O processo de verificação de créditos não é alvo de tributação autónoma, sendo as custas a cargo da massa, nos termos do art. 303° e 304° do CIRE.
(Sumário elaborado pelo relator)
Proc. 2259/17.5T8BRR-A.L1 1ª Secção
Desembargadores: Manuel Marques - Pedro Brighton - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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TRIBUNAL DA DA RELAÇÃO DE LISBOA
Proc. n.° 2259/17.5T8BRR-A.L1
Juízo do Comércio do Barreiro
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Por apenso aos autos de insolvência de AC.., decretada por sentença transitada em julgado, proferida a 31/07/2017, veio a Sra. Administradora da insolvência, em cumprimento do preceituado no art. 129.°, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, juntar aos autos lista de credores reconhecidos e não reconhecidos e documentos comprovativos do cumprimento do disposto no n.° 4 da citada norma.
Nessa lista, no que toca à credora C…, SA, reconheceu-se um crédito de €1.134.069,07, não se reconhecendo o demais reclamado.
A C…, S.A., apresentou então impugnação, pedindo o reconhecimento de créditos no montante global de €2.089.239,63, relativa a juros, capital e imposto de selo.
A Sra. Administradora da insolvência manteve a posição antes assumida relativamente ao crédito de juros e, em face da indicação da data de constituição em mora dos créditos reclamados, invocou estar parte do valor reclamado prescrito. Não se pronunciou quanto à impugnação relativa ao crédito de capital correspondente aos contratos PT003597390….. e PT0035973….
Realizada tentativa de conciliação, não foi possível a obtenção de acordo quanto aos créditos objecto da impugnação apresentada por C…, S.A.
Após várias vicissitudes, foi proferido despacho saneador-sentença, tendo-se decidido julgar parcialmente procedente a impugnação deduzida por C…, S.A., e, em consequência, reconhece-se, para além dos já reconhecidos em sede de lista definitiva de créditos (C 1.134.069,07), os créditos de capital, juros e imposto de selo nos termos acima expostos, no valor total de e 463.284,33.
Foi ainda decidido graduar os créditos sobre a insolvente AC..., para serem pagos da seguinte forma:
A) Sobre o produto da venda das fracções autónomas designadas pelas letras E, F, G, I, J e Q do prédio urbano descrito na CRP do Montijo sob o n.° 3294 da freguesia do Montijo:
- em primeiro lugar, o crédito de Pot…, na parte em que está garantido por hipoteca;
- em segundo lugar, rateadamente, os créditos comuns, se o produto da venda for insuficiente
para a respectiva satisfação integral;
- os créditos subordinados serão pagos após pagamento integral dos créditos comuns;
- os créditos sob condição serão pagos nos termos dos arts. 94.° e 181.° do Código da
Insolvência e da Recuperação de Empresas.
B) Sobre o produto da venda dos demais bens/direitos apreendidos e a apreender para a
massa insolvente:
- os créditos garantidos por penhor serão pagos em primeiro lugar pelo produto da venda das
acções sobre as quais incide, até ao limite do valor da referida garantia;
- o crédito da requerente da insolvência, N…, S.A., será pago em primeiro lugar
sobre os bens móveis que venham a integrar a massa insolvente até ao limite de um quarto do valor
desses bens, com o máximo de 500 UC;
- após, rateadamente, os créditos comuns, se o produto da liquidação for insuficiente para a
respectiva satisfação integral;
- os créditos subordinados serão pagos após pagamento integral dos créditos comuns;
- os créditos sob condição serão pagos nos termos dos arts. 94.° e 181.° do Código da
Insolvência e da Recuperação de Empresas.
As dívidas da massa insolvente (art. 51.° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), saem precípuas na devida proporção do produto da venda de cada bem nos termos do art. 172.°, n. °s 1 e 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Custas a cargo da impugnante C..., S.A., na proporção dos créditos reclamados, enquanto parte vencida.
No que respeita aos créditos reconhecidos, atendendo a que, nos termos do disposto no art. 303.°, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a actividade processual relativa à verificação e graduação de créditos, quando as custas devam ficar a cargo da massa, não é objecto de tributação autónoma, não há lugar a custas.
