1 - Um pedido de reenvio prejudicial não serve para impugnar uma decisão judicial;
2 - A decisão a proferir pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no âmbito de tal pedido não tem por finalidade revogar decisões judiciais proferidas por Tribunais nacionais;
3 - Tal pretensão não tem como função afrontar qualquer interpretação alegamente errónea de normas internas ou aferir da violação de normas constitucionais dos diversos Estados-Membros,
4 - Uma questão prejudicial corresponde a uma pergunta/pedido de solução orientada para a obtenção de uma resposta que um órgão jurisdicional nacional de um Estado da União repute necessária para estear a solução de um litígio que lhe cumpra dirimir;
5 - O seu objecto exclusivo é o Direito da União e o esforço de avaliação solicitado ao Tribunal de Justiça da União Europeia corresponde à interpretação ou formulação de juízo de validade incidente sobre esse Direito;
6 - No seio de um pedido de reenvio, o órgão jurisdicional nacional pede ao Tribunal de Justiça da União Europeia que formule a adequada leitura de uma norma jurídica do Direito dessa União cuja interpretação seja relevante para a solução do litítigio que lhe cumpra concretizar,•
7 - Este mecanismo, sobre o qual se tem construído a União Europeia e a dinâmica de afirmação e crescimento desta visa, no essencial, garantir a interpretação e aplicação do Direito do espaço comum de forma uniforme e coerente.
8 - A aferição da competência de um tribunal, ao impor sempre a localização de outro com vocação para decidir, nenhuma zona de contacto tem com a questão do direito a um julgamento justo e equitativo, desde logo porque, por um lado, o sistema não se demite da função de solucionar o litígio e, por outro, porque a localização do órgão jurisdicional efectivamente competente nada altera quanto à previsível qualidade e adequação do acto de julgar.
(Sumário elaborado pelo relator)
Proc. 18321/16.9T8LSB.L2 6ª Secção
Desembargadores: Carlos Marinho - Anabela Calafate - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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SUMÁRIO:
I. Um pedido de reenvio prejudicial não serve para impugnar uma decisão judicial;
II. A decisão a proferir pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no âmbito de tal pedido não tem por finalidade revogar decisões judiciais proferidas por Tribunais nacionais;
III. Tal pretensão não tem como função afrontar qualquer interpretação alegamente errónea de normas internas ou aferir da violação de normas constitucionais dos diversos Estados-Membros,
IV. Uma questão prejudicial corresponde a uma pergunta/pedido de solução orientada para a obtenção de uma resposta que um órgão jurisdicional nacional de um Estado da União repute necessária para estear a solução de um litígio que lhe cumpra dirimir;
V O seu objecto exclusivo é o Direito da União e o esforço de avaliação solicitado ao Tribunal de Justiça da União Europeia corresponde à interpretação ou formulação de juízo de validade incidente sobre esse Direito;
VI. No seio de um pedido de reenvio, o órgão jurisdicional nacional pede ao Tribunal de Justiça da União Europeia que formule a adequada leitura de uma norma jurídica do Direito dessa União cuja interpretação seja relevante para a solução do litítigio que lhe cumpra concretizar,•
VII Este mecanismo, sobre o qual se tem construído a União Europeia e a dinâmica de afirmação e crescimento desta visa, no essencial, garantir a interpretação e aplicação do Direito do espaço comum de forma uniforme e coerente.
VIII. A aferição da competência de um tribunal, ao impor sempre a localização de outro com vocação para decidir, nenhuma zona de contacto tem com a questão do direito a um julgamento justo e equitativo, desde logo porque, por um lado, o sistema não se demite da função de solucionar o litígio e, por outro, porque a localização do órgão jurisdicional efectivamente competente nada altera quanto à previsível qualidade e adequação do acto de julgar.
Acordam na 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO
JA..., com os sinais identificativos constantes dos autos, instaurou «Acção Declarativa de Condenação com Processo Comum» contra BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A., BANCO DE PORTUGAL, NOVO BANCO, S.A., FUNDO DE RESOLUÇÃO, CMVM — COMISSÃO DE MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS e LM.., todos neles também melhor identificados.
