I. A lei prevê duas hipóteses de apensações: a apensação a requerimento do Administrador de Insolvência, segundo critérios de oportunidade ou conveniência (art.85 n°1 CIRE) e a apensação oficiosa (automática) das acções em que tenha havido qualquer acto de apreensão ou detenção de bens compreendidos na massa insolvente (art.85 n°2 CIRE).
II. As execuções instauradas contra o devedor, pendentes à data da declaração de insolvência são automática e imperativamente suspensas, e se houver outros executados apenas prossegue contra eles, conforme prescreve o art.88 n°1 CIRE.
III. Da conjugação dos arts.85 n°2 e 88 n°2 do CIRE resulta o seguinte regime: se houver bens apreendidos no processo executivo, que façam parte da massa insolvente, o processo é obrigatoriamente apenso ao da insolvência; se não existirem bens apreendidos apenas será extraído e remetido para apensação, o translado do processado relativo ao insolvente
IV. O factor de conexão que legitima a apensação é de natureza objectiva (apreensão de bens do insolvente no processo executivo), não sujeito a critérios de oportunidade ou de conveniência.
Proc. 1356/12.8TBPDL-I.L1 8ª Secção
Desembargadores: Octávia Viegas - Rui da Ponte Gomes - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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P. 1356/12.8TBPDL-I.L1
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
Nos autos de insolvência em que é Requerida MN..., foi por esta apresentado requerimento em que pede que seja apensado aos autos de insolvência os autos de execução que contra si correm, execução comum, n° …, Juízo Central Cível e Criminal de Ponta Delgada, nos termos do art. 85 do CIRE.
A Sra Administradora da Insolvência foi notificada para se pronunciar e no seguimento disse não ver interesse na apensação do processo pelo que o mesmo deveria ser indeferido.
Foi proferido o seguinte despacho:
Atenta a posição manifestada pela Senhora Administradora da Insolvência e considerando o disposto no artigo 85.°, n.° 1, do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, indefere-se a requerida apensação.
Notifique.
A referida execução foi instaurada por JP... contra AV..., JV... e NV..., tendo como título executivo sentença proferida em 07.04.2011 em que os executados foram condenados a pagar-lhe a quantia de € 173.822,11, acrescida de juros. Foi indicado à penhora o seguinte bem : Terreno destinado a construções, confrontando a norte G…, sul lotes 1,2,3,4 e 9, nascente MDM... e poente JML, com a área de 15448,18m2 e com o valor patrimonial tributável de € 371.954,13 (trezentos e setenta e um mil, novecentos e cinquenta e quatro euros e treze cêntimos).
Inconformada, MN..., recorreu, apresentando as seguintes conclusões das alegações:
A.- Devem ser apensos ao processo de insolvência todas as execuções com efeitos processuais e patrimoniais na massa insolvente, por força do disposto no artigo 85.1.2 do Código de Insolvência.
B.- Nos autos de processo Executivo n.° … estão penhorados bens que fazem parte da massa insolvente.
C.- Logo aqueles autos deveriam ser mandados apensar a estes.
D.- A douta decisão recorrida, ao não decidir assim, salvo o respeito devido, não cumpriu aquelas normas pelo que deve ser mandada revogar ordenando-se a requerida apensação.
Cumpre decidir
O art. 85 do CIRE diz que declarada a insolvência todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da mssa e todas as acções de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência com fundamento na conveniência para os fins do processo (1). O juiz requisita ao tribunal ou entidade competente a remessa, para efeitos de apensação aos autos de insolvência, de todos os processos nos quais se tenha efectuado qualquer acto de apreensão ou detenção de bens compreendidos na massa insolvente (2). O Administrador da insolvência substitui o insolvente em todas as acções referidas nos números anteriores, independentemente da apensação ao processo de insolvência e do acordo da parte contrária
(3).
O n.° 1 do art. 88.° do CIRE dispõe do seguinte modo:
A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes.
Em anotação ao artigo 88° do CIRE, escreve Menezes Leitão Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, 4a ed., pág. 129. :
Em consequência da declaração da insolvência, os credores da insolvência perdem a possibilidade de executar os bens compreendidos na massa insolvente, pelo que são suspensas as diligências executivas ou providências requeridas que atinjam esses bens e é vedada a instauração de acções executivas, devendo ser suspensas as que já estejam instauradas, admitindo-se unicamente a sua prossecução contra outros executados. Exceptua-se, porém, a situação especial das dívidas da massa insolvente, referidas no artigo seguinte - Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, 4a ed.pág.129).
