Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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 - ACRL de 02-04-2019   Administrador da Insolvência- Testemunha. Impedimentos.
O convite previsto no artigo 639.°, n.° 3, do CPC, não se aplica ao aperfeiçoamento das conclusões quanto à impugnação da decisão de facto.
O prazo adicional de 10 dias previsto no n.° 7 do artigo 638.° do CPC, depende apenas da apresentação de alegações impugnatórias da decisão de facto e não do modo como esse ónus foi exercido.
Se o Administrador da Insolvência for indicado como testemunha num processo onde desempenha aquelas funções, deve proferir a declaração prevista no artigo 499.° do CPC, ou seja, declara, por escrito, se tem conhecimento de factos relevantes e, neste caso, declarar-se-á impedido; não tendo conhecimento, fica sem efeito a sua indicação como testemunha.
Se não se declarar impedido, as parte podem requerer a declaração de impedimento até à sentença, ou, na altura da prestação do depoimento, após o interrogatório preliminar, a parte contra a qual for produzida a testemunha, pode impugnar a admissão do Administrador da Insolvência como testemunha, com os mesmos fundamentos por que o juiz deve obstar ao depoimento.
O período de inibição previsto na alínea c) do n.° 2 do artigo 189.° do CIRE varia entre 2 e 10 anos, relevando a concreta situação para o decretamento da medida justa ou proporcional da inibição, numa correlação, necessária, que tem de ser estabelecida entre os factos praticados, a gravidade dos mesmos, a culpa do autor e as consequências dessa atuação.
Compete ao afetado pela insolvência culposa alegar em que termos o referido preceito, aplicável
quando ocorre circunstancialismo enquadrável no n.° 2 e 3 do artigo 186.° do CIRE, revela desproporcionalidade entre a medida concreta aplicada (restritiva dos direitos fundamentais do afetado pela insolvência) e os fins visados pela mesma.
Proc. 1096/16.9T8BRR-C.L1 1ª Secção
Desembargadores:  Maria Adelaide Domingos - Ana Isabel Pessoa - -
Sumário elaborado por Margarida Fernandes
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Processo n.° 1096/16.9T8BRR-C.L1 (Apelação)
Tribunal recorrido: Juízo de Comércio do Barreiro — J2
Apelante:NMS...
Apelado: AM... Gama e outros
Sumário:
1. O convite previsto no artigo 639.°, n.° 3, do CPC, não se aplica ao aperfeiçoamento das conclusões quanto à impugnação da decisão de facto.
2. O prazo adicional de 10 dias previsto no n.° 7 do artigo 638.° do CPC, depende apenas da apresentação de alegações impugnatórias da decisão de facto e não do modo como esse ónus foi exercido.
3. Se o Administrador da Insolvência for indicado como testemunha num processo onde desempenha aquelas funções, deve proferir a declaração prevista no artigo 499.° do CPC, ou seja, declara, por escrito, se tem conhecimento de factos relevantes e, neste caso, declarar-se-á impedido; não tendo conhecimento, fica sem efeito a sua indicação como testemunha.
4. Se não se declarar impedido, as parte podem requerer a declaração de impedimento até à sentença, ou, na altura da prestação do depoimento, após o interrogatório preliminar, a parte contra a qual for produzida a testemunha, pode impugnar a admissão do Administrador da Insolvência como testemunha, com os mesmos fundamentos por que o juiz deve obstar ao depoimento.
5. O período de inibição previsto na alínea c) do n.° 2 do artigo 189.° do CIRE varia entre 2 e 10 anos, relevando a concreta situação para o decretamento da medida justa ou proporcional da inibição, numa correlação, necessária, que tem de ser estabelecida entre os factos praticados, a gravidade dos mesmos, a culpa do autor e as consequências dessa atuação.
6. Compete ao afetado pela insolvência culposa alegar em que termos o referido preceito, aplicável
quando ocorre circunstancialismo enquadrável no n.° 2 e 3 do artigo 186.° do CIRE, revela desproporcionalidade entre a medida concreta aplicada (restritiva dos direitos fundamentais do afetado pela insolvência) e os fins visados pela mesma.
Acordam na 1.a Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I — RELATÓRIO
Decretada a insolvência de ACO..., LD.@ por sentença de
01/08/2016, transitada em julgado, o credor AM... DA GAMA, em 10/10/2016, veio requerer a qualificação da insolvência como culposa, sendo abrangido pela qualificação o sócio gerente da insolvente,NMS..., por preenchimento das alíneas a), b, d), e g), do n.° 2 do artigo 186.° do CIRE.
Em suma, alegou, que a insolvente era proprietária de máquinas que constituíam o respetivo ativo e que o gerente NMS... as instalou numa terceira empresa - CV..., Unipessoal, Lda. -, também por este gerida, tendo para tanto celebrado com a sua mulher, MPF..., um contrato de confissão de dívida com dação em pagamento e comodato (junto a fls. 5v-8), através do qual a sociedade insolvente se declarou devedora da esposa do gerente, na quantia de €1.850,00, tendo entregue à mesma, em pagamento de tal dívida, a referida maquinaria, e, por sua vez, a esposa daquele, cedeu tais máquinas em comodato à supra referida sociedade CV....
As máquinas têm um valor de mercado cem vezes superior ao que lhe foi atribuído naquele contrato, tendo, assim, o gerente da insolvente atuado com o propósito de prejudicar os credores sociais.
m Administrador da Insolvência (AI) no parecer apresentado, em 26/10/2016, propôs a qualificação da insolvência como culposa com afetação do sócio gerente supra referido (cfr. fls. 11¬15).
m Ministério Público, em 01/11/2016, emitiu parecer concordante com o AI por considerar que se encontra preenchida a previsão normativa das alíneas b) e d) do n.° 2 do artigo 186.° do CIRE (cfr. fls. 36-36v).
m requeridoNMS... contestou, defendendo a improcedência do incidente e a qualificação da insolvência como fortuita (cfr. fls. 40-109).
A insolvente não contestou.
Foi proferido despacho saneador (cfr. fls. 147-148v).
Em fase de julgamento foi ordenada a realização de prova pericial singular para determinação
do «valor de mercado» das máquinas industriais identificadas nos autos.
m relatório de peritagem consta de fls. 221-226, com data de 02/12/2017.
m requerido NMS... requereu a 2.P- perícia, que foi deferida, mas veio a desistir da mesma (cfr. fls. 245v), na sequência da sentença proferida no Apenso J, que declarou ineficaz a resolução em benefício da massa insolvente do contrato de confissão de dívida e dação em pagamento supra referido.
