Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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 - ACRL de 28-03-2019   Insolvência culposa. Livre apreciação dos preceitos legais.
Como decorre do disposto no art.° 5.° n.° 3 do Código de processo Civil (aplicável ao processo de insolvência, ao abrigo do disposto no art° 17 do CIRE), O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
Assim, perante os factos provados, o juiz é livre na aplicação dos preceitos legais que considerar aplicáveis, sem estar vinculado aos preceitos legais invocados pelas partes. Por conseguinte, nada impedia o Tribunal a quo de subsumir os factos provados a uma alínea do preceito legal aplicável, diferente das indicadas pelo Ministério Público, na qualificação da insolvência como culposa.
Proc. 189/10.0TYLSB-C.L1 6ª Secção
Desembargadores:  Maria de Deus Correia - Maria Teresa Mendes Pardal - -
Sumário elaborado por Margarida Fernandes
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Processo n.° 189/10.0TYLSB-C
Acordam na 6.ª secção do Tribunal da relação de Lisboa: Sumário:
Como decorre do disposto no art.° 5.° n.° 3 do Código de processo Civil (aplicável ao processo de insolvência, ao abrigo do disposto no art° 17 do CIRE), O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
Assim, perante os factos provados, o juiz é livre na aplicação dos preceitos legais que considerar aplicáveis, sem estar vinculado aos preceitos legais invocados pelas partes. Por conseguinte, nada impedia o Tribunal a quo de subsumir os factos provados a uma alínea do preceito legal aplicável, diferente das indicadas pelo Ministério Público, na qualificação da insolvência como culposa.
I-RELATÓRIO
CT... — Comércio, Importação e Exportação, Lda., pessoa colectiva n.° 5..., com sede na Rua J…, n.° …, …, em Lisboa, foi declarada insolvente por sentença de 27 de Julho de 2010, transitada em julgado.
Na sentença foi declarado aberto o incidente de qualificação de insolvência com carácter pleno.
O Administrador de Insolvência veio apresentar parecer, propondo a qualificação da insolvência como fortuita, com fundamento no facto de, na sequência da entrega voluntária do imóvel, não estar preenchida nenhuma das alíneas do 186.°, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Os autos foram com vista ao Ministério Público que emitiu parecer no sentido da qualificação de insolvência como culposa, por resultarem dos autos factos susceptíveis de preencher as alíneas a), b), d) e h) do n.° 2 e alíneas a) e b) do n.° 3, ambos do artigo 186.°. Indica como pessoa a ser afectada o gerente da insolvente CA....

A insolvente e o Requerido vieram contestar, alegando que os créditos da insolvente eram suficientes para pagar as suas dívidas e que a insolvente procurou celebrar alguns acordos de pagamento em prestações com os seus credores, tendo ainda efectuado a cessão de créditos como forma de liberar dívidas. A insolvente vendeu o seu imobilizado à BC... com o acordo da assunção da dívida da insolvente para com o BCP, que não reclamou créditos. Acordou com a sociedade CI..., S.A. a venda do imóvel no pressuposto que esta sociedade assumisse a dívida da insolvente para com a CGD. O Requerido ofereceu o seu património para solver dívidas. A insolvente não se apresentou à insolvência porque acreditava que recuperando os créditos pagaria as suas dívidas, tanto mais que se discutia no processo n.° 1870/07.7TBCTB o pagamento de uma indemnização de 1.022.756,95 €.
Decorridos todos os trâmites legais, foi realizado o julgamento e proferida sentença com o seguinte dispositivo:
Pelo exposto, qualifica-se como culposa a insolvência de CT... —Comércio, Importação e Exportação, Lda., declarando afectado pela mesma a sua gerente CA....
Em consequência:
a) Declara-se a inibição, pelo período de quatro anos, a contar do trânsito em julgado desta decisão, de CA... para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação provada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa.
b) Determina-se a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por CA....
Inconformado com esta sentença vem CA... interpor recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
1 — Não se conforma, nem se pode conformar o Recorrente CA... com tal decisão pois, no seu humilde entendimento, a insolvência não se deveu a culpa sua.
