Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Cível
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 - ACRL de 28-03-2019   Princípio do Superior Interesse da Criança. Parentalidade biológica. Projecto de vida para criança.
I –O Princípio do Superior Interesse da Criança, funciona como critério basilar de interpretação e aplicação da medida de confiança com vista a futura adopção, constituindo mesmo o elemento principal de orientação do juiz na ponderação e decisão do caso concreto.
II Esse Princípio permite aferir se em determinada situação concreta o corte definitivo das relações afectivas entre pais e crianças estará a violar o direito da criança à manutenção das relações afectivas com os progenitores, ou a proteger-lhe o direito a um são e equilibrado desenvolvimento a nível da saúde, formação e educação.
III A parentalidade biológica, desprovida dos seus factores típicos e inerentes, como o amor, o carinho, os cuidados, a atenção, a disponibilidade, o empenho, a preocupação, o acompanhamento dos filhos, não pode ser considerada relação familiar sã e equilibrada, mas antes lesiva dos interesses da criança.
IV-A preocupação do juiz terá de centrar-se na busca de uma solução e de um projecto de vida para criança que lhe proporcione um desenvolvimento o mais harmonioso possível e que corresponda ao seu Superior Interesse. Isto mesmo que o juiz tenha de decidir que essa solução passa por um projecto de vida fora da relação biológica, se e quando a relação parental se mostrar inexistente, seriamente prejudicial ou violadora do frágil desenvolvimento harmonioso da Criança.
V-Se a quebra de vínculos se verificar pelo lado dos pais, mesmo que as crianças manifestem afectividade por aqueles, a solução não poderá de deixar de considerar que os pais, que não tenham vínculos afectivos pelos filhos, nunca poderão assumir correctamente as suas responsabilidades parentais, sob pena de se colocar a criança em perigo.
VI-O Desinteresse nos filhos traduz o comportamento contrário estar interessado nos filhos. É a atitude de falta de cuidado e atenção para com tudo o que lhes diga respeito.
VII-A criança encontra-se em perigo se se verifica uma situação de incerteza sobre o seu bem-estar físico ou psicológico, a sua capacidade de resistência, o seu equilíbrio mental e social ou vê diminuída na sua auto-estima. Está em perigo, quando não recebe os cuidados ou afeição adequados á sua idade e situação pessoal, quando é sujeita a comportamentos que afectam o seu equilíbrio emocional, como sucede quando é exposta a violência interparental.
(Ac. TRL de 28-03-2019, Processo 8113/13.2TCLRS.L1
Proc. 8113/13.2TCLRS.L1 6ª Secção
Desembargadores:  Adeodato Brotas - Gilberto Jorge - -
Sumário elaborado por Margarida Fernandes
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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA 6.ª SECÇÃO
Proc. 8118-13.2TCLRS.L1
Sumário (elaborado pelo relator)
1-O Princípio do Superior Interesse da Criança, funciona como critério basilar de interpretação e
aplicação da medida de confiança com vista a futura adopção, constituindo mesmo o elemento
principal de orientação do juiz na ponderação e decisão do caso concreto.
2- Esse Princípio permite aferir se em determinada situação concreta o corte definitivo das relações afectivas entre pais e crianças estará a violar o direito da criança à manutenção das relações afectivas com os progenitores, ou a proteger-lhe o direito a um são e equilibrado desenvolvimento a nível da saúde, formação e educação.
3- A parentalidade biológica, desprovida dos seus factores típicos e inerentes, como o amor, o carinho, os cuidados, a atenção, a disponibilidade, o empenho, a preocupação, o acompanhamento dos filhos, não pode ser considerada relação familiar sã e equilibrada, mas antes lesiva dos interesses da criança.
4- A preocupação do juiz terá de centrar-se na busca de uma solução e de um projecto de vida para criança que lhe proporcione um desenvolvimento o mais harmonioso possível e que corresponda ao seu Superior Interesse. Isto mesmo que o juiz tenha de decidir que essa solução passa por um projecto de vida fora da relação biológica, se e quando a relação parental se mostrar inexistente, seriamente prejudicial ou violadora do frágil desenvolvimento harmonioso da Criança.
5- Se a quebra de vínculos se verificar pelo lado dos pais, mesmo que as crianças manifestem afectividade por aqueles, a solução não poderá de deixar de considerar que os pais, que não tenham vínculos afectivos pelos filhos, nunca poderão assumir correctamente as suas responsabilidades parentais, sob pena de se colocar a criança em perigo.
6- O Desinteresse nos filhos traduz o comportamento contrário estar interessado nos filhos. É a atitude de falta de cuidado e atenção para com tudo o que lhes diga respeito.
7- A criança encontra-se em perigo se se verifica uma situação de incerteza sobre o seu bem-estar físico ou psicológico, a sua capacidade de resistência, o seu equilíbrio mental e social ou vê diminuída na sua auto-estima. Está em perigo, quando não recebe os cuidados ou afeição adequados á sua idade e situação pessoal, quando é sujeita a comportamentos que afectam o seu equilíbrio emocional, como sucede quando é exposta a violência interparental.

