento do outro, para além de que os pais também não se sentem privados dos seus direitos, permitindo a continuação das responsabilidades de ambos, susceptível de criar um forte vínculo emocional de pais e filhos e o bom desenvolvimento da criança, já que a segurança nas crianças está ligada à resposta imediata em situações de stress, com carinho e envolvimento, pelo que a capacidade de manter padrões de comportamento faz crescer nas crianças sentimentos de respeito, maturidade e auto-estima positiva.
A residência alternada permite que os pais continuem a dividir atribuições, responsabilidades e tomadas de decisões em iguais condições, reconhecendo as suas diferenças e limitações bem como o valor do papel de cada para com a criança. Esta diferença clara e coerente de papéis materno e paterno é fundamental para o saudável crescimento dos filhos pois permite uma estruturante identificação aos modelos parentais, fundamental para um normal desenvolvimento da sua identidade pessoal – cfr. ANA VASCONCELOS, pedopsiquiatra, “Do cérebro à empatia. Do divórcio à Guarda Partilhada com Residência Alternada”, in “A Tutela Cível do Superior Interesse da Criança”, Tomo I, julho 20114, Ebook CEJ p.10, http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/Tutela_Civel_Superior_Interesse_Crianca_TomoI.pdf.
Contra a aplicação do instituto da residência alternada, o argumento mais recorrentemente utilizado, prende-se com a estabilidade da criança.
É comum argumentar-se que a residência alternada pode dar origem a que as crianças não consigam interiorizar as regras, criando incerteza e insegurança, porquanto os hábitos diários devem ser alterados o menos possível.
A fixação de uma única residência decorre, pois, para quem assim entende, da necessidade de criar uma rotina e um ponto de referência e estabilidade para a criança.
Daí que alguns autores defendam que é inconveniente à boa formação da personalidade do filho ficar submetido à guarda de pais, separados, durante a semana, alternadamente, pois tal é susceptível de comprometer o equilíbrio da criança, a estabilidade do seu quadro de vida e a continuidade e unidade da sua educação, pois não garante a colaboração dos pais no interesse da mesma.
Os opositores da guarda conjunta, envolvendo alternância de residências, argumentam ainda que o contacto com ambos os pais é susceptível de gerar conflitos de lealdade na criança, tentativas de manipulação dos pais, problemas de disciplina, devido à exposição destes a diferentes modelos de educação e de estilos de vida. Salientam ainda que a guarda conjunta física faz a criança viver uma fantasia de reconciliação dos pais, dificultando a sua adaptação ao divórcio ou separação daqueles.
Afirmam, em suma, os detractores desta modalidade que a mudança de residência, mesmo num contexto de exercício conjunto das responsabilidades parentais, é prejudicial para algumas categorias de crianças, em função da sua idade e variáveis da sua personalidade – cfr. sobre esta temática MARIA CLARA SOTTOMAYOR, Regulação do Exercício do Poder Paternal Nos Casos De Divórcio, 6.ª edição. Almedina, 2014, pp 19 a 92, 253-254, 280 a 299 e 303 a 329 e ainda, Exercício do Poder Paternal Relativamente à pessoa do filho após o divórcio ou a separação de pessoas e bens, Publicações da Universidade Católica, Porto, 2003, 399-472.
Os opositores da guarda compartilhada ou guarda comum com residência alternada sobrevalorizam, contudo, a estabilidade que possa advir de um só espaço físico, perante o benefício emocional de ter ambos os progenitores junto de si. Terá, pois, a criança dois espaços físicos, um pai e uma mãe, ainda que em doses reduzidas de tempo, mas emocionalmente por inteiro, partilhando o seu dia-a-dia com ambos, no período que passa com esse progenitor – cfr. assim defendendo, CIDALINA FREITAS, Notas soltas sobre a residência alternada, A Tutela Cível do Superior Interesse da Criança, Tomo I, julho 20114, E-book CEJ, 297, acessível em
http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/Tutela_Civel_Superior_Interesse_Crianca_TomoI.pdf. ou
como se acentua no citado Ac. TRL de 24/01/2017, vivendo a criança com o pai e com a mãe em semanas alternadas, facilmente se habituando, até pela sua idade, a ter duas casas, dois quartos de dormir, duas colecções de brinquedos, sendo que os seus sentimentos de estabilidade e segurança sairão reforçadas com o convívio e partilha de afecto, de forma assídua e paritária, com ambos os progenitores.