2 -Pelo contrário, entende o Recorrente CA... que tudo fez, pelo menos o que estava ao seu alcance, para evitar a situação de insolvência, não se coibindo, sequer, de se prejudicar a ele próprio, ao contrário do que é referido na sentença ora recorrida,
3 — Com interesse para a decisão do presente recurso resultaram provados, para além do mais que:
a) CA... foi gerente da insolvente até 11/17/2009 (Facto Provado n.° 8);
b) Foi celebrado com data de 16.03.2009 contrato de arrendamento para fins não habitacionais entre a insolvente e a BC... — Distribuição, Lda, nos termos do qual a primeira deu de arrendamento à segunda o prédio urbano correspondente a um edifício/pavilhão industrial, sito no Lugar do C…, na Z…, R…, freguesia de C…, descrito na CRP de C… sob o n.° 8… e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 1…, incluindo toda a mobília e equipamento, pelo prazo de 5 anos, renovável, mediante a renda mensal de 1 000 €, destinado ao exercício de actividade comercial (Facto provado n.° 17°);
c) Em 31.03.2009, a insolvente vendeu à BC... — Distribuição, Lda (actual BC... — Distribuição, Lda) as suas mercadorias, pelo preço de 237.071,73 € (factura n.°51590) — Facto Provado n.° 18;
d) Na mesma data a insolvente vendeu à sociedade BC... — Distribuição, Lda todo o equipamento básico, equipamento de transporte, administrativo, ferramentas, pelo preço 75.467,12 E (Factura n.° 5…) — Facto Provado n.°19;
e) Por documento particular datado de 23.05.2009, a BC... — Distribuição, Lda declarou assumir, por conta da dívida no montante de 232.648,59 € que a insolvente tinha para com o BAN..., SA (Facto Provado n.° 20);
O Por documento particular datado de 1.03.2010, o BAN..., SA concedeu à BC... — Distribuição, Lda um empréstimo, no montante de 200.000,00 € destinado à regularização de responsabilidades da insolvente no valor de 249.605,71 €, do qual já tinha sido liquidado o valor de 49.605,71 € (Facto Provado n.° 21);
g) O BAN..., SA não reclamou créditos nos presentes autos (Facto Provado n.° 22);
h) Além do prédio identificado em 17) foram recuperados créditos sobre clientes da insolvente no montante de 5.017,22 € e rendas no montante de 15.275,00 €.
4 — Como supra se referiu, CA... foi gerente da insolvente até 11/07/2009 (Facto Provado n.°8), sendo o período temporal relevante fixado na própria sentença é o decorrido entre 09/02/2007 e 09/02/2010.
5 — Nos termos do artigo 188° n.°4 do CIRE, na versão anterior à Lei n.° 16/2012 de 20/04, Se tanto o administrador da insolvência como o Ministério Público propuserem a qualificação da insolvência como fortuita, o juiz profere de imediato decisão nesse sentido, a qual é insusceptível de recurso.
6 — Assim, à data dos factos, o Tribunal estava obrigado a seguir as propostas do Administrador de Insolvência e do Ministério Público caso estas fossem coincidentes.
7 — Ora, como consta dos autos e da própria sentença, o Exm° Senhor Administrador de Insolvência veio apresentar parecer propondo a qualificação da insolvência como fortuita.
8 — O Ministério Público veio emitir parecer no sentido da qualificação de insolvência como culposa por, no seu entender, resultarem factos susceptíveis de preencher, tão só, as alíneas a), b), d) e h) do n.°2 e alíneas a) e b) do n.°3 do artigo 186° do CIRE.
9 — Acontece porém que a sentença ora recorrida, atendendo aos factos apurados, não considerou preenchidas nenhumas das referidas alíneas a), b), d) e h) do n.°2, nem nenhuma das alíneas a) e b) do n.°3 do referido artigo 186° do CIRE.