Proc. 8113/13.2TCLRS.L1 (vindo do juízo de família e menores da comarca de Lisboa Norte, Loures,
J 1).
Espécie: Apelação, nos próprios autos.
Apelante: VHP....
Apelado: Ministério Público.
Relator: Desembargador Adeodato Brotas.
1° Adjunto: Desembargador Gilberto Jorge.
2° Adjunto: Desembargadora Maria de Deus Correia.

Acórdão na 6ª Secção Cível do Tribunal da Comarca de Lisboa:
1-Relatório.
1-O Ministério Público requereu a confiança a instituição com vista à futura adopção de AFT..., nascido a ….
Alegou, em síntese, que o AFT... é filho de AFS... e de VHP..., nasceu em e encontra-se acolhida na Associação Ajuda de Berço, em Lisboa, desde 06/09/2013, por decisão judicial. O acolhimento residencial, foi tornado definitivo a 21/06/2016, com prorrogações e manteve-se após remessa do processo e instauração, a 30-09-2016, do procedimento judicial dos presentes autos. Acrescenta que os progenitores desta criança têm tido conflitos e mantida situação de grande instabilidade e ausência de condições estruturantes, que lhes permitam assumir a orientação do filho, nomeadamente por se encontrarem, por vezes, em situação de sem-abrigo.
Muitas vezes os progenitores do AFT... subsistiam com o dinheiro que recolhiam enquanto arrumadores de veículos, em Lisboa e dos alimentos que lhes eram facultados nas carrinhas de apoio aos sem-abrigo, tendo também sujeitado a criança à situação de sem-abrigo, por três dias.
Refere que os progenitores do AFT... têm negligenciado a prestação de cuidados à criança.
Termina pedindo que deverá decidir-se pela confiança à instituição com vista à futura adopção da criança AFT..., na Associação Ajuda de Berço.
2- Por despacho proferido em 6 de Setembro de 2013, constante dos autos foi aplicada ao AFT... a medida provisória de acolhimento em Instituição.
A medida foi tornada definitiva por decisão proferida em 21 de Novembro de 2016 e foi apreciada e revista por despachos constantes dos autos.
3-Foi encerrada a instrução, determinando-se a notificação do Ministério Público e progenitores para apresentarem alegações e respectiva prova nos termos e para efeitos do artigo 114° n° 1 da LPCJP. Foram juntos aos autos, relatórios elaborados por técnicas da EMAT, da Associação Ajuda de Berço e Associação Passo a Passo e relatório pericial relativamente à progenitora, em que se defende que o projecto de vida desta criança passa pela adopção face à ausência de reorganização e alternativa familiar.
4- Realizou-se debate judicial findo o qual foi proferido acórdão, com intervenção de juízes sociais, com o seguinte teor decisório:
Nestes termos, tudo visto e ponderado, o Tribunal decide confiar a criança AFT... à Associação Ajuda de Berço com vista à sua futura adopção e até que esta seja decretada, aplicando-lhe assim a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adoção, prevista nos artigos 35°, al. g), 38°-A e 62°-A, todos da LPCJP.
Nomear curadora provisória, Exma. Senhora Directora da Associação Ajuda de Berço.
Os pais ficam inibidos de pleno direito do poder paternal, ficando proibidas as visitas por
parte da família natural.
5- Inconformado, o pai do menor interpôs o presente recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1-O Recorrente não concorda com todos os factos que o tribunal a quo deu como provados, e entende que a decisão por ora, não vai de encontro a superior interesse do Menor AFT....
2- A medida imposta que implica o rompimento de todo o vínculo jurídico entre o AFT... e a sua família biológica, nomeadamente o pai,
3- A medida imposta é excessiva, uma vez que não se deu a oportunidade ao requerente para que este possa se restabelecer
4- A adoção tem caráter irrevogável, ou seja, aquele vínculo jurídico com a família biológica jamais se restabelece.
5- O AFT... tem 7 anos, gosta do Requerente como um pai e quer regressar à sua família.
6- Tribunal a quo deveria ter sujeitado o pai a uma conduta e a determinados objetivos para que este
pudesse criar condições necessárias para que o AFT... regressasse a casa.
7-Esgotadas todas as possibilidades, é que o tribunal poderia aplicar a decisão em análise.
8- O facto de o AFT... ter sido confiado à instituição com vista á sua futura adoção não significa que isso venha a suceder na prática.
9- Infelizmente existem inúmeros menores que estão confiados às instituições para serem adotados e acabam por ficar nessa situação até atingirem a maioridade.
10-Também por esta razão cabia ao Tribunal à quo uma maior cautela e dando sempre prevalência à família natural, tornando a adoção uma medida
excecional.
