Os factos-índices elencados nas alíneas a) a h) do n°1 do art.°. 20° do CIRE manifestam a insusceptibilidade de o devedor cumprir pontualmente as suas obrigações, sendo presuntivos da insolvência.
O devedor pode impedir a declaração de insolvência, demonstrando que não se verifica qualquer dos invocados factos índice, ou demonstrando que, não obstante a ocorrência desse(s) facto(s), não se verifica, no caso concreto, a situação de insolvência —art. 30°, n.° 3, do CIRE.
A obrigação do devedor/avalista é uma obrigação autónoma, não lhe assistindo o beneficio da excussão.
Tendo-se provado ser o montante da dívida do valor de €268.022,36, remontar o vencimento da mesma a Setembro de 2017, e não ter a dívida sido paga desde então, ainda que parcialmente, sendo os únicos rendimentos líquidos da devedora do montante mensal de €1.300,00, é de considerar preenchido o facto-índice a que alude o art. 20°, n.° 1, al. b) do CIRE, evidenciando aqueles factos a impossibilidade da devedora pagar pontualmente a generalidade das suas obrigações.
Em face dessa demonstração, competia à devedora provar que tinha capacidade para cumprir, com regularidade e pontualidade, as suas obrigações, isto é demonstrar que possuía crédito e património activo líquido suficientes para saldarem o seu passivo.
(Sumário elaborado pelo Relator).
Proc. 3516/18.9T8BRR-A.L1 1ª Secção
Desembargadores: Manuel Marques - Pedro Brighton - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
_______
Proc. N.° 3516/18.9T8BRR-A.L1
Juízo do Comércio do Barreiro
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. BB..., S.A., intentou a presente acção declarativa com processo especial contra CC..., requerendo a declaração de insolvência desta.
Alegou, em síntese, que é credor da requerida da quantia de €288.858,51, tendo esta juntamente com BMC... avalizado uma livrança subscrita pela sociedade FRF..., Lda, a qual, apresentada a pagamento, não foi paga por qualquer dos obrigados, e que a requerida não dispõe de activo suficiente para satisfazer o seu passivo, encontrando-se insolvente nos termos do disposto no art. 20.°, n.° 1, als. a) e b) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
A requerida deduziu oposição, invocando a inexistência do crédito, por não o ter contratado e serem falsas as assinaturas que lhe são imputadas constantes dos documentos em que se funda o requerente.
Alegou ainda que era sócia e gerente da FRF..., Lda, que instaurou contra o seu ex-marido uma acção que corre termos no tribunal de Comércio de Lisboa sob o n.° 4197/...0T8LSB, com vista à anulação dos pretensos negócios de cessão da quota celebrados por aquele e que não se encontra insolvente, atento o património que possui em comum com o seu ex-marido, sendo o activo manifestamente superior ao passivo.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença, na qual se julgou procedente a acção e a requerida foi declarada insolvente.
Inconformado, veio a requerida interpor o presente recurso de apelação, tendo nas alegações formulado as seguintes conclusões:
1.- Viola a decisão recorrida o disposto no art.° 387.° do Código Civil, devendo ser aditada à matéria de facto dada como provada, de acordo com o preceituado no art.° 662.° do C.P.C., o facto resultante do documento junto pela Recorrente sob o n.° 2 e não impugnado pela Recorrida de onde resulta provado que, se encontra no Tribunal de Comércio de Lisboa uma acção em que é Autora a ora Requerida, com vista a anular todos estes pretensos negócios, que corre termos no j2 sob o n.° 4197/16.0T8LSB.
2.- A Recorrente provou que detém créditos litigiosos, como se vê do documento junto sob o número dois da oposição e que se refere à acção judicial que intentou para reaver a Farmácia do P.. detida pela sociedade FRF..., Lda., bem como créditos que lhe poderão advir das partilha dos bens comuns que ainda detém com o seu ex-marido, estando actualmente empregada, como consta do facto provado n.° 24, auferindo de um vencimento de €1300,00, pelo que o simples facto de não ter pago à requerente da insolvência, não se encontrados preenchidos os critérios do art.° 3.°, n.°s 1 e 2 do CIRE que a decisão em crise viola.
3.- A Recorrente cumpriu o ónus de prova preceituado nos n.°s 3 e 4 do art.° 30.° da CIRE, e a circunstância de estar provado que a Recorrente não vem efectuando o pagamento das prestações vencidas dos créditos de que é avalista, não permite, por si só, concluir pela suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas (al. a) do n° 1 do art.° 20° do CIRE) pois não vindo demonstrado que Recorrente tenha suspendido o pagamento de outras obrigações, nomeadamente a outros credores, não poderá concluir-se pela exigida suspensão generalizada - correspondente à generalidade dos débitos e das obrigações vencidas do devedor - mas antes e apenas por uma suspensão individualizada, ou seja, perante um único credor.
