Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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 - ACRL de 07-03-2019   Princípio da igualdade dos credores.
Não viola o princípio da igualdade dos credores, o Plano de Recuperação, apresentado pelos devedores, que integra a proposta de afectar os bens garantidos por hipoteca à satisfação dos créditos do credor que beneficia de tal garantia real, dado que este se encontra em posição privilegiada relativamente aos credores comuns.
Mas já viola tal princípio da igualdade, o prever-se o perdão das dívidas para com os credores comuns excepto um deles, o credor hipotecário, no tocante a um crédito não garantido e portanto comum.
Existindo outros bens não onerados por garantias no património dos devedores, a situação dos credores comuns cujos créditos seriam extintos pelo perdão, e que caso não existisse Plano, poderiam, mediante rateio de tais bens, receber uma parte mesmo que parcial de tais créditos, é igualmente motivo para a não homologação do Plano nos termos do art. 216° n° 1 a) do CIRE..
Proc. 3871/17.8T8VFX.L1 8ª Secção
Desembargadores:  António Valente - Teresa Prazeres Pais - -
Sumário elaborado por Margarida Fernandes
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PROCESSO N° 3871/17.8TSVFX.L1
Apelação
HMR... e RIM..., vieram ao abrigo do disposto no art. 222°-A do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas intentar o presente processo especial de revitalização.
Foi nomeado administrador judicial provisório, nos termos do disposto no art. 222°-C, n° 4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. O sr. Administrador juntou lista provisória de créditos, a qual foi objecto de impugnações, as quais foram decididas supra.
Os devedores apresentaram um plano de recuperação.
A fls. 223 e segs. veio o NB..., S.A. requerer a não homologação do Plano de Recuperação apresentado e votado, alegando, para o efeito, que:
- Há violação do princípio da igualdade entre credores, sendo desproporcional e irrazoável o perdão da totalidade dos créditos dos credores comuns, nomeadamente o do reclamante;
- Com o plano aprovado o NB..., S.A. fica numa posição menos favorável do que na ausência de qualquer plano.
A fls. 229 e segs., veio a credora LI requerer a não homologação do Plano Especial de Revitalização apresentado e votado, alegando, para o efeito, que:
- Há violação do princípio da igualdade entre credores, porquanto nem todos os créditos comuns são objecto de perdão integral, sendo que este se traduz num ónus desproporcional e irrazoável, bem como injustificado;
- Com o plano aprovado a LI fica numa posição menos favorável do que na ausência de qualquer plano.
A fls. 240 consta da acta de votação do Plano que veio o credor BC..., S.A. requerer a não homologação do Plano Especial de Revitalização apresentado e votado.
Os devedores apresentaram resposta ao requerimento de não homologação, informando que há cumprimento do princípio da igualdade, uma vez que os créditos garantidos serão todos pagos mediante dação em pagamento dos prédios hipotecados, sendo a totalidade de créditos comuns e subordinados perdoados, não sendo os créditos comuns pagos pelos devedores.
Mais alegaram que a posição do NB..., S.A., em caso de não aprovação do Plano será igual, uma vez que nessa situação os devedores serão declarados insolventes sem que o NB..., S.A. obtenha pagamento do seu crédito.
O Senhor Administrador Judicial Provisório, em sede de acta de votação consignou que, sendo parte do crédito de CCA... de ... comum, como é seu entendimento, deveria o mesmo ser objecto de perdão como os demais créditos comuns ou, não o sendo, deveria ser explicitado o tratamento diferenciado com os demais créditos comuns.
Vieram os devedores alegar que o presente PEAP é idêntico ao PEAP apreentado no Proc. n° …, deste Juízo de Comércio, J4, o qual foi homologado.