O Tribunal «a quo» descreveu os contornos da acção e as suas principais ocorrências processuais até à decisão impugnada, nos seguintes termos:
JA... veio demandar Banco
Espírito Santo S.A., Banco de Portugal, Novo Banco, S.A., Fundo de Resolução, Comissão de Mercado de Valores Imobiliários e LM..., pedindo:
a) Os RR. serem solidariamente condenados a pagar ao A. a quantia de €1.133.348,64, acrescida de:
i) €191.964,80 a título de juros vencidos à taxa legal em vigor, e calculados desde a data de utilização ilícita pelos RR. das quantias monetárias do A.,
ii) Juros vincendos calculados desde a data da citação até
integral pagamento da sentença condenatória;
Caso assim não se entenda:
b) A nulidade do contrato de intermediação financeira por inobservância de forma nos termos do disposto no artigo 321° do CVM, devendo em consequência serem os RR. solidariamente condenados a restituir ao A. a quantia de €1.133.348,64 acrescida de:
i) €191.964,80 a título de juros vencidos à taxa legal em vigor, e calculados desde a data de utilização ilícita pelos RR. das quantias monetárias do A.;
ii) Juros vincendos calculados desde a data da citação até integral pagamento da sentença condenatória;
Mais se requer, que sejam ainda os RR. condenados a ressarcir solidariamente ao A. os danos não patrimoniais que lhe foram causados, em valor a ser calculado em sede de liquidação de sentença;
Alega para tanto ser cliente do réu BES, sendo a sexta ré sua gestora de conta. Era esta gestora, na qual depositava total confiança, que aplicava os fundos do autor, sendo que as instruções deste sempre foram no sentido de que o fizesse em produtos sem risco associado. No âmbito das suas funções e sob a subordinação do primeiro réu a sexta ré aplicou o dinheiro do autor na compra dos seguintes produtos e valores:
ESCOM INC., código ISIN VGG3120X1096, investindo o valor de € 30,108,01; 50 045.80; E 50 132,00; 147.617,40; 55.404,47 66.351,25 135 010,00 98.669,71 350.010,00 150.000,00
ESCOM INC., código ISIN VGG3120X1096, investindo o valor de € ESCOM SERIE E, código ISIN VGG3120X1179, investindo o valor de BES FINANCE, código ISIN XS0210172721, investindo o valor de € ESF 6,875/prct., código ISIN XS0458566071, investindo o valor de € ESF 6,875/prct., código ISIN XS0458566071, investindo o valor de € ES INV. 5,5/prct., código ISIN XS0459962394, investindo o valor de € BES FIN 6/prct., código ISIN XS0712907863, investindo o valor de € ES INTL 4/prct., código !SIAI XS0962454913, investindo o valor de € ES INTL 4/prct., código ISIN XS0985085462, investindo o valor de €150.000.
O autor não foi reembolsado de tais valores.
Com a aplicação ao BES da Medida de Resolução, aprovada pelo
segundo réu, este esvaziou patrimonialmente o BES, transferindo a maioria do seu
património para o terceiro réu
Citados, vieram os réus apresentar contestação.
Os réus Fundo de Resolução, Banco de Portugal e Comissão de Mercado de Valores Imobiliários vieram arguir (para além do mais) a exceção de incompetência absoluta dos tribunais judiciais em razão da matéria.
O réu Banco Espirito Santo S.A. veio excecionar a inutilidade superveniente da lide.
O réu Novo Banco, S.A. veio excecionar a ilegitimidade passiva substantiva.
A ré LM... veio excecionar a ilegitimidade passiva substantiva
Dado lugar ao contraditório, o autor pronunciou-se quanto às arguidas exceções, nos termos que constam do articulado de fls. 489
Foi proferido despacho saneador-sentença que declarou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide no que respeita ao Réu BANCO ESPIRITO SANTO, S.A , declarou preenchida a exceção dilatória de incompetência absoluta do tribunal relativamente aos Réus FUNDO DE RESOLUÇÃO, BANCO DE PORTUGAL e COMISSÃO DE MERCADO DE VALORES IMOBILIÁRIOS e a consequente absolvição da instância desses Réus e julgou a acção improcedente por não provada e absolveu do pedido os Demandados NOVO BANCO, S.A., e LM....