Terminado o julgamento, foi proferida sentença, cuja parte dispositiva tem o seguinte teor:
«Face ao exposto, nos termos do disposto nos arts. 189.°, n.°s 1 e 2, e 186.°, n.° 2, alíneas d), h) e i), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o tribunal decide:
a) Qualificar como culposa a insolvência de ACO..., Lda. pessoa coletiva n° 5…, com sede no Parque Industrial de …, Corroios;
b) Declarar afetado pela qualificaçãoNMS...;
c) Declarar a inibição do gerente da insolvente,NMS..., pelo período de seis anos e meio, para a administração do património de terceiros, para o exercício do comércio, e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa;
d) Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos porNMS...;
e) Condenar o gerenteNMS... a indemnizar os credores da ACO..., Lda. no montante dos créditos não satisfeitos até às forças do respectivo património.»
Inconformado, apelou o requeridoNMS..., apresentando as conclusões de recurso que se encontram a fls. 327-330v, infra transcritas, concluindo pela revogação da sentença e pela qualificação da insolvência como fortuita.
O Ministério apresentou resposta ao recurso como consta de fls. 336-345, concluindo pelo não provimento do recurso.
Também o requerente AM... Gama apresentou resposta ao recurso, concluindo da mesma forma (cfr. fls. 347-356), pedindo, ainda, que o recorrente seja condenado como litigante de má-fé.
CONCLUSÕES:
1. Com o presente recurso pretende o ora Recorrente a revogação da sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo a fls. que qualificou a insolvência como culposa e o declarou afectado pela qualificação e determinou a sua inibição pelo período de seis anos e meio para a administração do património de terceiros, para o exercício do comércio, e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa.
2. Decidiu o douto Tribunal a quo dar como não provado o facto de que a esposa do requerido e
gerente da insolvente tenha efectuado empréstimos à sociedade insolvente ou que tais empréstimos hajam sido reflectidos na contabilidade da sociedade.
3. Todavia resulta da prova testemunhal produzida em juízo que a Sra. MPS... emprestava quantias monetárias, em dinheiro, ao ora Recorrente para efectuar pagamentos da Insolvente, conforme depoimento deste (minuto 8:29-8:31): emprestava dinheiro a mim para pôr na empresa tendo esta quantia ascendido a (minuto 9:04-9:06): alguns milhares de euros.
4. O mesmo decorreu do depoimento prestado pela Sr. MPS... quando questionada sobre a natureza dos empréstimos efectuados ao seu marido (minuto 4:19-4:45): a natureza, eu sou casada com o Sr. NJ... e o Sr. NJ... sempre que precisava de dinheiro para alguma, algum pagamento que precisava de fazer, pedia-me a mim e se eu na altura tinha, eu emprestava, emprestava-lhe dinheiro.
5. Contudo, estes empréstimos, sempre foram feitos entre marido e mulher e como tal não constavam de qualquer documentação, isto é, não constavam da contabilidade da Insolvente, nem a Sra. MPS... tem qualquer documento que possa atestar os empréstimos realizados, facto este que também a impediu de reclamar quaisquer créditos no âmbito da presente insolvência.
6. Sucede que a testemunha J... corroborou a existência dos empréstimos efectuados pela esposa do ora Recorrente (minuto 24:44-25:00): sei que tinha que haver empréstimos porque se a empresa, não tem, não tem dinheiro, não se socorre de empréstimos bancários, não tem essa informação e há ordenados que são pagos e há pagamentos a fornecedores, não havendo saldo bancário logicamente teria que haver empréstimos
7. Acrescentando ainda que a única forma como ela fica vertida na contabilidade é quando, quando aparece um recibo de ordenado pago, diz lá em dinheiro, apesar de não existir efectivamente nenhum documento comprovativo dos empréstimos efectuados (minuto 25:23-25:32) não um documento que diga que houve um empréstimo não mas há sim um pagamento em dinheiro de caixa que não havia caixa, não havia dinheiro de caixa, portanto em princípio alguém fez uma entrada em caixa para fazer aquilo.
8. Resulta, também, da prova junta aos autos e dos depoimentos prestados em juízo que o valor atribuído às máquinas para efeitos do contrato celebrado foi de €1.850,00, valor este contestado pelo ora Recorrido que entende que as máquinas teriam um valor comercial de €100.000,00.
9. O valor de €1.850,00 foi atribuído pelo Sr. NJ..., pois no seu entendimento era o valor comercial das máquinas àquela data (minuto 9: 12-9: 17): atendendo ao valor mais ou menos das máquinas, que as máquinas estão obsoletas, são máquinas muito antigas.
10. Acresce que, de acordo com a última IES entregue na Autoridade Tributária pela sociedade insolvente, referente ao ano de 2012 o valor de imobilizado era, naquela data, de €9.237,96.
11. Mais se acrescenta que resulta do auto de penhora elaborado em 2013.02.05 pelo Chefe de Finanças do Serviço de Finanças do Seixal 2, o valor de € 38.400,00 atribuído aos bens móveis penhorados.
12. Ora, como é possível verificar, todos estes valores, anteriores à data da celebração do contrato em apreço, apontam para valores claramente mais baixos que o valor atribuído pelo Recorrido.
13. Ficando assim demonstrado que o contrato celebrado tinha um motivo justificativo que em nada corresponde a uma tentativa de dissipação de património, tendo sido celebrado tendo em atenção a antiguidade das máquinas e mesmo que o valor apurado tenha sido inferior aos montantes emprestados pela Sra. MPS... ao ora Recorrente para pagamento de despesas e ordenados da ACOL.
14. Foi, ainda, o ora Recorrente questionado sobre o estado das máquinas objecto do contrato (minuto 23:42-23:47): outras estão completamente, sem poder trabalhar, falta peças e não há trabalho para elas e ainda que (minuto 23:53-23:55): 7á não funcionavam há muitos anos.
15. Por outro lado, foram incorrectamente julgados os factos que levaram à imputação destes às situações previstas nas alíneas a), b), d), f) h) e i) do artigo 186.°, n. 2 do CIRE.
16. Não foi possível depositar as contas na Conservatória nos anos 2010, 2013, 2014 e 2015 porque a Técnica Oficial de Contas da Insolvente não procedeu em conformidade, nem disponibilizou os elementos contabilísticos para que o novo Técnico Oficial de Contas o pudesse efectuar.
17. Tal como decorre do depoimento prestado em juízo pelo ora Recorrente sobre o motivo pelo qual as contas não foram depositadas (minuto 18:27-18:31): o fundamento é que a antiga contabilista nunca me chegou a fornecer elementos nenhuns apesar das diversas tentativas de contacto pelo gerente (minuto 18:52-19:00): nós tentamos fazer com que ela fechasse as contas dos anos mas nunca foi possível, uma vez que (minuto 20:18-20:25) a pessoa não me entregava nada de documentação. Todas as semanas ligava para ela e ela não tava, não atendia.