A expressão normativa a declaração de insolvência ... obsta ... ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência, tem em vista as execuções instauradas contra o insolvente que se encontram pendentes à data da declaração de insolvência e é de aplicação imediata e automática Ac. da RP de 03.11.2010, proc. 3845/04.9TBSTS-A.P1, in www.dgsi.pt. .
No mesmo sentido alinham Luís Carvalho Fernandes e João Labareda que, em anotação a este artigo escrevem que o regime instituído no n.° 1, na parte inicial, é um efeito automático da declaração de insolvência, não dependendo de requerimento de qualquer interessado In Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Reimpressão, 2009, pág. 362..
E no que respeita ao impedimento de prosseguirem as acções executivas em curso, dizem: impede-se, além disso, o prosseguimento de acções executivas já em curso contra o insolvente, bem como a instauração de novas execuções. A consequência é a da nulidade dos actos que em qualquer delas tenham sido praticados após a declaração de insolvência, o que deve oficiosamente ser declarado logo que no tribunal do processo a situação seja conhecida. Esclarecem ainda que este é um regime de há muito consagrado no sistema jurídico português, pois, além do CPEREF, constava já do art. 1198.° do C.P.Civ..
Ao nível da jurisprudência, além do acórdão da Relação do Porto de 03.11.2010 citado na nota 3, todas as decisões conhecidas são inequívocas no sentido de que a declaração de insolvência produz como efeito automático a suspensão das execuções pendentes contra o insolvente A título meramente exemplificativo, concluíram neste sentido: Ac. do STJ de 25.03.2010, proc. 2532/05.5TTLSB.L1.S1; Ac. da RP de 21.06.2010, proc. 1382/08.1TJVNF.P1; Ac. da RC de 03.11.2009, proc. 68/08.1TBVLF-B.C1; e os Acs. da RG de 05.06.2008 e 15.09.2011, respectivamente, procs. 825/08-1 e 71/11.4TBPCR. .
No acórdão da Relação do Porto de 21-06-2010, citado na nota anterior, concluiu-se que o artigo 88.° veio impor expressamente a suspensão, ao definir os efeitos processuais da sentença de declaração de insolvência nas acções executivas.
A justificação é dada pelo acórdão do STJ de 25-03-2010, também citado na nota 5, segundo
o qual Durante a pendência do processo de insolvência, os credores só podem exercer os seus direitos nesse processo e segundo os meios processuais regulados no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o que consubstancia um verdadeiro ónus posto a cargo dos credores. Acrescentando-se: Na verdade, ... o artigo 128.° prescreve que, «dentro do prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, devem os credores da insolvência, incluindo o Ministério Público na defesa dos interesses das entidades que represente, reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham» (n.° 1) e que «[a] verificação tem por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento» (n.° 3).
A lei prevê duas hipóteses de apensações: a apensação a requerimento do Administrador de Insolvência, segundo critérios de oportunidade ou conveniência (art.85 n°1 CIRE) e a apensação oficiosa (automática) das acções em que tenha havido qualquer acto de apreensão ou detenção de bens compreendidos na massa insolvente (art.85 n°2 CIRE).
As execuções instauradas contra o devedor, pendentes à data da declaração de insolvência são automática e imperativamente suspensas, e se houver outros executados apenas prossegue contra eles, conforme prescreve o art.88 n°1 CIRE (cf., por ex., Ac STJ de 25/3/2010 - proc. n° 2532/05), Ac RC de 3/11/2009 - proc. n° 68/08.1TBVLF; Ac RG de 19/1/2012 - proc. n° 3644/11.1TBGMR, disponíveis em www dgsi.pt ).
Da conjugação dos arts.85 n°2 e 88 n°2 do CIRE resulta o seguinte regime: se houver bens apreendidos no processo executivo, que façam parte da massa insolvente, o processo é obrigatoriamente apenso ao da insolvência; se não existirem bens apreendidos apenas será extraído e remetido para apensação, o translado do processado relativo ao insolvente
O factor de conexão que legitima a apensação é de natureza objectiva (apreensão de bens do
insolvente no processo executivo), não sujeito a critérios de oportunidade ou de conveniência.
No âmbito da insolvência de MN... foi apreendido o prédio urbano destinado a construção, inscrito na matriz sob o artigo …., da freguesia de Capelas, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada, sob o número …. da freguesia de Capelas. Este prédio foi penhorado na execução cuja apensação é pedida.
Tendo sido apreendido para os autos de execução um prédio que foi penhorado na execução, os autos de execução devem ser apensos aos de insolvência.
Face ao exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso, determinando a apensação dos autos de execução aos autos de insolvência.
Sem custas.
Octávia Viegas
Rui da Ponte Gomes
Luís Correia de Mendonça