Não se conformando com o decidido em matéria de custas, a Credora C..., SA interpôs o presente recurso de apelação, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
a) Vem o presente recurso interposto da sentença de verificação e graduação dos créditos, com a reP 358386358, na parte em que decidiu que as custas devidas no presente apenso ficam a cargo da impugnante C… , na proporção dos créditos reclamados, enquanto parte vencida. No que respeita aos créditos reconhecidos, atendendo a que, nos termos do disposto no art.° 303.° do CIRE, a actividade processual relativa à verificação e graduação dos créditos, quando a custas devam ficar a cargo da massa, não é objecto de tributação autónoma, não há lugar a custas, com o qual a ora recorrente não pode conformar-se. Na verdade,
b) As regras relativas às custas nos processos de insolvência constam dos art.°s 301.° a 304.° do CIRE, dispondo o art.° 303.° que Para efeitos de tributação, o processo de insolvência abrange o processo principal, a apreensão dos bens, os embargos do insolvente, ou do seu cônjuge, descendentes, herdeiros, legatários ou representantes, a liquidação do activo, a verificação do passivo, o pagamento aos credores, as contas de administração, os incidentes do plano de pagamentos, da exoneração do passivo restante, de qualificação da insolvência e quaisquer outros incidentes cujas custas hajam de ficar a cargo da massa, ainda que processados em separado, e o art.° 304 que As custas do processo de insolvência são encargo da massa insolvente ou do requerente, consoante a insolvência seja ou não decretada por decisão com trânsito em julgado. Ora,
c) Conforme já decidiu esta Relação de Lisboa, no Acórdão de 22/03/2018 — proc.7357/15.7T8LSB-G.L1-8, disponível em www.dgsi.pt, que acompanha a orientação perfilhada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, de 06/12/2016 — proc. 1540/14.0T8ACBB. C1, O preceituado nos art°/ s 301 a 304 do CIRE quis esclarecer, estabelecendo, como é que a regra geral do CPC deveria ser aplicada nesta sede de processo de insolvência quanto a custas.
.....Se por um lado se faz menção de que o processo de insolvência não é gratuito, por outro lado, cremos que se pretende deixar também claro que, por regra, é a massa insolvente que as pagará (art. 304 do CIRE) e isto porque se facciona, com base na realidade, que é o insolvente (para efeitos patrimoniais convertido em massa insolvente) que lhes dá causa, num raciocínio sobre causalidade que entronca ainda na regra geral do CPC mas que a actualiza de forma a facilitar em termos funcionais e teleológicos (de finalidade) um entendimento coerente para toda a actividade desenvolvida no processo de insolvência.
d) Assim, e seguindo a exemplar jurisprudência deste Acórdão, é de concluir que uma impugnação da lista de credores reconhecidos e não reconhecidos, realizada nos termos do artigo 130°, n° 1 do CIRE, integrando-se na chamada tramitação regular de verificação de créditos no processo de insolvência, não foge à regra geral da responsabilidade da massa insolvente pelas custas (artigo 304° do CIRE) e, em função disso, não gera para o impugnante qualquer obrigação de pagamento de taxa de justiça pelo correspondente impulso processual. Com efeito, este impugnante do artigo 130°, independentemente da circunstância e da medida em que os fundamentos da sua impugnação venham a ser atendidos ou não pelo Tribunal, não suportará, nos termos do artigo 304° do CIRE aplicável ao caso, as custas deste apenso regular de verificação de créditos.
e) Assim sendo, deverá a sentença recorrida ser revogada na parte em que condenou a ora recorrente nas custas do presente apenso.
f) Por mera cautela de patrocínio, e para o caso de assim não se entender — o que apenas a título de hipótese académica ora se admite — ainda assim a sentença recorrida não poderá deixar de ser alterada. Assim,
g) O valor a ter em consideração, para efeitos de apuramento das custas da responsabilidade da recorrente, nunca poderá ser o valor dos créditos reclamados, mas antes deverá ser o valor que resulta da conjugação do disposto no art.° 301.° com o art.° 303.°, ambos do CIRE, ou seja, o atribuído ao activo [no inventário mencionado no art.° 1531, atendendo-se aos valores mais elevados dos bens, se foro caso.