É certo que pode haver um efeito traumático da mudança constante de residência, por isso, para aprovação de tal medida deve o julgador ter em consideração, nomeadamente a personalidade, a idade e o temperamento de cada criança em concreto, por forma a apurar se essa solução é no interesse da criança.
No entanto, alguns psicólogos e pedopsiquiatras classificam como mito a instabilidade da criança, quando aplicada à modalidade de residência alternada, admitindo que a questão se pode colocar apenas relativamente a crianças com idade inferior a dezoito meses – cfr. CATARINA RIBEIRO, Psicóloga e Professora assistente na Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica do Porto, numa comunicação apresentada no Seminário sobre o tema da residência alternada, ocorrido no C.E.J. em 1 de junho de 2102 (citado eBook).
A ideia de que a guarda compartilhada expõe a criança ao conflito tem implícita a afirmação de que, em caso de conflito, a criança fica mais protegida se confiada a um deles, o que é altamente discutível. A residência com um só dos progenitores, atribuindo a este um poder de facto sobre a criança que, na prática, quase tudo decide, em detrimento do outro, que assim se vê afastado do dia-a-dia da criança, alimenta frequentemente a posição de irredutibilidade do progenitor guardião, que faz poucas concessões, aumentando o sentido de frustração do outro, assim potenciando uma maior conflitualidade entre os progenitores.
Como salienta JOAQUIM MANUEL DA SILVA, A Família das Crianças na Separação dos Pais, a Guarda Compartilhada, 121, “havendo conflito entre os progenitores, a residência exclusiva agrava-o, consolida-o, aumentando-o muitas vezes, gerando um grande número de abandonos, de “órfãos de pais vivos”, que, quando não ocorrem, por força da exposição da criança a este stresse tóxico, permanente e intenso, gera nelas profundos problemas de desenvolvimento emocional e cognitivo, que são na sociedade atual um problema grave de saúde”.
Aceita-se que alguma desestabilização nas rotinas e horários será criada pela residência alternada, como sugerem os críticos deste regime. Sucede, porém, que essa desestabilização já resultou da separação e a mesma seria mantida pela determinação da residência apenas com um dos progenitores. Para além de que, muito mais importante que a manutenção das rotinas e horários, já prejudicados pela separação, é a manutenção da relação muito próxima com o outro progenitor, que a residência apenas com um deles vai prejudicar irremediavelmente.
Para uma visão sobre as vantagens e desvantagens da guarda conjunta (partilhada) e da guarda única e respectivos estudos, numa vertente mais psicológica, analisando processos e recolha de dados, cfr. SÓNIA ISABEL DOS SANTOS PRATAS, Guarda Partilhada: Estudo Exploratório, Dissertação de Mestrado em Psicologia Clínica, sub-área de especialização em Psicopatologias e Psicoterapias Dinâmicas (Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação-Teses de Mestrado), acessível em https://estudogeral.sib.uc.pt/jspui/bitstream/10316/23451/1/S/prct.c3/prct.b3nia/prct.20Isabel/prct.20dos/prct.20Santos/prct.20 Pratas.pdf
e) FACTORES A PONDERAR PARA FIXAÇÃO DO EXERCÍCIO CONJUNTO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS COM RESIDÊNCIA ALTERNADA
Considera-se ser hoje pacífico o entendimento que a figura tradicional do “pai de fim de semana” já não é aceite pelos progenitores, que exigem uma participação na vida dos filhos em igualdade de circunstâncias com a mãe.
O regime de residência alternada, a par da fixação da residência com apenas um dos progenitores tem, actualmente de ser equacionado como uma das opções a ter em conta quando ocorre a separação do casal com filhos menores.
Este regime da residência alternada, de acordo com os mais recentes ensinamentos da psicologia, é o que melhor salvaguarda os interesses da criança, na medida em que permite que a mesma mantenha com ambos os progenitores um relacionamento o mais próximo possível do existente no período de vivência em comum.
Para a implementação de qualquer regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais devem ser tidos em conta os pressupostos gerais transversais aos diferentes contextos da parentalidade, tais como as competências pessoais dos progenitores para responder às necessidades das crianças, quer em termos de cuidados básicos, quer em relação ao seu desenvolvimento cognitivo e emocional, em suma, as competências relevantes para o exercício da parentalidade.
