I - Apenas em situações excepcionais e bem delimitadas se pode decretar, ao abrigo do instituto do abuso de direito, a invocabilidade pela parte de um vício formal do negócio jurídico, decorrente da preterição de normas imperativas que, à data da respectiva celebração, com base em razões de interesse público, regiam a forma do acto.
II - A figura do abuso do direito, conduzindo ao reconhecimento do vício da nulidade, mas à paralisação dos seus efeitos normais e típicos, carece de ser aplicada com particulares cautelas, não podendo generalizar-se ou banalizar-se, de modo a desconsiderar de modo sistemático o conteúdo da norma imperativa e de interesse público que regula a forma legalmente exigida para o acto.
III — Não actua com abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, o senhorio autor que não reduziu a escrito contrato de (sub)arrendamento não habitacional celebrado com o réu (sub)arrendatário, a pedido e no interesse do mesmo, que ficou de constituir uma sociedade comercial que queria que figurasse no contrato como (sub)arrendatária, mas que ao longo de cerca de dois anos de relacionamento contratual revelou total desinteresse pela formalização do negócio e que só se aprestou a invocar a omissão dessa formalidade legal e a imputá-la ao senhorio (autor) após receber deste a comunicação de denúncia do contrato fundada na oposição do proprietário do espaço (senhorio do autor) ao (sub)arrendamento efectuado ao réu.
(Sumário elaborado pelo relator)
Proc. 43/17.5T8CSC.L1 6ª Secção
Desembargadores: Manuel Rodrigues - Ana Paula Carvalho - -
Sumário elaborado por Margarida Fernandes
_______
Processo n.° 43/17.5T8CSC.L1 (recurso de apelação)
Relator: Juiz Desembargador Manuel Rodrigues
Adjuntas: Juíza Desembargadora Ana Paula A. A. Carvalho
Juíza Desembargadora Gabriela de Fátima Marques
I - Apenas em situações excepcionais e bem delimitadas se pode decretar, ao abrigo do instituto do abuso de direito, a invocabilidade pela parte de um vício formal do negócio jurídico, decorrente da preterição de normas imperativas que, à data da respectiva celebração, com base em razões de interesse público, regiam a forma do acto.
II - A figura do abuso do direito, conduzindo ao reconhecimento do vício da nulidade, mas à paralisação dos seus efeitos normais e típicos, carece de ser aplicada com particulares cautelas, não podendo generalizar-se ou banalizar-se, de modo a desconsiderar de modo sistemático o conteúdo da norma imperativa e de interesse público que regula a forma legalmente exigida para o acto.
III — Não actua com abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, o senhorio autor que não reduziu a escrito contrato de (sub)arrendamento não habitacional celebrado com o réu (sub)arrendatário, a pedido e no interesse do mesmo, que ficou de constituir uma sociedade comercial que queria que figurasse no contrato como (sub)arrendatária, mas que ao longo de cerca de dois anos de relacionamento contratual revelou total desinteresse pela formalização do negócio e que só se aprestou a invocar a omissão dessa formalidade legal e a imputá-la ao senhorio (autor) após receber deste a comunicação de denúncia do contrato fundada na oposição do proprietário do espaço (senhorio do autor) ao (sub)arrendamento efectuado ao réu.
(Sumário elaborado pelo relator)
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I - Relatório:
1.1. EP..., intentou contra PA..., a presente acção de processo comum de declaração pedindo:
a) Seja reconhecida a cessação do acordo de cedência de espaço ao Réu, por força da denúncia efectuada pela Autora;
b) Seja o Réu condenado:
b.1) a restituir à Autora a posse do espaço cedido;
b.2) a pagar a despesa efectuada pela A. com a selagem da porta do espaço cedido, no montante de 190,00 €;
b.3) no pagamento das prestações vencidas desde Julho até Dezembro 2016, no montante de 3.600,00 €, bem como nas vincendas até à restituição do espaço;
b.4) numa indemnização por danos não patrimoniais infligidos à Autora, no montante de 2.000,00 €;
Para tanto alegou, em síntese, que desde 01/04/2009 a Autora explora o estabelecimento comercial denominado RB... sito na Av. … — Praia …, que, por mero acordo verbal celebrado em Outubro de 2014, entre o então gerente da Autora (LM...) e o Réu, cedeu a este um pequeno espaço (15m2), situado entre o restaurante e o posto de socorros, para o mesmo aí desenvolver a sua actividade de exploração comercial de uma escola de surf, que tal cessão mereceu o consentimento informal da concessionária (MF.....
O Réu comprometeu-se a pagar a quantia mensal de €600,00, valores que o Réu pagou até Julho de 2016, altura em que a Autora solicitou ao Réu que abandonasse o espaço em causa nestes autos e que este se recusou a entregar invocando existência de um contrato de arrendamento, tendo passado a depositar o valor da mensalidade acordada, como rendas.
Perante tal recusa (em 11.08.2016) a Autora mandou selar a porta de acesso ao local em causa nos autos, tendo para tal usado um acesso interno de restaurante ao espaço em causa nestes autos.
No dia 12 de Agosto de 2016 os colaboradores do Réu tentaram arrombar a porta que a Autora mandara selar a fim de acederem ao espaço dos autos e não tendo logrado fazê-lo contactaram a PSP que se deslocou ao local e na presença dos agentes da PSP o Réu acedeu ao local por uma janela, desbloqueou a porta do espaço e tem continuado a usar o mesmo até à presente data.
1.2. Citado, o Réu contestou a acção, por impugnação, alegando que o contrato que celebrou com a Autora é um contrato de arrendamento verbal, termos em que pugnou pela improcedência da acção e pela sua absolvição no pedido.
1.3. Findos os articulados, atento o valor da causa [€5.790,00], foi logo proferido despacho a designar data para a realização da audiência de julgamento, nos termos da alínea g) do artigo 597.° do CPC [ref.a Citius 1..., de 02/05/2017].
1.4. A audiência final decorreu com respeito pelas formalidades legais e em duas sessões, como decorre do teor das respectivas actas [ref. as Citius 1..., de 30/06/2017 e 1..., de 07/07/2017].
1.5. Em 04/10/2017, foi proferida sentença que, julgando procedente a acção declarou a nulidade do contrato de arrendamento celebrado verbalmente entre Autora e Réu e, em consequência, condenou o Réu: a) a entregar à Autora o espaço em que funciona a sua escola de surf, situado entre o RB... e o posto de socorros, sito na praia de C…; b) a pagar à Autora, a título de contrapartida pelo gozo daquele imóvel, a quantia mensal de €600,00 até efectiva entrega do locado, considerando que as quantias que têm vindo a ser depositadas pelo Réu a esse título são devidas à Autora, termos em que autorizou a Autora. a proceder ao levantamento das mesmas; c) Absolveu o Réu do restante pedido [ref.ª Citius 1...].
1.6. Inconformado, o Réu apelou da sentença para esta Relação, extraindo das alegações do recurso as seguintes Conclusões:
«1 .a Salvo o devido respeito, discorda-se do teor da douta sentença do Tribunal a quo ao considerar provado o facto constante e descrito no ponto n.° 3 da mesma, sem que este seja essencial ou sequer relevante para a boa decisão do mérito da presente causa, e também sem que tenha sido produzida suficiente e credível prova sobre esse mesmo facto para que o Tribunal a quo decidisse sobre ele como decidiu considera-lo provado.
2.ª A testemunha LS..., empregada doméstica do legal representante da A., claramente referiu que apenas trabalhou no RB... desde 2012 até 2014 (cf. gravação do respectivo depoimento aos 6m:14s);
3.ª E que, quando a referida testemunha trabalhou no RB..., funcionava no local em causa uma outra escola de surf, que não a escola de surf do aqui recorrente (cf. gravação do respectivo depoimento aos 6m:57s).
4.a Da conjugação das citadas declarações da testemunha LS... pode-se concluir claramente que o conhecimento da referida testemunha se reporta a um período de tempo distinto daquele que é relevante
5.a Sem conceder, mesmo que a MF... pudesse ter nessa data conhecimento de que era explorada no espaço em causa uma actividade comercial de escola de surf, tal não significaria nem implicaria que o mencionado legal representante tivesse tido conhecimento de qual fora o tipo de contrato celebrado entre recorrente e recorrida para esse efeito.
6.a E, ainda sem conceder, podendo o referido legal representante da MF... ter verificado que no espaço em causa funcionava uma escola de surf, tal não permite afirmar que esse conhecimento incluía ou abrangia, em concreto, o tipo de acordo celebrado para o mesmo efeito.
7.a Nem permite, sequer, infirmar que a exploração da escola de surf era feita pela própria A., para tanto tendo contratado o recorrido como trabalhador da recorrida, versão que o legal representante da recorrida sempre manteve com a MF...
8.ª O próprio legal representante da recorrida, AP..., confessou (cf gravação do seu depoimento aos 4m:11s, de 30/06/2017), a instâncias do seu Ilustre Mandatário, que O JM... (legal representante da MF...) perguntou-me se a escola de surf era alugada e eu disse que não, que estava lá apenas para me trazer clientela para a casa.
9.a A concedente MF... não tinha conhecimento ou sequer deu consentimento informal à recorrida para ceder o espaço em causa ao recorrente.
10.a O facto considerado provado constante e descrito no citado ponto n.° 3 não é um facto essencial ou sequer necessário à decisão de mérito produzida, concretamente considerando o sentido da decisão constante da douta sentença e os fundamentos respectivamente invocados.
11.' No entanto, o teor de tal facto (n.° 3) considerado provado já o é essencial e diz respeito a matéria de facto relevante em outros autos de processo que não os presentes, concretamente dos autos de Processo n.° 1…/16.7T8LSB, a correr termos no Juízo Local Cível de C…, J3 (cf. petição inicial de fls. 38 a 54 dos presentes autos), conforme mencionado na douta sentença (C — Fundamentação), cuja tramitação já não se encontra suspensa em virtude de douta decisão do Tribunal da Relação de Lisboa.
12.' Em tais autos não foi ainda realizada a audiência de julgamento, em virtude de a aqui recorrida ter aí interposto recurso de decisão interlocutória, recurso esse já julgado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, o qual ordenou o prosseguimento da tramitação dos identificados autos.
13.' Nos presentes autos, e para boa decisão do mérito do pedido, era irrelevante saber se a A. recorrida deu, ou não, conhecimento à concedente MF... do contrato que celebrou oralmente com o R. recorrente, (tanto mais que já se sabe que não o fez),
14.' Sendo suficiente, e em conformidade com o pedido e com o sentido da decisão final sobre o mesmo, ter decidido, como efectivamente bem decidiu, pela existência de um contrato de arrendamento celebrado oralmente entre as partes no litígio que lhe compete.
15.' Ao dar-se como provado o indicado facto n.° 3, poder-se assim condicionar o julgamento futuro dos factos sujeitos a dissídio nos referidos autos de Processo n.° 1…/16.7T8LSB, nos quais constitui facto essencial aferir se tal conhecimento foi ou não dado pela aqui recorrida à concedente MF...
16.a Acresce que, tal facto considerado provado sob o n.° 3 da douta sentença não foi objecto de contraditório pelo legal representante da MF..., o qual não é parte nem foi testemunha nos presentes autos e, portanto, não foi tido nem achado nos mesmos.
17.a Também não se concorda e impugna-se o teor do facto considerado provado constante e descrito na parte final do ponto n.° 8 da douta sentença, concretamente que não tendo, em momento algum, o R., solicitado ou sugerido a formalização da relação estabelecida.