h) Além disso, e para a hipótese do valor a considerar, a final, ser superior a E 275.000,00, sempre será de ter em consideração que nem a complexidade da causa (cuja tramitação foi simples, não tendo havido lugar, sequer, a audiência de julgamento) nem a conduta processual da ora recorrente (atente-se no facto da impugnação ter sido julgada parcialmente procedente) justificam o pagamento de custas relativas ao remanescente que exceda os mencionados E 275.000,00, pelo que a recorrente sempre deverá ser dispensada de tal pagamento, ao abrigo do disposto no n.° 7 do art.° 6.° do Regulamento das Custas.
Termos em que, com o douto suprimento de V.Exas, deve conceder-se provimento ao presente
recurso e, por conseguinte, a sentença recorrida ser revogada, nos termos acima indicados.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Cumpre decidir.
II. Os factos a considerar são os descritos no relatório que antecede.
III. O objecto do recurso resume-se a saber se uma impugnação da lista de credores reconhecidos e não reconhecidos, realizada nos termos do artigo 130°, n° 1 do CIRE, não sendo, em parte, atendida, gera para o impugnante responsabilidade tributária; e, em caso de resposta afirmativa, qual o valor a ter em consideração para efeitos de apuramento das custas.
IV. O Direito:
O presente recurso tem por objecto a questão de saber se um credor reclamante que deduza uma impugnação da lista de credores reconhecidos e não reconhecidos, realizada nos termos do artigo 130°, n° 1 do CIRE, caso decaia, total ou parcialmente, terá de suportar as custas da reclamação, ou parte delas.
Esta questão foi já apreciada pelo STJ, por acórdão de 29 de Abril de 2014, proferido no proc. n.° 919/12.6TBGRD (relatado pela Cons. Ana Paula Boularot, acessível em www.dgsi.pt, assim como os adiante citados), no qual, após se fazer uma resenha sobre a evolução legislativa nesta matéria, se exarou que:
Começamos por afirmar que os processos de insolvência estão sujeitos a custas e ao pagamento da correspondente taxa de justiça, o que decorre dos artigos 301° a 304° do CIRE.
Dispõe o artigo 303° daquele diploma que «Para efeitos de tributação, o processo de insolvência abrange o processo principal, (...) a verificação do passivo, (...) e quaisquer outros incidentes cujas custas hajam de ficar a cargo da massa, ainda que processados em separado.», acrescentando o artigo 304° que «As custas do processo de insolvência são encargo da massa insolvente ou do requerente, consoante a insolvência seja ou não decretada por decisão com trânsito em julgado. ».
Quer dizer, (...) o processo de insolvência, na esteira do que se encontra legalmente estipulado para qualquer outro tipo de processo, não é tendencialmente gratuito para os respectivos intervenientes, pois, existem regras especiais e específicas que afastam expressis verbis essa asserção, a começar por aquele artigo 303° do GIRE quando nos diz que para efeitos de tributação o processo de insolvência abrange todo o processado autónomo ali referenciado cujas custas tenham de ficar a cargo da massa, o que significa que não são todas e quaisquer custas que estarão a cargo da massa, mas apenas aquelas que esta haja de suportar e a massa insolvente só suportará as custas na medida da sua sucumbência, por força das disposições processuais gerais aqui aplicáveis subsidiariamente, ex vi do artigo 17° do CIRE que para elas nos remete.
Ora, tendo em atenção a regra geral que rege a condenação em custas decorrente do disposto no artigo 527° do NCPCivil, temos que será condenada em custas a parte que a elas der causa, ou não havendo vencimento na acção, quem da mesma tirou proveito, entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida na proporção em que o for, tratando-se aqui da consagração do principio da causalidade entre a conduta de quem acciona ou é accionado e a lide respectiva, o que implica que a condição de vencido é determinante para a condenação no pagamento das custas (..).