Mas, importa ainda ter presente, e sintetizando, que a aplicação do regime da residência alternada tem sempre de ser ponderado, porquanto permite:
a) Garantir aos filhos a possibilidade de desfrutar da presença de ambos os progenitores em circunstâncias semelhantes às que existiam antes da rutura, evitando os traumas decorrentes da separação.
b) Evitar sentimentos negativos dos menores, como sejam o medo do abandono, sentimento de lealdade, sentimento de culpa ou sentimentos de negação.
c) Fomentar uma atitude mais aberta dos filhos em face da separação e uma maior aceitação do novo contexto, evitando situações de manipulação consciente ou inconsciente, por parte dos pais relativamente aos filhos.
d) Aceitar a importância do significativo envolvimento da figura paterna e materna na vida da criança, quer na partilha de momentos lúdicos, quer na gestão do quotidiano e das suas dificuldades.
e) Continuarem os pais a exercer em pleno os seus direitos e obrigações relativos às responsabilidades parentais e de participar, em condições de igualdade, no desenvolvimento e crescimento dos filhos, evitando sentimentos de perda por parte do progenitor com quem a criança não ficou a viver e a desmotivação decorrente de considerar que apenas serve para pagar a pensão de alimentos, para além de criar uma maior consciencialização de que ambos têm que contribuir para os gastos dos filhos.
Como bem resumiu ANA TERESA LEAL, Novos modelos e tendências na regulação do exercício das responsabilidades parentais, A Tutela Cível do Superior Interesse da Criança”, Tomo I, julho 20114, Ebook CEJ p.372,
(http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/Tutela_Civel_Superior_Interesse_Crianca_TomoI.pdf)repro duzindo os 16 argumentos que legitimam a imposição judiciária da residência alternada, apontados por Edward Kruk num estudo publicado em 2012, e citados por HELENA BOLIEIRO, Novos modelos e tendências na regulação do exercício das responsabilidades parentais. A residência alternada – casa do pai – casa da mãe – E agora”, 235-241, a residência alternada:
1. Preserva a relação da criança com ambos os pais.
2. Preserva a relação dos pais com a criança.
3. Diminui o conflito parental e previne a violência na família.
4. Respeita as preferências da criança e a opinião da mesma acerca das suas necessidades e superior interesse.
5. Respeita as preferências dos pais e a opinião dos mesmos acerca das necessidades e superior interesse da criança.
6. Reflete o esquema de cuidados parentais praticado antes do divórcio;
7. Potencia a qualidade da relação progenitor/criança;
8. Reduz a atenção parental centrada na “matematização do tempo” e diminui a litigância;
9. Incentiva a negociação e a mediação interparental e o desenvolvimento de acordos do exercício das responsabilidades parentais;
10. Proporciona guidelines claras e consistentes para a tomada de decisão judicial;
11. Reduz o risco e a incidência da “alienação parental”,
12. Permite a execução dos regimes de exercício das responsabilidades parentais, pela maior probabilidade de cumprimento voluntário pelos pais.
13. Considera os imperativos de justiça social relativos aos direitos da criança;
14. Considera os imperativos de justiça social relativos à autoridade parental, à autonomia, à igualdade, direitos e responsabilidades;
15. O modelo “interesse superior da criança/guarda e exercício unilateral” não tem suporte empírico;
16. A presunção legal de igualdade na guarda e exercício das responsabilidades parentais tem suporte empírico.
Todavia, para que tenha aplicabilidade este regime de guarda comum com residência alternada, ou melhor, exercício conjunto das responsabilidades parentais, com residência alternada, é necessário que se não coloque qualquer questão atinente à idoneidade de nenhum dos progenitores, sendo certo que mesmo o desacordo de um dos progenitores só será relevante para inviabilizar a residência alternada do menor com cada um dos pais, quando se fundamente em motivos factuais relevantes, designadamente:
Incapacidade do outro cônjuge, traduzida em factos, para cuidar da criança.
Existência de uma elevadíssima conflitualidade entre os progenitores especialmente quando têm de se encontrar ou falar um com o outro e que não decorra apenas da disputa da residência da criança.
Inexistência de qualquer das situações previstas no artigo 1906º-A do CC [aditado pelo artigo 2º da Lei nº 24/2017, de 24/05, em vigor a partir de 23/06/2017]: ter sido decretada medida de coacção ou aplicada pena acessória de proibição de contacto entre progenitores, ou de estarem em grave risco os direitos e a segurança de vítimas de violência doméstica e de outras formas de violência em contexto familiar, como maus-tratos ou abuso sexual de crianças.
Há, portanto, necessidade de afastar alguns mitos associados ao divórcio ou à separação parental, por influência de factores culturais, asserções que tem vindo a ser contestadas pelos resultados da investigação científica, tais como:
O mito do progenitor psicológico de que, após a separação, a criança deverá viver apenas com um dos progenitores “Progenitor Psicológico” para ter “mais estabilidade”
A alternância de residência provoca elevada instabilidade na criança e é um factor de risco. A figura materna é a principal e única referência em termos de vinculação.