4.- A circunstância do incumprimento in casu, nomeadamente o facto de em relação ao crédito esse incumprimento se situar em 19.09.2010, não pode nem deve ser valorado como revelador de impossibilidade de satisfação da generalidade das outras obrigações, pois aquele crédito enquadra-se no âmbito de uma relação mais vasta entre a Recorrente, a sociedade devedora e o outro avalista, seu ex-marido, uma vez que na verdade foi celebrado entre a sociedade FRF..., Lda., BMC... e CC... um contrato de mútuo mediante o qual o requerente concedeu à sociedade um empréstimo no valor de € 500.000,00, e apenas foi requerida a insolvência da ora Recorrente, existindo primeiramente um devedor principal, a sociedade supra referida, nunca tendo sido peticionada a insolvência da referida sociedade e por tal o património da mesma excutido, não se podendo sequer apurar que o montante da dívida é o constante da petição de insolvência, resultando da decisão em crise que não se provou que a Recorrente haja subscrito o 2.° aditamento, datado de 01/06/2015, ao contrato de mútuo de 09/10/2009.
5-Não se pode concluir pela responsabilidade da Recorrente pela totalidade do crédito peticionado pela Recorrida e considerando os esgrimidos argumentos das partes nesta acção, importaria concluir pela não verificação do factos índices invocados para obter a declaração de insolvência da requerida, o que a decisão em crise não faz.
6.- Atendendo à materialidade supra indicada é evidente que a mesma não preenche qualquer dos factos índice de insolvência das alíneas a) e b) do n.° 1 do art.° 20°, na medida em que não se
poderá concluir que a requerente deixou de dar satisfação aos seus compromissos, em termos que projectam a sua incapacidade de pagar, tratando-se de uma suspensão «generalizada» ou, então, que se tenha verificado a falta de cumprimento de uma ou mais obrigações, que pelo seu montante ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidencia a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos. Ou seja, quanto às duas indicadas alíneas, inexistem tais factos índice.
7.- Nem se verifica sequer a situação da alínea f), porquanto, além de se poder questionar se o caso vertente se enquadra na previsão legal, encontra-se suficientemente evidenciado o circunstancialismo que levou ao não pagamento das prestações vencidas, até porque a Recorrente acabou por demonstrar um quadro fáctico que aponta no sentido de um contínuo processo de reestruturação da situação financeira e da capacidade operacional. Tendo uma profissão aufere um ordenado e está em processo de divisão de património que tem para fazer com o seu ex marido já supra referido.
8- Porque a alegação e prova de, pelo menos, um dos mencionados factos índice, continua a ser necessária para a existência e o prosseguimento do processo de insolvência desencadeado por acção dos credores (art.° 20°, n.° 1), inexistem factos que possam preencher alguma das alíneas do n.° 1 do art.° 20° e que impõe a revogação da sentença em crise.
9.- Dispõe ainda o art 28° do CIRE que, «a apresentação à insolvência do devedor implica o reconhecimento por parte do mesmo da sua situação de insolvência, que é declarada até ao 3° dia útil seguinte ao da distribuição da petição inicial, ou, existindo vícios corrigíveis, ao do respectivo ao do respectivo suprimento., factos que a Recorrente não reconhece, por se encontrar solvente.
10.- Declarar a Recorrente insolvente quando na verdade esta não o está, viola os direitos liberdades e garantias constitucionalmente consagrados, tal como refere o n. 2. do artigo 18.° da Constituição da República Portuguesa :A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos., na medida em que privar a Recorrente dos seus poderes de administração e disposição, subtraindo-lhe os poderes de gerir os seus bens.
Termos em que deverá a sentença em crise ser revogada.
O requerente apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:
1. Por força do disposto no n.° 1 do artigo 387.° do Código Civil, apenas a certidão da pendência de acção judicial poderia fazer prova da mesma.
2. Tal certidão nunca foi junta aos autos — que pelo que o tribunal a quo nunca poderia dar tal facto como provado.
3. As cópias simples juntas aos autos pela Recorrente não fazem prova do valor das quotas —pelo que, ainda que fossem admitidas como prova, não demonstrariam a solvência (ainda que potencial) da Recorrente.
4. Mas tão só a possibilidade de a Recorrida voltar a ser titular das quotas da sociedade comercial FRF... Lda..
5. A Recorrente não provou, nem tentou provar — ou sequer alegou — a existência de processo de inventário após divórcio onde tivesse elencado os bens comuns do casal que alega aguardarem partilha.
6. Resulta da contestação que a Recorrente tem sido notificada e citada em vários processos, referindo a existência de um processo executivo em curso junto do Juízo de Execução de Oeiras, sob o n.° 2620/...0T80ER.
7. Ou seja, o Recorrido não é o único credor da Recorrente.
8. A Recorrente incumpriu o disposto no n.° 2 do artigo 30.° do CIRE, ao não juntar aos autos lista dos seus cinco maiores credores, para ocultar do tribunal a quo a verdadeira situação em que se encontrava.
9. A Recorrente começou a laborar uma semana antes da audiência de discussão e julgamento — mas nunca explicou como fez face à suas despesas mensais entre 2013 (data da separação de facto) e 2019.