Foi proferida decisão que não homologou o referido acordo de pagamentos
É a seguinte a lista definitiva de créditos reconhecidos:
a) AMB... - € 200,00 - crédito comum;
b) BC... - E 113.376,40 — crédito comum;
c) BSC… - € 1.610,00 - crédito comum;
d) Caixa de Crédito Agrícola Mútua de ..., CRL, - € 986.311,45 - crédito garantido (contrato 73667); E 1.149.697,91 -crédito garantido (contratos 75378 e 77215); € 1.632.043,16 ¬crédito comum (contrato ...); € 1.301.513,24 - crédito comum (contratos 72700,74075, 78278, 78875 e 79094); € 189.674,95 - crédito comum (letras); E 8.487,64 - crédito sob condição (garantias bancárias).
e) CGD…, S.A. - € 882.965,00 - crédito comum;
f) CLF… - Inst. Fin. Crédito, S.A. - € 143.85,00 - crédito comum;
g) Estado - € 14.788,62 - crédito comum;
h) ISS…, LP. - E 294.769,13 - crédito comum;
i) L… - Soc. Garantia Mútua, S.A. - € 240.005,82 - crédito comum; € 6.250,00 - crédito comum, sob condição;
j) NB..., S.A. - € 725.405,30 - crédito comum;
k) U… - Inst. Financeira Crédito, S.A. - € 87,00 - crédito comum.
Inconformados, recorrem HMR... e RIM..., concluindo que:
- Refere-se na sentença recorrida, além do mais, que ... na sequência da decisão das impugnações efectuadas nos autos, verifica-se que relativamente ao crédito de CCA... de ..., o crédito relativo ao contrato de empréstimo n° 77.410 que se encontrava descrito pelos devedores no Plano apresentado como crédito garantido, foi reconhecido como crédito comum, no valor de € 1.632.043,16.
Ora, relativamente a este crédito, consta do acordo apresentado a votação que o mesmo é garantido, sendo pago na totalidade, liquidado pelo devedor originário - cfr. fls. 324.
- Importa salientar de que a presente proposta de plano de recuperação foi depositada no termo do prazo legalmente previsto ou seja a 26.03.2018, tendo por base a negociação ocorrida com a sua credora predominante, a qual pretendeu como é óbvio e perfeitamente natural, que os termos do plano de recuperação reflectissem a impugnação por si apresentada a 25.01.2018, referência … e assim, que todos os seus créditos fossem considerados como garantidos, impugnação esta que acabou por só ser decidida a 17.10.2018 no âmbito da Sentença de que ora se recorre.
- Sendo certo que o prazo previsto no artigo 17° D n° 3 do CIRE foi largamente preterido na presente lide, toma-se bem evidente que os Recorrentes não tiveram - nem lhes foi atribuída a possibilidade - de reajustar o plano de recuperação face aos termos da decisão relativa às impugnações.
- É necessário integrar e interpretar de forma hábil o plano de recuperação face a tal decisão, recorrendo para o efeito ao artigo 9° n° 1 do Código Civil, sob pena do processo deixar de se equitativo e ser em consequência violado o disposto no n° 4 do artigo 20° da Constituição da República Portuguesa.
- O busílis da presente questão radica no contrato n° … firmado com a credora CCA...... de ..., CRL no valor de € 1.632.043,16 de que no plano de recuperação consta como garantido e que a Meritíssima Juiz a quo ora decidiu que deve ser qualificado como comum.
- Os Recorrentes colocaram-no no ponto 3 da página 10 do plano de recuperação como garantido dadas as circunstâncias acima vertidas declarando porém que tal contrato n° …, cujo devedor originário é a sociedade G… - Compra, Venda e Gestão de Imóveis, S.A. , será também liquidado pelo devedor originário.
- Desta forma, quem vai pagar o valor respectivo é a devedora originária do contrato em causa de que os Recorrentes são avalistas e se a credora respectiva o aceita, tem forçosamente de se entender que está a exonerá-los de tal pagamento.
- Por tal facto os Recorrentes através do seu requerimento de 01.07.2018, referência …, já referiram que é totalmente inócua a qualificação atribuída ao crédito da CCA...... de ..., CRL relativo ao contrato o n° … de que é devedora originária a G... - Compra, Venda e Gestão de Imóveis. S.A. dado que este mesmo crédito, em momento algum, irá ser pago pelos Devedores mas sim pela mencionada devedora originária.