18.ª Nas declarações prestadas pelo R. recorrente este afirmou que solicitou ao legal representante da recorrida, AP..., a redução do contrato de arrendamento a escrito e a emissão de recibos de renda (conforme gravação das respectivas declarações aos 1 m:49s e aos 3m:10s).
19.ª Apesar de possuírem conteúdo ilícito, a verdade é que a ora recorrida emitiu documentos de natureza e relevância fiscal em nome do recorrido e os entregou a este (cf. documentos anexos à queixa-crime de fls. 123 e ss. dos presentes autos), concretamente (ponto 6) denunciando a emissão de facturas falsas por parte da aqui recorrida.
20.ª Desde que constituiu a empresa (facto provado n.° 23), o recorrente sempre pediu à recorrida a redução do contrato a escrito e, bem ainda, a emissão de recibos de renda, requerendo-se a V. Ex.as a alteração da douta sentença nesse sentido.
21.a Os factos provados constantes e descritos nos pontos n.° 10, 11 e 12 são também irrelevantes para boa decisão do mérito da causa e, igualmente, os mesmos se referem a relação controvertida distinta da dos presentes autos (autos de Processo n.° 1…/16.7T8LSB), com partes e causa de pedir distintas dos presentes autos.
22.ª A matéria de facto dada como provada nos pontos n.°s 3, 8, 10, 11 e 12 da douta sentença foi incorrectamente julgada, pois, nos termos ante expostos, a prova produzida em audiência de discussão e julgamento impunha decisão diversa, concretamente não os considerando provados ou, mesmo, nem sequer os fazendo constar da douta sentença, pois os mesmos não constituem factos essenciais ou necessários à boa decisão do mérito da causa, requerendo-se a V. Ex.as a alteração da douta sentença neste sentido.
23.' Discorda-se também e impugna-se o teor dos factos considerados náo provados nos pontos n.° 5 e 6 (sic) da douta sentença, pois conforme o depoimento da testemunha LM... (às 11h16m de 30/06/2017, aos 04:03 da respectiva gravação), então também legal representante da A. ora recorrida, o contrato de arrendamento acordado entre recorrida e recorrente foi celebrado de modo oral porque este iria constituir sociedade em nome da qual se formalizaria a relação de arrendamento.
24.' A douta sentença ora impugnada fez constar do ponto n.° 23 dos factos provados que Em 29/06/2015 o R. constituiu a sociedade TU...,
25. Aquela condição foi também confirmada pelo recorrente nas suas declarações, o qual também afirmou que a partir daquela data sempre pediu ao legal representante da A. recorrida para reduzir a escrito o contrato celebrado oralmente e, bem ainda, a emissão dos competentes recibos de renda (conforme gravação das respectivas declarações aos lm:49s e aos 3m:10s).
26.' Face à citada recusa do legal representante da recorrida, em 10/02/2017 o ora recorrente deduziu queixa-crime contra aquele e contra a sociedade ora recorrida, conforme documento que juntou aos autos a fls. 123 e ss, concretamente (ponto n.° 5) denunciando a recusa de emissão de recibos de renda por parte da recorrida.
27.' Após a constituição da sociedade mencionada no ponto 23 dos factos provados, o recorrente passou a solicitar à recorrida que formalizasse o acordo em vigor, mediante a redução a escrito do contrato de arrendamento celebrado oralmente, em nome da recém-criada sociedade;
28.ª A recorrida emitiu documentos de natureza fiscal em nome do recorrente, relativos ao uso do espaço da escola de surf, porém, com o conteúdo ilícito que deles entendeu fazer constar, o que suscitou do recorrente a apresentação de queixa-crime.
29.ª A matéria de facto dada como não provada nos pontos n.°s 5 e 6 (sic) da douta sentença foi incorrectamente julgada, pois, nos termos ante expostos, a prova produzida em audiência de discussão e julgamento impunha decisão diversa, concretamente considerando-os provados, pois os mesmos constituem factos essenciais à boa decisão do mérito da causa, requerendo-se a V. Ex.as a alteração da douta sentença neste sentido.
DIREITO
30.' Impugna-se também o conteúdo da douta sentença na parte relativa a O Direito (IV) em virtude de nela existir erro na apreciação da matéria de facto e na respectiva aplicação do direito, pois existe fundamento legal para decidir que o contrato de arrendamento não habitacional celebrado verbalmente entre a recorrida e o recorrente é válido e eficaz.
31.' Se é certo que, por regra, os vícios de forma são insanáveis e determinam a nulidade do negócio jurídico por violação de requisito ad substanciam, há também casos de vícios de forma cuja nulidade resulta de violação de requisito ad probationem, isto é, destinado apenas a provar a existência do negócio, não a constituí-lo, pelo que o mesmo se considera ferido de nulidade sanável.
32.a O artigo 220.° do Código Civil afirma como princípio geral que a declaração negocial que careça da forma legalmente prescrita é nula, quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei.
33.' O artigo 364.°, n.° 1 do Código Civil reafirma esse princípio, porém, no seu n.° 2, consagra a distinção entre formalidades ad substantiam e formalidades ad probationem, ao estabelecer que se resultar claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da declaração, pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório.
34.' Apesar da falta de forma escrita do contrato celebrado entre as recorrente e recorrida, o legal representante da A., ora recorrida, confessou efectivamente ter existido um contrato entre as partes, o que determina no presente caso a validade do mencionado contrato de arrendamento.
35.' Foi a própria recorrida A. quem deu causa à sentenciada nulidade do contrato, ao recusar formalizar o mesmo após a verificação da condição acordada, e ao recusar emitir recibos de renda nos termos legalmente obrigatórios.
36.' A recorrida acabou por emitir documentos de natureza fiscal relativos ao espaço cedido do recorrente, o que é também demonstrativo da existência da relação jurídica de arrendamento não habitacional reconhecida existir pela douta sentença.
37.' A proibição do comportamento contraditório configura instituto jurídico autonomizado que se enquadra na proibição do abuso do direito, prevista no artigo 334.° do CC.
38.' O regime do abuso de direito, na vertente de venire contra factum proprium, pretende sancionar quem exerce uma posição jurídica em contradição com o comportamento pelo mesmo assumido anteriormente.
39.' A boa-fé do recorrente na execução do contrato de arrendamento celebrado oralmente, a existência de um investimento de confiança daquele traduzido no desenvolvimento de uma actividade comercial de escola de surf com base no factum proprium da recorrida são tuteladas pelo direito, não podendo agora conceder-se
provimento à nulidade do contrato que a recorrida celebrou oralmente com o recorrente e devendo o mesmo ser considerado plenamente válido e eficaz entre as partes ora em litígio.
40.' Pese embora tal alegação tenha constado da contestação do R. recorrente, nada foi mencionado ou decidido na douta sentença proferida pelo Tribunal a quo a respeito da mesma.
41.' O abuso de direito é ademais uma excepção de conhecimento oficioso que tutela o direito da pessoa que confie, legitimamente, num certo estado de coisas, não podendo depois ser tratada como se não tivesse confiado, pois tal seria tratar o diferente de modo igual, em clara violação do princípio constitucionalmente consagrado no artigo 13.° da CRP.
42.a Perante um caso de contrato de arrendamento nulo por falta de forma causada pela recorrida, então senhoria, o instituto do abuso de direito paralisa o respectivo direito de beneficiar da mesma nulidade.
43.a O comportamento da recorrida, ao não reduzir a escrito o contrato de arrendamento dos autos e vir depois beneficiar da nulidade do mesmo, é censurável pela consciência social dominante, pois a recorrida exerceu o seu direito em termos clamorosa e intoleravelmente ofensivos da justiça ou do sentimento jurídico socialmente dominante e, como tal, não deve a nulidade ser julgada procedente.
TERMOS EM QUE, COM OS MAIS DE DIREITO, REQUER-SE A V. EX.'S SEJA CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, ALTERANDO OU REVOGANDO A SENTENÇA DO DOUTO TRIBUNAL A QUO NA PARTE IMPUGNADA, SUBSTITUINDO-A POR OUTRA QUE DETERMINE A MANUTENÇÃO DA VALIDADE E EFICÁCIA DO CONTRATO DOS AUTOS. COMO É DE JUSTIÇA!».
1.7. A Autora apresentou contra-alegações que rematou com as seguintes
Conclusões:
«a) Deverá o presente recurso ter efeito meramente devolutivo;
b) Decorre duma exigência legal que o contrato de arrendamento deverá revestir a forma escrita e que tal formalidade tem natureza ad substatiam;
c) O Recorrente pretende contrariar tal entendimento, sustentando a existência de um contrato de arrendamento para fins não habitacionais verbal, sem apresentar qualquer fundamento legal ou sequer factual válido;
d) O que o Recorrente pretende efectivamente é protelar a sua permanência no espaço que ocupa ilicitamente, sem pagar as prestações a que está obrigado;
e) Tal conclusão decorre não só da construção artificial dos factos reproduzidos e da total falta de fundamento legal da posição sustentada pelo recorrente para justificar a sua permanência no espaço, como da manifesta e censurável litigância de má fé que usa nos presentes autos, facto constatado supervenientemente ao encerramento da discussão em primeira instância ;
f) A Recorrida solicitou a emissão da certidão do trânsito em julgado da douta sentença recorrida ao Tribunal a quo, que foi emitida;
g) Com a certidão do trânsito em julgado a Recorrida deslocou-se à agência da Caixa Geral de Depósitos onde o Recorrente passou a depositar desde Agosto de 2016 as quantias mensais de 600 €;
h) Sucede, porém, que o Recorrente apenas depositou as prestações correspondentes aos meses de Agosto, Setembro e Outubro de 2016, no montante total de 1.800 €, conforme extrato de movimentos de conta entregue pela entidade bancária á Recorrida;
i) O Recorrente não mais depositou qualquer prestação desde então, apesar de ocupar o espaço permanentemente, com elevados consumos de água e electricidade;
j) O Recorrente não pagou os montantes a que estava obrigado e que desde sempre invocou, falsamente, perante a Recorrida e perante o Tribunal a quo que os depositava.
k) A Recorrida só teve conhecimento desse facto após a prolação da douta sentença recorrida e emissão da certidão do trânsito em julgado;
1) Tal situação deixou a Recorrida perplexa, tal o arrojo e a clamorosa falta de verdade manifestada pelo Recorrente ao longo dos presentes autos;
m) O Recorrente bem sabia que não estava pagar as prestações acordadas, a que sempre chamou de rendas, facto esse essencial e relevante para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa.
n) Tal conduta, por acção ou por omissão de facto essencial (não pagamento da renda), contraria toda a construção argumentativa que sustentou e sustenta a posição do Recorrente nos presentes autos;
o) O Recorrente alegou nos presentes autos que passou a fazer por consignação em depósito autónomo as rendas, tendo com isso convencido, de forma enganosa, quer a Recorrida quer o Tribunal a quo de que assim estava a proceder;
p) O Recorrente com a sua conduta dolosa e reprovável comportamento processual, preencheu as previsões das alíneas a), b) e d), do n.° 2 do artigo 542° CPC, fazendo um uso reprovável do processo e litigando de má-fé;
q) Além da condenação em multa, deverão V.Exas., Venerandos Desembargadores, arbitrar uma indemnização ajustada á gravidade da referida conduta do Recorrente bem como aos prejuízos sofridos pela Recorrida em consequência directa ou indirecta da litigância de má fé;
r) A douta sentença recorrida não merece qualquer censura, tendo o Tribunal a quo feito a correcta interpretação dos factos e a adequada aplicação do direito, pelo que deverá ser mantida, sem prejuízo da condenação do Recorrente pelo Tribunal ad quem, em litigância de má-fé;
s) O recurso apresentado pelo Recorrente, não tem qualquer fundamento sério e plausível, além de que representou um instrumento processual utilizado pelo recorrente de forma reprovável e deveras censurável face ao supra alegado, devendo improceder totalmente.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso:
I. ser declarado com efeito meramente devolutivo;
II. ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a douta sentença
III. Deve ainda o Recorrente ser condenado em multa e no pagamento duma
indemnização á Recorrida, a arbitrar por V. Exas., por litigância de má-fé.