10. Nem como assegura habitação, alimentação e vestuário.
11. Nem juntou aos autos qualquer documentação que comprove o estado actual da sua situação financeira.
12. Foi peticionada a insolvência da sociedade FRF..., Lda., que corre termos junto do Juízo de Comercio de Lisboa, sob o n.° 26563/...6T8LSB.
13. A Recorrente é avalista, solidariamente responsável e principal pagadora perante o Recorrido.
14. Tendo admitido, em sede de declarações de parte, ter assinado o contrato, a livrança e o primeiro aditamento ao contrato.
15. O tribunal a quo esclareceu entender que não se encontrava preenchido o requisito da alínea a) do n.° 1 do artigo 20.°, porquanto entendeu não reunir factos suficientes que permitissem concluir pela suspensão do incumprimento de todas as obrigações vencidas.
16. Verificando, no entanto, o preenchimento da alínea b) do n.° 1 do artigo 20.° do CIRE —por força do elevado montante, da longevidade do incumprimento e da falta de liquidez da Recorrente.
Termina pedindo seja negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se na íntegra a sentença recorrida.
Já após terem sido colhidos os vistos, veio a apelante juntar aos autos cópia de um acordo de pagamento junto no dia 23 de Abril de 2019 aos autos de execução n.° 7809/...4T8ALM, celebrado entre o exequente BB..., SA e os aí executados FRF... Lda, e BMC..., respeitante à quantia exequenda, que, à data de 8/04/2019, fixaram em €293.022,36.
Notificado do teor dos documentos juntos, veio o apelado confirmar a celebração do acordo de pagamento, mas que não exonerou a ora apelante das responsabilidades em causa.
Cumpre decidir.
II. Na decisão recorrida, foi dada como provada a seguinte matéria de facto:
1) Em 09/10/2009, foi celebrado entre o requerente, a sociedade FRF..., Lda., BMC... e CC... um contrato de mútuo mediante o qual o requerente concedeu à sociedade um empréstimo no valor de € 500.000,00, de que esta se confessou devedora, destinado ao pagamento da retribuição devida pela cessão de exploração do estabelecimento comercial denominado FO..., instalado na R…, em Lisboa.
2) As partes acordaram que a referida sociedade se obrigava a pagar ao Banco Requerente o empréstimo concedido no prazo de 10 anos, nos termos e condições constantes do contrato, cujo original foi junto em audiência e se dá por reproduzido.
3) Para garantia do bom e integral cumprimento do contrato de mútuo acima identificado, a sociedade mutuária entregou ao Banco Requerente uma livrança em branco subscrita pela sociedade, representada pela requerida, e avalizada pela requerida e por BMC..., bem como o respectivo pacto de preenchimento.
4) Foi acordado no contrato em questão que a livrança, subscrita e avalizada, poderia ser preenchida livremente pelo Banco requerente, designadamente no que se refere às datas de emissão, de vencimento e local de pagamento e pelo valor correspondente aos créditos de que seja titular por
força do mútuo.
5) A sociedade obrigou-se, ainda, a dar de penhor o estabelecimento comercial denominado FO..., acima identificado, logo que o adquirisse por trespasse.
6) O referido contrato foi notarialmente autenticado, dele constando, bem como do termo de autenticação, as assinaturas do requerente, da requerida, por si e em representação da sociedade FRF..., Lda., e de BMC....
7) Em 30/10/2009, foi celebrado entre o requerente, a sociedade FRF..., Lda., BMC... e CC... um aditamento ao contrato de mútuo descrito em 1), alterando-se as cláusulas ali insertas referentes a utilização e desembolsos e a reembolsos, conforme documento 1 junto à petição inicial que se dá por reproduzido.
8) O referido aditamento foi subscrito pelo requerente, pela requerida, por si e em representação da sociedade FRF..., Lda., e por BMC....
9) Em face do incumprimento do contrato supra mencionado, o requerente procedeu ao preenchimento da livrança dada em garantia, em estrito obediência à autorização prestada pela requerida e por BMC..., pelo valor de € 275.063,75 e com data de vencimento de 20/09/2017.
10) A referida livrança foi apresentada a pagamento, não tendo sido paga pela sociedade subscritora, nem pelos avalistas, encontrando-se em dívida o valor de € 275.063,75, a título de capital, a que acrescem juros de mora calculados à taxa legal de 4/prct. contados desde a data de vencimento da livrança (20/09/2017) e até 28/11/2018 no montante de € 13.264,19, bem como o respectivo imposto de selo, no valor de € 530,57, num total de € 288.858,51.
11) Nas pesquisas efectuadas pelo agente de execução junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, do Registo Automóvel e da Segurança Social, no âmbito do processo executivo com o n.° 7809/...4T8ALM, que correu termos no Juízo de Execução de Almada, Juiz 2, que o requerente intentou contra a requerida, não foram localizados bens imóveis e veículos automóveis em nome da requerida e a última remuneração registada ocorreu em Dezembro de 2015.
12) A requerida foi citada no âmbito da referida acção executiva em 29/11/2017, na pessoa de LA.., seu pai.
13) A requerida deduziu pedido de apoio judiciário em 07/12/2017, no âmbito da referida acção executiva, que veio a ser indeferido em 18/04/2018.