- Assim, a nível de plano de pagamentos apresentado, este crédito irá ter a mesma sorte e impacto de todos os demais créditos comuns ou seja, não irá ser pago pelos Devedores.
A Meritíssima Juiz a quo entende que este crédito não sofre qualquer perdão o que não se pode aceitar por dois motivos evidentes:
- se o plano declara que é a devedora originária quem paga o crédito em causa e não prevê qualquer liquidação para os Recorrentes em caso de incumprimento desta, é bem evidente que os está a ilibar de qualquer pagamento, o que equivale ao perdão do pagamento do crédito quanto às suas pessoas;
- mesmo que assim se não entenda, ao declarar o crédito em causa como comum e dado que a decisão respectiva é ulterior ao depósito do plano de recuperação, tem de se lhe aplicar, forçosa e naturalmente, o regime de todos os restantes créditos comuns.
- A não se ter este entendimento, a Meritíssima Juiz a quo fez tábua rasa do disposto no artigo 9° n° 1 do C.C. e este processo, repete-se, não foi equitativo nem se atingiu a justa composição da lide, estando assim violados, para além do predito artigo 20° n° 4 da CRP, os artigos 2° n° 2, 3° n° 1, 4°, 6° n° 1, 7° n° 1 do CPC e 222° A n° 1 do CIRE.
- Ainda contrariamente ao vertido na Sentença ora recorrida, é bem evidente que esta solução é em tudo idêntica à do acordo de pagamento homologado no processo …, pois o mesmo contrato de crédito ..., em apreço, é ali qualificado como comum e sujeito ao perdão total de créditos como os demais créditos comuns, apenas se acrescentando que o mesmo será pago pelo devedor originário.
- Caso a decisão das impugnações tivesse sido tempestiva e prévia ao depósito obrigatório e tempestivo do plano de recuperação, certamente que os Recorrentes teriam feito a adaptação respectiva, pelo que a solução final formal e factual é rigorosamente a mesma.
- Posto isto, temos que relativamente aos créditos comuns não se verifica qualquer tratamento desigual tendo sido proposto, em relação a todos eles, o perdão da totalidade dos créditos.
- O plano de recuperação não viola o princípio da igualdade ínsito no artigo 194° do CIRE porquanto: - os Recorrentes estão obrigados a cumprir as regras imperativas previstas no CPPT e no Código Contributivo, em relação aos credores Autoridade Tributária e Segurança Social;
- os créditos garantidos serão integralmente pagos, com perdão de juros vencidos, através da dação em pagamento dos prédios com hipotecas registadas a favor do credor hipotecário;
- a totalidade dos créditos comuns e subordinados serão perdoados, mesmo em relação ao credor que possui igualmente créditos garantidos, créditos comuns esses muito superiores aos do NB… e da L… pois ascendem a € 1.632.043,16;
- Previamente à análise da Douta Sentença ora recorrida, importa analisar os argumentos expandidos pelos credores que peticionaram a não homologação os quais são meramente conclusivos, nenhum deles explicitando de que forma ou meio a aprovação do plano de recuperação seria para eles menos favorável do que a sua ausência;
- Por sua vez, a Douta Sentença ora recorrida refere que, É certo que existem credores garantidos e, talvez, privilegiados, pelo que os mesmos serão pagos preferencialmente perante a alienação dos bens que os garantem, no entanto, desconhece-se o valor de tais bens, (sublinhado nosso) considerando que o valor indicado a fls. 330 é um valor estimado, pelo que podem ser suficientes para o pagamento dos créditos garantidos e, ainda para pagamento - no todo ou em parte dos créditos comuns, nomeadamente dos reclamantes.
- Não podem os Recorrentes aceitar esta argumentação pois, se a Meritíssima Juiz a quo desconhece o valor de tais bens não pode, como bem é referido na mesma Douta Sentença, proceder ao necessário exercício intelectual de prognose, frequentes vezes complexo, que se traduz em comparar o que é previsto resultar do plano para o reclamante com aquilo que aconteceria na ausência de qualquer plano e, portanto, no caso de se concretizar a liquidação universal do património do devedor, segundo o modelo legal supletivo. Quanto aos credores, isto reconduz-se a cotejar quanto recebem com o plano e quanto se estima que receberiam sem ele. .