Com que farão Vossas Excelências a costumada JUSTIÇA ! ».
II — Delimitação do objecto do recurso
De acordo com o disposto nos artigos 635°, n° 4 e 639°, n.° 1, do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, contanto que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5°, n.° 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas'.
Dentro destes parâmetros e decidida que se mostra, por despacho de 12/04/2018 (relia Ctius 1..., a fls. 273), a questão prévia de saber se foi incumprido pela Recorrente o ónus estabelecido na alínea c) do n.° 1 do art.° 640° do CPC, as questões submetidas à nossa apreciação e decisão são as seguintes:
Questão prévia: Do pedido de condenação do Recorrente como litigante de má-fé;
1.a- Saber se houve erro na apreciação dos meios de prova que imponha a alteração da decisão da matéria de facto (provada e não provada), na parte impugnada pelo Recorrente;
2.ª — Saber se a sentença recorrida ostenta erro de julgamento que imponha a sua revogação e consequente substituição por outra que julgue a acção improcedente. III — Fundamentação:
3.1. Motivação de Facto:
A 1.a instância considerou provados e não provados os seguintes factos:
A) Factos provados:
«1 - A Autora (A.) explora comercialmente o estabelecimento comercial denominado RB..., sito na Avenida .., Praia .., concelho de C…, tendo para o efeito celebrado acordo escrito, denominado de Contrato de Cessão de Exploração de Estabelecimento Comercial com início de vigência em 1 de Abril de 2011.
2 - Por acordo verbal, no mês Outubro de 2014 que a A. cedeu ao Réu (R.) um pequeno espaço (cerca de 15 m2), situado entre o restaurante e o posto de socorros, para este aí desenvolver a sua actividade de exploração comercial duma escola de surf.
3 - Tal cedência era do conhecimento e mereceu o consentimento informal dos primitivos sócios e do legal representante da concessionária, denominada MF....
4 - Os termos do acordo foram negociados entre LM... e o R., ao tempo em que o primeiro era gerente da A. (2014/2015) e teve o acordo de AP....
5 - O acordo entre as partes previa um pagamento mensal de 600,00 €, valor que incluía o pagamento do uso do espaço e as despesas de água e luz do espaço referido em 2., porque o espaço arrendado por esta não tem contadores próprios de medição da água e da electricidade consumidas no mesmo.
6 - Em Outubro de 2014, por força do acordo estabelecido, o R. adiantou o pagamento da quantia de 7.200 €, correspondente a 12 meses de ocupação do espaço.
7 - Em Outubro de 2015, pagou a quantia de 3.600,00 € por conta de outros 6 meses de ocupação, sendo que, a partir de Março de 2016, passou a pagar mensalmente a quantia acordada de 600,00 €.
8 - A cedência do espaço e a relação de parceria entre A. e R. manteve-se ao longo dos últimos dois anos, sem quaisquer incidentes, não tendo, em momento algum, quer a concessionária MF... quer o R., solicitado ou sugerido a formalização da relação estabelecida, conformando-se todas as partes com a situação instituída e a forma convencionada.
9- Tal espaço tinha antes sido anteriormente cedido a outras escolas de surf que por ali passaram, em circunstâncias semelhantes.
10 - Em Fevereiro de 2016 os primitivos sócios da cedente MF... , transmitiram a totalidade das quotas da sociedade a novos sócios.
11 - Tal transmissão de quotas foi judicialmente impugnada pela ora A., por ter alegadamente violado os seus direitos de preferência, estando pendente nesta comarca o respectivo processo judicial que corre termos sob o n.° 1…/16.6T8CSC — JL Cível — J2 e está em fase de recurso.
12 - Na sequência da instauração da acção referida em 11. a sociedade MF... pediu a resolução do Contrato de Cessão de Exploração celebrado com a A., através da instauração quer de uma providência cautelar quer de acção declarativa principal, tendo a primeira sido julgada improcedente, que corre termos nesta comarca JL Cível —J3), sob o n.° 1…/16.7T8LSB, que se mostra suspensa e em recurso.
13 - Depois de ter sido notificada, pela concessionária, da sua oposição à permanência da escola de Surf do R. no mencionado espaço, a A. diligenciou verbalmente e por escrito junto do R., denunciando o acordo entre ambos celebrado e instou o mesmo a abandonar o referido espaço, tendo enviado uma carta datada de 7 de Julho de 2016, convidando o R. a abandonar o espaço
14 - Respondeu o R., por carta datada de 14 de Julho 2016, onde manifesta o seu propósito em não abandonar o espaço cedido, invocando a existência de um contrato de arrendamento celebrado entre A. e R..
15 - Em 11 de Agosto de 2016 ao final do dia, através duma porta de acesso interno entre o restaurante e o espaço ocupado pelo R. - que normalmente está fechada -procedeu a A. à selagem com chapa de ferro da porta de acesso ao espaço, cuja fechadura havia sido mudada pelo R..
16 - Na manhã seguinte (12 de Agosto), o R. e seus colaboradores ao constatarem que a porta estava bloqueada, tentaram arrombar a mesma, proferindo diversos pontapés, tendo danificado a mesma, mas sem a conseguir abrir.
17 - Entretanto, foi chamada a PSP ao local, o gerente comercial da A., Sr. RB, que se encontrava no local, abriu a janela do espaço onde funciona a escola de surf, para entregar ao R. o material que lhes pertence e este entrou pela janela e recusou-se a sair e a entregar o espaço.
18 - RB acabou por abandonar o local e desde então, o R. não só desbloqueou a porta exterior, como vedou à A. o acesso interior ao espaço.
19 — A A. passou a devolver as quantias pagas pelo R., conforme cartas datadas de 11/08/16 e 22/09/16.
20 - Face à devolução pela A. das quantias pagas pelo R. referentes aos meses de Julho e Agosto, no montante de 1.200,00 €, o R. procedeu ao depósito do cheque que lhe havia sido enviado para o efeito.
21 - Por carta de 11 de Outubro, veio o R. informar a A. que passara a depositar o que considera ser rendas, juntando o respectivo documento de depósito na Caixa Geral de Depósitos.
22 - A A. teve um custo com o serralheiro que procedeu à selagem da porta em ferro, no montante de 190,00 € .
23 - Em 29/06/2015 o R. constituiu a sociedade T…, Unipessoal
Lda.»
B) Factos não provados:
Não ficou provado que:
«1 - A A. esteja a explorar o estabelecimento descrito em 1 dos factos provados desde 01 de Abril de 2009.
2 - Por força do referido contrato de cessão de exploração, a A. se tenha obrigado assegurar os equipamentos e serviços com função de apoio de praia simples, designadamente, os serviços de restaurante ou snack-bar, assistência e salvamento a banhistas, posto de socorros, instalações sanitárias e balneários, informação a utentes.
3 - O pagamento referido em 5 dos Factos Provados se destinasse apenas a custear as despesas de água e electricidade do espaço explorado pelo R., nem que tivesse sido acordado que a actividade da escola de surf tivesse por fim atrair clientes ao restaurante da A..
4 - O R. tenha decidiu mudar a fechadura do espaço onde funciona o posto de socorros e os balneários, espaço este contiguo ao ocupado pela escola de surf.
5 - Na decorrência da constituição da sociedade, o R. tenha passado a solicitar à A. que formalizasse o acordo em vigor, mediante a redução a escrito do contrato de arrendamento que celebraram oralmente, em nome da recém-criada sociedade do R..
5 - O então único gerente da A., AP..., se tenha esquivado sempre a fazê-lo sem todavia o recusar frontalmente».
3.2. Motivação de Direito
3.2.1. Questão prévia: Do pedido de condenação do Recorrente como litigante de má-fé:
A Recorrida, nas suas contra-alegações, alegou factos supervenientes [factos nunca antes alegados, de que tomou conhecimento após o julgamento em 1.8 instância] imputáveis ao Recorrente e com fundamento nas condutas neles descritas pediu a condenação do Recorrente como litigante de má-fé, no pagamento de uma multa e de indemnização à Recorrida.
Ora, como já se referiu supra, por natureza os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, caindo fora do seu âmbito conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas.
Por conseguinte, e sem necessidade de outras considerações, decide-se não conhecer do pedido de condenação do Recorrente como litigante de má-fé.
3.2.2. Primeira Questão: Houve erro na apreciação dos meios de prova que imponha a alteração da decisão da matéria de facto (provada e não provada), na parte impugnada pela Recorrente?
O Recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto, indicando como incorrectamente julgados os pontos nfs 3, 8 [parte final, onde se refere (...) não tendo, em momento algum, (...) o R. solicitado ou sugerido a formalização da relação estabelecida], 10, 11 e 12 dos factos dados como provados e os pontos n.°s 5 e 6 dos factos considerados não provados.
Nos termos exarados no artigo 607° do CPC vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção, face ao qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção firmada acerca de cada facto controvertido.
Além deste princípio, que só cede perante situações de prova legal - prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares e por presunções legais -, vigoram ainda os princípios da imediação, da oralidade e da concentração, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão de P instância sobre a matéria de facto, ampliados pela reforma processual operada pelo Dec.-Lei n.° 329-A/95, de 12 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.° 180/96, de 25 de Setembro, e mantidos pela reforma processual operada pela Lei n.° 41/2013, de 26 de Junho, deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade
entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados.
Perante o disposto no artigo 712° do CPC, a divergência quanto ao decidido pelo Tribunal a quo, na fixação da matéria de facto só assumirá relevância no Tribunal da Relação se for demonstrada, pelos meios de prova indicados pelo recorrente, a verificação de um erro de apreciação do seu valor probatório, sendo necessário, qua tais elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo apelante (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26-06-2003, acessível em www.dgsi.pt).
Não se trata de possibilitar um novo e integral julgamento, mas a atribuição de uma competência residual ao Tribunal da Relação para poder proceder a uma reapreciação da matéria de facto.
A utilização da gravação dos depoimentos em audiência não modela o princípio da prova livre ínsito no direito adjectivo, nem dispensa operações de carácter racional ou psicológico que gerem a convicção do julgador, nem substituem esta convicção por uma fita gravada.
O que há que apurar é da razoabilidade da convicção probatória do primeiro grau de jurisdição face aos elementos agora apresentados, ou seja, a modificação da matéria de facto só se justifica quando haja um erro evidente na sua apreciação.
Porém, uma coisa é a compreensão da fundamentação e outra diferente a concordância ou não com a mesma, já que, há que fazer a destrinça entre a convicção objectiva do julgador e, outra muito diferente, a vontade subjectiva da parte que pretende alcançar a sua própria verdade, sem uso de um espírito crítico.