10 — O Tribunal justificou a qualificação de insolvência como culposa no preenchimento da alínea O do n.°2 do artigo 186° do CIRE, mas que o Ministério Público, atento o seu parecer, não considerou estar preenchida.
11 — Como à data dos factos, sendo coincidentes as propostas do Ministério Público e do Administrador da Insolvência vinculavam o Tribunal, não podia a sentença recorrida qualificar a insolvência como culposa com base no preenchimento da alínea f) do n.°2 do artigo 186° do CIRE.
Sem prescindir,
12 — Como referiu o Exm° Senhor Administrador de Insolvência no seu parecer, em suma, deverá presumir-se a insolvência da devedora como fortuita pois não derivam da mesma factos enquadráveis nos termos do artigo 186° do CIRE,
13 — Nomeadamente, ao contrário do que agora afirmou o Ministério Público, a devedora não destruiu, ocultou, fez desaparecer ou dispôs de activos da sociedade, não criou artificialmente uma situação contabilística irreal, não desenvolveu a actividade em proveito próprio ou de terceiros, não incumpriu nos deveres de colaboração, nem na obrigação de manter a contabilidade organizada e também não se diga que tenha incumprido o seu dever de apresentação e de elaborar as contas.
Com efeito,
14 — Como referiu a devedora em sede de oposição, cm virtude da conjuntura económica, atravessou de facto algumas dificuldades financeiras sobretudo resultantes das dificuldades que também assolaram os seus clientes.
15 — Designadamente, como é referido pelo Exm° Senhor Administrador de Insolvência e agora também pelo Ministério Público, a Insolvente vendeu todo o seu imobilizado à sociedade BC... com o acordo de assunção de cumprimento da dívida que a Insolvente tinha para com o BAN…, no valor de 251 845,71 €, que não reclamou créditos na insolvência.
16 — De igual forma, acordou com a sociedade CI..., SA a venda do seu imóvel no pressuposto que esta sociedade assumisse a dívida que a insolvente tinha para com a Caixa Geral de Depósitos, SA.
17 — Contudo, este credor, apesar das várias diligências feitas, não veio a aceitar a transferência da dívida, pelo que o imóvel foi devolvido de forma voluntária à Massa Insolvente.
18 — Portanto, a devedora acreditava na sua recuperação e tudo fez para o efeito, tendo, inclusivamente, o seu gerente e aqui requerido CA... oferecido património pessoal para solver as dívidas.
19 — Como se vê, a Insolvente enveredou todos os esforços para pagar as dívidas, pois tal facto é bem demonstrativo que a sua intenção era de liquidar todas as dívidas.
20 — Ora, tal cenário não passou despercebido ao Exm° Senhor Administrador de Insolvência daí que tenha afirmado de forma perentória que Todos os esclarecimentos e colaboração requeridos à insolvente foram atempadamente e documentalmente fornecidos, nomeadamente junto Acordo de Resolução do Contrato de Compra e Venda, bem como relação de devedores à insolvente e rol de litígios em que a firma intervém como autora/exequente justificando assim os valores constantes dos elementos contabilísticos apresentados.
21 — Como se pode afirmar que a sociedade BC... — Distribuição, Lda e o Requerido reduziram os proveitos da insolvente, em beneficio próprio, quando assumiram o pagamento das dívidas da insolvente,
22 — Colocando-se eles próprios em risco de também poderem enfrentar uma insolvência caso não conseguissem honrar com os compromissos que então assumiram.
23 — Para o Requerido CA... teria sido mais fácil deitar a toalha ao chão e deixar a insolvente à deriva como muitos fazem.
24 — Acontece que ao contrário de muitos, optou por tentar e lutar até onde pode e onde o deixaram ir para evitar a insolvência.
25 — Daí agora o sentimento de revolta, ver todo o seu esforço qualificado como culposo.
26 — A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação dolosa com culpa grave do devedor ou dos seus administradores.
27 — A actuação do Requerido CA... não foi dolosa nem com culpa grave e não foi com a sua actuação que a criou ou piorou a situação económica da insolvente, muito pelo contrário.