As crianças não devem dormir alternadamente “em duas casas” porque para estarem equilibradas devem ter apenas a “sua casa”.
Tal como defende JORGE DUARTE PINHEIRO, Estudos de Direito das Famílias e das Crianças, AAFDL Editora 2015, 338-339, a regra deve ser a concessão a cada um dos progenitores de igual tempo de contacto ou residência com o filho, e a atribuição da titularidade do exercício de todas as responsabilidades parentais a cada um dos progenitores que estiver, e enquanto estiver, com o filho, indicando as seguintes quatro fortes razões em abono do exercício alternado das responsabilidades parentais:
1) É um modo de tentar dar à criança dois pais em vez de um só ou de um meio.
2) É uma forma de organização que contribui para criar uma cultura autêntica de partilha das responsabilidades entre os pais.
1) É a modalidade que satisfaz o princípio da igualdade dos progenitores, imposto pelos artigos 36º, nº5 e 13º, da CRP e pelo artigo 18º da Convenção Sobre os Direitos da Criança.
2) É a forma de organização que melhor se adequa ao princípio de que os filhos não devem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles (art. 36º, nº6, da CRP).
E, por se entender que é relativamente consensual que um regime que promova um contacto alargado entre a criança e cada um dos progenitores é, potencialmente, mais favorecedor do equilíbrio psicológico da criança, a opção pelo modelo de residência alternada tem vindo a ser progressivamente mais discutido, quer
no âmbito da Psicologia, quer do Direito, e deverá ser sempre a primeira opção a considerar.»
A argumentação assim expendida reporta-se, como é bom de ver, a casos em que os menores não suscitem especiais cuidados por razões de saúde. Nestas situações, como a dos autos, a residência alternada cumpre ainda outro desiderato muito relevante, qual seja o de envolver os pais na parentalidade em condições de igualdade. Conforme refere PEDRO RAPOSO DE FIGUEIREDO, Op. Cit., p. 102, «a residência alternada promove o exercício da parentalidade positiva e uma consistente convivência com ambos os progenitores, sendo um fator relevante de pacificação de tensões e conflitos, sobretudo, por colocar os pais em posição de estrita igualdade» (sublinhado nosso). Com bem se referiu na sentença impugnada, trata-se de impor uma justa e igualitária repartição dos sacrifícios, pessoais e profissionais, aos pais.
Considerando que ambos os progenitores residem na mesma cidade, têm formação universitária, são pessoas empenhadas, diligentes, têm capacidade e competência para cuidar do filho e de o terem a residir consigo, ambos para isso dispondo de condições materiais (facto e)), sendo zelosos e protetores, bem como conhecendo as rotinas e caraterísticas da personalidade do menor (facto d)), há que inferir que dispõem de adequadas competências parentais para proverem pelo interesse superior do menor. Ao contrário do que pretende o apelante, da factualidade provada não resulta que só a manutenção do stato quo ante garanta a preservação do interesse superior do menor. O apelante já evidenciou que tem uma postura e qualificações, suficientes e idóneas, para preservar o interesse superior do menor em regime de residência alternada.
Obtempera o apelante que a decisão impugnada teve como fundamento exclusivo o interesse da mãe, violando o disposto no nº5 do Artigo 1906º do Código Civil.
Conforme acima já se foi referindo, a sanidade física e mental da mãe do menor é uma questão que extravasa a esfera da própria, refletindo-se quer no quantum quer na qualidade dos cuidados dispensados e a dispensar, futuramente, ao menor. Deste modo, não colhe o argumento de que a decisão impugnada visou apenas salvaguardar o interesse da mãe. E, sobretudo, o apelidado interesse da mãe tem cobertura legal e é absorvido pela observância do princípio da igualdade entre os progenitores nos deveres, quer na constância do casamento quer após a sua cessação, salvo circunstâncias excecionais que não ocorrem porquanto os progenitores evidenciam capacidade e condições equivalentes para cuidar do menor (cf. Artigos 13º e 36º,nº3, da Constituição e Artigos 1901º, nº1, 1906º e 1906º-A , do Código Civil).
DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo apelante na vertente de custas de parte (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº6 e 663º, nº2, do Código de Processo Civil).
Lisboa, 27.11.2018
Luís Filipe Pires de Sousa
Carla Inês Bráz Câmara
Higiene Orvalho Castelo