A este propósito refere-se lapidarmente no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 25.Nov.2005 (proc. 1046/02), disponível in www.dgsi.pt., que a possibilidade de alteração da matéria de facto deverá ser usada com muita moderação e equilíbrio, ainda que toda a prova esteja gravada em áudio ou vídeo, devendo tao só o erro grosseiro ou clamoroso na apreciação da prova ser sindicado pela Relação com base na gravação dos depoimentos.
Por erro notório deve entender-se aquele que é de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores; em que o homem médio facilmente dá conta de que um facto, pela sua natureza ou pelas circunstâncias em que pode ocorrer, em determinado caso, não pode ser dado como provado ou não é dado como provado e devia sê-lo — por erro na apreciação da prova.
Ou, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22.Jul.1997 (proc. 97P612), disponível in www.dgsi.pt., o erro notório na apreciação da prova é um vício de raciocínio na apreciação das provas evidenciado pela simples leitura da decisão. Erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de qualquer exercício mental. As provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica ou excluindo dela algum facto essencial.
Sem embargo, como afirma Abrantes Geraldes, se a Relação, procedendo à reapreciação dos meios de prova postos à disposição do tribunal a quo, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, a convicção acerca da existência de erro deve proceder à correspondente modificação da decisão.
Vejamos, então, se o Tribunal a quo incorreu ou não em erro na apreciação da prova, nos segmentos da decisão sobre a matéria de facto impugnados pelo Recorrente.
A) Quando ao facto considerado provado sob o ponto n.° 3:
1. No ponto 3. dos factos provados consta a seguinte factualidade:
Tal cedência era do conhecimento e mereceu o consentimento informal dos primeiros sócios e do legal representante da concessionária, denominada MF....
Defende o Recorrente que este facto não é essencial ou sequer relevante para a boa decisão do mérito da presente causa e que não foi produzida suficiente e credível prova sobre a sua verificação para que o Tribunal a quo decidisse sobre ele como decidiu, devendo, por isso, ser tal facto considerado não provado.
E que a única testemunha que depôs sobre este facto foi LS..., empregada doméstica do legal representante da Autora, mas que a mesma apenas tem conhecimento directo de factos referentes ao período de 2012 até 2014 em que trabalhou no RB....
Salvo o devido respeito, entendemos que não assiste razão ao Recorrente neste particular.
O artigo 5.° do CPC, sob a epígrafe «Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal» dispõe o seguinte:
1 - Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.
2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
3 - O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
Com esta alteração profunda ao disposto no anterior artigo 264.°, do CPC de 61, o actual legislador partiu do princípio de que, quando as partes tomam a decisão de recorrer à justiça estadual para dirimir um determinado conflito, em vez de recorrer aos meios alternativos de composição de litígios, ao juiz devem ser facultados os meios tidos por necessários para produzir uma decisão de mérito que atinja, tanto quanto possível, o ideal da justiça material ...
Por via da possibilidade de aquisição de factos resultantes da instrução da causa, pretendeu o legislador atribuir ao juiz o dever de suprir certas deficiências da matéria de facto alegada pelas partes nos articulados, não pretendeu suprir a completa e absoluta falta de alegação de factos essenciais necessários à procedência da acção ou da defesa, através da aquisição oficiosa.
Com efeito, incumbe às partes alegar, nos seus articulados, os factos essenciais que constituem a causa de pedir da acção ou da excepção invocada, sem os quais a acção ou excepção improcederá, e incumbe ao julgador, para além destes (factos essenciais) considerar os demais factos que, ainda que não alegados, sejam factos instrumentais, concretizadores ou complementares (estes últimos igualmente factos essenciais), desde que, em relação a estes últimos seja dada às partes a possibilidade de, sobre eles se pronunciarem.
Ora, na definição propugnada por Castro Mendes, factos instrumentais são os que interessam indirectamente à solução do pleito por servirem para demonstrar a verdade ou falsidade dos factos essenciais.
Por sua vez, para Teixeira de Sousa, são aqueles que indiciam os factos essenciais. Por outras palavras, são factos secundários, não essenciais, mas que permitem aferir a ocorrência e a consistência dos factos principais, mais acrescentando, relativamente aos factos complementares que não se pode admitir que os factos complementares que sejam alegados na sequência do convite ao aperfeiçoamento sejam factos integrantes da causa de pedir. Esta causa petendi tem de constar da petição inicial, sob pena de ineptidão deste articulado (art. 186.°, n.° 2, al. a), nCPC); assim, se a petição não é inepta por conter uma causa de pedir, nenhum facto que seja adquirido durante a tramitação da causa pode integrar essa mesma causa de pedir. O que já está completo na petição inicial não pode ser completado por nenhum outro facto.
Distinguem-se uns e outros, na medida em que são factos principais aqueles que integram o facto ou factos jurídicos que servem de base à acção ou à excepção os quais se podem dividir em essenciais ou complementares (ou concretização dos que as partes alegaram), sendo os primeiros aqueles que constituem os elementos típicos do direito que se pretende fazer actuar em juízo, e os segundos aqueles que, de harmonia com a lei, lhes dão a eficácia jurídica necessária para fazer essa actuação, deixando-se registado que se são complemento ou concretização dos essenciais, em boa verdade e rigor lógico não se podem provar os segundos sem que os primeiros o estejam.
Assim, os factos complementares ou concretizadores são aqueles que especificam e densificam os elementos da previsão normativa em que se funda a pretensão do autor - a causa de pedir - ou do reconvinte ou a excepção deduzida pelo réu como fundamento da sua defesa, e, nessa qualidade, são decisivos para a viabilidade ou procedência da acção/reconvenção/defesa por excepção.
Ou, nos dizeres de Orlando Moreira e Castro são factos complementares aqueles que, sendo essenciais para a procedência do direito invocado pelo autor ou da excepção deduzida pelo réu, não individualizam a situação jurídica alegada, exercendo apenas uma função de complemento das pretensões das partes (completam uma pura insuficiência de factos). A sua falta não acarreta a ineptidão da petição inicial ou a nulidade da excepção (art. 186.°, n.° 2 al. a), mas pode levar à improcedência da pretensão.
Revertendo aos autos, temos que o facto dado como provado sob o ponto 3 é um facto instrumental, que foi alegado pela Autora no artigo 4.° da P.I. e resultou claramente provado, como se demonstrará em seguida. Sendo verdade, no entanto, que se trata de um facto secundário, não essencial, entende-se que o mesmo permite aferir a ocorrência e a consistência dos factos principais/essenciais, contextualizando as circunstâncias da celebração do contrato de arrendamento [informal] celebrado entre as partes.
Bem andou, pois, a Senhora Juíza a quo em atender a este facto na decisão em crise, considerando-o provado.
Este Tribunal ouviu todos os depoimentos prestados na audiência de 30/06/2017 e considera que a factualidade em causa resulta não só das declarações prestadas pela testemunha LS... mas da valoração conjugada e crítica destas declarações com as que foram prestadas por LM... e com o depoimento produzido pelo legal representante da Autora., AP.... A testemunha LB..., não só trabalhou no estabelecimento RB... entre 2012 e 2014 como ficou, desde então, adstrita ao serviço pessoal do gerente da Autora, AM..., pessoa idosa, qualidade em que o acompanhou nas suas diversas deslocações ao estabelecimento para se inteirar da respectiva situação, sendo que sempre manteve relacionamento próximo, quer com a gerência da Autora, quer com os empregados do estabelecimento. Por outro lado, quer das declarações prestadas por LB..., quer dos depoimentos prestados por LM... e por AM..., retira-se que entre este último e JM..., legal representante da concessionária MF... existia um relacionamento muito próximo, sendo frequentes os contactos entre ambos, que muitas das vezes almoçavam juntos no RB…. A testemunha LM..., à época gerente da Autora, qualidade com que negociou e celebrou com o Réu o contrato de arrendamento dos autos, asseverou que JM..., estava a par da relação contratual existente entre a Autora e o Réu. Afigurou-se-nos um testemunho objectivo, imparcial e consistente com a globalidade da prova produzida, cuja verosimilhança o Réu nem sequer questionou.
É certo que, conforme alega o Réu, o próprio legal representante da recorrida, AP..., afirmou em audiência, a instâncias do seu Ilustre Mandatário, que O JM... perguntou-me se a escola de surf era alugada e eu disse que não, que estava lá apenas para me trazer clientela para a casa. Todavia, constitui doutrina e jurisprudência dominantes que o depoimento de parte constitui um meio processual através do qual se pode obter e provocar a confissão judicial, sendo esta uma declaração de ciência que emana da parte e em que se reconhece a realidade de um facto desfavorável ao declarante (contra se pronuntiatio) e favorável à parte contrária a quem competiria prová-lo (art.° 352.° do Código Civil).
Nessa medida, o depoimento de parte só pode incidir sobre factos desfavoráveis ao depoente. Chamado a pronunciar-se sobre esta questão, o Tribunal Constitucional no seu Acórdão n° 504/2004, Artur Maurício, DR, II Série de 2.11.2004, p. 16.093, foi peremptório no sentido de que A confissão (...) não constitui meio de prova de quem emite a declaração, mas a favor da parte com interesses contrários, ninguém podendo, por mero ato seu, formar provas a seu favor. / Não se vê que fique vedado ao legislador ordinário regular a possibilidade de limitar o depoimento de parte de forma a impedir o exercício do direito de o prestar quando o respectivo objecto seja irrelevante enquanto confissão, ou seja, quando se anteveja uma disfunção entre o meio processual e o fim tido em vista pela sua previsão.
Contudo, ainda na vigência do Código de Processo Civil revogado, foi crescendo uma corrente jurisprudencial pugnando no sentido de que o depoimento de parte- no que exceder a confissão de factos desfavoráveis à mesma parte - constitui meio de prova de livre apreciação pelo tribunal — artigo 361.° do Código Civil. Ou seja, embora configurado processualmente no sentido da obtenção da confissão, foram reconhecidas ao depoimento de parte virtualidades probatórias irrecusáveis perante um sistema misto de valoração da prova em que a par de prova tarifada existem meios de prova sujeitos a livre apreciação.
Isto para se dizer que a afirmação feita por AP... não consubstancia uma confissão, ao contrário do que afirma o Recorrente, por não respeitar a facto que lhe seja desfavorável, bem ao contrário: o que o depoente pretendia fazer crer ao Tribunal era que apenas comunicou ao JM... que a Autora celebrara com o Réu um mero acordo de cedência de espaço e não um contrato como o que celebrou, passível de configurar um contrato de arrendamento não habitacional.
Que os anteriores sócios da concessionária MF... consentiram na cedência do espaço também resulta da carta enviada pela Autora ao Réu, em 07/07/2016, a denunciar o contrato celebrado [Doc. 6 da PI, a fls. 155], missiva que está assinada pelo gerente AP....
Neste contexto, e face, ainda, à visibilidade da exploração diária da Escola de Surf, paredes-meias com o Restaurante e ao convívio próximo e diário entre todos, Réu e gerentes da Autora e da concessionária MF... ., e entre os respectivos funcionários, o que também resultou daqueles depoimentos, bem andou, pois, o Tribunal a quo em considerar provada a factualidade descrita sob o ponto 3.
Termos em que improcede, nesta parte, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
B) Quanto ao ponto 8 dos factos dados como provados e aos pontos 5 e 6 dos factos considerados não provados:
O Recorrente impugna, ainda, o teor do facto considerado provado na parte final do ponto n.° 8 da sentença, mais concretamente que (...) não tendo, em momento algum, (...) o R., solicitado ou sugerido a formalização da relação estabelecida (...).