- É ainda referido pela Meritíssima Juiz a quo que não obstante os devedores indicarem como valor estimado a fls. 330 dos imóveis hipotecados um valor muito inferior ao valor dos créditos garantidos por tais hipotecas, não é razoável supor que o valor seja o indicado. Com efeito, é do conhecimento comum que as instituições bancárias efectuam uma avaliação dos imóveis, com vista a conceder o crédito requerido, sendo que essa concessão de crédito está, quase sempre, dependente da conclusão de que o valor os bens hipotecados é, pelo menos, igual ao valor do crédito a conceder. Impõe-se, assim concluir que o valor dos imóveis hipotecados é superior ao valor indicado a fls. 330.
- Este argumento não pode colher in casu pois conforme resulta de forma profusa dos presentes autos e da própria Sentença ora recorrida, os Recorrentes não são os devedores originários dos créditos que originaram a constituição das presentes hipotecas, mas meros fiadores/avalistas que garantiram, com os seus bens próprios, créditos destinados à mutuária, pelo que o valor mutuado não tem qualquer correspondência com as presentes hipotecas, pois existem, para além das constantes destes autos, garantias adicionais, prestadas pela própria devedora originária e por outros avalistas. - Desta forma só se pode concluir pela total verosimilhança dos valores dos activos constantes da proposta do plano de recuperação, mormente os constantes das suas páginas 29 e 30.
- Finalmente, é referido na Douta Sentença ora em crise que, ainda que assim não se considerasse, temos que a fls. 330 resulta que, para além de tais imóveis, são os devedores, ainda, proprietários de acções de sociedades - G..., Compra, Venda e Gestão de imóveis, S.A. e C…, S.A. -, bem como de um terreno sobre o qual não consta qualquer hipoteca e dois veículos motorizados. Pelos valores indicados pelos devedores, tais bens valerão, na totalidade, a quantia de € 31.880,00. - Quanto às sociedades G... e C… o seu valor constante do plano é de facto meramente estimativo e colocado numa óptica de recuperação dos Recorrentes e, numa óptica de liquidação, o valor respectivo é meramente residual ou mesmo nulo, pois seria certamente extremamente difícil encontrar um comprador para acções de sociedade comerciais fortissimamente endividadas, conforme resulta aliás de forma inelutável destes autos.
- A dívida de cada uma destas sociedades à Caixa de Crédito Agrícola de ..., CRU' é de cerca de € 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil euros), sendo que a inviabilização deste plano poderá colocar em causa o próprio acordo global existente com esta credora quanto à totalidade da dívida.
- Quanto ao demais terreno rústico de que os Recorrentes são proprietários de metade indivisa, o seu valor é igualmente residual, sendo que em sede de liquidação de activos, como é do conhecimento geral e conforme resulta aliás do próprio plano, é de esperar uma redução mínima de 40/prct. do seu valor ou mesmo superior atento o facto de não estar em causa a sua propriedade plena.
- As duas motos, uma com 2] anos e outra com ]9 anos também não têm, evidentemente, qualquer valor comercial.
- É certamente de esperar que um hipotético valor a arrecadar por estes activos em sede de liquidação num processo de insolvência, não seja suficiente para tão pouco liquidar as custas da massa insolvente respectiva.
- É evidente que os Recorrentes têm perfeito e pleno conhecimento de que a solução proposta não é a ideal mas é a possível face aos rendimentos e activos que possuem., pois é certo, conforme supra se escalpeliza, que em sede de liquidação nenhum dos credores auferirá um valor superior ao que ora é proposto.
- A verdade é que a invocada flagrante desigualdade e desproporção tem de ser analisada tendo em conta as consequências que resultam inevitavelmente da recusa da homologação ou seja, a total terra queimada pois nenhum dos intervenientes processuais dela colhe qualquer beneficio.
- Com efeito, o credor garantido acabaria por adjudicar para si os prédios hipotecados, a Autoridade Tributária nada receberia assim como a Segurança Social, para além de todos os demais credores comuns e subordinados.