28 — Ao assim decidir violou a sentença recorrida, entre outros, os artigos 185° e 186° n.°2 alínea f) e 188° n.°4 (na versão anterior à Lei n.° 16/2012 de 20/04) do CIRE, artigos 9° do Código Civil e 413° e 607° do CPC.
29 — Pelo que deve ser revogada e substituída por uma outra que considere a insolvência como fortuita nos termos do artigo 185° do CIRE.
30 — Ao assim decidir farão V. Ex.', Ilustres Desembargadores, a vossa costumada JUSTIÇA!!!
A Magistrada do Ministério Público apresentou contra — alegações, pugnando pela confirmação da sentença recorrida por inteiramente correcta.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II-OS FACTOS
Na 1.a Instância foram dados como provados os seguintes factos:
1.Em 9.02.2010, DP... — Distribuidora de Bebidas, Lda. requereu a declaração de insolvência de BC... — Cash & Carry, Lda. (actual CT... —Comércio, Importação e Exportação, Lda.).
2. A CT... — Comércio, Importação e Exportação, Lda. foi declarada insolvente por sentença de 27.07.2010.
3.A insolvente tem por objecto social o Comércio por grosso a pronto de pagamento de produtos alimentares, bebidas e tabacos, vulgarmente conhecido por cashcarry e importação, exportação representações e distribuição dos referidos produtos.
4. Até 26.08.2009, a insolvente tinha o capital social de 50.000,00 € dividido em duas quotas, sendo:
a) uma no valor nominal de 13.500,00 € na titularidade de AM..., casada com CA...;
b) uma no valor nominal de 36.500,00 € na titularidade de CA..., casado com AM....
5. Até 27.02.2008, a insolvente teve sede na Zona Industrial de CAS..., lotes B-5 e B-9.
6. Pela Ap. 1 de 27.02.2008 foi registada a alteração da sede da insolvente para a Zona Industrial, Rua D, lote 1, em CAS....
7. Pela Ap. 1 de 11.05.2009 foi registada a alteração da sede da insolvente para a Rua J…, em Lisboa.
8. CA... foi gerente da insolvente até 11.07.2009.
9. Pela Menção Dep. 15032 de 26.08.2009 foi registada a transmissão da quota de AM... a favor de FRA....
10. Pela Menção Dep. 15033 de 26.08.2009 foi registada a transmissão da quota de CA... a favor de FLA....
11. Pela Ap. 11 de 27.08.2009 foi registada a alteração do contrato de sociedade e a nomeação de FLA... como gerente.
12. Pela Ap. 44 de 10.04.2010 foi registada a alteração da denominação da sociedade para CT... — Comércio, Importação e Exportação, Lda.
13. Pela Ap. 1 de 28.05.2010 foi registada a renúncia em 15.04.2010 do gerente FLA....
14. Pela Ap. 2 de 28.05.2010 foi registada a nomeação em 15.04.2010 como gerente de FRA....
15. A Insolvente depositou na conservatória do registo comercial as contas referentes aos anos de 2006 e 2007.
16. Em insolvente não desenvolve qualquer actividade desde final de 2008.
17. Foi celebrado com data de 16.03.2009 contrato de arrendamento urbano para fins não habitacionais entre a insolvente e BC... — Distribuição, Lda., nos termos do qual a primeira deu de arrendamento à segunda o prédio urbano correspondente a um edifício/pavilhão industrial, sito no Lugar do C…, na Zona Industrial, R…, freguesia de CAS..., descrito na Conservatória do Registo Predial de CAS... sob o n.° 8664 e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 1…, incluindo toda a mobília e equipamento, pelo prazo de 5 anos, renovável, mediante a renda mensal de 1.000 €, destinado ao exercício de actividade comercial.
18. Em 31.03.2009, a insolvente vendeu à BC... — Distribuição, Lda. (actual BC... — Distribuição, Lda.) as suas mercadorias, pelo preço de 237.071,73 € (factura n.° 51590).