11- Posto isto, o Requerente por entender que ainda tem possibilidade de demonstrar que tem condições para que o AFT... regresse para junto de si, e porque o Tribunal a quo desvalorizou as pretensões do pai, prejudicando assim o superior interesse do Menor, requer-se ao tribunal da Relação que conceda pelo menos mais 6 meses ao pai, com acompanhamento adequado para que este possa demonstrar que reuniu as condições necessárias para o efeito.
6- O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

11- Fundamentação.
1-Objecto do Recurso.
É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (art° 635° n° 2 do CPC/13) pelas conclusões (ares 635° n° 4, 639° n° 1 e 640° do CPC/13) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art° 636° CPC/13) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art° 633° CPC/13) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, face das conclusões apresentadas pelo recorrente, é a seguinte a questão que importa analisar e decidir:
a)- Se há fundamento para revogar a decisão de confiança do menor AFT... a instituição com vista a futura adopção, concedendo ao progenitor o prazo de seis meses para que
possa demonstrar que reuniu condições necessárias para lhe ser confiado o menor.

2-Factualidade Provada.
2.1- No acórdão do tribunal a quo foi dada como provada a seguinte factualidade:
1 - O AFT..., filho de AFS... e de VHP..., nascido a 28-06-2011, foi acolhido na Associação Ajuda de Berço, desde a decisão judicial de 06-09-2013, como medida cautelar/provisória.
2 - Tal medida, de acolhimento provisório, foi tornado definitivo a 21-11-2016, com prorrogações mediante despachos que constam dos autos.
3 - Os progenitores desta criança têm tido conflitos e mantido situação de grande instabilidade e ausência de condições estruturantes, que lhes permitam assumir a orientação do filho, nomeadamente por se encontrarem, por vezes, em situação de sem-abrigo.
4 — Os progenitores do AFT... subsistiam com o dinheiro que recolhiam enquanto arrumadores de veículos, em Lisboa e dos alimentos que lhes eram facultados nas carrinhas de apoio aos sem-abrigo, tendo também sujeitado a criança à situação de sem-abrigo, por três dias.
5 - Os progenitores do AFT... têm negligenciado a prestação de cuidados à criança.
6 - A irmã do AFT..., VST..., nascida a …, foi também acolhida na Ajuda de Berço, a …, aquando da alta hospitalar, logo após o nascimento.
7 - A 24-07-2016, o AFT... começou a passar os domingos com os pais, os quais estavam a ser positivos para a criança, até ao momento em que num dos domingos o pai agrediu a mãe com um chapéu-de-chuva, na presença da criança, sendo considerada situação de risco elevado.
8 - A 20-11-2016, a progenitora foi acolhida em casa abrigo por se encontrar em situação de desprotecção na sequência dos episódios de violência doméstica.
9- Os progenitores encontram-se em rotura com a família alargada, não havendo qualquer tipo de apoio, nem em relação ao casal nem em relação aos filhos de ambos.
10- Da avaliação pericial realizada à progenitora, no âmbito do exame pericial em 14 de abril de 2015 apurou-se que « ... do ponto de vista da personalidade apresenta alterações do funcionamento afetivo, alienação interpessoal e descontrolo emocional, ... alienação interpessoal descontrolo emocional, ... funcionamento afetivo revela depressão major, estrutura de personalidade neurótica, com implicações no funcionamento geral, vulnerabilidade e ligeiras limitações cognitivas ... não existem condições psicológicas para a satisfação das necessidades das crianças».
11 - Ao longo do acompanhamento do processo foram realizadas várias tentativas de contacto com a progenitora às quais não compareceu.
12 - A progenitora foi acolhida cm Casa Abrigo na sequência do processo de violência doméstica, onde esteve no período de Novembro 2… a Dezembro 2…. Quando saiu foi partilhar casa com uma colega de curso (Curso EFA).
13 - A AFS..., durante os nove anos em que viveu com o pai do AFT... e da VST..., sofreu ameaças, atitudes de humilhação, inacessibilidade a recursos financeiros, ficando na dependência total a este nível; agressões físicas com murros, violência sexual, imobilizações através da força para actos sexuais não consentidos e consumos abusivos de álcool por parte do progenitor.
14 - Pela informação da Fundação COI, onde a progenitora esteve acolhida cerca de um ano, houve a necessidade de prolongar esse acolhimento por mais seis meses, por inexistência de condições materiais, bem como no que se refere às suas competências psicossociais.
15 - A AFS... recebeu uma prestação no valor de 50 €, enquanto esteve acolhida, para assegurar as deslocações à Ajuda de Berço, de forma a permitir-lhe que mantivesse o contacto com os filhos, porém, não canalizou a respectiva verba para o fim a que se destinava, não considerando os filhos uma prioridade.
16 - A AFS... esteve cerca de cinco meses sem visitar os filhos e, actualmente, não tem regularidade nesses contactos.
17 - A Ajuda de Berço em articulação com a Casa Abrigo promoveu o encontro entre as crianças e a mãe a 02-05-2017, 30-05-2017 e 10-07-2017, bem como plano de visitas uma vez por semana, o que não está a ser cumprido.