Aliás se assim não fosse entendido, cairíamos numa completa subversão do sistema instituído, onde o princípio geral nesta matéria é o de que a responsabilidade pelo pagamento das custas assenta na ideia de que não deve pagar custas a parte que tem razão, passando o mesmo a conter desvios, nomeadamente no âmbito do processo de insolvência, fazendo-se recair sobre a massa insolvente toda e qualquer responsabilidade das custas, independentemente de a mesma poder obter ganho de causa nos processos e incidentes por aquele abrangidos nos termos do artigo 303° do CIRE.
O facto de o normativo inserto no artigo 304° do CIRE fazer consignar que as custas no processo ficam a cargo da massa insolvente, não poderá ser interpretado isoladamente, sem o apelo aos outros ínsitos legais existentes na ordem jurídica sob pena de se criarem brechas, incongruências e contradições insanáveis no sistema jurídico, o qual se pretende uno na medida em que «(...) A ordem jurídica forma um sistema de elementos coordenados e homogéneos entre si, não podendo comportar contradições. Daqui resulta que as leis se interpretam umas pelas outras - cada norma ou conjunto de normas funciona em relação às outras como elemento sistemático de interpretação», apud Castro Mendes, Introdução ao Estudo do Direito, 1977, 361; cfr também Francesco Ferrara, in Interpretação e Aplicação das Leis, Traduzido e prefaciado por Manuel de Andrade, 1934, 96 «(...) Ocorre pois, que o jurista considere o efeito das normas na sua totalidade, e não apenas uma norma de per si; tal como o mecânico não precisa de conhecer só uma ou outra lei cinemática, nas deve também saber por que modo, na cooperação de várias leis, se produz o resultado complexivo. Está nisto a aplicação consciente do direito, ou a técnica da decisão: está em saber atinar com as diversas normas a que, na sua combinação, pertence governar o caso concreto. (...)».
A primeira das quebras, a entender-se do modo aventado pelos Reclamantes, seria desde logo fazer tábua rasa do preceituado no artigo 303° do CIRE, na parte em que acentua que «Para efeitos de tributação, o processo de insolvência abrange o processo principal, (...) a verificação do passivo, (...) e quaisquer outros incidentes cujas custas hajam de ficar a cargo da massa, (...)», pois tal normativo só poderá fazer sentido se concatenado com o preceituado no artigo 527°, n°1 do NCPCivil, a não se entender assim, então bastar-nos-ia a formulação do artigo 304° do CIRE, na interpretação de que esta norma seria, afinal das contas, em relação àquela, bem como à processual, uma norma excepcional, por forma a que às regras estabelecidas pelos artigos 303° do CIRE e 527° do NCPCivil a mesma se opusesse contrariando a valoração ínsita nesta para atingir finalidades particulares, o que como já vimos, se não vislumbra, acerca das regras excepcionais, Oliveira Ascenção, in Introdução Ao Estudo Do Direito, Edição dos serviços sociais da Universidade de Lisboa, ano 1972/1973, 464/471.
Tendo em atenção tudo o que se deixou exposto, poderemos retirar alguns corolários.
Primeiro: o processo de insolvência está sujeito a custas;
Segundo: as isenções subjectivas neste processo são unicamente as referidas nas alíneas h) e u) do artigo 4° do Regulamento das Custas Processuais;
Terceiro: todos os demais intervenientes processuais pagarão a taxa de justiça devida pelos actos a ela sujeitos.
Quarto: para efeitos de tributação são abrangidas as reclamações de crédito, entre outro processado e incidentes, desde que as custas devam (na letra da lei hajam) de ficar a cargo da mesma, sendo que, prima facie, as custas da insolvência ficarão a cargo da massa insolvente, caso esta venha a ser decretada por decisão transitada em julgado.
Quinto: as custas da insolvência que devam ficar a seu cargo são apenas aquelas em que a massa insolvente decaia e na medida de tal decaimento, sendo as restantes pelas partes intervenientes e na proporção da respectiva sucumbência.