19. Na mesma data a insolvente vendeu à sociedade BC... —Distribuição, Lda. todo o seu equipamento básico, equipamento de transporte, administrativo, ferramentas, pelo preço de 75.467,12 € (factura n.° 51591) .
20. Por documento particular datado de 23.05.2009, a BC... —Distribuição, Lda. declarou assumir, por conta dos valores em dívida referentes à factura n.° 51590, o pagamento da dívida no montante de 232.648,59 € que a insolvente tinha para com o BAN..., S.A..
21. Por documento particular datado de 1.03.2010, o BAN..., S.A. concedeu à BC... — Distribuição, Lda. um empréstimo, no montante de 200.000,00 € destinado à regularização de responsabilidades da insolvente no valor de 249.605,71 €, do qual já tinha sido liquidado o valor de 49.605,71 €.
22. O BAN..., S.A. não reclamou créditos nos presentes autos.
23. O crédito do BAN..., S.A. tinha garantias pessoais.
24. A BC... TI — Distribuição, Lda. é uma sociedade comercial constituída em 13.03.2009, com sede na Zona Industrial, R…, em CAS....
25. A BC... — Distribuição, Lda. tinha por objecto social o comércio e distribuição de bebida, tabacos e outros produtos alimentares e importação, exportação representações.
26. Até 21.06.2009, a BC... — Distribuição, Lda. tinha o capital social de 50.000,00 € dividido em duas quotas, sendo:
a) uma no valor nominal de 10.000,00 € na titularidade de AM...;
b) uma no valor nominal de 40.000,00 € na titularidade de CA....
27. Até 13.05.2009 foi gerente da BC... — Distribuição, Lda. CA....
28. Entre 21.05.2009 e 25.03.2013, TSB... foi gerente da BC... — Distribuição, Lda.
29. Em 25.03.2013, CA... foi nomeado gerente da BC... — Distribuição, Lda.
30. Pela Ap. 22 de 13.05.2010 foi registada a alteração da denominação social da BC... — Distribuição, Lda. para BC... — Distribuição, Lda.
31. Pelas Menções de Dep. 311, 312 e 313 de 21.06.2009, foi registada a divisão da quota de CA... na BC... — Distribuição, Lda. em duas quotas no valor de 5.000,00 € e de 35.000,00 €, a sua transmissão para TSB... e para AM... respectivamente e a unificação das duas quotas de AM....
32. Pela Menção de Dep. 166 de 10.06.2010 foi registada a transmissão da quota no valor nominal de 45.000,00 € de AM... para a sociedade CI... Imobiliários, S.A.
33. Pela Ap. 37 de 30.10.2006 foi registada a aquisição a favor da insolvente do prédio identificado em 17).
34. Sobre o imóvel identificado em 17) incidem os seguintes ónus e encargos:
a) Pela Ap. 1 de 12.01.2007, hipoteca voluntária a favor da Caixa Geral de Depósitos, S.A. que garante o capital de 400.000,00 € e o montante máximo de 601.400,00 E;
b) Pela Ap. 28 de 17.10.2007, hipoteca voluntária a favor da Caixa Geral de Depósitos, S.A. que garante o capital de 200.000,00 € e o montante máximo de 300.700,00 E;
35. Pela Ap. 4364 de 7.09.2009 foi registada a aquisição a favor de CI... Imobiliários, S.A. por compra do prédio identificado em 17).
36. Por documento particular, datado de 9.06.2010, a insolvente, representada pelo gerente FRA... e a sociedade CI... Imobiliários, S.A., representada por TSB..., celebraram acordo de resolução do contrato de compra e venda do prédio identificado em 17) celebrado em 7.09.2009, com fundamento de que o contrato ter sido celebrado no pressuposto de que o credor hipotecário aceitaria a transferência da dívida, o que não aconteceu.
37. Por cartas datadas de 15.11.2010, o Administrador da Insolvência resolveu a favor da massa insolvente o contrato de compra e venda celebrado em 7.09.2009 entre a insolvente e a CI... Imobiliários, S.A..