18 - A progenitora das crianças residiu em Setúbal, encontrando-se primeiramente desempregada e beneficiando da prestação de Rendimento Social de Inserção, no valor de € 186,68 partilhando a habitação com uma Colega de curso, mas com conflitos.
19 — A partir de certa data e face aos conflitos entre ambas a progenitora foi acolhida na habitação de um outro colega que conheceu no curso de formação que frequentou encontrando-se na presente data a viver com o mesmo em condições análogas às dos cônjuges há cerca de oito meses.
20 — O companheiro faz biscates, recebe pensão de reforma e tem cerca de 63 anos de idade conhece os filhos da AFS... por fotografia nunca tendo visitado os mesmos.
21- A AFS... na presente data faz limpezas a tempo parcial auferindo cerca de 40 a 50 euros por mês.
22- A AFS... abandonou o curso de formação profissional de agricultura remunerado no valor de 150 euros mensais assim como abandonou outros trabalhos não se verificando qualquer estabilidade por parte da mesma também a esse nível.
23- A progenitora foi seguida no Hospital Beatriz Ângelo por psicóloga e medicada no entanto nunca chegou a tomar a medicação prescrita por ter sido impedida por parte do progenitor.
24 - O progenitor encontra-se a viver com a sua companheira, ASM... de vinte e nove anos de idade, actualmente desempregada, sem direito a subsídio de desemprego.
25 - A ASM... tem quatro filhas, nenhuma aos seus cuidados: a AFS... e a AR..., em acolhimento na Ajuda de Berço, a CM... aos cuidados de uma madrinha e a LM... acolhida na ABEI em Vila Franca de Xira, com medida de confiança à instituição com vista à adoção estando subjacente ao acolhimento, a problemática de negligência parental.
26 - O progenitor referiu à EMATLO que os seus tios paternos, EPF... e MFN..., poderiam apoiá-lo na prestação de cuidados aos seus filhos, no caso de estes saírem da casa de acolhimento onde se encontram.
27 - A 31-03-2017, a EMATLO, realizou entrevista aos tios-avós paternos, no sentido de avaliar as suas condições de vida e se se poderiam considerar alternativa, tendo-se apurado que a referida Edite, tem 63 anos, foi reformada por invalidez por problemas de saúde. O tio-avô paterno, tem 66 anos de idade, encontra-se reformado.
28- Os tios paternos têm três filhos adultos independentes e quatro netos tendo sido dito pelos mesmos e que para além de não reunirem condições de saúde também não têm disponibilidade pessoal e interesse em vir a assumir as crianças ou constituírem-se como figura de suporte.
29 - Em Dezembro de 2017, o progenitor deixou de trabalhar na pastelaria em Lisboa onde se encontrava efectivo, passando a trabalhar na área de restauração, num restaurante em Famões, onde fazia o horário das 6h às 15h, auferindo mensalmente, cerca de € 580 sendo que actualmente e desde fevereiro de 2018 trabalha em Benfica na … auferindo cerca de 600,00 euros.
30- Não existem registos de salário declarados na Segurança Social, referentes ao trabalho que o progenitor realiza.
31 - O progenitor referiu que mantém com a companheira um bom relacionamento e a intenção de assumirem no agregado os filhos de ambos os quais se encontram acolhidos. No entanto tem sido notório, ao longo do acolhimento dos filhos, a dificuldade de ambos em reflectir acerca das necessidades das crianças e a instabilidade que vivenciam, bem como no que se refere aos encargos inerentes a crianças e dois adultos.
32 - O percurso de vida da companheira do VHP..., tem-se pautado por uma grande instabilidade e constantes alterações, tanto ao nível do agregado, mudando de companheiros, com frequência, como ao nível de habitação e de emprego.
33- O progenitor e a companheira estão em processo de despejo relativamente à casa que habitam por falta de pagamento de rendas e revelam falta de estrutura, tanto em termos de organização familiar como em termos emocionais.
34 - A progenitora das crianças não reúne condições para assumir qualquer dos filhos e não existe resposta ou qualquer tipo de suporte por parte da família alargada. Foram escassas as iniciativas da AFS... em realizar contactos telefónicos com a Casa de Acolhimento, onde estão os filhos, embora seja um factor que lhe provoca ansiedade.
35-A progenitora manifesta-se entusiasmada quando são realizadas visitas e convívios com os filhos, contudo não se revela proactiva no sentido de autonomização e não demonstra competências adequadas no âmbito da gestão financeira e definição de prioridades de forma a ficarem asseguradas as visitas aos filhos.
36- Foi estabelecido um plano com o pai de acordo com a sua disponibilidade, aos domingos tendo
sido alterado para as quintas feiras das 16h às 18h.
Desde 3 de outubro e até 23 de julho de 2018 das 43 visitas agendadas realizou na totalidade 29 visitas.
37- Relativamente à mãe de 3 de outubro até 23 de julho de 2018 das 30 visitas agendadas realizou 19. Mantém-se até à presente data irregularidade nas visitas por parte dos pais a ambos os filhos.