14) A requerida contraiu casamento com BMC... em 5 de Abril de 2003, sob o regime da comunhão de adquiridos, que veio a ser dissolvido por divórcio decretado por sentença de 03/07/2017, transitada em julgado em 22/09/2017, tendo sido fixada a data da separação do casal, para efeitos do n.° 2 do art. 1782.° do Código Civil, em 13/05/2013.
15) A requerida foi única sócia da sociedade FRF..., Lda., e gerente de direito desde a data da sua constituição, em 14/01/2009, até à sua destituição em 04/01/2016.
16) Foi registada a transmissão da quota da requerida na sociedade FRF... Lda., a favor de BMC..., em 17/12/2015.
17) Foi registada a transmissão da quota de BMC... na sociedade FRF..., Lda., a favor de KP..., em 18/12/2015.
18) Mostram-se descritas na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.° 2171/20010130, da freguesia de Lumiar, as fracções autónomas designadas pelas letras G, H e AU, respectivamente, correspondentes a estacionamento n.° 53 na segunda cave, com o valor venal de € 1.000, estacionamento n.° 54 na segunda cave, com o valor venal de € 1.000, e segundo andar frente — Bloco B, tipo T-4, para habitação, com arrecadação no piso menos dois, arrecadação no sótão e três lugares de estacionamento n.°s 50, 51 e 52 na segunda cave, com o valor venal de € 61.000, inscritas a favor da requerida e de BMC....
19) Sobre as referidas fracções autónomas mostram-se inscritas duas hipotecas voluntárias a favor de Banco …, S.A., para garantia dos montantes máximos de €1.096.000 e de € 17.810 (aps. 256 e 257 de 26/01/2010), uma penhora a favor de PHF…, Lda., no valor de € 72.608,68 (ap. 1189 de 10/11/2015) e três penhoras a favor da Fazenda Nacional, nos valores de € 387.655,19, € 957.098,98 e € 953.590,43 (aps. 9 de 07/03/2018, 3440 de 16/05/2018 e 4203 de 28/05/2018.
20) Encontra-se matriculada sob o n.° 509586929 a sociedade MI…, Lda., com o capital social de € 5.000, da qual é sócio, entre outros, BMC..., com uma quota de € 2.000, que se mostra penhorada a favor de PHF…, Lda..
21) Encontra-se matriculada sob o n.° 509554253 a sociedade VL…, Lda., com o capital social de € 5.000, da qual é sócio, entre outros, BMC..., com duas quotas de € 1.500 cada, que se mostram penhoradas a favor de PHF…, Lda., e da Fazenda Nacional, estas últimas para garantia do valor de € 387.655,19.
22) Encontra-se matriculada sob o 5... a sociedade BM..., Lda., com o capital social de € 5.100, da qual é sócio BMC..., solteiro à data da constituição em 07/08/2002, com uma quota de € 5.000, sociedade de que se apresentou a processo especial de revitalização, tendo sido recusada a homologação do plano, por decisão de 09/08/2017, proferida no processo n.° 4241/...3T8LSB do Juízo do Comércio de Lisboa, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa.
23) Encontra-se matriculada sob o 5... a sociedade IS..., Unipessoal, Lda., da qual é sócia BM..., Lda., sociedade de que se apresentou a processo especial de revitalização, tendo sido recusada a homologação do plano, por decisão de 08/11/2017, proferida no processo n.° 1874/...1T8LSB do Juízo do Comércio de Lisboa, Juiz 5, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa.
24) A requerida trabalha, desde há uma semana, numa farmácia, auferindo o vencimento mensal de € 1.300.
Factos considerados não provados em 1a instância:
Não se provou que a requerida haja subscrito o 2.° aditamento, datado de 01/06/2015, ao contrato de mútuo de 09/10/2009, nem os arts. 20.°, 25.° a 28.° da oposição, nem que a requerida seja proprietária de imóvel sito na R…, na Aroeira ou de participações sociais nas sociedades AG..., Lda., BM..., Lda., C..., Lda., CIL... — Sucursal em Portugal, C… Farmacêutico …, S.A., IS..., C…, Unipessoal, Lda., M... — Sucursal em Portugal, M…, Limited — Sucursal em Portugal, C…, Lda., CIL..., P…, Lda., C…, PF.., Lda., H…, KP..., M… — Export. e Importação de .., S.A., R…, Lda..
III. As questões a decidir consistem em saber:
- se é caso de alterar a decisão sobre a matéria de facto;
- se se verifica a situação elencada no n.° 1, al. b) do art. 20° do CIRE.
IV. Da questão de mérito:
Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
Propugna a apelante que seja aditada à matéria de facto dada como provada, de acordo com o preceituado no art.° 662.° do C.P.C. e 387°, n.° 1, do CC, o facto resultante do documento por si junto sob o n.° 2 e não impugnado pela recorrida, de onde resulta provado que, se encontra no Tribunal de Comércio de Lisboa uma acção em que é autora a ora requerida, com vista a anular todos estes pretensos negócios, que corre termos no j2 sob o n.° 4197/...0T8LSB: anulação da cessão de quotas e a acta que a destituiu da gerência da devedora principal da Recorrida.