38. Pela Ap. 941 de 2.02.2015 foi registado o cancelamento da Ap. 4364 de 7.09.2009.
39. A sociedade CI... Imobiliários, Lda. é uma sociedade comercial constituída em 3.09.2007, com sede na Zona Industrial, lote 1, em CAS....
40. Até 26.03.2009, a CI... Imobiliários, Lda. tinha o capital social de 5.000,00 € dividido em duas quotas, sendo:
a) uma no valor nominal de 500,00 € na titularidade de AM...;
b) uma no valor nominal de 4.500,00 € na titularidade de CA....
41. Pela Ap. 16 de 12.06.2009 foi registada o aumento de capital e a transformação em sociedade anónima da CI... Imobiliários, S.A..
42. CA... foi gerente e administrador único da CI... Imobiliários, S.A. até 8.06.2009.
43. Entre 10.06.2009 e 14.11.2013, TSB... foi administradora única da CI... Imobiliários, S.A.
44. Em 14.11.2013, CA... foi nomeado membro com Conselho de Administração da CI... Imobiliários, S.A.
45. Além do prédio identificado em 17), foram recuperados créditos sobre clientes da insolvente no montante de 5.017,22 € e rendas no montante de 15.275,00 E.
46. Foram verificados créditos no montante de 2.117.458,36 E, dos quais 631.756,44 € garantidos por hipoteca sobre o imóvel identificado em 17).
47. Em Junho de 2009, a insolvente tinha créditos sobre clientes de cerca de 370.000,00
III-0 DIREITO
Tendo em conta as conclusões de recurso formuladas e que delimitam o respectivo âmbito de cognição deste Tribunal, a questão que importa conhecer consiste em saber se os factos provados consentem a qualificação como culposa da insolvência da Requerente.
Como resulta das conclusões de recurso, a discordância do Recorrente relativamente à sentença recorrida, assenta em duas premissas:
(i)Por um lado, a concordância entre o Administrador da Insolvência e o Ministério Público no sentido de a insolvência ser qualificada como fortuita, pelo que o Tribunal estaria obrigado a declarar essa qualificação;
(ii)Por outro, a declaração da insolvência como culposa baseou-se no disposto no art.° 186.° n.° 2 f) do CIRE, sendo certo que o Ministério Público tinha baseado o seu parecer no sentido da qualificação de insolvência como culposa por entender, resultarem factos susceptíveis de preencher, tão só, as alíneas a), b), d) e h) do n.°2 e alíneas a) e b) do n.°3 daquele preceito.
Ora, como resulta dos autos, a primeira premissa não corresponde à realidade. Aliás, das próprias alegações do Apelante resulta que as propostas do Administrador de Insolvência e do Ministério Público quanto à qualificação da insolvência foram divergentes, pelo que nunca seria aplicável ao caso o invocado artigo 188.° n.°4 do CIRE que na versão anterior à Lei n.° 16/2012 de 20/04, que referia : Se tanto o administrador da insolvência como o Ministério Público propuserem a qualificação da insolvência como fortuita, o juiz profere de imediato decisão nesse sentido, a qual é insusceptível de recurso.
Ora, no caso presente, não se verificando tal coincidência de posições, não estava o Tribunal obrigado a decidir nos termos do disposto no referido preceito legal, caindo assim pela base a primeira linha de argumentação do Apelante.
Por outro lado, e como decorre do disposto no art.° 5° n.° 3 do Código de processo Civil (aplicável ao processo de insolvência, ao abrigo do disposto no art° 17 do CIRE), O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito ou seja, como resulta do brocardo latino: da mihi factum, dabo tibi ius.
Isto quer dizer que perante os factos provados, o juiz é livre na aplicação dos preceitos legais que considerar aplicáveis, sem estar vinculado aos preceitos legais invocados pelas partes. Por conseguinte, nada impedia o Tribunal a quo de subsumir os factos provados a uma alínea do preceito legal aplicável, diferente das indicadas pelo Ministério Público, na qualificação da insolvência como culposa.