38 - A família, nomeadamente o progenitor, tem mantido ao longo destes quatro anos de intervenção, atitudes e verbalizações desadequadas aos filhos, causando-lhes grande ansiedade e agitação.
39 - A disfuncionalidade do agregado familiar paterno e materno, ao longo do período de acolhimento do AFT... torna evidente que esta criança necessita de viver em família, a qual lhe possa proporcionar bases sólidas para crescer de forma plena e harmoniosa, não passando por uma resposta na família biológica.
40 — Durante o acompanhamento da medida e pese embora todo o investimento que tem havido ao longo do tempo a ser efectuado, os progenitores do AFT... não apresentam condições para uma reintegração familiar.
41 - Os pais das crianças continuam a não apresentar as condições necessárias para assumirem o AFT... e a sua irmã, apresentando uma estrutura familiar enfraquecida do ponto de vista emocional/relacional, incapaz de proporcionar um ambiente familiar contentor e securizante, o que seria imprescindível ao seu saudável desenvolvimento.
42 - Sendo que, também, inexistem outros familiares desta criança para se assumirem como alternativa.
43 — Correu termos processuais pelo Juízo Local Criminal de Loures — Juiz 1 o P. com o n° 1006/16.3 PGLRS, por violência doméstica relativamente ao qual o progenitor foi absolvido por decisão proferida em 30 de janeiro de 2018.
44 — Por não ter sido localizada a progenitora, ali ofendida, faltou à audiência de discussão e julgamento sendo que por oposição da defesa do progenitor, ali arguido, foi indeferido o requerimento feito pelo Ministério Público que promovia a leitura em julgamento das suas declarações prestadas em fase de inquérito.
45 - A Adopção, é o projecto de vida que melhor salvaguarda e defende os superiores interesses e bem-estar do AFT....
3- Fundamentação Jurídica.
Conforme se referiu acima, a questão que importa analisar e decidir é a de saber se há fundamento para revogar a decisão de confiança do menor AFT... a instituição com vista a futura adopção, concedendo ao progenitor o prazo de seis meses para que possa demonstrar que reuniu condições necessárias para lhe ser confiado o menor.
Pois bem, em primeiro lugar importa ter presente a Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (Lei 147/99, de 1/09), doravante LPCJP.
De acordo com o art° 3° da LPCJP, relativo à legitimidade da intervenção do Estado:
A intervenção para promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais (...) ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento (...).
2 - Considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontra numa das seguintes situações..
a) Está abandonada ou vive entregue a si própria;
b) Sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais;
c) Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal,.
d) Está aos cuidados de terceiros, durante período de tempo em que se observou o estabelecimento com estes de forte relação de vinculação e em simultâneo com o não exercício pelos pais das suas funções parentais;
e) (...)
j) Está sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente a
sua segurança ou o seu equilíbrio emocional;
(-.).
A intervenção para promoção dos direitos e protecção da criança obedece aos princípios, entre outros, de Superior Interesse da Criança e Intervenção Precoce (art° 4°, als. a) e c) da LPCJP.
Uma das medidas de intervenção com vista à promoção e protecção é a de confiança a instituição com vista à adopção (art° 35° n° 1, al. g) da LPCJP).
A medida de confiança a instituição com vista a futura adopção é aplicável quando se verifiquem algumas das situações previstas no art° 1978° do CC (art° 38°-A da LPCJP).
Nos termos do art° 1978° do CC,
1 - O tribunal, no âmbito de um processo de promoção e proteção, pode confiar a criança com vista a futura adoção quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, pela verificação objetiva de qualquer das seguintes situações:
a) Se a criança for filha de pais incógnitos ou falecidos;
b) Se tiver havido consentimento prévio para a adopção,.
c) Se os pais tiverem abandonado a criança;
d) Se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança;
e) Se os pais da criança acolhida por um particular, por uma instituição ou por família de acolhimento tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança.
2 - Na verificação das situações previstas no número anterior, o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses da criança.
3 - Considera-se que a criança se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à proteção e à promoção dos direitos das crianças.
Antes de entrarmos na análise dos requisitos legais relativos à medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, convém recordar, por um lado, que a medida prevista no art° 38°-A da LPCJP, harmoniza-se com o art° 20° da Convenção dos Direitos da Criança que determina que A criança temporária ou definitivamente privada do seu ambiente familiar ou que, no seu interesse superior, não possa ser deixada em tal ambiente tem direito á protecção e assistência especiais do Estado.
Além disso, impõe-se ter presente o Princípio do Superior Interesse da Criança, que funciona como critério basilar de interpretação e aplicação da medida de confiança com vista a fietura adopção, constituindo mesmo o elemento principal de orientação do juiz na ponderação e decisão do caso concreto, aplicando ou afastando a medida.
Com efeito, esse Princípio permite aferir se em determinada situação concreta o corte definitivo das relações afectivas entre pais e crianças estará a violar o direito da criança à manutenção das relações afectivas com os progenitores, ou a proteger-lhe o direito a um são e equilibrado desenvolvimento a nivel da saúde, formação e educação.