Este entendimento foi também sufragado pelo acórdão desta Relação de 27 de Setembro de 2018, proc. n.° 856/11.1TYLSB-D.L1-6 (Anabela Calafate) e pelos acórdãos da RG. de 25 de Setembro de 2014, proferidos nos Proc.° 1666/14.0TBBRG-A.G1 e 1559/12.5TBBRG-T.G1, relatados pelos Des. Maria Luisa Ramos e António Sobrinho. Todos estes acórdãos registaram um voto de vencido.
Em sentido contrário, entendeu-se no Ac RC 20/03/2012, proc. n.° 110/11.9TBCLB-E.C1 (Teles Pereira):
(a) No quadro normal — chamemos-lhe assim por comodidade distintiva das reclamações ulteriores — referente à chamada verificação regular de créditos que é desencadeada dentro do prazo de reclamação fixado na sentença que declara a insolvência (artigo 128°, n° 1 do CIRE), as custas ficam sempre a cargo da massa insolvente (regra geral do artigo 304° do CIRE);
(b) no quadro de uma verificação ulterior de créditos (artigo 146°, n° 1 do CIRE), as custas, inexistindo contestação do crédito ulteriormente reclamado, ficam a cargo do autor (do reclamante ulterior), sendo que na hipótese contrária, existindo contestação, ficam a cargo de quem tenha ficado vencido (e na proporção em que o venha a ficar) na impugnação desse crédito, nos termos gerais do artigo 446°, n°s 1 e 2 do CPC.
Existe nesta distinção de regimes de custas (e consequentemente de incidência da taxa de justiça) uma racionalidade que nos parece fácil de detectar e que expressaremos nas seguintes asserções: as custas no processo concursal em que ocorre o decretamento da insolvência, na sua tramitação regular (a que pressupõe na fase executiva uma verificação de créditos dentro dos parâmetros regulados nos artigos 128° a 140° do CIRE), constituem (as custas) encargo da massa insolvente, apenas ocorrendo urna tributação autónoma — ou seja, fora do quadro do artigo 304° e normas antecedentes conexas de incidências adjectivas que saíam da tramitacão que o legislador fixou como rito sequencial regular do concurso, sendo que a verificação ulterior de créditos é vista, dentro desta lógica (que é a lógica expressamente consagrada no artigo 148° do CIRE), como uma incidência destacável de uma tramitação regular e que, como tal, deve ser encarada, em matéria de custas, num quadro de proximidade muito acentuada ao regime geral de custas previsto no CPC (artigos 446° e seguintes). Não existe nestes casos de reclamação ulterior — e cremos ser esta a mensagem normativa contida na compaginação entre o artigo 304° e 148° do CIRE — razão para manter um regime tão acentuadamente divergente, como o que resulta do artigo 304°, relativamente ao regime geral das custas. Daí que o trecho final do artigo 148° fundamentalmente remeta para esse regime geral.
Assim — prosseguindo o nosso percurso interpretativo —, abrangendo as custas a taxa de justiça (v. os artigos 447°, n° 1 do CPC e 3°, n° 1 do RCP) e pressupondo esta a possibilidade de o obrigado ao pagamento ser responsabilizável por aquelas, não é devida taxa de justiça pelo impulso processual desencadeado por quem, no processo de insolvência e dentro da tramitação prevista nos artigos 128° a 140° do CIRE, não é ulteriormente responsabilizável pelas custas, em função da incidência e da projecção de uma regra de custas que atribui essa responsabilidade — só a atribui — à massa insolvente. É o que resulta da conjugação do artigo 304° do CIRE com o antecedente artigo 303° e, enquanto argumento interpretativo construído a contrario sensu, com o artigo 148° in fine do mesmo Diploma (este último fixa a regra especial de custas para as verificações ulteriores, divergentemente do regime geral contido naqueles artigos 303° e 3049.
E na decisão singular proferida pelo mesmo Tribunal no dia 6/12/2016, no âmbito do processo n.° 1540/14.0T8ACB-B.C1 (Manuel Capelo), observou-se:
(...) no âmbito de aplicação do CIRE, que constitui o modelo normativo de aplicação ao caso em decisão, mantém-se como pacífico que os processos de insolvência continuam sujeitos a custas e ao pagamento da correspondente taxa de justiça, de acordo com os arts. 301° a 304 desse diploma. E, da mesma forma advertimos para que, nos termos do artigo 1° n°1 do Regulamento das Custas Processuais, todos os processos estão sujeitos a custas, sendo considerados como processos, nos termos do seu n°2 qualquer (((...) acção, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma tributação especial.)).