É dessa decisão que vem o presente recurso interposto por JA..., que alegou e apresentou as seguintes conclusões:
A. - O A, na leitura e análise de douta sentença, encontra manifesta dificuldade em descortinar se na parte da apreciação da competência em razão da matéria, a sentença lhe é favorável ou desfavorável, tendo em conta que no dispositivo da mesma, sobre a mesma questão, encontram-se plasmados dois raciocínios totalmente diferentes, que conduzem a duas decisões que se contradizem entre si, no que respeita à invocada exceção da incompetência absoluta em razão da matéria
A saber...
B. A fls de douta decisão recorrida, o Mmo juiz do Tribunal a quo, declara improcedente a exceção da invocada incompetência absoluta do tribunal a quo, em razão da matéria, em relação a todos os RR. em virtude do entendimento, de que, ao caso em apreço não se aplicaria o art° 4° n° 2 do ETAF, que lhe serve de fundamento, pelos seguintes motivos
- Inexistência de litisconsórcio passivo necessário ou voluntário entre os RR que tenha por base a mesma relação jurídica administrativa, ou uma relação conexa com a relação principal, não existindo em consequência, qualquer situação de solidariedade (passiva) entre os RR, por ausência de verificação dos requisitos a que aludem os arts. 512° e 513° do CC;
- Ausência de identidade das causas de pedir e das prestações
devidas entre os vários sujeitos demandados, máxime entre as do BdP e CMVM e os demais RR
C. Não obstante a decretada improcedência da exceção da incompetência absoluta em razão da matéria, invocada pelos RR., CMVM, Fundo de Resolução e Banco de Portugal, no inicio da douta sentença recorrida, a mesma sentença in fine, em tomada de posição detalhada quanto à legitimidade e competência em razão da matéria relativamente aos vários RR, o Mmo juiz do Tribunal a quo, decide em sentido diverso, que a seguir se transcreve:
VII— Decisão:
Destarte, julga-se improcedente por não provada a presente ação e, em consequência, absolvem-se os réus Novo Banco, S.A., e LM... do pedido.
D. Verificando-se que, da douta sentença recorrida, constam duas decisões em que se declara a improcedência da invocada exceção da incompetência absoluta em razão da matéria do tribunal a quo, e simultaneamente se decide no sentido diametralmente oposto, encontra-se a mesma ferida de nulidade, nos termos do consignado na alínea c) do n° 1 do art° 615°.
E. Nulidade essa que expressamente se invoca para os devidos efeitos legais.
F. Entende ainda o Apelante, que andou mal a apreciação pelo Tribunal a quo da aplicação aos presentes autos do disposto naquele artigo 277° alínea e) do CPC, já que é seu entendimento, que não se verifica a inutilidade superveniente da lide, quanto ao Réu BES, por duas ordens de razão:
G. Em primeiro lugar, porque o pedido da presente ação declarativa não tem índole exclusivamente patrimonial, uma vez que o Autor de entre outras questões, trouxera à colação a questão da nulidade do contrato de intermediação financeira, pedindo em consequência a indemnização que por essa causa lhe entende ser devida.
H. O Tribunal responsável pelo processo de insolvência do Réu BES limitar-se-á a verificar e reconhecer créditos da insolvente, não lhe cabendo decidir sobre a constituição da obrigação de prestar.
1. Em segundo lugar, no despacho de prosseguimento nos termos do artigo 9° do DL199/2006 aquele Tribunal de primeira instância responsável pelo processo de liquidação judicial do R. BES não declarou aberto o incidente de qualificação de insolvência, e tal significa então que ainda não é possível determinar se o património do devedor insolvente será suficiente para responder aos créditos reclamados.