- Para o efeito os Recorrentes socorrem-se do Douto Acórdão desse Venerando Tribunal de Lisboa de 25.03.2014 relativo ao processo n° 3175/13.5TBSXL.L1-1, disponível em www.dgsi.pt. o qual declara que, na fundamentação do seu julgamento, haverá que ter sempre em conta que a interpretação de uma qualquer norma jurídica, seja ela de natureza substantiva ou adjectiva, tem forçosamente que obedecer aos critérios consubstanciados nos três números do art. ° 90 do Código Civil, aos quais acrescem, para a construção do conceito solução mais acertada , as exigências inscritas nos artigos 335° (proporcionalidade assente na posição que o valor ético que valida a norma e a torna em verdadeiro Direito ocupa na Hierarquia de Valores que informa e dá consistência ao tecido social comunitário) e 334° do mesmo Código, destacando-se neste último e sem prejuízo de haver de atender também às finalidades económicas e sociais dos direitos em causa, a atenção que é dada, em primeira linha, à boa-fé e aos bons costumes (isto é, novamente e sempre, aos valores éticos que constituem os pilares estruturantes da Comunidade, que validam as normas legais produzidas pela forma prevista na Constituição e que servem de padrão aferidor quando está em causa apreciar a adequação das condutas individuais aos padrões comportamentais reputados exigíveis à vivência em Sociedade).
- Nesse julgamento têm igualmente de ser salvaguardados os elementares princípios que regem o julgamento leal e não preconceituoso (fairunbiased) e mediante processo equitativo que a todos é assegurado e garantido, com força obrigatória directa e geral (art. 18° n° 1 da Constituição da República), pelos artigos 20° n° 4 da Constituição da República, 10° da Declaração Universal dos Direitos do Homem, adoptada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas através da sua Resolução 217 A (III), de 10 de Dezembro de 1948, 6° n° 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, assinada em Roma a 4 de Novembro de 1950, e 47° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, Anexa ao Tratado de Lisboa e também pela lei ordinária através das normas que compõem o Código de Processo Civil, em particular o Título Ido Livro I desse diploma (que, como já enunciado, é o aprovado pela Lei n° 41/2013, de 26 de junho).
E, clarificados que estão os pressupostos ontológicos e legais que guiam o Tribunal na aferição do mérito (ou demérito) do recurso interposto pela apelante, urge, então, proceder à análise crítica da decisão que cumpre sindicar.
- O plano de insolvência obedece ao principio da igualdade dos credores da insolvência, sem prejuízo das diferenciações justfficadas por razões objectivas - e que, em conformidade com os princípios supra expostos e com uma razoabilidade lógica assente em argumentos de igualdade de razão, não se aplica apenas às insolvências. Só que essas razões objectivas existem e são patentes no caso em análise. Na verdade, o crédito detido pela credora B… ST, SÁ é, em parte essencial, hipotecário, logo gozando de garantias de pagamento substancialmente mais fortes que as legalmente colocadas à disposição dos credores comuns, como o são, aqui, a apelante e a sociedade BB ... E esse é umfacto objectivo;
- Ou seja, forçada a insolvência dos devedores - qual vitória à Pirro - a apelada muito dificilmente poderia obter o ressarcimento de qualquer porção do crédito cujo pagamento lhes é devido, mercê da força da garantia reconhecida ao credor hipotecário.
- Importa por fim salientar que o presente procedimento também corre naturalmente no interesse dos próprios Recorrentes, pois conforme é salientado no plano a não homologação deste plano de recuperação acarretará a total destruição económica, emocional e psicológica da devedora.
- A conjugar e a acrescentar ao supra exposto, importa ainda salientar que o artigo 65° n° 1 da Constituição da República Portuguesa declara o direito de todos terem uma habitação e o n° 1 do artigo 67° do mesmo Diploma fundamental dispõe que a família como elemento fundamental da sociedade, tem direito à proteção da sociedade e do Estado e à efetivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros .
- Ora, sob o prisma supra referido, torna-se bem evidente que o plano proposto, face às condições económicas dos Recorrentes não é desigual nem tão pouco desproporcional, é antes, repete-se, o possível!!!
-:_Face ao exposto, entendem os Recorrentes de que a Meritíssima Juiz a quo violou o disposto nos artigos 194°, 216 n° 1 al. a), 222° A n° 1 e 222° D n° 3 do CIRE bem como os artigos 9° n° 1, 333° e 334° do C.C., os artigos 2° n° 2, 3° n° 1, 4°, 6° n° 1, 7° n° 1 do CPC e os artigos 20° n° 4, 65° n° 1 e 67° n° 1 da CRP.
O NB... contra-alegou sustentando a bondade da decisão recorrida.
Cumpre apreciar.
O que se coloca no presente recurso é saber se o plano de revitalização que não foi homologado pela Ma juiz a quo comporta violação do princípio da igualdade. Questiona-se ainda se a situação dos credores comuns seria mais favorável em caso de ausência de plano do que com o plano que nos ocupa.
O plano de revitalização prevê:
Quanto aos credor Estado — Fazenda Nacional (crédito de € 14.788,62), a dívida será regularizada na sua totalidade no âmbito do Programa Especial de Redução do Endividamento ao Estado (Programa PERES). Quanto ao Instituto da Segurança Social (crédito de € 294.769,13), a dívida será regularizada na totalidade no âmbito do plano prestacional em vigor.
Quanto ao credor CCA...... de ... os créditos garantidos (contratos nos 73667, 76378, 77215) serão pagos na sua totalidade, mas com perdão de juros vencidos, pela dação em pagamento dos imóveis já dados como garantias.
O crédito do mesmo credor resultante do contrato ... — incorrectamente qualificado como sendo um crédito garantido — será pago na totalidade pelo devedor originário G... — Compra e Venda e Gestão de Imóveis SA.
Quanto aos créditos comuns propõe-se o perdão da totalidade dos mesmos.
Como se vê, a proposta de perdão total abrange todos os créditos comuns excepto o crédito da CCA...... de ..., resultante do contrato ..., com o valor de € 1.632.043,16, que será pago na totalidade, sendo tal liquidação a cargo do devedor originário.
No entanto, e como se sublinha na sentença recorrida, os devedores originários não são parte neste processo e não subscreveram qualquer acordo de pagamentos, pelo que não se acham vinculados ao mesmo. Uma vez que o acordo não prevê qualquer perdão relativamente a este crédito comum e uma vez que o acordo de pagamentos só vincula os aqui devedores e não a sociedade G..., há que concluir que os aqui devedores serão responsáveis pelo pagamento de tal crédito.
Não deixa de ser estranho que, sabendo os devedores que o aludido crédito foi graduado como comum no processo 3872/17 — a que os recorrentes aludem no seu recurso — não tenham incluído no seu Plano o perdão para esse crédito, à semelhança dos demais créditos comuns, e que em nada afectaria a possibilidade de pagamento pelo devedor originário.
Não o tendo feito, é óbvio que introduziram uma significativa desigualdade entre credores comuns.
Nos termos do art. 194° n° 1 do CIRE, o plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores da insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas.
Significa isto que a igualdade opera entre credores em idêntica situação quanto à natureza dos créditos. Compreende-se que um Plano não será operacional se não comportar o reconhecimento das diferenças onde elas existem: os credores com garantia, como por exemplo a hipoteca, terão de ter um tratamento mais favorável, já que, de qualquer modo, a garantia lhes permitiria sempre ser pagos antes de qualquer outro credor desprovido de tal garantia. E no tocante à Fazenda Nacional e ao Instituto da Segurança Social, sendo proibido o perdão da dívida, terão igualmente de beneficiar de tratamento diferenciado.
Mas já não existe um fundamento objectivo para o tratamento diferenciado entre o crédito comum referente ao contrato de crédito ... e os demais créditos comuns abrangidos por perdão total.