Na verdade, o pedido, ao tribunal, de confiança da criança a instituição com vista a futura adopção,
— recorde-se que nos termos do art° 36° n° 6 da CRP somente mediante decisão judicial os filhos podem ser separados dos pais — tem, por regra, subjacente uma situação de conflito entre os interesses da criança e os interesses dos pais. E, perante esse conflito, à luz daquele Princípio, os Interesses da criança têm de ser prioritariamente protegidos face aos interesses dos pais.
Deste modo, quando a família biológica é disfuncional, a ponto de comprometer os vínculos afectivos da criança e os interesses/direitos desta a um desenvolvimento equilibrado, o juiz tem de dar primazia ao interesse da criança, que é considerado Superior aos dos pais biológicos. Percebe-se porquê: a parentalidade biológica, desprovida dos seus factores típicos e inerentes, como o amor, o carinho, os cuidados, a atenção, a disponibilidade, o empenho, a preocupação, o acompanhamento dos filhos, não pode ser considerada relação familiar sã e equilibrada, mas antes lesiva dos interesses da criança.
Assim, a preocupação dos juízes terá de centrar-se na busca de uma solução e de um projecto de vida para criança que lhe proporcione um desenvolvimento o mais harmonioso possível e que corresponda ao seu Superior Interesse. Isto mesmo que o juiz tenha de decidir que essa solução passa por um projecto de vida fora da relação biológica, se e quando a relação parental se mostrar inexistente. seriamente prejudicial ou violadora do frágil desenvolvimento harmonioso da Criança.
Para isso, impõe-se ao juiz sopesar, com rigor e objectividade — análise desprovida de subjectivismos, de vivências e da sociabilização do juiz — as circunstâncias da concreta vida da criança, com enfoque nas suas necessidades de desenvolvimento equilibrado, aferindo as suas necessidades de segurança, saúde física e psíquica, a sua alegria, bem-estar e educação.
Dito isto, passemos à análise dos requisitos estabelecidos pelo art° 1978° dos CC, relativos à medida de confiança a instituição com vista a adopção.
Pois bem, no caso dos autos irrelevam as previsões das alíneas a) e b) do art° 1978° n° 1 do CC: ser a criança filha de pais incógnitos ou falecidos, ou ter havido consentimento para a adopção.
Assim, interessa a análise dos restantes requisitos.
O proémio do n° 1 do art° 1978° do CC.
A lei refere no proémio do n° 1, a inexistência ou o sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação, mencionando/enumerando critérios objectivos dessa inexistência ou comprometimento sério dos vínculos inerentes/típicos da filiação.
Trata-se de critérios objectivos porque para a sua verificação não releva a culpa dos pais na quebra ou inexistência desses vínculos (Cf. Sara Caçador, Abordagem Teórico-Prática da Intervenção do Tribunal na Aplicação da Medida de Confiança Judicial Com Vista a Futura Adopção, Tese de Mestrado, UCP 2012, edição online, pág. 15).
E embora não se possa considerar pressuposto comum a todas as alíneas do art° 1978° n° 1 do CC, porque desde logo, por natureza, está afastado das situações previstas nas alíneas a), b) e c) desse normativo, ainda assim, nas demais situações carece de prova autónoma (cf. Pereira Coelho/Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, vol. II, Direito da Filiação, Tomo I, pág. 64). Deste modo, havendo prova da quebra dos vínculos afectivos da criança para com os pais, atendendo ao superior interesse, que prevalece sobre os restantes interesses em causa, deverá considerar-se que o pressuposto legal da inexistência ou comprometimento sério dos vínculos está verificado (...) A quebra dos vínculos afectivos não tem de ocorrer nas crianças e nos pais, pois apenas é relevante a quebra de vínculos afectivos da criança. (Cf. Sara Caçador, Abordagem Teórico-Prática... cit., pág. 16 e seg.).
Se a quebra de vínculos se verificar pelo lado dos pais, mesmo que as crianças manifestem afectividade por aqueles, a solução não poderá de deixar de considerar que os pais, que não tenham vínculos afectivos pelos filhos, nunca poderão assumir correctamente as suas responsabilidades parentais. sob pena de se colocar a criança em perigo. Desse modo, apesar do sofrimento da criança, atendendo ao seu superior interesse, a única medida que a salvaguarda é a de a afastar da ligação aos pais biológicos.
Na al. c) refere a lei o abandono da criança.
Abandono da criança não se confunde com desinteresse dos pais, previsto na al. e). O abandono consiste numa manifestação de vontade de renúncia ao vínculo paterno-filial. Os vínculos afectivos quebram-se por vontade, expressa ou tácita, dos progenitores. Na prática traduz-se num comportamento de deixar a criança entregue a terceiro sem intenção de voltar a busca-la.