18. Explicou, também, a testemunha J... o motivo pelo qual não foram apresentadas as contas na Conservatória nos anos 2013, 2014 e 2015, altura a partir da qual se assumiu como novo TOC da empresa (minuto 2:36-3:21): o 2013,2014 e 2015 porque, portanto as declarações fiscais de uma empresa portanto dividem-se em duas partes, portanto a modelo 22, ou seja o IRC, apresentação das contas e depois a IES, informação empresarial simplificada, essa informação empresarial simplificada é que é feita portanto o depósito na conservatória. Para se fazer a IES é necessário ter elementos de trás, elementos do passado, porque enquanto para a modelo 22 se resume ao exercício do ano, a modelo 22 de 213 não foi entregue também, eu recebi em Julho mas também não tive elementos do primeiro semestre portanto não posso entregar contas de seis meses, mas a de 2014 e 2015 foram entregues e de 2016 também já foi entregue.
19. Mais acrescentando que (minuto 29-4: 19): como eu não tinha elementos do passado não conseguia fazer a IES, porque a IES é o histórico todo da empresa, onde estão as dívidas, onde estão os passivos, onde estão os activos, onde está os imobilizados, onde tá tudo isso, onde estão os resultados transitados e eu não tinha, portanto a discriminação dessas contas todas, apesar de ter pedido, ter feito e-mails, ter até penso que uma advogada que o Sr. NJ... teve antes que também portanto também fez o pedido, eu tenho aí alguns emails que eu que eu facultei ali ao Doutor do meu pedido, de saber se havia algum motivo que me impedia, portanto de a Senhora, a responsabilidade, chamei-a à atenção para o facto de haver declarações fiscais que estavam em falta que tinham que ser entregues. Pronto nada, nunca me foi dado uma resposta sequer àqueles e-mails. Não consigo fazer a IES não tendo histórico, não tendo elementos de trás.
20. Ora, ficou ainda provado pelo depoimento prestado em juízo do novo TOC, que sempre tentou, por diversas meios, o contacto com a anterior TOC, contudo nunca obteve resposta aos e-mails enviados (minuto 6:53-6:56): não não, nunca foi respondido, tal como não obteve resposta aos contactos telefónicos (minuto 6:59-7:08) sim o número de telefone que eu tentei encontrar na lista telefónica, mas não, não obtive aliás ou nem tava atribuído ou, não obtive qualquer resposta .
21. A sociedade Insolvente emitiu, em 2014.12.16, a factura n.° 1485704, no montante de E 1.850,00, e outorgou o contrato de confissão de dívida com dação em pagamento e comodato com a esposa do gerente, a Sra. MPS..., ora nesta altura não se perspectivava, sequer, a insolvência da sociedade comercial, pois esta não se encontrava em situação de insolvência nem em situação de insolvência iminente.
22. O ora Recorrente, à data da emissão da factura e outorga do contrato de confissão de dívida com dação em pagamento e comodato subjudice, não tinha qualquer conhecimento de qualquer situação de insolvência, do carácter prejudicial do acto e de que a referida sociedade comercial se encontrava à data em situação de insolvência iminente, ou mesmo do início do processo de insolvência, pois a referida factura foi emitida e o contrato subjudice outorgado em data anterior à declaração de insolvência que data de 2016.08.01.
23. Os empréstimos feitos pela Sra. MPJ... ao Sr. NJ... serviram, segundo o seu depoimento, para pagar dívidas da sociedade e nomeadamente da Segurança social e Finanças: Mandatário do Gerente (minuto 6:24-6:30): e o que é que ele fazia com esse dinheiro? Sabe se fazia pagamentos às Finanças, Segurança social?. MPS... (minuto 6:30-6:33):
exactamente. Seriam para fazer pagamentos da empresa, sem dúvida.
24. Decorre, assim, do depoimento prestado pelo ora Recorrente, que foram celebrados diversos acordos de pagamento para fazer face às dívidas existentes (minuto 32:43-32:45): sim foram celebrados acordos de pagamento, sendo que (minuto 32:48-32:50) grande parte deles foram cumpridos e (minuto 32:56-33:04) mais ou menos até 2014 mais ou menos. A partir de 2015 tornou-se mais difícil.
25. Por outro lado, o contrato de confissão de dívida com dação em pagamento e comodato foi celebrado no intuito de a empresa puder continuar a laborar: Mandatário do Recorrente (minuto 26:31-26:38): mas havia então actividade na empresa que justificasse que a sua mulher lhe emprestasse as máquinas é isso?. NJ... (minuto 26:38-26:42): sim é isso, sempre tentei o máximo possível levar a coisa para afrente não é
26. Fica, assim, demonstrado que a empresa ainda laborava e tinha acordos de pagamento celebrados com diversos credores, de forma a fazer face à situação de dívida, sendo este o motivo pelo qual o gerente não apresentou a sociedade à insolvência.
27. Mais se acrescentando que a celebração do contrato referente às máquinas da empresa foi celebrado quase dois anos antes da declaração de insolvência da sociedade.
28. Decorre, ainda, que a situação referente à disposição de bens da sociedade em proveito de terceiros e favorecimento de outra empresa na qual tinha interesse directo, que qualifica a insolvência como culposa, também não se encontra preenchida.
29. A sociedade Insolvente foi despejada das instalações onde se encontrava, em 2015.05.29, tendo sido necessário encontrar outro armazém para colocar as máquinas, contudo esta não foi uma tarefa fácil para o ora Recorrente (minuto 35:08-35: 12): sim nós falamos com vários armazéns para fazer a mudança porque nós já sabíamos que íamos ser despejados e era sempre pedida informação sobre a situação financeira da sociedade (minuto 35: 18-35:25): exigiam sempre IRC das contas, as contas de 3 anos antes, motivo pelo qual se recusavam a arrendar qualquer espaço (minuto 35:32-35:35): as pessoas achavam que não, que não tínhamos capacidade para alugar nada.
30. E esta urgência foi, ainda, maior visto que era impreterível que as máquinas continuassem a funcionar conforme depoimento da Sra. MPS... (minuto 9:59-10:24): as máquinas depois, ele pediu para, para ter as máquinas ainda uns dias nessas instalações para conseguir transportá-las porque ele teria que continuar a trabalhar e depois ele conseguiu transportar as máquinas para outro sítio para conseguir continuar a trabalhar.
31. Tendo esta testemunha acrescentado que este foi, também, o motivo pelo qual o ora Recorrente constituiu uma nova sociedade (minuto 18:40-18:48): a constituição da nova sociedade foi para ele ter um sítio para continuar a trabalhar e onde ter as máquinas para continuar a trabalhar.