Contrapõe o apelado que, por força do disposto no n.° 1 do artigo 387.° do Código Civil, apenas a certidão da pendência de acção judicial poderia fazer prova da mesma.
Vejamos.
A requerida juntou aos autos o doc. n.° 2, o qual, alegadamente, constitui fotocópia de uma p.i., instaurada no dia 10/12/2015, Tribunal da Comarca de Lisboa, 1ª Secção do Comércio, em que é autora a ora requerida e são réus BMC..., KP... e FRF..., Lda, na qual, além do mais, se peticiona:
a) Seja declarado nulo o contrato de cessão de quotas celebrado entre a autora e o 1° réu e respectivo registo, ordenando-se o seu cancelamento, ou, subsidiariamente, seja declarada a anulabilidade dessa cessão de quotas;
b) Seja declarado nulo o contrato de cessão de quota celebrado entre o 1° e a 2a ré e respectivo registo, ordenando-se o seu cancelamento;
c) Seja, por via da nulidade das cessões de quota e respectivos registos, declarado nulo o registo de destituição da autora da gerência, bem como a nomeação do réu BMC... como gerente, ordenando-se o cancelamento do registo (facto alegado no art. 37° da oposição).
Esse documento não foi impugnado pelo requerente.
Ora, se é certo que não se mostra certificada a conformidade desse documento com o original, não tendo, por isso, a força probatória da respectiva certidão (art. 387°, n.° 1, do C. Civil), não é menos certo que a propositura dessa acção não constitui qualquer questão controvertida entre as partes.
E sendo assim, à luz dos interesses em conflito, a prova do facto em referência pode ser feita por outros meios que não exclusivamente por aquela certidão, tanto mais que na acção de divórcio (vide certidão de fls. 35 a 42), que correu termos entre a ora requerida e BMC... já se deu como provada a pendência no Tribunal do Comércio de Lisboa da referida acção (vide facto n.° 17).
Deste modo, procede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto deduzida pela apelante, considerando-se provado, em face do referido doc. n.° 2 e da sentença de divórcio, que:
A requerida instaurou no dia 10/12/2015, no Tribunal da Comarca de Lisboa, 1ª Secção do Comércio, uma acção declarativa com processo comum contra BMC..., KP... e FRF..., Lda, na qual peticiona:
a) Seja declarado nulo o contrato de cessão de quotas celebrado entre a autora e o 1° réu e respectivo registo, ordenando-se o seu cancelamento, ou, subsidiariamente, seja declarada a anulabilidade dessa cessão de quotas;
b) Seja declarado nulo o contrato de cessão de quota celebrado entre o 1° e a 2° ré e respectivo registo, ordenando-se o seu cancelamento;
c) Seja, por via da nulidade das cessões de quota e respectivos registos, declarado nulo o registo de destituição da autora da gerência, bem como a nomeação do réu BMC... como gerente, ordenando-se o cancelamento do registo, tudo conforme doc. de fls. 43 a 46 dos autos, que se dá integralmente por reproduzido.
Outros factos que se mostram provados pelo documento junto já após a apresentação das alegações:
a. No âmbito dos autos de execução n.° 7809/17.4T8ALM, foi celebrado entre o exequente BB..., SA e os aí executados FRF..., Lda, e BMC..., um acordo de pagamento da quantia exequenda, que, à data de 8/04/2019, fixaram em 6293.022,36, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido.
b. Nesse acordo estabeleceu-se, além do mais, que o pagamento daquela quantia será efectuado da seguinte forma:
- Pagamento inicial da quantia de 625.000,00 (já depositada pelos executados);
- Pagamento do remanescente no valor de 6268.022,36, num prazo de 37 meses, sendo que, as primeiras 36 prestações serão reembolsadas por via da aplicação de um spread de 35, acrescido da taxa Euribor a 12 meses, no valor meramente indicativo de 65.818,54. Na 37 prestação será liquidado o valor de 675.000,00, a título de valor residual.
Da questão da insolvência/solvência da apelante:
Como se refere na sentença recorrida, quando, como no caso presente, o pedido de declaração de insolvência não é formulado pelo devedor, a legitimidade activa (ad substantiam) é condicionada pela verificação de alguns dos factos-índices elencados nas alíneas a) a h) do n°1 do art.°. 20° do CIRE.
Estes factos-índices manifestam a insusceptibilidade de o devedor cumprir pontualmente as suas obrigações, sendo presuntivos da insolvência, cuja ocorrência objectiva podem fundamentar o pedido, permitindo aos legitimados o desencadeamento do processo, fundados na ocorrência de alguns deles, sem haver necessidade, a partir daí, fazer a demonstração efectiva da situação de penúria traduzida na insusceptibilidade de cumprimento das obrigações vencidas, nos termos em que ela é assumida como característica nuclear da situação de insolvência (vd. art. 3°, n.° 1).