Já no desinteresse, os progenitores adoptam uma conduta ambígua em relação à criança, mantendo alguns contactos que no entanto não são suficientes para assegurar a qualidade e continuidade dos vínculos afectivos (Sara Caçador, Abordagem Teórico-Prática... cit., pág. 21). No desinteresse houve apego, pelo menos aparente, sem a devida qualidade que, perdurando, permite concluir pelo comprometimento dos laços de afecto que caracterizam a filiação (Dulce Rocha, apud Sara Caçador, Abordagem Teórico-Prática... cit., pág. 22, nota 28).
A al. d) prevê as situações de colocação em perigo grave para a segurança, saúde, formação. educação ou desenvolvimento da criança.
Refere-se esta alínea a situações de não exercício ou de exercício deficiente das responsabilidades parentais pelos progenitores que constitua um perigo grave para a criança a nível da sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento.
A criança está em perigo quando se encontra numa situação em que vê ameaçada a sua existência ou integridade física ou psíquica (Sara Caçador, Abordagem Teórico-Prática... cit., pág. 23 e seg.).
Não se exige uma lesão efectiva, bastando a probabilidade eminente de lesão, para legitimar a aplicação da medida. A detecção do perigo é preventiva da lesão.
A criança encontra-se em perigo se se verifica uma situação de incerteza sobre o seu bem-estar físico ou psicológico. a sua capacidade de resistência, o seu equilíbrio mental e social ou diminuída na sua auto-estima. Está em perigo, quando não recebe os cuidados ou afeição adequados á sua idade e situação pessoal, quando é sujeita a comportamentos que afectam o seu equilíbrio emocional, como sucede quando é exposta a violência interparental.
A al. e): manifesto desinteresse nos filhos acolhidos em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade dos vínculos afectivos.
A lei ao reduzir para três meses o período de manifesto desinteresse dos pais visou evitar o prolongamento da institucionalização da criança que sofre graves carências com a ausência dos pais. Desinteresse nos filhos traduz com comportamento contrário estar interessado nos filhos. É a atitude de falta de cuidado e atenção para com tudo o que lhes diga respeito.
Para aferir da falta de interesse importa analisar a interacção entre pais e filhos, a qualidade dos contactos entre eles em termos de afectividade.
Se a interacção é básica e passiva, traduzindo-se num mero cumprimento de horário, ou se é desadequada face à idade da criança, consubstancia desinteresse pela criança. A falta de observação das orientações e projectos propostos pelos Técnicos é também factor demonstrativo de desinteresse porque elucidativo de falta de esforço e de empenho na reunificação familiar.
Verificado o desinteresse, cumpre avaliar se comprometeu seriamente a qualidade e continuidade dos vínculos afectivos.
O comprometimento desses vínculos verifica-se, por exemplo, se os progenitores deixaram de ser as pessoas de referência da criança.
A manutenção da situação de acolhimento sem que os pais mostrem uma atitude e comportamento reveladores de progressos sérios para a reunião familiar é demonstrativo de desinteresse na criança. O vínculo afectivo é uma relação de tal forma sólida que permite, a quem a olha do exterior, percepcionar que aquela criança tem aquele adulto como pessoa de referência e a quem pertence integralmente. Pessoa de referência é aquele que cuida, que dá carinho, que alimenta, que veste, que brinca, que educa, que protege, que ensina regras e dá orientações. (Sara Caçador, Abordagem Teórico-Prática... cit., pág. 43.)
O caso dos autos.
Como bem se realça no acórdão sob recurso ...Resulta, também, como extremamente impressiva, a completa ausência de orientação temporal por parte de ambos os pais e a total ausência em assumirem as suas responsabilidades no historial de vida do mesmo.
Igualmente, resulta da matéria de facto dada como assente que os pais do menor se encontram desligados da vida do filho.
(...)
O percurso de vida desta criança durante o tempo em que permaneceu no seio da família foi marcado por episódios de violência doméstica, pobreza extrema, agressões entre familiares ao ponto de ter sido acolhido aos dois anos de idade, tendo chegado a pernoitar na rua na companhia dos pais.
Após o acolhimento e apesar de ler sido dado todo o apoio a estes pais os mesmo não aproveitaram a ajuda prestada não tendo cumprido os planos que lhe foram traçados, não reorganizaram a sua vida para poderem ter o filho consigo.
Acresce que a mãe do AFT... necessita ela própria de ajuda a vários níveis (...) Apresenta alguma deficiência a nível cognitivo que a impede de tomar consciência das reais necessidades dos seus dois filhos.
A vida do pai do AFT... também não se mostrou ou mostra fácil encontrando-se a viver com uma companheira que tem ela própria as suas filhas acolhidas em Instituição tendo as mesmas sido sinalizadas por negligencia grave no seu tratamento sendo que a uma delas já foi aplicada a medida de confiança à Instituição com vista à adoção.
Foi dito pelas técnicas, que o menino não é nem nunca foi a prioridade de vida destes pais porquanto nunca fizeram verdadeiro esforço mesmo dispondo de todo o apoio por parte da Associação Passo a Passo, nomeadamente não abriam a porta às técnicas mesmo encontrando-se no interior da casa. (...)