Alega, para tanto, os seguintes fundamentos:
- nas declarações prestadas pelo Réu/Recorrente este afirmou que solicitou ao legal representante da recorrida, AP..., a redução do contrato de arrendamento a escrito e a emissão de recibos de renda.
- apesar de possuírem conteúdo incorrecto, a verdade é que a ora recorrida emitiu documentos de natureza fiscal em nome do recorrido e os entregou a este (cf. documentos de fls. 123 e ss. dos presentes autos).
- finalmente, face à recusa do referido legal representante, em 10/02/2017 o ora recorrente deduziu queixa-crime contra aquele e a sociedade recorrida, conforme documento junto aos autos a fls. 123 e segs., concretamente (ponto 6) denunciando a emissão de facturas falsas por parte da aqui recorrida.
Conclui, assim, poder concluir-se com elevada certeza que, desde que constituiu a empresa (facto provado n.° 23), o recorrente sempre pediu à recorrida a redução do contrato a escrito e, bem ainda, a emissão de recibos de renda, termos em que requereu a alteração da sentença nesse sentido.
No que concerne aos factos considerados não provados sob os pontos 5 e 6, O Recorrente argumenta, em resumo:
- a testemunha LM..., então também legal representante da A. ora Recorrida, referiu que o contrato de arrendamento acordado entre recorrida e recorrente foi celebrado de modo oral porque este iria constituir sociedade em nome da qual se formalizaria a relação de arrendamento;
- a douta sentença ora impugnada fez constar do ponto n.° 23 dos factos provados que Em 29/06/2015 o R. constituiu a sociedade T...,
- aquela condição foi também confirmada pelo Recorrente nas suas declarações, o qual também afirmou que a partir daquela data sempre pediu ao legal representante da A. recorrida para reduzir a escrito o contrato celebrado oralmente e, bem ainda, a emissão dos competentes recibos de renda;
- face à citada recusa do legal representante da recorrida, em 10/02/2017 o ora recorrente deduziu queixa-crime contra aquele e contra a sociedade ora recorrida, conforme documento que juntou aos autos a fls. 123 e ss, concretamente (ponto n.° 5) denunciando a recusa de emissão de recibos de renda por parte da recorrida.
- e, nessa mesma queixa-crime o Ministério Público foi informado da emissão pela da Recorrida de facturas falsas.
Termos em que conclui que a matéria de facto dada como não provada nos pontos n.°s 5 e 6 (sic) da sentença foi incorrectamente julgada, pois, nos termos ante expostos, a prova produzida em audiência de discussão e julgamento impunha decisão diversa, concretamente considerando-os provados, pois os mesmos constituem factos essenciais à boa decisão do mérito da causa, requerendo a alteração da douta sentença neste sentido.
Vejamos,
- No ponto 8 dos factos provados ficou a constar a seguinte factualidade:
8 - A cedência do espaço e a relação de parceria entre A. e R. manteve-se ao longo dos últimos dois anos, sem quaisquer incidentes, não tendo, em momento algum, quer a concessionária MF... quer o R., solicitado ou sugerido a formalização da relação estabelecida, conformando-se todas as partes com a situação instituída e a forma convencionada.
Por sua vez, nos pontos 5 e 6 dos factos considerados não provados ficou a constar a seguinte factualidade:
5 - Na decorrência da constituição da sociedade, o R. tenha passado a solicitar à A. que formalizasse o acordo em vigor, mediante a redução a escrito do contrato de arrendamento que celebraram oralmente, em nome da recém-criada sociedade do R..
5 - O então único gerente da A., AP..., se tenha esquivado sempre a fazê-lo sem todavia o recusar frontalmente .[11]
—>Ao expressar a sua motivação acerca da decisão sobre a matéria de facto, referiu a Senhora Juíza a quo:
O Tribunal formou a sua convicção com base nos documentos juntos a fls. 18 a 23 (cópia do contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial celebrado entre a A. e terceiro); fls. 24 a 37 (certidões do Registo Comercial da A. e da sociedade que lhe cedeu a exploração do estabelecimento); fls. 38 a 54 e 143 a 154 (cópias da p.i. e da contestação do processo 1…/16.7T8LSB da Instância Local Cível de C… — J3); fls. 155 a 165 (cartas trocadas entre A. e R. referentes ao pedido de entrega do espaço em causa nos autos e resposta a tal pedido); fls. 166, 167 e 134,135 (cópias dos depósitos das rendas pelo R.); fls. 168 (cópia do recibo relativo a reparação de porta); fls. 96 (cópia parcial de certidão do registo da sociedade criada pelo R.); fls. 97 a 99 e 103/104 (cópias de fotografias relativas a danos no alarme e porta do espaço em causa nos autos, provocadas por ordem do legal representante da
11 Por lapso, na sentença em crise atribuiu-se o número 5 ao sexto facto considerado não provado.
A.); fls. 128 a 131 (cópias de factura emitida pela A. e devolvida pelo R.); fls. 131 a 133 (cópia de depósito efectuado pelo R. e devolvido pela A.), documentos que não foram impugnados pelas partes.
Considerou-se ainda o depoimento das testemunhas apresentadas pelas partes que depuseram de forma clara e isenta sendo que a testemunha JC... (apresentada pela A.) referiu que, desde 1976, é fornecedor de bebidas do restaurante explorado pela A. referiu que o espaço dos autos funciona como escola de surf há mais de 20 anos, desconhecendo quem a explora actualmente e referiu que os factos invocados pela A. nestes autos lhe foram comunicados por pessoas amigas, pelo que o seu depoimento não tem relevância na decisão quanto aos factos invocados nos presentes autos.
A testemunha PV... (apresentada pela A.), presidente da Praia … de que a A. é associada, referiu que tem conhecimento da existência da escola de surf mas não sabe quem a explora e não tem conhecimento directo dos factos em causa nestes autos.
A testemunha LB..., apresentada pela A., trabalha para o gerente da mesma, referiu que houve um acordo verbal entre A. e R. para este usufruir do espaço da escola de surf e referiu que o gerente da A. anda enervado, no seu entender por culpa do R. e dos seus funcionários, porém não soube precisar quais os factos concretos que produziriam tal enervamento, não podendo nesta parte ser considerado o seu depoimento, não apenas devido à imprecisão do mesmo, mas também pela dependência económica/laboral que a testemunha tem do legal representante da A..
A testemunha RC... (apresentada pela A.) foi funcionário da A. entre Setembro de 2015 e Maio de 2017, referiu que o R. explora a escola de surf, com conhecimento e autorização dos legais representantes da A. e que a um dado momento lhe foi pedido para sair da escola de surfe que o R. recusou.
Face a tal recusa o legal representante da A. mandou bloquear o acesso do R. e seus funcionários ao espaço da escola, o que foi feito, e deu-lhe ordem para entregar os materiais/bens do R. que estavam no referido espaço. Para tal fim abriu uma janela e este entrou pela janela e recusou-se a sair, sendo que a testemunha se retirou, não entrando em conflito com o R..
Foi mudada a fechadura do posto de socorros, desconhecendo quem o fez e não foi dada chave à A. Para além disso foi instalado alarme na escola de surf, alarme que foi danificado quando a A. bloqueou o acesso do R. à escola de surf.
Referiu também que os factos por si relatados ocorreram junto à escola de surf e que a entrada dos clientes do restaurante fica do outro lado, a cerca de 30/40 metros da porta da escola de surf.
A testemunha LC... (apresentada pelo R.), referiu que trabalha para o R. há dois anos, sendo que no Verão de 2016 a A. pretendia que o R. entregasse a escola de surf, sendo que em 20 ou 21 de Julho de 2016 o gerente da A. apareceu na escola com outras pessoas e uma carta a ordenar a saída do R. e seus funcionários até ao final do dia. Face à recusa do R. houve discussão, foi chamada a polícia e após continuaram a trabalhar normalmente.
Em finais de Julho ou início de Agosto, quando de manhã foi abrir a escola de surf, verificou que a chave não entrava e depois verificaram que a porta fora soldada. Chamou o seu patrão e, por ordem deste, a polícia. Verificaram que, por ordem da A., alguém tinha acedido à escola de surf, através de uma parede de pladour que separava o restaurante do espaço da escola de surf. A polícia ouviu as duas partes e pediu ao gerente da A. para dar acesso ao local para retirarem o material para puderem dar as aulas de surf que estavam agendadas, sendo que foi aberta uma janela, por onde o R. e os seus funcionários acederam ao local, tendo então verificado que a mando da A. a porta fora soldada, que o sistema de alarme fora danificado e que pelo menos cinco pranchas estavam partidas.
A escola de surf está licenciada e autorizada a trabalhar em …, … e …, sendo que não puderam dar as aulas marcadas e tiveram de devolver o valor pago pelas mesmas a oito pessoas. Disse também que os episódios ocorreram junto da escola de surf e não na porta do restaurante, sendo que foram os clientes da escola (e não do restaurante) que presenciaram os factos e que os mesmos causaram perturbação nos clientes da escola de surf, nomeadamente nos pais das crianças/alunos.
Referiu que usam os balneários do posto de socorros e que sempre o fizeram, com autorização da A., sendo que a A. tem chaves dos mesmos, porém não usam o posto de socorros propriamente dito. Na época balnear o nadador salvador tem a chave dos balneários e do posto de socorros.
Disse também que o R. contratou pessoas para repararem os danos causados pela A. na escola de surf e pagou tais reparações e tiveram de comprar pranchas novas para substituírem as danificadas.
A testemunha LM... (apresentado pelo R.) é Advogado e referiu que à data do contrato verbal de arrendamento celebrado com o R. era um dos gerentes da A., que o contrato foi celebrado no escritório do restaurante e que estavam presentes a testemunha, o Sr. AP... (que à data era e ainda é gerente da A.) e o R.. Foi então acordado que o R. passava e explorar a escola de surf mediante o pagamento de uma renda mensal de €600,00, que incluía o fornecimento de água e luz por parte da A., sendo que o R. pagou um ano de rendas adiantadas. O arrendamento efectuado ao R. incluía as instalações ao lado do escritório e balneários, sendo que estes, na época balnear, eram também usados pelos nadadores salvadores.
Quando foi celebrado o contrato com o R. a escola de surf estava vazia e foi este quem instalou a escola de surf e fez pequenas reparações nos balneários.
A duração do contrato seria pelo menos até Outubro de 2019, por ser essa a data em que terminava o contrato de concessão de que a A. era titular.
Disse também que o legal representante da A., Sr. AP..., tudo autorizou e tudo compreendeu, uma vez que apesar de ser idoso tem uma grande capacidade de discernimento, muita experiência de vida e nada é feito na gestão da A. sem o seu consentimento.
O contrato não foi reduzido a escrito uma vez que o R. referiu que ia constituir uma empresa e o contrato escrito seria posteriormente efectuado em nome dessa empresa, sendo que tal nunca veio a acontecer. Disse também que enquanto se manteve como gerente da A. não existiram quaisquer problemas entre A. e R..
No que se refere às declarações de parte do legal representante da A. e do R. apenas releva a matéria de que resultou confissão, uma vez que as mesmas, como meio de prova, não podem olvidar que são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na acção — Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26.06.2014, in www.colectaneadejurisprudencia.com. E neste caso não pode deixar de relevar o facto de o legal representante da A. ter confirmado que na sequência do conflito existente entre as partes relativa à solicitada entrega da escola de surf pelo R. e da recusa deste em entregar o espaço, mandou selar a porta do espaço e retirar o alarme que o R. tinha mandado instalar a fim de impedir o acesso do R. ao espaço. (Fim de citação).