Improcede, também, esta segunda linha de argumentação do Apelante.
Foi decidido pela sentença recorrida que os factos preenchem o disposto na alínea J do n.° 2 do artigo 186.° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresaspelo que mais não resta do que qualificar como culposa a insolvência da CT... — Comércio,Importação e Exportação, Lda.
Vejamos se os factos consentem tal conclusão:
Com efeito, tal como bem é acentuado pelo Ministério Público:
da factualidade apurada resulta que, em 16/3/2009, a insolvente deu de arrendamento à BC... — Distribuição, Lda (gerida pelo recorrente), o prédio urbano (identificado nos autos) de que era proprietária e o respectivo recheio (mobília e equipamentos), pelo prazo de cinco anos, renovável, mediante a renda mensal de 1.000,00. Cerca de 15 dias mais tarde, em 31/3/2009, a insolvente vendeu à BC... - Distribuição, Lda, as suas mercadorias ... e todo o seu equipamento básico e de transporte, administrativo e ferramentas...
Em Setembro de 2009, a insolvente vendeu o referido prédio urbano à sociedade CI... Imobiliários, SA (igualmente gerida pelo recorrente).
Com estes negócios, realizados no período de seis meses, a insolvente transferiu a totalidade do seu património e o seu estabelecimento comercial para terceiros.
Nesse mesmo período, alterou a sede da insolvente para Lisboa (onde nunca teve actividade), o recorrente renunciou à gerência (11/7/2009) e cedeu, conjuntamente com a sua mulher, as quotas que compunham o capital social da insolvente (26/8/2009). Por outro lado, a BC... - Distribuição, Lda, que na prática adquiriu o estabelecimento da insolvente, foi constituída três dias antes da celebração do contrato de arrendamento e dezoito dias antes da aquisição dos bens móveis da insolvente (13/3/2009).
Mais, na data da celebração destes negócios, esta sociedade tinha como sócios, o recorrente e a sua mulher, ou seja os mesmos sócios que a insolvente.
O recorrente era o gerente das duas sociedades.
Na verdade, o recorrente criou uma nova sociedade com um nome semelhante ... que continuou a exercer a mesma actividade no mesmo local, sem estar constrangido pelo elevado passivo da insolvente.
Ou seja, os factos provados revelam claramente que existiu um esvaziamento da insolvente em favor de outra sociedade, cujos sócios são exactamente os mesmos da sociedade insolvente — o Apelante e sua mulher. Nada está provado no sentido alegado pelo Apelante, segundo o qual, a devedora acreditava na sua recuperação e tudo fez para o efeito, tendo, inclusivamente, o seu gerente e aqui requerido CA... oferecido património pessoal para solver as dívidas. De resto, é de todo incompreensível como pretendia o Apelante recuperar a insolvente, desfazendo-se de todo o seu equipamento básico, equipamento de transporte, administrativo e ferramentas, como decorre do ponto 19 dos factos provados, ou seja, inviabilizando a sua laboração.
Tal como o Ministério Público bem acentua raras vezes, resulta tão inequívoca e claramente provado e demonstrado o processo de subtracção de património a uma empresa (insolvente), com o intuito (concretizado) de passagem deste para outra empresa, onde o mesmo agente económico continua a laborar nas mesmas condições, com os mesmos bens e clientes.
Entendemos também inteiramente ajustada a subsunção dos factos provados à norma constante do do art.° 186.° n.° 2 f) do CIRE segundo a qual considera-se culposa a insolvência do devedor (..) quando os adimistradores (...) tenham feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse directo ou indirecto.
Não há, por conseguinte, qualquer censura a fazer à sentença recorrida que qualificou correctamente os factos provados de acordo com as normas jurídicas aplicáveis.
Improcede, pois, o recurso.
IV-DECISÃO
Em face do exposto, acordamos nesta 6.a secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso e, por conseguinte, confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo Apelante.
Lisboa, 28 de Março de 2019
Maria de Deus Correia
Maria Teresa Pardal
Carlos de Melo Marinho