( •••)
Neste sentido as regras de custas do CIRE não são para nós uma subversão desse princípio geral contido no art. 527 do CPC, pois que não fazem acriticamente e de forma automática a massa insolvente responsável por toda e qualquer actividade tributada com custas, independentemente de a mesma poder obter ganho de causa nos processos e incidentes por aquele abrangidos nos termos do artigo 303 do CIRE, mas antes consideram, em nosso aviso de forma coerente, que é precisamente por se ter colocado numa situação de insolvência reconhecida por decisão transitada em julgado que, em princípio e por regra, as custas da actividade processual desenvolvida nesse processo se entende como tendo sido causadas pelo insolvente/massa insolvente, sem embargo das excepções que concretamente assinala e que inicialmente aludimos.
Dessa actividade consequencial do estado de insolvência faz parte, absolutamente integrante, o apuramento de quais são os bens que integram esse património e também quem são os credores, o que, quanto a estes, pressupõe, necessariamente, que se determine o montante e natureza do respectivo crédito, matérias essenciais e reguladas nos arts.128.° a 140.° e 141. ° a 145.°.do CIRE.
Que assim é decorre de imediato da obrigação imposta a todos os credores, incluindo ao
Ministério Público, de reclamarem a verificação dos seus créditos com a
particularidade de esta reclamação ser apresentada directamente ao administrador
da insolvência que a aprecia e emite um juízo sobre o crédito, reconhecendo-o ou não, remetendo-se para um conhecimento judicial os casos em que tenha havia impugnação.
(...)
Encarando agora, em função dos argumentos antes desenvolvidos, as incidências do caso concreto, entendemos que uma impugnação da lista de credores reconhecidos e não reconhecidos, realizada nos termos do artigo 130°, n° 1 do CIRE, integrando-se na chamada tramitação regular de verificação de créditos no processo de insolvência, não foge à regra geral da responsabilidade da massa insolvente pelas custas (artigo 304° do CIRE) e, em função disso, não gera para o impugnante qualquer obrigação de pagamento de taxa de justiça pelo correspondente impulso processual. Com efeito, este impugnante do artigo 130°, independentemente da circunstância e da medida em que os fundamentos da sua impugnação venham a ser atendidos ou não pelo Tribunal, não suportará, nos termos do artigo 304° do CIRE aplicável ao caso, as custas deste apenso regular de verificação de créditos (...)
No mesmo sentido decidiram o acórdão da R.L. de 12 de Julho de 2018 (Eduardo Petersen Silva) e a decisão sumária de 22/03/2018 (Teresa Prazeres Pais), proferidos nos processos n.°s 1585/09.1TYLSB-AT.L1-6 e 7357/15.7T8LSB-G.L1-8 e os Acs. da R.G. de 10/09/2013 e 29/05/2014 (proferidos, respectivamente, nos Procs. 2115/12.3TBBRG-H.G1 e 329/12.5TBBRG-J.G1, Des. António Beça Pereira e Ana Cristina Duarte).
Comungamos deste último entendimento.
Na verdade:
Dispõem os arts. 303°e 304° do CIRE:
Art.° 303°
Base de tributação
Para efeitos de tributação, o processo de insolvência abrange o processo principal, a
apreensão dos bens, os embargos do insolvente, ou do seu cônjuge, descendentes, herdeiros,
legatários ou representantes, a liquidação do activo, a verificação do passivo, o pagamento aos credores, as contas de administração, os incidentes do plano de pagamentos, da exoneração do passivo restante, de qualificação da insolvência e quaisquer outros incidentes cujas custas hajam de ficar a cargo da massa, ainda que processados em separado.
Art.°304°
Responsabilidade pelas custas do processo
As custas do processo de insolvência são encargo da massa insolvente ou do requerente,
consoante a insolvência seja ou não decretada por decisão transitada em julgado.