Ora, reapreciados os meios de prova produzidos, designadamente as declarações prestadas pelo Réu PA..., a cuja audição integral se procedeu e que neste ponto estão suportadas em prova documental não impugnada, como os documentos juntos a fls. 96 (certidão de matrícula da sociedade T..., 123 a 125 (queixa-crime), 128 (Factura 1/1 emitida pela Autora, no valor de 5400,00€/IVA incluído [claramente coincidente com o valor global das rendas pagas pelo Réu referentes aos meses de Outubro a Dezembro de 2015 e Janeiro a Junho de 2016 (9 mesesx€600,00] e 156-157 [Doc. 7 da PI — carta do Réu à Autora de 07/07/2016], e bem assim as declarações prestadas pelo ex-Gerente da Autora, LM..., que ouvimos integralmente, nas quais asseverou que ficou acordado entre as partes que o contrato seria formalizado em nome de sociedade a constituir pelo Réu, tudo aponta, efectivamente, para a conclusão de que ficou acordado entre a Autora e o Réu, que a redução a escrito do contrato celebrado verbalmente entre as partes teria lugar após a constituição, pelo Réu, de uma sociedade comercial, em nome da qual ficaria o contrato, ou seja, que assumiria a posição do Réu na relação contratual.
Dos indicados meios de prova pode, ainda, concluir-se, que o Réu constituiu, em 29/06/2015, a sociedade denominada T... mas já não se pode concluir, ao contrário do que sustenta o Recorrente, pela prova da verificação da factualidade considerada não provada sob os pontos 5 e 6 [5 na sentença]. Em boa verdade, nem sequer vislumbramos qualquer indício probatório, que permita inferir a verificação da alegação feita pelo Réu e Recorrente de que, desde que constituiu a sociedade T... sempre pediu à Recorrida a redução do contrato a escrito e que o então gerente único, AP..., se tenha esquivado sempre a fazê-lo. Nenhuma testemunha — e ouvimos todos os depoimentos — o afirmou e o depoimento do Réu sobre tal factualidade, que lhe é favorável, não pode ser valorado positivamente nessa matéria, por desacompanhado de qualquer outro meio de prova idóneo a corroborar tal factualidade. Com efeito, nenhum documento, de entre os carreados para os autos, permite concluir nesse sentido, muito menos a carta do Réu, datada de 07/07/2016 [Doc. 7 da PI a fls. 156-157], de resposta à carta de denúncia do contrato que que lhe foi endereçada na mesma data pela Autora [Doc. 6 da PI, a fls. 155]. O conteúdo dessa carta, da autoria do Réu, conjugado toda a prova produzida, o que revela, isso sim, é que este sempre se sentiu confortável na informalidade da relação contratual e que pactuou com esta situação, vá-se lá saber porquê, tanto assim é que, tendo constituído a sociedade em 29/06/2015, apenas decorridos que foram treze meses se apresenta a insinuar, na missiva em causa, que já tinha pedido os recibos a AP..., legal representante da Autora e que este nada fez, ou que (...) agora percebo porque queria sempre receber em dinheiro!(...) ou ainda que (...) agora percebo porque nunca assinámos o contrato de arrendamento escrito! (...).
Tais insinuações surgem num contexto de litígio com a Autora, já depois de o Réu ter sido confrontado com a denúncia do contrato e a interpelação para desocupação do espaço, interpelação esta que, por sua vez, foi motivada pela iniciativa da nova gerência da cedente MF... de resolver o contrato de cessão de exploração celebrado entre esta sociedade e a Autora, com fundamento precisamente na cedência parcial, ao Réu, não consentida ou autorizada, do espaço comercial objecto daquele contrato. Na sequência, a cessionária veio a propor acção judicial contra a cessionária, aqui Autora, que correr termos na Comarca de C… sob o n.° 1…/16.7T8LSB [cf. Doc. 4 da PI, a fls. 38 a 54].
Ora, neste contexto, as insinuações feitas pelo Réu na carta de 07/07/2016 valem o que valem, ou seja, não podem ser atendidas em termos de corroborar o que apenas pelo próprio Réu foi afirmado em audiência.
Aliás, o conteúdo desta carta do Réu, de resposta à carta de comunicação de denúncia do contrato, analisado conjugadamente com a prova produzida, segundo a lógica e as regas de experiência comum, suscita-nos as seguintes interrogações:
(i) como aceitar, face ao que resultou provado, que na carta em causa o Réu jamais tenha feito referência à redução a escrito do contrato, em nome da empresa por si constituída havia treze meses e sempre se tenha referido à sua própria pessoa: a minha Escola de Surf', O Senhor cedeu-me a utilização de parte das instalações, agora percebo porque nunca assinamos o contrato de arrendamento escrito, etc., etc..?;
(ii) como aceitar, face à prova produzida, que o Réu desconhecesse, naquela data de 07/07/2016, que a Autora era mera cessionária do Restaurante e do espaço cedido e que a cedente era a concessionária da Praia de C… MF...? Não condiz a bota com a perdigota na medida em que da prova produzida resultou claramente que o Réu mantinha excelentes relações e convívio próximo quer com os legais representantes da Autora, AP... e LM... e ainda com o anterior sócio-gerente da concessionária, cedente da exploração do Restaurante, JM.... Ademais, o Réu, maior de 50 anos, como afirma nos autos, conhece e movimenta-se muito bem na Praia … e praias limítrofes onde sempre praticou Surf e, nessa data, explorava a Escola de Surf em causa há mais de 3 anos.
(iii) como aceitar que a indignação do Réu pela falta de emissão de recibos [em seu nome e não da sociedade (?)] se tenha manifestado apenas em 07/07/2016 e que o grau de indignação fosse tal que, por iniciativa própria ou a conselho do seu Advogado, tivesse denunciado tal situação ao Ministério Público [cfr, fls. 123 a 126]? Talvez o tenha feito por estratégia de antecipação e de vitimização, com o intuito de se desmarcar de uma situação de evasão fiscal com a qual pactuou durante mais de três anos, uma vez que, até pela sua lógica argumentativa, tese que vingou nos autos face à prova produzida, se conclui que foi o próprio Réu quem deu causa à não redução a escrito do contrato de arrendamento celebrado nos autos ao fazer depender a sua formalização da futura e incerta constituição de uma sociedade. Certo é que a sociedade foi constituída um ano depois - em 29/06/2015 - e ainda assim nada fez, até 07/07/2016, para que o contrato fosse reduzido a escrito e formalizado em seu nome ou da sociedade constituída. Como quer que seja, as motivações dessa conduta informal e omissiva do Réu poderão encontrar melhor e cabal esclarecimento no âmbito do inquérito pendente no Ministério Público ou, quiçá, no âmbito de uma acção inspectiva da Autoridade Tributária à contabilidade da Escola de Surf do Réu.
iv) como aceitar que o Réu, antes de 07/07/2016, e mais concretamente antes da testemunha LM... ter renunciado à gerência da sociedade Autora, o que sucedeu em 30/06/2015 [cfr. certidão de fls. 24 a 28] nunca tenha solicitado a emissão de recibos de renda, como seria curial acontecer, àquele Gerente, seu amigo pessoal, com quem negociou e ajustou os termos do contrato celebrado verbalmente? A resposta que se nos impõe dar é que não o fez porque não quis, porque deu causa, quis e alimentou essa informalidade na relação contratual com a Autora até 07/07/2016, data em que foi confrontado com a carta de comunicação da denúncia do contrato. E foi só a partir deste acontecimento, desta vicissitude ocorrida na relação contratual, que passou a exigir a redução a escrito do contrato e a emissão de recibos de renda, o que explica que a Factura n.°1/1 [e não recibo como seria de esperar] emitida pela Autora o tenha sido posteriormente, com data de 31/12/2016 [cfr. fls. 129].
Em suma, é patente a falta de razão do Réu e Recorrente, também quanto a este segmento da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com a excepção da referência que no ponto 8 dos Factos Provados se faz à concessionária MF... que, concordamos, se mostra, aqui, irrelevante e inócua para a boa decisão da causa.
Assim, a impugnação da matéria de facto procede parcialmente relativamente à segunda parte do ponto 8 dos Factos Provados, do qual se expurgará a referência à concessionária, e improcede totalmente quanto aos pontos 5 e 6 dos Factos Não Provados.
Por outro lado, face à prova produzida e com respeito pela verdade histórica, entendemos que a redacção dada à primeira parte do ponto 8 dos Factos Provados deve ser alterada, na medida em que, como se disse, resulta dos autos que o bom relacionamento entre as partes cessou quando a Autora, em 7 Julho de 2016, interpelou o Réu para desocupar as instalações que lhe foram cedidas para a exploração por este de uma Escola de Surf.
E entendemos, igualmente, que, pela sua relevância para a boa decisão da causa, deve ser aditada aos Factos Provados a factualidade confessada pelo Réu no artigo 10° da Contestação - que foi por este reafirmada em audiência de julgamento e corroborada pela testemunha LM....
Assim, ao abrigo do disposto no n.° 1 do art.° 662.° do CPC, decide-se alterar a decisão sobre a matéria de facto, nos seguintes termos:
a) Alterar a redacção do ponto 8 dos Factos Provados que passa a ser a seguinte:
«8 - A cedência do espaço e a relação de parceria entre a Autora e o Réu decorreu sem quaisquer incidentes até Julho de 2016, não tendo o Réu, até esse momento, solicitado ou sugerido sequer à Autora a formalização da relação contratual estabelecida, conformando-se ambas as partes com a situação instituída e a forma convencionada».
b) Aditar aos Factos Provados o ponto 24 com a seguinte redacção:
«24 — O contrato celebrado entre a Autora e o Réu foi celebrado de modo oral em virtude de este ter informado aquela que iria constituir uma sociedade, a qual passaria a ser nessa data a arrendatária do espaço em apreço.
B) — Quanto aos factos provados sob os pontos 10, 11 e 12:
Segundo o Recorrente, a factualidade dado como provada sob os pontos 10, 11 e 12 foi incorrectamente julgada, pois a prova produzida em audiência de discussão e julgamento impunha decisão diversa, concretamente não os considerando provados ou, mesmo, nem sequer os fazendo constar da douta sentença, pois os mesmos não
constituem factos essenciais ou necessários à boa decisão do mérito da causa, requerendo, assim, a alteração da douta sentença neste sentido.
É seguinte a factualidade constante dos pontos 10, 11 e 12 dos factos provados:
«10 - Em Fevereiro de 2016 os primitivos sócios da cedente MF..., transmitiram a totalidade das quotas da sociedade a novos sócios.
11 - Tal transmissão de quotas foi judicialmente impugnada pela ora A., por ter alegadamente violado os seus direitos de preferência, estando pendente nesta comarca o respectivo processo judicial que corre termos sob o n.° 1…/16.6T8CSC — JL Cível — J2 e está em fase de recurso.
12 - Na sequência da instauração da acção referida em 11. a sociedade MF... pediu a resolução do Contrato de Cessão de Exploração celebrado com a A., através da instauração quer de uma providência cautelar quer de acção declarativa principal, tendo a primeira sido julgada improcedente, que corre termos nesta comarca JL Cível —J3), sob o n.° 1…/16.7T8LSB, que se mostra suspensa e em recurso.)