32. Sucede, ainda, que o ora Recorrido tinha conhecimento desta situação, ou seja, quer da transferência das máquinas, quer da constituição da nova sociedade, segundo depoimento do Sr. NJ... (minuto 35:51-35:55): sim ele ajudou afazer a transferência das máquinas e (minuto 36:00-36:10): sim eu disse-lhe que tinha que, tinha que constituir uma nova empresa para [imperceptível] das máquinas que atendendo às contas da ACOL não havia possibilidade .
33. Ora, face aos factos supramencionados não se encontram preenchidas as presunções das alíneas a), b), d), f) h) e i) do artigo 186.°, n°2 do CIRE.
34. De fazer referência, ainda, que, o depoimento prestado pelo Administrador da Insolvência, não deveria ter sido tido em consideração como elemento probatório e de formação da decisão ora recorrida.
35. Resulta do Estatuto do Administrador da Insolvência (Lei n. 22/2013, de 26 de Fevereiro) que os administradores judiciais são servidores da justiça e do direito e devem actuar com absoluta independência e isenção (artigo 12.°, n.os 1 e 2) e como tal estão sujeitos aos impedimentos e suspeições aplicáveis aos juízes nos termos do artigo 4.°, n.° 1 deste mesmo diploma.
36. Como tal o Administrador da Insolvência ao ser indicado como testemunha na própria causa, deveria declarar sob juramento nu processo ( ) se tem conhecimento de factos que possam influir na decisão, sendo certo que, em caso afirmativo, deverá ser declarado impedido (cfr. artigo 499.° do CPC).
37. Decorre, então, da doutrina que o Administrador da Insolvência ao ter conhecimento da sua indicação como testemunha, deve declarar nos autos, sob juramento e por referência aos citados artigos, se tem ou não conhecimento de factos que possam influir na decisão (...) ou seja, se declarar que tem conhecimento de factos que possam influir na decisão, deve declarar-se impedido, não podendo a parte prescindir do seu depoimento (in Luís M. Martins Processo de Insolvência, 2013, 3a Ed).
38. Como tal, tendo o Administrador da Insolvência prestado depoimento sem ter em atenção a situação de impedimento em que se encontrava, deverá o mesmo ser desconsiderado.
39. Ainda, por outro lado, nunca poderá ser aplicada ao ora Recorrente uma inibição de seis anos e meio para a administração do património de terceiros, para o exercício do comércio, e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada
de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, por ser violadora do Princípio da Proporcionalidade, uma vez que, logo em primeira instância, e por mera comparação com o caso mediático do Banco BPP, alguns Administradores foram condenados com inibições entre dois e três anos.
40. Inibições estas claramente inferiores à aplicada ao ora Recorrente, sendo certo que este nunca agiu com culpa grave tal como decorre da matéria de facto supramencionada.
41. Pelo exposto não se encontram preenchidos os requisitos para a qualificação da insolvência como culposa e consequentemente a afectação do gerente e ora Recorrente, o Sr.NMS....
II- FUNDAMENTAÇÃO
A- Objeto do Recurso
O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), consubstancia-se na apreciação das seguintes questões:
- Questão prévia: da admissibilidade do recurso e da impugnação da decisão de facto
- Impugnação da decisão de facto
- Depoimento do AI
- Mérito da sentença
- Litigância de má-fé
B- De Facto:
A 1.@ instância deu como provada e não provada a matéria de facto:
FACTOS PROVADOS
a)A sociedade Automobilista do Campo de Ourique, Lda. é uma sociedade comercial que tem por objeto social a indústria e reparação de automóveis, bate-chapa, pintura e toda a mecânica em geral;
b)A sociedade identificada em 1. foi declarada insolvente por sentença proferida nos autos
principais em 1 de agosto de 2016;
c)0 capital social da insolvente é de €100.005,00, detido por dois sócios:NMS..., com três quotas de €37.000,00, €18.950,00 e €25.105,00, cada uma, e AM..., com duas quotas de € 25.105,00 e € 18.950, respetivamente;
d)NMS... é o gerente da sociedade identificada em 1.;
e)A sociedade identificada em 1. outorgou com MPS... um documento denominado Contrato de confissão de dívida com dação em pagamento e comodato, datado de 16 de dezembro de 2014, conforme documento que consta a fls.143v. a 146, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido e na qual a insolvente figura como Segunda Outorgante e MPS... como Primeira Outorgante;
f)No acordo referido no número anterior, a ora insolvente confessou dever à outorgante MPS... a quantia de €1.850,00;
g)De acordo com a cláusula Primeira do citado documento, A Primeira Outorgante é titular e detentora de um crédito certo, líquido e exigível sobre a Segunda Outorgante emergente de penhoras de rendimentos pvpios em diversos processos executivos em que é Executada e devedora principal a Segunda Outorgante, descritos no Anexo 1 ao presente contrato, cujo montante ascende a €1.850,00•
h)No mesmo acordo, a ora insolvente declarou entregar à outorgante MPS..., para pagamento integral do montante referido no número anterior, os bens móveis descritos no anexo II que consta a fls.146 e cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido, assim se dando por extinta a referida dívida;
i)No citado acordo, a outorgante MPS... declarou aceitar a dação em pagamento e ceder gratuitamente à ora insolvente, pelo período de cinco anos, os bens móveis constantes do aludido anexo, para que deles exclusivamente se sirva, de forma a poder cumprir os compromissos assumidos com os seus fornecedores
(Cláusula Oitava);
j)De acordo com a Cláusula Décima Segunda do mesmo documento, a ora insolvente declara expressamente considerar que, em caso de incumprimento [ ], o presente contrato constitui título executivo para todos os efeitos legais;
k)MPS... é casada com o gerente da ora insolvente, no regime da separação de bens;
1)Na insolvência que corre nos autos principais foram reclamados e reconhecidos pelo senhor administrador da insolvência créditos no valor total de €346.614,03;
m)De entre os créditos reconhecidos, contam-se dívidas ao Instituto de Segurança Social no montante de €194.389,09, dos quais €152.717,60 reportam-se a contribuições não pagas desde janeiro de 2005 a junho de 2006 e abril de 2010 a novembro de 2011, bem como dívidas à Fazenda Nacional, no valor de €84.783,74, provenientes de impostos, contribuições, coimas e encargos respeitantes aos anos de 2011 a 2015;
n)0 senhor administrador da insolvência verificou que o material descrito no anexo II ao acordo referido em 5., se encontrava em funcionamento nas instalações da sociedade CV... ¬Unipessoal, Lda., no P…, Aldeia de Paio Pires, tendo procedido à respetiva apreensão;
o)NMS... é o único sócio e gerente da sociedade identificada no número anterior;
p)A insolvente não depositou na Conservatória do Registo Comercial as contas relativas aos anos de 2010, 2013, 2014 e 2015;
q)Foi emitido um documento designado Factura 1485704, com data de 16.12.2014, dirigido a MPF..., discriminando o material que foi a entregue a MPF..., pelo valor total de €1.850,00; (fls.33-34)
18)A fatura referida na alínea anterior foi emitida sem IVA;
19)No dia 05.02.2013, a autoridade tributária penhorou a maquinaria discriminada na fatura referida em 1), tendo-lluie sido atribuído o valor de €38.400,00 e declarado no auto respetivo que 'Todos os bens se encontram em bom estado de conservafgo e jismionamento; (fls.67-68)
t)No auto referido na alínea anterior, ficou a constar que AMG... foi designado fiel depositário das máquinas;
u)Na declaração anual de IES do ano de 2012, a insolvente declarou um valor de €9.297,36 de ativos fixos tangíveis; (fls.84v. e seguintes)
v)A maquinaria foi avaliada pelo perito designado pelo tribunal no valor total de €108.763, tudo conforme relatório pericial junto a fls.221 a 226;
w)Por sentença proferida no apenso J, em 04.05.2018, foi declarada ineficaz a resolução em benefício da massa insolvente do contrato de confissão de divida e dação em pagamento operada pelo senhor administrador a insolvência;
x)No apenso de verificação e reclamação de créditos (apenso B), foram reconhecidos créditos sobre a massa insolvente no montante total de €346.714,03;
y)0 requeridoNMS... sabia que com a entrega em pagamento das máquinas à sua esposa, as mesmas não poderiam ser usadas para pagamento das dívidas da sociedade requerida aos respetivos credores.
FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa, impondo-se destacar não se ter provado que a esposa do requerido e gerente da insolvente tenha efetuado empréstimos à sociedade insolvente ou que tais empréstimos hajam sido refletidos na contabilidade da sociedade.
C- De Direito
1. Questão prévia: da admissibilidade do recurso e da impugnação da decisão de facto
O Ministério Público na resposta às alegações do recorrente veio defender a rejeição da impugnação da decisão de facto por não se encontrarem observadas as exigências das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC (não indicação dos concretos pontos de factos incorretamente julgados e decisão correspondente que deveria ter sido proferida).
Por sua vez, o apelado defende a rejeição liminar do recurso por não cumprir as formalidades do artigo 639.º do CPC (as conclusões são uma cópia quase integral do corpo da alegação), nem as do artigo 640.º do CPC (omissão da indicação dos concretos factos que considera incorretamente julgados e dos concretos meios probatórios que impunham decisão de facto diversa).
Aduz, ainda, verificar-se a intempestividade do recurso por inaplicação do prazo adicional de 10 dias, dado o incumprimento dos requisitos formais da impugnação da decisão de facto.
Vejamos.
No que concerne à prolixidade das alegações, o apelado tem absoluta razão.
Ponderou-se, contudo, que o núcleo essencial da alegação insere-se na discordância quanto à decisão de facto.
Ora, temos seguido o entendimento vertido nalguns acórdãos do STJ no sentido de o convite previsto no artigo 639.º, n.º 3, do CPC, não se aplicar ao recurso da impugnação sobre a matéria de facto, «uma vez que o art. 652.º, n.º 1, al. a), do CPC, apenas prevê a intervenção do relator quanto ao aperfeiçoamento das conclusões das alegações, nos termos do n.º 3 do art. 639.º, ou seja, quanto à matéria de direito e já não quanto à matéria de facto.»
Por conseguinte, a prolixidade das conclusões das alegações não determina a rejeição do recurso.
No que concerne ao preenchimento dos ónus previstos no artigo 6402.2 do CPC, o respetivo cumprimento tem de ser analisado, não globalmente, mas em relação a cada concreta alegação, o que se fará de seguida.
Quanto ao prazo adicional de 10 dias previsto no artigo 638.º, n.º 7, do CPC, também seguimos o entendimento adotado pelo STJ em alguns arestos no sentido dessa extensão depender apenas da apresentação de alegações em que a impugnação da decisão da matéria de facto seja sustentada, no todo ou em parte, na prova gravada, não ficando a mesma dependente da apreciação do modo como foi exercido o ónus de alegação.
Por conseguinte, não há fundamento para a rejeição do recurso.
2. Impugnação da decisão de facto
O recorrente nas conclusões 2 a 7 questiona que tenha ficado não provado que a sua esposa tenha efetuado empréstimos à insolvente ou que tais empréstimos hajam sido refletidos na contabilidade da sociedade.
Embora não o diga explicitamente, a impugnação de facto(s) não provado(s), sem que seja pedida uma concreta alteração, só pode ser interpretada como pretensão no sentido do mesmo(s) facto(s) ser(em) dado(s) como provado(s).
É com esse sentido que passamos a apreciar a impugnação.
O apelante invoca para fundamentar a impugnação os meios probatórios que identifica nas conclusões 3 a 7: depoimento da testemunha MPS..., as suas próprias declarações e o depoimento da testemunha J..., indicando as concretas passagens da gravação que impunham decisão diversa.
Entende-se, assim, que em relação a esta impugnação se encontram preenchidos os requisitos previstos no artigo 640.º do CPC, pelo que se passa a apreciar a decisão de facto quanto a essa matéria.
Alega o apelante que dos depoimentos acima referidos, decorre: (I) que a esposa fez empréstimos à insolvente sempre que esta precisava; (iI) que os empréstimos não estão documentados na contabilidade da empresa, nem a esposa do apelante tem na sua posse qualquer documento a comprovar os empréstimos; (iii) porém, se os recibos de ordenado eram pagos em dinheiro e a caixa não tinha dinheiro de algum lado tinha de vir o dinheiro; alguém fez uma entrada em caixa para se poder fazer o pagamento.
Ora, a questão reside, assim, na falta de prova segura e credível sobre os referidos empréstimos: quem os fez, quando os fez e quais os valores emprestados?
Os depoimentos da testemunha MPS..., pela relação marital que mantém com o apelante, e as declarações deste, pelo interesse que tem no que concerne à não qualificação da insolvência como dolosa, não podem ser valoradas sem levar em conta o contexto em que se inserem, pelo que só poderiam ser valoradas no sentido pretendido pelo apelante se corroborados com outros meios de prova, de cariz inequivocamente objetivo, donde saísse evidenciado, fora de qualquer dúvida razoável, que os empréstimos tinham ocorrido nos termos relatados pela testemunha Maria Paula e pelo ora apelante.