O requerido/devedor pode impedir a declaração de insolvência por uma de duas vias: demonstrando que não se verifica qualquer dos invocados factos índice, ou demonstrando que, não obstante a ocorrência desse(s) facto(s), não se verifica, no caso concreto, a situação de insolvência —vide art. 30°, n.° 3, do CIRE — cfr. Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código Da Insolvência E Da Recuperação de Empresas Anotado, I vol., pags. 133 e Ac STJ 31-01-2006 relatado pelo Cons. Borges Soeiro, in www.dgsi.pt.
Por isso, há que averiguar previamente se os factos dados como provados fazem presumir a insolvência; na afirmativa terá de se averiguar se essa presunção foi ilidida.
Na apelação está essencialmente a questão de saber se os factos provados integram a situação prevista no art. 20°, n.° 1 al. b) do CIRE - falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações — como se entendeu na sentença recorrida, ou se, ao invés, são insuficientes para se extrair essa conclusão, como propugna a apelante.
Diz esta que:
- A circunstância do incumprimento se situar em 19.09.2017, não pode nem deve ser valorado como revelador de impossibilidade de satisfação da generalidade das outras obrigações, pois aquele crédito enquadra-se no âmbito de uma relação mais vasta entre a Recorrente, a sociedade devedora e o outro avalista, seu ex-marido, uma vez que na verdade foi celebrado entre a sociedade FRF... Lda., BMC... e CC... um contrato de mútuo mediante o qual o requerente concedeu à sociedade um empréstimo no valor de € 500.000,00, e apenas foi requerida a insolvência da ora Recorrente, existindo primeiramente um devedor principal, a sociedade supra referida, nunca tendo sido peticionada a insolvência da referida sociedade e por tal o património da mesma excutido, não se podendo sequer apurar que o montante da dívida é o constante da petição de insolvência, resultando da decisão em crise que não se provou que a Recorrente haja subscrito o 2.° aditamento, datado de 01/06/2015, ao contrato de mútuo de 09/10/2009.
- Não se pode concluir pela responsabilidade da Recorrente pela totalidade do crédito peticionado pela Recorrida e considerando os esgrimidos argumentos das partes nesta acção, importaria concluir pela não verificação do factos índices invocados para obter a declaração de insolvência da requerida, o que a decisão em crise não faz.
Vejamos.
Não há dúvida que a apelante, assim como o seu ex-marido, prestou um aval às obrigações que a subscritora, a sociedade FRF..., Lda. assumiu perante o Banco requerente, decorrentes de um empréstimo no valor de €500.000,00.
A ora apelante assumiu as obrigações derivadas daquele aval, conferindo à requerente autorização para o preenchimento da livrança, entregue em branco quanto aos demais dizeres.
E, segundo se apurou, em face do incumprimento do contrato supra mencionado, o requerente procedeu ao preenchimento da livrança dada em garantia, em estrito obediência à autorização prestada pela requerida e por BMC..., pelo valor de € 275.063,75 e com data de vencimento de 20/09/2017.
Apresentada a pagamento, a livrança não foi paga pela sociedade subscritora, nem pelos avalistas, estando então em dívida o valor de € 275.063,75, a título de capital, os juros de mora calculados à taxa legal de 4/prct. contados desde a data de vencimento da livrança (20/09/2017) e até 28/11/2018 no montante de € 13.264,19, bem como o respectivo imposto de selo, no valor de € 530,57, num total de € 288.858,51.
Ora, ao contrário do que transparece das conclusões da apelante, a obrigação do avalista é uma obrigação autónoma, ainda que formalmente dependente da obrigação do avalizado, de tal modo que se mantém a primeira, mesmo que seja nula, por qualquer razão a segunda, a menos que a nulidade decorra de vício de forma — arts. 32° e 77°, da LULL.
Por isso mesmo se tem entendido que o avalista, diferentemente do que acontece com o fiador (art. 637° n° 1 do C.C.) não pode defender-se com as excepções do avalizado, salvo a do pagamento da quantia inscrita na livrança (desde que o portador seja o mesmo em relação ao qual o avalizado extinguiu a sua obrigação), considerando-se que tal facto interfere directamente na relação cambiaria,
já que o portador é obrigado a entregar ao subscritor a livrança a que respeita o pagamento - cfr. Voz Serra, R.L.J, Ano 113, pág. 186, nota 2 e Ac STJ de 28-4-16, relatado pelo Cons. Abrantes Geraldes (e a extensa jurisprudência nele citada), acessível em www.dgsi.pt.
Como se refere no citado acórdão:
Compreende-se a forte restrição aos meios de defesa oponíveis ao portador da livrança por parte do avalista do subscritor, encontrando o regime restritivo que decorre da LULL justificação não apenas na natureza jurídica do aval, como ainda na sua finalidade. Constituindo para o beneficiário da livrança uma garantia dotada de autonomia e abstracção, aquela restrição evita que seja confrontado com excepções que apenas encontram justificação num plano em que a relação cambiária coexista com a relação subjacente, o que ocorre relativamente ao subscritor mas não em relação ao respectivo avalista que, em regra, se limita a apor no verso da livrança a declaração que o vincula, de modo abstracto, literal e autónomo, como avalista.