Como se referiu supra, incumbe às partes alegar, nos seus articulados, os factos essenciais que constituem a causa de pedir da acção ou da excepção invocada, sem os quais a acção ou excepção improcederá, e incumbe ao julgador, para além destes (factos essenciais) considerar os demais factos que, ainda que não alegados, sejam factos instrumentais, concretizadores ou complementares (estes últimos igualmente factos essenciais), desde que, em relação a estes últimos seja dada às partes a possibilidade de, sobre eles se pronunciarem.
No caso, a Autora fundou o pedido de reconhecimento da cessação do acordo de cedência de espaço ao Réu, por efeito de denúncia efectuada extrajudicialmente, por carta de 07/07/2016 (Doc. 6 da PI, a fls. 155)
Como fundamento da denúncia do contrato celebrado com o Réu invoca precisamente que os actuais sócios da concessionária MF…, ao contrário dos anteriores não consentem e contestam a presença do Réu nas instalações e que por força das obrigações contratualmente assumidas perante o concessionário era obrigada a ter que convidar o Réu a abandonar as mencionadas instalações.
E nos artigos 12.°, 13.° e 14.° da PI, com maior detalhe, a Autora alega a factualidade que resultou provada sob os pontos 10, 11 e 12 precisamente para justificar o motivo da denúncia do contrato celebrado com o Réu, sendo que no artigo 15.° da PI alega que foi esse facto que motivou a comunicação de resolução.
A prova da transmissão de quotas e da pendência do processo judicial ali referidos foi alcançada pela junção aos autos de cópia da certidão de matrícula da concessionária e de cópia da petição inicial do proc.° n.° 1…/16.6T8CSC [Doc. 3, de fls. 30 a 37 e Doc. 4, de fls. 34 a 54], documentos que não foram impugnados.
Tais factos, como está bom de ver e dando aqui por reproduzido o que a esse propósito já se referiu supra, são factos essenciais, complementares ou concretizadores, na medida em que especificam e densificam os elementos da previsão normativa em que se funda a pretensão da Autora - a causa de pedir -, e, nessa qualidade, são decisivos para a viabilidade ou procedência da acção.
Improcede, portanto, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, quanto os pontos 10, 11 e 12 dos factos provados.
3.2.3. 2.ª Questão: A sentença recorrida ostenta erro de julgamento que imponha a sua revogação e consequente substituição por outra que julgue a acção totalmente improcedente?
Sustenta o Réu, aqui Recorrente, no essencial, que o Tribunal a quo decidiu mal, com errada aplicação do direito, ao considerar o contrato de arrendamento não habitacional celebrado entre as partes nulo por falta de forma, por entender que o art.° 220.° do Cód. Civil apenas é aplicável aos casos de inobservância de forma quando esta foi estabelecida como requisito ad substanciam da própria declaração negociai e ainda porque sempre será de reconhecer que foi a própria Autora, aqui Recorrida, quem deu causa à sentenciada nulidade do contrato ao recusar a sua formalização e ao recusar emitir recibos de renda, nos termos da lei, pelo que não pode agora prevalecer-se dessa invalidade a que deu causa, incorrendo como tal em abuso de direito, na vertente de venire contra factum proprium.
Conclui, assim, que o contrato de arrendamento celebrado oralmente com a Recorrida deve ser considerado plenamente válido e eficaz entre as partes ora em litígio, tal como defendeu na contestação, sem que a esse respeito a sentença nada tenha mencionado ou decidido.
Nas suas contra-alegações a Autora e Recorrida pugnou pela improcedência do recurso, sem sequer se pronunciar sobre a excepção de abuso de direito, na vertente de venire contra factum proprium invocada pelo Réu, ora Recorrente, na contestação [cf. artigos 74.° a 87.°] e reiterada agora nas alegações e conclusões da apelação.
As partes conformaram-se relativamente à qualificação jurídica do contrato entre ambas celebrado como contrato de arrendamento não habitacional.
Assim, o litígio que subiste versa tão só sobre a questão da nulidade formal do referido contrato de arrendamento para fins não habitacionais.
É incontroverso que a questão da validade formal de um negócio jurídico tem de aferir-se perante o quadro normativo vigente à data da celebração do acto — sendo irrelevantes para tal efeito as modificações operadas supervenientemente por lei nova.
Ora, em Outubro de 2014 vigorava o regime introduzido pelo Dec.-Lei n.° 64-A/2000, de 22 de Abril, que introduziu relevantes modificações no tocante a esta matéria; passou, desde essa altura, a ser bastante a redução a escrito do contrato [art.°s 7.°, n.° 1, do RAU e 1069.° do Cód. Civil].
No quadro actual, aplicável ao caso vertente, o art.° 1069.° do Código Civil, na redacção dada pela Lei n.° 31/2012, de 14 de Agosto, determina que deve ser celebrado por escrito o contrato de arrendamento urbano — e portanto o contrato de arrendamento comercial — nas situações em que a respectiva duração é superior a 6 meses.
Resulta da referida norma que se o prazo for igual ou inferior a seis meses vale o princípio da liberdade de forma, consagrado no artigo 219.° do Cód. Civil.
Decorre dos pontos 5, 6 e 7 dos Factos Provados que entre as partes foi convencionado um prazo de duração do contrato superior a 6 meses, o que nos remete para a obrigatoriedade de o mesmo ter sido reduzido a escrito e para a conclusão, face aos factos provados, de que tal formalidade não foi observada.
A inobservância da forma legalmente prescrita acarreta a nulidade do contrato [art.° 220.° do Cód. Civil].
Porém, a partir de 2000 — ao equiparar-se o arrendamento comercial ao regime do arrendamento para habitação [que já contemplava esta solução desde 1990] — tal invalidade podia ser suprida com a exibição do recibo de renda.
Daí que, como sustenta CARLOS MATEUS [Nulidade do Contrato de arrendamento não habitacional (a art.° 7. ° do RAU), SI, 2002, pp, 539 e 540] resultando claramente da lei que o recibo é exigido apenas para prova da declaração (contrato), pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial,
contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatória (art.° 364.°, n.° 2 CC), nomeadamente o arrendatário poderá exibir: o depósito liberatório na Caixa Geral de Depósitos..., o levantamento por parte do senhorio dos cheques, sempre do mesmo valor, que o inquilino lhe faz chegar mensalmente; o próprio contrato-promessa de arrendamento; a declaração de rendas do senhorio apresentada na Repartição de Finanças; qualquer depósito de renda, etc..
No caso dos autos, a Autora, ao conformar-se com a sentença recorrida, acabou por aceitar a solução jurídica dada ao caso pela 1.ª instância, ou seja, que o acordo verbal celebrado com o Réu consubstancia um contrato de arrendamento não habitacional, ferido de nulidade, por inobservância da forma legal.
Ora, relativamente à qualificação jurídica do contrato celebrado entre as partes e à invalidade apontada ao mesmo, nenhuma censura nos merece o decidido pela 1.a Instância.
A decisão em crise apenas peca por não ter apreciado a questão do abuso de direito suscitada na contestação pelo Réu e agora retomada nas suas alegações de recurso, questão que, noutra perspectiva e salvo melhor opinião, se impunha conhecer oficiosamente, em face da factualidade apurada nos autos.
Assim é porque consideramos que a solução do litígio terá de passar, em termos decisivos, pela verificação da alegada existência de abuso de direito da senhoria [Autora], ao prevalecer-se de tal nulidade formal do negócio, de modo a determinar se tal invocação do vício de nulidade afronta, em termos intoleráveis, o princípio da confiança - o que, em caso de resposta afirmativa, conduziria, não à convalidação ou sanação do referido vício formal, mas antes — e apenas — a paralisar a respectiva invocabilidade perante o arrendatário [Réu e Recorrente].
Sobre esta temática, e com pertinência para o caso, cita-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17-03-2016, revista n.° 2234/11.3TBFAF.G1.S1 [Conselheiro Lopes do Rego], consultável no sítio www.dgsi.pt., que tratou a questão sub judice com profundidade e com bastas referências à jurisprudência e doutrina mais expressivas.
Ponderou-se no referido aresto do STJ que:
«A jurisprudência tem admitido, em situações excepcionais e bem delimitadas, que possa decretar-se a inalegabilidade pela parte de um vício formal do acto jurídico, decorrente da preterição das normas imperativas que, à data da respectiva celebração, com base em razões de interesse público, regiam a forma do acto —acentuando, porém, que esta solução (conduzindo ao reconhecimento do vício da nulidade, mas à paralisação da sua normal e típica eficácia) carece de ser aplicada com particulares cautelas, não podendo generalizar-se ou banalizar-se, de modo a desconsiderar de modo sistemático o conteúdo da norma imperativa que regula a forma legalmente exigida para o acto.
Como se afirma, por exemplo, no Ac. de 28/2/12, proferido pelo STJ no P. 349/06.8TBOAZ.P1.S1:
Tem-se entendido, apesar disso, que os efeitos da invalidade por vício de forma podem ser excluídos pelo abuso de direito, mas sempre em casos excepcionais ou de limite, a ponderar casuisticamente.
Como se fez notar no ac. deste Supremo de 06-8-2010 (Proc. 3161/04.6TMSNT.L1.S1), não pode generalizar-se e banalizar-se o recurso à figura do abuso de direito como forma de — sindicando os motivos pessoais e subjectivos que estão na base da invocação da nulidade pelo interessado cujo interesse é por ela prosseguido - acabar por se precludir a aplicação sistemática do regime legal imperativo que comina determinada invalidade por motivos de deficiências de forma do acto jurídico — dependendo a subsistência do invocado abuso de direito da alegação e
prova de ter ocorrido um particular e fundado «investimento de confiança» na estabilidade e definitividade do contrato.
Trata-se, pois, de reconhecer a admissibilidade da invocação desde que, no caso concreto, as circunstâncias apontem para uma clamorosa ofensa do princípio da boa fé e do sentimento geralmente perfilhado pela comunidade, situação em que o abuso de direito servirá de válvula de escape no nosso ordenamento jurídico, tornando válido o acto formalmente nulo, como sanção do acto abusivo.
Sempre tendo na devida conta que, nestes casos de nulidade formal dos negócios, não é qualquer actuação que justifica o impedimento do exercício do direito de requerer a nulidade, antes e porque as regras imperativas de forma visam, por norma, fins de certeza e segurança do comércio em geral, só excepcionalmente é que se pode submeter a invocação da nulidade à invocação do venire contra factum proprium ac. STJ, de 30/10/2003 (proc. 03B3125).
Reportando-se aos casos excepcionais em que se justificasse a cedência da nulidade perante a proibição do venire, o Prof BAPTISTA MACHADO (in RLJ, 118°-10/11), propõe o concurso dos seguintes pressupostos: a) ter a parte confiado em que adquiriu pelo negócio uma posição jurídica; b) ter essa parte, com base em tal crença, orientado a sua vida por forma a tomar posições que ora são irreversíveis, pelo que a nulidade provocaria danos vultuosos, agora irremovíveis através de outros meios jurídicos; e, c) poder a situação criada ser imputada à contraparte, por esta ter culposamente contribuído para a inobservância da forma exigida, ou então ter o contrato sido executado e ter-se a situação prolongado por largo período de tempo, sem que hajam surgido quaisquer dificuldades.