Ora, quanto à testemunha J..., mesmo valorando o seu depoimento como sendo imparcial e desinteressado (não obstante ter sido TOC da insolvente desde julho de 2013 até ao encerramento e, portanto, poder haver aqui algum resquício de parcialidade, no sentido de defesa da correção do modo de exercício das suas funções, a coberto da gerência do ora apelante), limitou-se a fazer um depoimento baseado num raciocínio dedutivo, assente na lógica e não em factos concretos no que concerne aos factos relevantes, ou seja, não sabia quem fez os empréstimos, quando foram feitos e qual o valor emprestado.
Assim, a questão que se coloca é se o dinheiro utilizado para pagar vencimentos, quando a caixa não tinha liquidez, era da mulher do apelante, qual o valor emprestado e quando o foi, uma vez que não é imperativo que assim o fosse, ou seja, a entrada de dinheiro poderia ter outra(s) fonte(s), não necessária e exclusivamente provenientes de um financiamento/empréstimo da mulher do gerente da sociedade.
O depoimento da testemunha não dá resposta segura e/ou credível a estas questões.
Aliado esse facto, à inexistência de qualquer tipo de documentação sobre os ditos empréstimos (como o próprio apelante reconhece), é evidente que a matéria impugnada só poderia ser dada corno não provado, como efetivamente foi, e bem, por manifesta insuficiência de prova sobre a referida factualidade.
Improcede, assim, este segmento da impugnação da decisão de facto.
Alega o apelante nas conclusões 8 a 13 que, «da prova junta aos autos e dos depoimentos prestados em juízo», o valor das máquinas não corresponde ao da avaliação do perito, como decorre do contrato de confissão de dívida com dação em pagamento junto aos autos e das declarações do apelante (que lhes atribuiu o valor de €1.850,00), do valor inscrito na IES de 2012, entregue à Autoridade Tributária (€9.237,96) e do auto de penhora de 05/02/2013, elaborado pelas Finanças (que lhes atribuiu o valor de €38.400,00), tudo atos praticados antes da avaliação pericial.
Na conclusão 14, o apelante chama à colação a antiguidade das máquinas e o seu estado para concluir, na conclusão 13, que ficou «demonstrado que o contrato celebrado tinha um motivo justificativo que em nada corresponde o uma tentativa de dissipação de património, tendo sido celebrado tendo em atenção a antiguidade das máquinas e mesmo que o valor apurado tenha sido inferior aos montantes emprestados pela Sra. MPS... ao ora Recorrente para pagamento de despesas e ordenados da ACOL.»
Não refere, pois, o apelante qual o facto ou factos que pretende impugnar. Nem nas conclusões, nem na motivação.
Se levarmos em conta que resulta dos factos provados todos os valores referidos pelo apelante (cfr. alíneas e), q), s), u), e v) dos factos provados), não se percebe, afinal de contas, qual o objeto da impugnação do apelante ou até se, na verdade, se está na mente do mesmo a alteração de alguma matéria de facto.
É que, mesmo que se considerasse que era visada a alínea v) dos factos provados - «a maquinaria foi avaliada pelo perito designado pelo tribunal no valor total de €108.763, tudo conforme relatório pericial junto a fls. 221 a 226» - tal não é compatível com a conclusão n.2 13, onde se percebe que não é o valor atribuído às máquinas que o apelante pretende questionar e ver alterado mas, antes, que se retire a conclusão que havia um motivo para a celebração do referido contrato de confissão de dívida com dação em pagamento.
Conclusão que, desacompanhada da menção do facto concretamente impugnado e daquele que deveria ter sido dado como provado, extravasa, obviamente, o âmbito da impugnação da decisão de facto e a reconduz a um juízo jurídico-conclusivo, insuscetível de aferição em sede de reapreciação da decisão de facto.
Sendo assim, em relação à alegação constante das conclusões 8 a 14, a invocação aos meios de prova referidos pelo apelante não é suficiente para se ter como impugnada qualquer matéria de facto, o que obsta a qualquer reapreciação da prova.
À cautela, para o caso de se entender que o apelante visava a impugnação com a alegação produzida, rejeita-se a impugnação, por manifesto incumprimento do n.2 1, alíneas a), b) e c) do artigo 640.2 do CPC: incumprimento do ónus de concretização do(s) ou do(s) ponto(s) de facto incorretamente julgados e de indicação dos concretos meios de prova que impunham decisão diversa, bem como da identificação da decisão que deveria ter sido proferida.
Nas conclusões 15 e 332 o apelante alega, respetivamente, que «foram incorretamente julgados os factos que levaram à imputação destes às situações previstas nas alíneas a), b), d), f), h) e i) do artigo 186.2, n.g 2 do CIRE» e que «em face dos factos supramencionados não se encontram preenchidas as presunções das alíneas a), b), d), f), h) e i) do artigo 186.º, n.º 2 do CIRE.»
Como resulta da leitura das conclusões 14 a 32 (que repetem a motivação do recurso), o apelante não indica e/ou discrimina quais os concretos pontos de facto, seja por reporte à decisão de facto, seja por menção do articulado onde alegou aquilo que agora refere como sendo os «factos supramencionados», que entende estarem incorretamente julgados, nem a decisão de facto que deveria ter sido proferido em face dos meios de prova que invoca.
Por outro lado, o que se verifica é que o apelante não questiona os factos dados como provados, mas antes apresenta justificações para a não apresentação de contas nos anos de 2010, 2013, 2014 e 2015; para a não apresentação da insolvência da sociedade; para questionar que tenha havido dissipação de património a favor de terceiro através de negócio realizado com pessoa relacionado com o apelante ou em favor de terceiros ou de outra empresa em relação à qual tinha interesse direto, em ordem a concluir que não se verifica a previsão das supra citadas alíneas do artigo 186.9, n.2 2, do CIRE.
Porém, nem sequer pede que essas justificações sejam transmutadas em factos provados e acrescentados à decisão de facto.
Ora, é patente que o apelante mistura matéria de facto com matéria de direito, não destrinçando qual a matéria de facto que impugna e a decisão de facto que deveria ter sido proferida, donde se pudesse aferir, em termos de direito, de modo diverso ao constante da sentença recorrida.
A mera discordância genérica e não concretizada quanto à matéria de facto dada como provada, sem menção dos concretos pontos de facto provados e/ou não provados, não cumpre o ónus em apreciação.
Efetivamente, a alínea a), do n.º 1 do artigo 640.° do CPC, ao referir-se aos concretos pontos de facto que [o recorrente] considera impugnados impõe que o impugnante discrimine de forma clara e explícita os factos em causa, que «tanto pode consistir na indicação do artigo da base instrutória em que o facto foi inserido, quando houver lugar a ela, ou do ponto da sentença que o contemple, como ainda na própria transcrição do respetivo enunciado fáctico.», situação que o apelante incumpriu completamente.