Deste modo, a obrigação da apelante é autónoma da obrigação assumida pela sociedade subscritora da livrança, não lhe assistindo o beneficio da excussão.
Refira-se ainda que no acordo celebrado entre os demais responsáveis pela dívida não se exonerou a ora apelante da mesma.
Posto isto, a questão reconduz-se a de saber se o montante em dívida pela apelante ao apelado, pelo seu montante ou pelas suas circunstâncias, revela a impossibilidade daquela satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações (art. 20°, n.° 1, al. b) do CIRE).
In casu apurou-se ser essa dívida, à data de 8/04/2019, do montante de €268.022,36 (€293 .022,36-€25.000,00).
Ora, assinala-se na sentença recorrida:
Como salientam Luís Á. Carvalho Fernandes e João Labareda ed)e há muito que tem sido geral e pacificamente entendido pela doutrina e pela jurisprudência que, para caracterizar a insolvência, a impossibilidade de cumprimento não tem de abranger todas as obrigações assumidas pelo insolvente e vencidas. O que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos. Com efeito, pode até suceder que a não satisfação de um pequeno número de obrigações ou até de uma única indicie, só por si, a penúria do devedor, característica da sua insolvência, do mesmo modo que o facto de continuar a honrar um número quantitativamente significativo pode não ser suficiente pra afundar saúde financeira bastante» (CIRE Anotado, 20Edição, pág. 85).
Acresce, ainda, que a situação profissional da requerida, que estabeleceu relação laboral em data posterior à citação para a presente acção, não permite afastar o índice previsto na al. b) do n.° 1 do art. 20. ° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, por, mais uma vez, não ter, manifestamente, a requerida liquidez para proceder ao pagamento do montante em dívida ao Banco requerente.
O elevado montante da obrigação já vencida e a sua natureza, somado com a longevidade do incumprimento e a falta de liquidez levam à conclusão pela impossibilidade de cumprimento, pela requerida, da generalidade das suas obrigações vencidas (art. 3.0, n.° 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), sendo certo que a requerida não logrou fazer prova da sua solvência, como lhe incumbia, nos termos do art. 30.°, n.° 4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Fica, assim, demonstrada a situação de insolvência da requerida pelo que, nos termos dos arts. 3.0, n. °s 1 e 2, e 20.0, n.° 1, aL b), ambos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, cabe declará-la de imediato na presente sentença.
Discordando deste entendimento, diz a apelante que
- Provou que detém créditos litigiosos, como se vê do documento junto sob o número dois da oposição e que se refere à acção judicial que intentou para reaver a Farmácia do P..R.. detida pela sociedade FRF... Lda., bem como créditos que lhe poderão advir das partilha dos bens comuns que ainda detém com o seu ex-marido, estando actualmente empregada, como consta do facto provado n.° 24, auferindo de um vencimento de €1300,00, pelo que o simples facto de não ter pago à requerente da insolvência, não se encontrados preenchidos os critérios do art.° 3.°, n.°s 1 e 2 do CIRE que a decisão em crise viola.
- Atendendo à materialidade supra indicada é evidente que a mesma não preenche qualquer dos factos índice de insolvência das alíneas a) e b) do n.° 1 do art.° 20°, na medida em que não se poderá concluir que a requerente deixou de dar satisfação aos seus compromissos, em termos que projectam a sua incapacidade de pagar, tratando-se de uma suspensão «generalizada» ou, então, que se tenha verificado a falta de cumprimento de uma ou mais obrigações, que pelo seu montante ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidencia a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos. Ou seja, quanto às duas indicadas alíneas, inexistem tais factos índice.
- Declarar a Recorrente insolvente quando na verdade esta não o está, viola os direitos liberdades e garantias constitucionalmente consagrados, tal como refere o n. 2. do artigo 18.° da Constituição da República Portuguesa :A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos., na medida em que privar a Recorrente dos seus poderes de administração e disposição, subtraindo-lhe os poderes de gerir os seus bens.
Concorda-se com o entendimento plasmado na sentença recorrida.
Como já salientava Alberto dos Reis (in Processos Especiais, vol. II, pág 323), a falência tanto pode resultar de várias recusas de pagamento, como de uma só, desde que seja feita em circunstâncias ou precedida ou acompanhada de actos que revelem a impossibilidade de pagar.
Ora, o montante e a longevidade da dívida, a circunstância de no período de Janeiro de 2016 a Dezembro de 2018 não constar ter a requerida exercido qualquer actividade profissional remunerada, auferindo desde Janeiro de 2019 uma remuneração mensal de €1.300,00, evidenciam a impossibilidade daquela pagar pontualmente a generalidade das suas obrigações, por o seu activo estar longe de ser líquido.
Verifica-se, pois, o facto-índice previsto no art. 20°, n.° 1, al. b) do CIRE conducente ao decretamento da insolvência.
Em face da demonstração desse facto-índice, competia à requerida/apelante, o ónus de provar não apenas que dispunha de activo suficiente para liquidar o passivo mas, outrossim, a capacidade para cumprir, com regularidade e pontualidade, as suas obrigações, isto é a demonstração de que possuía crédito e património activo líquido suficientes para saldar o seu passivo, o que a mesma não fez.