Esta diferenciação só se pode entender como constituindo um meio de que se servem os devedores para obter a aprovação do Plano com o voto favorável da CCA...... de ..., igualmente detentora de créditos garantidos por hipoteca. É de resto isso que se depreende da alínea C) das conclusões da apelação.
Mas não é fundamento atendível, salvo se os devedores tivessem conseguido o consentimento dos credores comuns, o que não é o caso.
Por outro lado, não se percebe a afirmação dos recorrentes de que em momento algum irá tal crédito — o do contrato ... — ser pago pelos devedores: se assim é, por que razão não o sujeitaram ao mesmo regime de perdão dos demais créditos comuns?
Insiste-se, o Plano não vincula o devedor originário, que não é parte nos autos nem teve participação na elaboração e teor do Plano.
Não se prevendo o perdão desse crédito no Plano, acabarão sempre os devedores/recorrentes por ser os obrigados ao seu pagamento, dando assim uma vantagem injusta (e injustificada) a um dos créditos comuns em detrimento dos demais.
Assinale-se ainda que foram os recorrentes no seu requerimento de 01/07/2018 que afirmaram que a questão da qualificação do crédito resultante do contrato ... era totalmente inóqua. Se assim é, porquê invocar que a sentença que qualifica tal crédito como comum é posterior à elaboração e apresentação do Plano?
Note-se que, ao contrário dos demais créditos da CCA...... de T…, o crédito emergente do contrato de empréstimo ... está garantido por hipoteca, mas tal hipoteca recai e onera imóveis que não são propriedade dos devedores.
Considerou-se igualmente na sentença recorrida que os credores reclamantes, com a aprovação do Plano ficariam em situação menos favorável do que na ausência de qualquer plano.
Esta situação encontra-se prevista no art. 216° n° 1 a) do CIRE e sobre a mesma referem Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, II, pág. 124:
Sublinhe-se, no entanto, que a prova da eventualidade referida na alínea a) pressupõe um exercício intelectual de prognose, frequentes vezes complexo, que se traduz em comparar o que é previsto resultar do plano para o reclamante com aquilo que aconteceria na ausência de qualquer plano e, portanto, mo caso de se concretizar a liquidação universal do património do devedor, segundo o modelo legal supletivo.
Quanto aos credores, isto reconduz-se a cotejar quanto recebem com o plano e quanto se estima que receberiam sem ele (.) Ora, é exactamente a concretização da comparação que muitas vezes se revelará de extrema dificuldade exactamente porque importa avaliar a priori o que a massa insolvente pode render no caso de venda universal.
No caso dos autos um dos termos de comparação está simplificado, já que com o Plano os credores reclamantes, que são credores comuns, não receberão nada, face ao perdão da dívida. Os devedores, a fls. 330, fazem o inventário dos seus bens e direitos para efeitos do Plano. Entre os bens constam os terrenos hipotecados a favor da CCA...... de ....
Mas constam igualmente 1/2 de um terreno com um valor estimado de € 2.800,00, acções da sociedade G... Compra e Venda e Gestão de Imóveis SA com valor estimado de € 25.000,00 e acções da sociedade Campoeste SA cujo valor estimado é de € 2.500,00. Se juntarmos a isto dois veículos motorizados no valor estimado de € 1.500,00 (€ 750,00 x 2), vemos que tais bens, por estimativa dos próprios devedores, alcançam um total de € 31.880,00. Tais bens, não onerados, serão rateados pelos credores comuns em caso de liquidação do activo. Por pouco que estes credores recebam será sempre mais que o que resultado do Plano, já que com este não receberão nada, fruto do perdão das dívidas.
No seu recurso, os devedores vêm pôr em causa os valores que eles próprios indicaram no Plano, quanto aos bens não abrangidos por garantias reais. Ora, a primitiva indicação desse valor já resulta de um juízo de prognose, e daí que se fale em valor estimado. Na apelação, fazem os recorrentes um novo juízo de prognose, desvalorizando drasticamente tal valor.
Não vemos razão alguma para acatar o valor ou desvalor indicado pelos recorrentes nas conclusões da apelação.