Também não cumpre o ónus de especificação dos concretos meios de prova previsto na alínea b) do n.º 1, do artigo 640.º do CPC, uma vez que a indicação pontual de algum ou alguns dos meios de prova sem correlação com a indicação dos concretos pontos de facto impugnados, não cumpre tal requisito, porquanto a lei impõe que essa «concretização seja relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos»?
No caso, o apelante também não concretizou a correlação entre os meios de prova indicados (seja no corpo da alegação, seja nas conclusões) com os pontos de facto impugnados uma vez que nem sequer indicou os concretos pontos impugnados.
Finalmente, também o impugnante não especificou qual a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como expressamente exige a alínea c) do n.º 1, do artigo 640.° do CPC, já que nada disse sobre essa matéria.
Verifica-se, assim, que o apelante não deu cumprimento a qualquer dos requisitos formais da impugnação acima citados.
De referir que a lei ao impor o acatamento dos ónus acima referidos tem uma específica finalidade.
Desde logo, a indicação dos concretos pontos de facto impugnados visa permitir «por um lado, o exercício eficaz do contraditório e, por outro, o julgamento adequado e seguro da impugnação da matéria de facto pelo tribunal ad quem, dando-se assim aplicação prática aos princípios da cooperação, lealdade e boa fé processuais. »
Efetivamente, a indicação dos concretos pontos em apreciação cumpre uma função essencial no objeto do recurso: é que, para além de o delimitar, balizando os poderes de cognição do tribunal de 2.ª instância, também tem a função de permitir o real e efetivo exercício do princípio do contraditório pela parte recorrida, compreendendo-se, assim, que faltando essa concretização, o legislador tenha optado por sancionar o não cumprimento do referido ónus com uma medida gravosa para o recorrente, ou seja, com a rejeição da impugnação.
Sublinha-se, ainda, que decorre reforçadamente da alteração do artigo 685.º-B do anterior CPC (vertida, agora, no artigo 640.º do atual CPC), que os poderes de sindicabilidade da Relação no que concerne à decisão sobre a matéria de facto encontram-se ampliados, no intuito de assegurar de forma efetiva o princípio do duplo grau de jurisdição nesta matéria, mas têm como contrapondo uma maior autorresponsabilização das partes no que concerne ao cumprimento dos ónus que lhes são impostos quanto ao preenchimento dos pressupostos da impugnação da decisão de facto.
Ónus que devem se apreciados numa ótica de rigor (nem sequer permitindo um aperfeiçoamento das conclusões de recurso no que concerne à impugnação, como, aliás, decorre da interpretação do artigo 639.º, n.º 3 do CPC que se reporta tão só às conclusões sobre a matéria de direito', como já acima assinalado), impedindo que a impugnação da decisão de facto se transforme numa manifestação mais ou menos extensa, mas sempre inconsequente, de discordância, baseada em juízos de valor altamente subjetivados provindos de uma das partes interessadas no desfecho da lide.'
Por conseguinte, e porque se encontra patentemente violado o disposto no artigo 640.º, n.º 1 alíneas a), b) e e c), do CPC, e porque os meios de prova produzidos nos autos não tem força probatória plena, nem foram invocados meios probatórios supervenientes que imponham decisão diversa, suscetíveis de serem apreciados em sede de recurso (cfr. artigo 662.º, n.º 1, do CPC), rejeita-se a impugnação da decisão sobre a matéria de facto no que concerne à alegação constante das conclusões 13 a 33 do recurso.
3. Depoimento prestado pelo AI da insolvência
Alega o recorrente nas conclusões 34 a 38 que o depoimento do AI deve ser desconsiderado
atenta a situação de impedimento em que se encontrava.
A questão ora suscitada não o foi em sede de 1..q instância, nem quando o AI foi arrolado pelo
Ministério Público (cfr. fis. 11v), nem quando foi o seu depoimento admitido (cfr. despacho de fls.
149), nem quando o prestou em audiência de julgamento realizada no dia 30/05/2017 (cfr. fls. 163-164).
O Estatuto do Administrador Judicial consta da Lei n.9 22/2013, de 26/02 (Estatuto do Administrador Judicial - EAJ) e prescreve no artigo 12.º, n.º 1 e 2, que os administradores judiciais (designados administradores da insolvência nos respetivos processos - artigo 1.°, n° 2) devem considerar-se, no exercício das suas funções e fora delas, como «servidores da justiça e do direito» e devem agir «com absoluta independência e isenção».
O AI não é, assim, parte no processo de insolvência onde exerce essas funções. Nem tal se coaduna como as funções exercidas, que, como refere o artigo 2.º, n.º 1, do EAJ, são de «gestão ou liquidação da massa insolvente no âmbito do processo de insolvência», nem com o modo como é nomeado e destituído (cfr. artigos 12.º, n.º 1, 13.º e 16.º do EAJ).
Não sendo parte, em princípio, poderia depor na qualidade de testemunha, exceto se tal colidir com o exercício das funções que desempenha.
Ora, o AI apresenta o relatório a que alude o artigo 155.2 do CIRE, onde pode pronunciar-se sobre a qualificação da insolvência e emite o parecer previsto no artigo 188.º, n.º 3, se o incidente for declarado aberto.
Por conseguinte, tem uma intervenção específica no incidente de qualificação da insolvência, a par das demais funções que desempenha na insolvência propriamente dita, sujeita a regras próprias, muito diferentes das aplicáveis às testemunhas.
Estipula o artigo 4.º sob a epígrafe «Incompatibilidades, impedimentos e suspeições», no n.º 1, que: «Os Administradores judiciais estão sujeitos aos impedimentos e suspeições aplicáveis aos juízes, bem como às regras gerais sobre incompatibilidades aplicáveis aos titulares de órgãos sociais das sociedades.»
Assim, se o AI for indicado como testemunha num processo onde desempenha aquelas funções, deve proferir a declaração prevista no artigo 499.º do CPC, ou seja, declara, por escrito, se tem conhecimento de factos relevantes e, neste caso, declarar-se-á impedido (cfr. artigo 115.º, n.º 1, alínea h) e 116.º, n.º 1, do CPC); não tendo conhecimento, fica sem efeito a sua indicação como testemunha.
Se o AI não se declarar impedido, as parte podem requerer a declaração de impedimento até à sentença (artigo 116.º, n.º 1, 2.ªparte, do CPC).
Sem descurar que, por força do artigo 514.° do CPC, na altura da prestação do depoimento, após o interrogatório preliminar, a parte contra a qual for produzida a testemunha, pode impugnar a admissão do AI como testemunha, com os mesmos fundamentos por que o juiz deve obstar ao depoimento, entre eles, o referido impedimento acima referido (cfr. artigo 515.° do CPC).