Assim, o legislador estabeleceu que, sendo a insolvência decretada com trânsito em julgado, as
custas são encargo da massa insolvente, abrangendo:
i. o processo principal;
ii. a apreensão dos bens (arts. 149° a 151° do CIRE);
iii. os embargos do insolvente, ou do seu cônjuge, descendentes, herdeiros, legatários ou representantes (arts. 40° a 43° do CIRE);
iv. a liquidação do activo (arts. 156° a170° do CIRE);
v. a verificação do passivo (não compreende a verificação ulterior de créditos — vide arts. 128° a 140° e 146° a 148° do CIRE);
vi. o pagamento aos credores (arts. 172° a 184° do CPC;
vii. as contas de administração (arts. 62° a 65° do CIRE);
viii. os incidentes do plano de pagamentos, da exoneração do passivo restante, de qualificação da insolvência (arts. 185° a 263° do CIRE);
ix. e quaisquer outros incidentes cujas custas hajam de ficar a cargo da massa, ainda que processados em separado.
Significa isto que, para efeito de custas, os processos e incidentes acima elencados não são alvo de tributação autónoma, antes constituem um todo, tributado conjuntamente.
E só relativamente aos incidentes não elencados no art. 303° se estabelece uma tributação autónoma, quando o insolvente/massa insolvente não dê causa aos mesmos (art. 527° do CPC).
Considerou-se assim, que os incidentes e processos elencados no citado normativo fazem parte da normal tramitação do processo de insolvência.
E, como se salientou na decisão singular proferida pelo Des. Manuel Capelo, a razão da massa suportar as custas deve-se à circunstância de se ficcionar, com base na realidade, que é o insolvente (para efeitos patrimoniais convertido em massa insolvente) que lhes dá causa, num raciocínio sobre
causalidade que entronca ainda na regra geral do CPC mas que a actualiza de forma a facilitar em termos funcionais e teleológicos (de finalidade) um entendimento coerente para toda a actividade desenvolvida no processo de insolvência.
Neste sentido as regras de custas do CIRE não são para nós uma subversão desse princípio geral contido no art. 527 do CPC, pois que não fazem acriticamente e de forma automática a massa insolvente responsável por toda e qualquer actividade tributada com custas, independentemente de a mesma poder obter ganho de causa nos processos e incidentes por aquele abrangidos nos termos do artigo 303 do CIRE, mas antes consideram, em nosso aviso de forma coerente, que é precisamente por se ter colocado numa situação de insolvência reconhecida por decisão transitada em julgado que, em princípio e por regra, as custas da actividade processual desenvolvida nesse processo se entende como tendo sido causadas pelo insolvente/massa insolvente, sem embargo das excepções que concretamente assinala e que inicialmente aludimos.
Dessa actividade consequencial do estado de insolvência faz parte, absolutamente integrante, o apuramento de quais são os bens que integram esse património e também quem são os credores, o que, quanto a estes, pressupõe, necessariamente, que se determine o montante e natureza do respectivo crédito, matérias essenciais e reguladas nos arts.128.° a 140.° e 141. ° a 145.°.do CIRE.
Conclui-se, pois, que o processo de verificação de créditos não é alvo de tributação autónoma, sendo as custas a cargo da massa, nos termos do art. 303° e304° do CIRE.
Impõe-se, por isso, revogar a decisão recorrida, na parte atinente às custas, mostrando-se prejudicado o conhecimento das demais questões postas na apelação.
Sumário:
1. O processo de verificação de créditos não é alvo de tributação autónoma, sendo as custas a
cargo da massa, nos termos do art. 303° e 304° do CIRE.
V. Pelo exposto, decide-se:
a. Julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a sentença recorrida, na parte em que condenou a ora apelante em custas na proporção dos créditos reclamados, enquanto parte vencida, as quais são da responsabilidade da massa insolvente, nos moldes exarados nos arts. 303° e 304° do CIRE;
b. Sem custas nesta instância;
c. Notifique.
Lisboa, 2 de Julho de 2019
(Manuel Marques - Relator)
(Pedro Brighton - 1° djunto)
(Teresa Sousa Henriques — 2ª Adjunta)