E as coisas não mudaram, pois como se referiu estes pais, continuam instáveis sem saberem da vida real e quotidiana do seu filho.
Na verdade não só faltam e têm faltado às visitas sem que haja aviso por parte dos mesmos, como mantêm também, especificamente, o pai discurso e comportamento desadequado com as duas crianças.
Igualmente se conclui que, na família alargada não existem alternativas, pese embora, os esforços que foram feitos por parte das técnicas.
Não se verifica, assim, por parte destes pais uma relação afetiva própria da relação pais filho e entre os mesmos não existe um vínculo seguro próprio da filiação.
(...)
Entendemos, com um grau muito elevado de certeza, que se trata de uma situação não ultrapassável com a mobilização da solidariedade social, mas antes de uma incapacidade de organização pessoal não passível de alteração em tempo útil para esta criança (há que ter em conta, como se disse supra, que o AFT... tem sete anos de idade e é imperioso ter uma família alternativa).
(• • .)
Estes pais nunca fizeram nada para mudar de atitude e reorganizar-se, não revelando capacidade de se sacrificarem pelo filho, deixando-o, assim, exposto a situação de perigo, nunca se interessaram pela vida do filho, e das vezes que o visitaram foram desadequados no modo como lidam com as crianças, permanecendo longos períodos sem o visitarem e telefonarem para saber do mesmo.
Os pais nunca fizeram um esforço sério para criar condições para a reunião da criança.
Por outro lado, não há possibilidade de apoio ou colocação em família alargada.
Além disso, o pai tem mantido, quando visita os filhos, atitudes e verbalizações desadequadas, causando-lhes grande ansiedade e agitação.
Trata-se, de família biológica disfuncional, a ponto de comprometer os vínculos afectivos da criança e os interesses/direitos desta a um desenvolvimento equilibrado.
Como se disse, a parentalidade biológica, desprovida dos seus factores típicos e inerentes, como o amor, o carinho, os cuidados, a atenção, a disponibilidade, o empenho, a preocupação, o acompanhamento dos filhos, não pode ser considerada relação familiar sã e equilibrada, mas antes lesiva dos interesses da criança.
E havendo prova da quebra dos vínculos afectivos da criança para com os pais, atendendo ao superior interesse da criança, que prevalece sobre os restantes interesses em causa, deverá considerar-se que o pressuposto legal da inexistência ou comprometimento sério dos vínculos está verificado.
Ou seja, verifica-se uma situação de manifesto desinteresse no filho acolhido, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade dos vínculos afectivos.
O que nos termos do art° 1978° n° 1, al. e) do CC constitui justo fundamento para a aplicação da medida, como bem decidiu a 1ª instância.
A Pretensão de concessão ao progenitor o prazo de seis meses para que possa demonstrar que reuniu condições necessárias para lhe ser confiado o menor.
Haverá fundamento para a concessão desse prazo de seis meses?
Adiantando a resposta diremos que não.
Na verdade, o objectivo da medida, nada tem a .ver com a protecção dos progenitores, nem com a punição dos seus comportamentos mas, exclusivamente, com a salvaguarda do Superior Interesse da criança. E, por isso, se se protelar a efectivação da medida dando-se outra oportunidade aos pais que já demonstraram, bastamente, desde que a menina nasceu, que não têm condições para a criar. implicaria um arrastamento da vida de incerteza da menor. arruinando-lhe a oportunidade de crescer numa família funcional.
Não se pode permitir que a criança permaneça por tempo indeterminado na instituição. Não se podem consentir adiamentos reiterados ao direito de viver e de se desenvolver de modo harmonioso.
Tratar-se-ia manifestamente, face ao todo o passado, de uma medida dilatória dos pais com vista a evitar a futura adopção.
Aliás, é frequente em situações como a dos autos, de aplicação da medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, que os pais manifestem vontade de manter a relação afectiva com as crianças (Cf. Paulo Guerra, Confiança Judicial com vista à adopção — Os difíceis trilhos de uma desejada nova vida, Revista do Ministério Público, n° 194, Out./Dez 2005, pág. 93). Mas, por vezes tais manifestações correspondem a sentimentos de desespero e até de arrependimento e, outras, de meras manifestações de voluntarismo egocêntrico.
Não se pode confundir verdadeiro arrependimento com todo o desinteresse pela criança antes da aplicação da medida. A expectativa de reversão de comportamento, deve ser afastada nos casos, corno o dos autos, em que os progenitores, durante toda a vida da criança, se mostraram incapazes de cuidar dela.
O recurso improcede.

III-Decisão.
Em face do exposto, acordam na 6ª Secção Cível do em julgar improcedente a apelação mantendo integralmente a decisão recorrida.
Custas: pelo apelante, sem prejuízo de apoio judiciário.
Lisboa, 28/03/2019
Adeodato Brotas
Gilberto Jorge
Maria de Deus Correia