Ora, no caso dos autos, ninguém suscitou a questão do impedimento do AI para depor como testemunha, através dos incidentes supra referidos, encontrando-se, nesta fase de recurso, esgotados os momentos processuais previstos na lei para poderem ser deduzidos.
Por conseguinte, a alegada «desconsideração» do depoimento do AI prestado nestes autos, não pode ser invocada nesta fase de recurso, apresentando-se como manifestamente extemporânea, não suscetível de apreciação.
4. Mérito da sentença
No que concerne a este aspeto da sentença, o apelante invoca na motivação do recurso que «resulta dos elementos probatórios juntos aos autos e depoimentos das várias testemunhas, [que] o ora Recorrente não teve qualquer comportamento doloso ou com culpa grave, conducente à produção e/ou agravamento do estado de insolvência da ACOL.
O Recorrente não agiu com dolo, em nenhuma das modalidades, uma vez que não teve qualquer intenção de provocar e/ou agravar a situação da insolvência em que se encontra a ACOL, do mesmo modo que não previu como possível a verificação dessa situação de insolvência, nem para tanto agiu, no exercício das suas funções de gerente, com desleixo, incompetência, incúria ou leviandade.»
Porém, decorre do extratado que o recorrente não ataca a decisão de direito propriamente dita, com argumentos de cariz jurídico. Situa, antes, a discordância na alegação dos motivos e justificações que, no seu entender, não podiam determinar a aplicação das alíneas a), b), d), f), h), e i) do n.° 2, e alíneas a), e b) do n.º 3, do artigo 186.° do CIRE.
Sucede que, em face do modo como ao apelante impugnou a decisão de facto, o que determinou a improcedência da impugnação da decisão de facto na parte em que foi admitida e a rejeição na parte restante, como supra analisado, determina a irrelevância jurídica da argumentação do apelante.
Acresce que da leitura dos fundamentos jurídicos da sentença não emerge qualquer error in judicando que justifique intervenção oficiosa corretiva do ali decidido quanto à qualificação da insolvência como dolosa, pelo que se remete para a sentença, corroborando-se o ali decidido.
O apelante termina as alegações invocando na conclusão 39 a violação do princípio da proporcionalidade, expressando-se do seguinte modo: «...nunca poderá ser aplicada ao Recorrente uma inibição de seis anos e meio para a administração do património de terceiros, para o exercício do comércio, e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, por ser violadora do Princípio da Proporcionalidade, uma vez que, logo em primeira instância, e por mera comparação com o caso mediático do Banco BPP, alguns Administradores foram condenados com inibições entre dois e três anos», ou seja, inferiores à que lhe foi aplicada.
A argumentação do recorrente não procede.
O princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, vertido no n.º 2 do artigo 18.º da CRP, como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira', enquanto pressuposto material da restrição legítima dos direitos liberdades e garantias, desdobra-se em três subprincípios, a saber: (i) princípio da adequação ou da idoneidade (as medidas restritivas previstas na lei devem revelar ser o meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei, salvaguardando outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); (ii) princípio da exigibilidade, necessidade ou indispensabilidade (as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias/exigíveis por os fins visados pela lei não poderem ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias); e (iii) princípio da proporcionalidade em sentido estrito (os meios legislativos e os fins obtidos devem situar-se na «justa medida», impedindo a adoção de medidas legais restritivas desproporcionadas/excessivas, em relação aos fins obtidos).
Ora, o período de inibição previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 189.º do CIRE varia entre 2 e 10 anos, relevando a concreta situação para o decretamento da medida justa ou proporcional da inibição, numa correlação, necessária, que tem de ser estabelecida entre os factos praticados, a gravidade dos mesmos, a culpa do autor e as consequências dessa atuação.
Competia ao apelante alegar em que termos o referido preceito, aplicável quando ocorre circunstancialismo enquadrável no n.º 2 e 3 do artigo 186.º do CIRE, revela desproporcionalidade entre a medida concreta aplicada (restritiva dos direitos fundamentais do afetado pela insolvência) e os fins visados pela mesma.
O apelante omite por completo essa alegação.
A omissão dessa fundamentação impede qualquer consideração sobre a alegada violação do princípio da proporcionalidade, exceto a de que não é patente que a mesma se verifique, considerando os limites temporais previstos na norma, a conduta do afetado pela qualificação da insolvência como culposa e as consequências da referida conduta.
Sendo que a invocação de outras decisões, tenham sido ou não proferidas em casos mediáticos, sem conhecimento dos concretos contornos da situação, irrelevam em absoluto para a aferição da alegada violação nos presentes autos.
Improcede, assim, a apelação, nada havendo a censurar à sentença recorrida.
5. Litigância de má-fé do apelante
m apelado AM... da Gama requereu na resposta ao recurso a condenação do apelante como litigante de má-fé, por o mesmo não poder ignorar a absoluta e total falta de fundamentos das alegações de recurso, por a motivação apresentada não ser verdadeira, e mesmo que o fosse não relevarem em termos de recurso da decisão de facto, apresentando-se o recurso como um meio manifestamente dilatório de protelar o trânsito em julgado da decisão que declarou a insolvência como dolosa.
Os requisitos da litigância de má-fé encontram-se previstos no artigo 542.º do CPC.
Exige-se um comportamento processual praticado como dolo ou com negligência grave enquadrável nas alíneas a) a d) do n.º 2 do artigo 542.º do CPC, evidenciando violação dos deveres de boa-fé processual, cooperação e recíproca colaboração (artigos 7.º, 8.º e 9.º do CPC).
m decaimento na pretensão, seja da ação, oposição, ou recurso, só por si, não evidencia a violação desses deveres, nem um comportamento processual qualificável nos termos previstos na norma.
m recurso legítimo aos tribunais não pode restringir-se àqueles que inequivocamente tenham a razão do seu lado.
m direito à defesa, no vertente do acesso ao direito (cfr. artigo 20.2 da CRP), não pode ser restringido, exceto em casos em que manifestamente sejam excedidos os limites previstos na lei. Não se afigura ser o caso.
A alegação recursória do apelante não ultrapassou o limite do razoável. Não teve êxito, é certo, mas não mais do que isso.
Por conseguinte, desatende-se a pretensão do apelado.
6. Custas
Dado o decaimento, as custas ficam a cargo do apelante (artigo 527.º do CPC e 303.º do
CIRE), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP.
111- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar improcedente a apelação,
confirmando a sentença recorrida.
Custas nos termos sobreditos.
Lisboa, 02 de abril de 2019
(Maria Adelaide Domingos - Relatora)
(Ana Isabel Mascarenhas Pessoa — 1.° Adjunta)
(Eurico José Marques d s Reis -2.° Adjunto)