Repare-se que, nos termos do Plano, e como já se analisou, o crédito resultante do contrato de empréstimo ... no montante de € 1.632.043,16 seria liquidado à CCA...... de ... pela sociedade G... — Compra, Venda e Gestão de Imóveis SA. Estamos perante uma verba avultada que pressupõe que esta sociedade detenha activos consideráveis. Valorar as 25.000 acções dos ora recorrentes num total de € 25.000,00 não parece de modo algum excessivo, numa sociedade que apresenta meios para liquidar uma dívida superior a um milhão e meio de euros, sendo nomeadamente proprietária dos dez prédios rústicos enumerados a fls. 370 e seguintes e que estão onerados por hipoteca a favor da CCA...... de ....
Não havendo qualquer razão objectiva para alterar os valores estimados indicados pelos próprios devedores no seu Plano, verifica-se que o valor de tais bens dos devedores, não atingidos por garantias reais a favor de qualquer credor, será em casa de rateio, distribuído pelos credores comuns, que terão a expectativa de receber uma parte, mesmo que pequena, dos seus créditos. Portanto, também neste caso se verifica uma situação que torna a situação dos credores reclamantes previsivelmente menos favorável do que a que ocorreria na ausência de qualquer plano.
Tal como existe uma violação, não negligenciável, do princípio da igualdade entre credores, nos termos atrás expostos.
Quando os recorrentes reconhecem que o Plano não aponta para uma solução ideal mas tão só para a solução possível, não se entende em que medida entendem tal possibilidade.
O que se passa — e não é uma questão de possibilidade mas sim de escolha pelos devedores — é que o Plano visa resolver o problema destes à custas dos credores comuns e satisfazendo totalmente os interesses de um outro credor, a CCA......, mesmo quanto a um crédito desta, não garantido e portanto comum, uma vez que os devedores o não incluíram no perdão total e generalizado que previram para os demais créditos comuns.
Quanto aos invocados princípios constitucionais, no que toca à habitação não vemos a sua pertinência no presente caso, já que os bens não garantidos por hipoteca — os únicos a que os credores comuns poderão ter acesso por rateio - não incluem qualquer prédio urbano.
Os únicos prédios urbanos aqui referenciados estão onerados por hipotecas a favor da CCA...... de ... e o Plano prevê a dação em pagamento dos mesmos para regularização a tal credor das dívidas garantidas.
Como refere Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 2°, pág. 135, a dação pode ter por objecto quer a transmissão da propriedade de uma coisa, quer a transmissão de um outro direito (.) ou seja, pode ter por objecto uma prestação pecuniária em lugar da prestação da coisa devida ou uma prestação de coisa em lugar da prestação pecuniária.
Ora, é este último caso que aqui se verifica — transmissão da propriedade de dois prédios urbanos para o credor — e nos termos do próprio Plano elaborado pelos devedores (fls. 324).
Quanto à protecção da família e da criação de condições que permitam a realização pessoal dos seus membros, tal princípio não afecta o direito dos credores de verem satisfeitos os seus créditos; aliás, se assim não fosse, o próprio crédito da CCA...... de ... não teria de ser pago.
Conclui-se assim que:
- Não viola o princípio da igualdade dos credores, o Plano de Recuperação, apresentado pelos devedores, que integra a proposta de afectar os bens garantidos por hipoteca à satisfação dos créditos do credor que beneficia de tal garantia real, dado que este se encontra em posição privilegiada relativamente aos credores comuns.
- Mas já viola tal princípio da igualdade, o prever-se o perdão das dívidas para com os credores comuns excepto um deles, o credor hipotecário, no tocante a um crédito não garantido e portanto comum.
- Existindo outros bens não onerados por garantias no património dos devedores, a situação dos credores comuns cujos créditos seriam extintos pelo perdão, e que caso não existisse Plano, poderiam, mediante rateio de tais bens, receber uma parte mesmo que parcial de tais créditos, é igualmente motivo para a não homologação do Plano nos termos do art. 216° n° 1 a) do CIRE..
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida. Custas pelos apelantes.
LISBOA, 07 de Março de 2019
António Valente
Teresa Prazeres Pais
Isoleta Almeida Costa