Em consonância com esta orientação geral, tem-se admitido a paralisação da invocabilidade da nulidade por vício de forma:
- quando é claramente imputável à parte que quer prevalecer-se da nulidade a culpa pelo desrespeito das regras legais que impunham a celebração do negócio por determinada forma qualificada, obstando a que possa vir invocar-se um vício que a própria parte causou com o seu comportamento no momento da celebração do negócio, agindo de modo preterintencional ou, pelo menos, com culpa grave ( cfr ., por ex., o Ac.de 28/11/02, proferido pelo STJ no P. 02B3559 onde se decidiu que actua com abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, o locador que, convencendo o arrendatário de que mais tarde fariam a escritura correspondente, celebra contrato de arrendamento para comércio em simples documento particular e, depois de adiar a celebração dessa escritura, vem interpor acção em que pede a declaração da nulidade do contrato, invocando, precisamente, a falta de escritura notarial);
- quando a conduta das partes, sedimentada ao longo de período temporal alargado, se traduziu num escrupuloso cumprimento do contrato, sem quaisquer pontos ou focos de litigiosidade relevante, assumindo estas inteiramente os direitos e obrigações dele emergentes — e criando, com tal estabilidade e permanência da relação contratual, assumida prolongadamente ao longo do tempo, a fundada e legítima confiança na contraparte em que se não invocaria o vício formal, verificado aquando da celebração do acto.
Neste sentido — e em concretização deste critério geral - veja-se, por ex., a situação dirimida no Ac.de30/10/03, proferido pelo STJ no P. 03B3125, em que se abordou aprofundadamente esta tema, considerando:
Estabelece o arr 334° que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Daí se infere, no entanto (sobretudo da expressão manifestamente) que o exercício de um direito só poderá taxar-se de abusivo quando exceda manifesta, clamorosa e intoleravelmente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costume e pelo fim social ou económico do direito, ou, o mesmo é dizer, quando esse direito seja exercido em termos clamorosamente ofensivos da justiça ou do sentimento jurídico socialmente dominante.
Prevê aquele art. 334°, sobremaneira, a boa-fé objectiva: não versa sobre factores atinentes, directamente, ao sujeito, mas antes elementos que, enquadrando o seu comportamento, se lhe contrapõem. Nessa qualidade, concorre com outros elementos normativos, na previsão legal dos actos abusivos: o sujeito exerce um direito - move-se dentro de uma permissão normativa de aproveitamento específico - o que, já por si, implica a incidência de realidades normativas e deve, além disso, observar limites impostos pelos três factores acima isolados, dos quais um a boa fé (os demais serão os bons costumes e o fim social e económico do direito). O sentido desta implica a determinação do conjunto .
E assenta, essencialmente, no princípio (cláusula geral) de que as pessoas devem ter um certo comportamento honesto, correcto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros.
Princípio esse - vulgarmente denominado de princípio da confiança - que reside no pressuposto ético-jurídico fundamental de que a ordem jurídica não pode deixar de tutelar a confiança legítima baseada na conduta de outrem. Assim tem de ser, pois poder confiar é uma condição básica de toda a convivência pacífica e da cooperação entre os homens. Mais ainda: esse poder confiar é logo condição básica da própria possibilidade da comunicação dirigida ao entendimento, ao consenso e à cooperação (logo, da paz jurídica).
Tal acontece, designadamente, com aquelas condutas que denunciam a posição do agente perante certo assunto e que, com base na coerência esperada de quem se auto-apresenta com certa identidade pessoal, igualmente geram expectativas nos outros.
É aqui que entronca a proibição do venire contra factum proprium, isto é, do exercício do direito por alguém em contradição com uma sua conduta anterior em que fundadamente a outra parte tenha confiado .
A proibição da chamada conduta contraditória exige a conjugação de vários pressupostos reclamados pela tutela da confiança. Esta variante do abuso do direito equivale a dar o dito por não dito, radica numa conduta contraditória da mesma pessoa, pois pressupõe duas atitudes espaçadas no tempo, sendo a primeira (factum proprium) contraditada pela segunda atitude, o que constitui, atenta a reprobabilidade decorrente da violação dos deveres de lealdade e de correcção, uma manifesta violação dos limites impostos pela boa-fé. A proibição de comportamentos contraditórios é de aceitar quando o venire contra factum proprium atinja proporções juridicamente intoleráveis, traduzido em chocante contradição com o comportamento anteriormente adoptado pelo titular do direito.
Haverá, por isso, para a concretização do abuso e determinação dos limites da boa fé, que atender de modo especial às condenações ético-jurídicas dominantes na colectividade. Para que haja abuso é necessária a existência de uma contradição entre o modo ou o fim com que o titular exerce o direito e o interesse ou interesses a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito .
Constata-se, por exemplo, uma situação de venire contra factum proprium quando uma pessoa, em termos que, especificamente, a não vinculem, manifeste a intenção de não ir praticar determinado acto e depois o pratique, ou quando uma pessoa, de modo a não ficar especificamente adstrita, declare avançar com certa actuação e depois se negue. O venire contra factum proprium é, assim, o assumir de comportamentos contraditórios que violam a regra da boa fé e é dotado de carga ética, psicológica e sociológica negativa.
A verdade, porém, é que, assentando o abuso do direito num conjunto de elementos, sobretudo de natureza normativa, importa atentar especificamente no caso sub judice, porquanto nos encontramos face a uma situação em que é a própria ordem jurídica que determina a nulidade invocada de forma alegadamente abusiva.
Ora, a possibilidade de invocação do abuso de direito por inobservância da forma legalmente prescrita não tem tido uniforme entendimento nem na doutrina nem na jurisprudência.
De um lado, o Professor Manuel de Andrade, embora não categoricamente, admite a invocação do abuso de direito quando a invocação da nulidade por vício de forma seja feita em circunstâncias tais que a tornem verdadeiramente escandalosa, como sucede nos casos em que a nulidade seja arguida por quem a provocou ou por quem induziu dolosamente a contraparte a não insistir pela formalização do negócio, criando-lhe a expectativa de que a nulidade jamais seria arguida .
Já o Professor Vaz Serra defende a inadmissibilidade dessa invocação por as disposições legais respeitantes à forma se destinarem a um fim de segurança ou de certeza jurídicas inconciliáveis com a eficácia da declaração não formalizada .
Sustenta, por sua vez, Menezes Cordeiro, que quando uma situação de invalidade seja considerada como de origem censurável por, na sua génese, ter havido uma actuação contrária a regras jurídicas, incluindo a própria boa fé, altura em que ocorre a culpa in contrahendo, podem, com facilidade, constituir-se os pressupostos da responsabilidade civil: o dano - e não a sua imputação - tomaria corpo aquando da alegação da nulidade, ou do seu próprio reconhecimento, por oficio, pelo tribunal: tem, então, cabimento, o arbitrar de uma indemnização em espécie - arts. 562° e 566°, n° 1 a contrario - que, procurando reconstituir a situação a que se teria chegado se não tivesse havido prevaricação, corresponda, materialmente, ao cumprimento do contrato nulo, mediante a contraprestação acordada, devida agora a título de compensação necessária para evitar enriquecimentos indevidos.
Não deixa, no entanto, o mesmo autor, de acrescentar que não podem, à face do Direito português, manter-se, por via directa da boa-fé, os efeitos falhadamente procurados pelo acto nulo
Este Supremo Tribunal de Justiça, inicialmente mais formalista e recusando a invocação do abuso de direito nos casos de nulidade decorrente de inobservância da forma legal, veio depois, maioritariamente (posição a que aderimos) a reconhecer a admissibilidade dessa invocação desde que, no caso concreto, as circunstâncias apontem para uma clamorosa ofensa do princípio da boa fé e do sentimento geralmente perfilhado pela comunidade, situação em que o abuso de direito servirá de válvula de escape no nosso ordenamento jurídico, tornando válido o acto formalmente nulo, como sanção do acto abusivo. Sempre tendo na devida conta que, nestes casos de nulidade formal dos negócios, não é qualquer actuação que justifica o impedimento do exercício do direito de requerer a nulidade, antes e porque as regras imperativas de forma visam, por norma, fins de certeza e segurança do comércio em geral, só excepcionalmente é que se pode submeter a invocação da nulidade à invocação do venire contra factum proprium.
E ainda, sem qualquer reserva, que o acontecimento futuro gerado pelo factum proprium seja, em termos de nexo, consequência adequada daquele.
Mais recentemente, podem citar-se os casos abordado no Ac. de 8/10/15, proferido por este Supremo no P. 370/13.0TBEPS-A.G1.S1 e no Ac. de 11/12/14, proferido no P. 1370/10.8TBPFR.P1.S1, em que se decidiu, respectivamente, que:
Os efeitos da invalidade do negócio jurídico por vício de forma podem ser excluídos pelo abuso de direito, em casos excepcionais, a ponderar casuisticamente, em que as circunstâncias apontem para uma clamorosa ofensa do princípio da boa fé e do sentimento geralmente perfilhado pela comunidade, situação em que o abuso de direito servirá de válvula de escape, tornando válido o acto formalmente nulo, como sanção do acto abusivo [...J. (Fim de citação)
Revertendo aos autos, consideramos ser manifesto que se não verificam as circunstâncias que têm conduzido, em situações perfeitamente delimitadas e materialmente justificadas, a paralisar a invocação de um vício formal do negócio por uma das partes — que pretende prevalecer-se da respectiva nulidade formal, no confronto da outra, que tem interesse na subsistência da relação contratual.
A inverificação de tais circunstâncias específicas e peculiares resulta, desde logo, da matéria de facto provada [pontos 2 a 8 e 24 aditado por este acórdão] e não provada [pontos 5 e 6], já que da mesma se pode concluir, como já se referiu em sede apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, que é claramente imputável ao Réu, ora Recorrente, a culpa pelo desrespeito das regras legais que impunham a celebração do negócio por escrito, obstando essa sua conduta a que venha agora invocar uma situação de abuso de direito por parte da Autora e Recorrida, que manifestamente não se verifica. A configurar-se uma situação de abuso de direito seria da parte do Réu ao pretender paralisar os efeitos da nulidade para cuja verificação ele próprio concorreu fortemente ao fazer depender a formalização do contrato da constituição de uma sociedade e em nada fazer após a constituição dessa sociedade para que o contrato fosse reduzido a escrito, sendo que era ele que tinha de comunicar o facto à Autora e solicitar a formalização do contrato, nos termos acordados.
Em suma, o Réu e Recorrente, parte interessada em paralisar a invocabilidade e efeitos da nulidade formal não logrou provar, por um lado, que a falta de cumprimento das exigências de forma, no momento da celebração do contrato, se pudesse imputar ao senhorio [Autora e Recorrida]; e, por outro lado, que a mera subsistência da relação contratual ao longo do tempo não foi susceptível de criar na contraparte a convicção fundada de que aquele interessado se não viria a prevalecer da nulidade - ou seja: a inverificação dos pressupostos de facto que dependeria, afinal, o funcionamento do instituto do abuso de direito, na vertente da protecção da confiança, assentou decisivamente numa situação de insucesso probatório da própria parte interessada — o próprio Réu e Recorrente - em invocar a dita figura do abuso de direito por parte da senhoria [Autora e Recorrida].
Improcede, portanto, a apelação
IV - Decisão:
Por tudo o exposto, acordam os Juízes desta Relação: (i) em julgar improcedente a apelação, mantendo a sentença recorrida; (ii) em não conhecer do pedido formulado pela Recorrida, de condenação do Recorrente como litigante de má-fé.
Custas pelo Recorrente — artigo 527° do Cód. Proc. Civil.
Notifique.
Lisboa, 24 de Janeiro de 2019
Manuel Rodrigues
Ana Paula A. A. Carvalho
Gabriela de Fátima Marques