Como se salientou na sentença recorrida
Os únicos bens conhecidos da requerida, bens comuns do ex-casal composto pela requerida e BMC..., indivisos, são três fracções autónomas com o valor venal global de e 63.000, sobre as quais incidem hipotecas a favor de Banco …, S.A., para garantia dos montantes máximos de e 1.096.000 e e 17.810, e penhoras a favor de PHF…, Lda., no valor de é' 72.608,68, e da Fazenda Nacional nos valores de é' 387.655,19, C 957.098,98 e é' 953.590,43. Admitindo-se, face ao montante garantido pelas hipotecas, que as referidas fracções autónomas tenham valor superior ao valor venal inscrito no registo predial, não se tendo provado qualquer outro valor, não pode senão entender-se que atento o montante dos ónus que sobre aquelas subsistem não são as mesmas suficientes para fazer face ao passivo da requerida. Aliás, cabendo a prova da solvência à requerida (art. 30.0, n.° 4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), não alegou na sua oposição, nem demonstrou, aquela o efectivo valor de mercado dos bens em causa.
Acresce que as participações sociais do ex-cônjuge da requerida, ainda não partilhadas, nas sociedades MI.., Lda., e VL…, Lda., encontram-se penhoradas a favor de PHF…, Lda., e, quanto à segunda sociedade, também a favor da Fazenda Nacional (pelo valor de € 387.655,19), não tendo sido feita qualquer prova acerca do valor das referidas participações sociais, prova que incumbia à requerida.
Também o vencimento mensal auferido pela requerida, atento o seu valor, não lhe permite ter liquidez suficiente para satisfazer o crédito reclamado, nem mesmo para acordar com o Banco requerente a reestruturação da dívida.
E, como assinala o apelado nas suas contra-alegações, da possibilidade da apelante voltar a ser titular das quotas da sociedade comercial FRF..., Lda., em decorrência da procedência da acção por si instaurada de declaração de nulidade/anulabilidade da cessão de quotas efectuada pelo seu ex-marido, não demonstraria a solvência (ainda que potencial) da recorrente.
Ademais, tal como refere Meneses Leitão (in Direito da Insolvência pag. 79), a insolvência corresponde à impossibilidade de cumprimento pontual das obrigações e não à mera insuficiência patrimonial, correspondente a uma situação líquida negativa.
É, pois, a insusceptibilidade do devedor cumprir, atempadamente, as suas obrigações, por carência de meios próprios e por falta de crédito que conduz à situação de insolvência.
É essa a situação da requerida, a qual não dispõe de activos líquidos para saldar o seu passivo, encontrando-se, por isso, em situação de insolvência.
A declaração da requerida nesse estado, com a consequente privação da administração dos seus bens, não constitui qualquer restrição arbitrária ou desproporcionada dos direitos da mesma, antes se prefigura adequada e justificada à garantia do direito do credor à satisfação do seu crédito (garantia que se extrai do n° 1 do artigo 62° da Constituição), conjugada com o principio da proporcionalidade (decorrente, entre outras disposições, do n° 2 do artigo 18° da mesma Lei Fundamental).
Não se mostra, pois, violado o disposto no art. 18°, n.° 2, da Constituição.
Concluímos assim pela improcedência da apelação.
Sumário:
1. Os factos-índices elencados nas alíneas a) a h) do n°1 do art.°. 20° do CIRE manifestam a insusceptibilidade de o devedor cumprir pontualmente as suas obrigações, sendo presuntivos da insolvência.
2. O devedor pode impedir a declaração de insolvência, demonstrando que não se verifica qualquer dos invocados factos índice, ou demonstrando que, não obstante a ocorrência desse(s) facto(s), não se verifica, no caso concreto, a situação de insolvência —art. 30°, n.° 3, do CIRE.
3. A obrigação do devedor/avalista é uma obrigação autónoma, não lhe assistindo o beneficio da excussão.
4. Tendo-se provado ser o montante da dívida do valor de €268.022,36, remontar o vencimento da mesma a Setembro de 2017, e não ter a dívida sido paga desde então, ainda que parcialmente, sendo os únicos rendimentos líquidos da devedora do montante mensal de €1.300,00, é de considerar preenchido o facto-índice a que alude o art. 20°, n.° 1, al. b) do CIRE, evidenciando aqueles factos a impossibilidade da devedora pagar pontualmente a generalidade das suas obrigações.
5. Em face dessa demonstração, competia à devedora provar que tinha capacidade para cumprir, com regularidade e pontualidade, as suas obrigações, isto é demonstrar que possuía crédito e património activo líquido suficientes para saldarem o seu passivo.
V. Decisão:
Pelo acima exposto, decide-se:
1. Julgar a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida;
2. Custas pela massa insolvente — art. 304° do CIRE.
3. Notifique.
Lisboa, 28 de Maio de 2019
(Manuel Marques - Relator)
(Pedro Brighton - 1 Adjunto)
(Teresa Sousa Henriques — 2a Adjunta)