J Não se ataca o entendimento sufragado no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência [AUJ] n° 1/2014 [publicado no DR 1a Série, n° 39 de 25 de Fevereiro de 2014], já que o mesmo teve na base da sua construção e substância os casos em que seja Certificado o trânsito em julgado da sentença declaratória e declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência com carácter pleno e fixado o prazo para reclamação de créditos., e tal como consta da proposta da Exma. Procuradora Geral Adjunta, transcrita naquele documento.
K. Entende o Apelante, que andou mal a apreciação pelo Tribunal a quo da aplicação aos presentes autos do disposto nos artigos 99° n° 1 e 278° n° 1 al. a) do CPC, já que não se verifica a incompetência em razão da matéria, quanto aos RR. Banco de Portugal, Fundo de Resolução e CMVM já que:
L. Para a decisão do presente pleito não há necessidade de recurso a qualquer norma de direito administrativo, estando a discussão centrada no plano puramente privado e civilístico, que recorde-se se prende com a responsabilização civil dos RR. por violação das regras de intermediação financeira, mormente por via do consagrado no artigo 305° A e 321° do Código dos Valores Mobiliários.
M. Entende assim o Apelante, que não se verifica a exceção de incompetência absoluta em razão da matéria atendendo a que o thema decidendum tal como configurado pelo A , não se prende com qualquer questão de domínio administrativo, mas antes puramente civil.
N. Persistindo-se na tendência de não resolução da questão de fundo, ou seja, do litígio, ao arrepio do comando constitucional previsto pelo artigo 202.°, n.°1 e 2 da C.R.P.
O. Assim, a sentença sub judice padece, ainda, de nulidade por omissão de pronúncia nos termos da alínea d) do n.°1 do artigo 615.° do C.P.C. que aqui se invoca
Além disso e sem prescindir,
P Em primeiro lugar, porque o pedido da presente ação declarativa não tem índole exclusivamente patrimonial, uma vez que o Autor de entre outras questões, trouxe à colação a questão da nulidade do contrato de intermediação financeira, pedindo em consequência a indemnização que por essa causa lhe entende ser devida.
Q. Motivo pelo qual, mal andou o Tribunal a quo, ao aplicar aos presentes autos, o disposto nos artigos 96°, 99° n° 1, al. a) e 278° n° 1 al.a) e 571° n° 2 segunda parte, 576° n° 1 e 2, 577° al.a) e 578° , segmento inicial, todos do C P C , já que não se verifica a incompetência em razão da matéria, quanto aos RR. BES, Banco de Portugal, Novo Banco S A. Fundo de Resolução , CMVM e LM...;
Porquanto...
R. Para a decisão do presente pleito não há necessidade de recurso a qualquer norma de direito administrativo, estando a discussão centrada no plano puramente privado e civilístico, que, recorde-se, se prende com a responsabilização civil dos RR. Por violação das regras de intermediação financeira, mormente por via do consagrado no art° 305° - A e 321° do Código dos Valores Mobiliários.
S Entende assim o Apelante que não se verifica a exceção de incompetência absoluta em razão da matéria atendendo a que o thema decidendum tal como configurado pelo A., não se prende com qualquer questão de domínio administrativo, mas antes puramente civil.
T. O Apelante peticiona pela responsabilização civil dos RR. Banco de Portugal, BES, CMVM e Fundo de Resolução, por violação das regras de intermediação financeira, mormente por via do consagrado nos artigos 304° A e 321° do Código dos Valores Mobiliários, isto é, está em causa a apreciação da violação dos deveres de informação, diligência e lealdade que impendem sobre os intermediários financeiros, bem assim como a nulidade daquela relação jurídica por inobservância de forma, estando, desta forma em causa, o Direitos dos Valores Mobiliários, pois que foi nesses instrumentos que, bem ou mal, foi investido todo o dinheiro e economias de uma vida de trabalho do A.
U. O Apelante imputa assim factos concretos, diários e diretamente por si vividos no dia-a-dia com a R. Lina Pires, pois foi ela quem convenceu o Autor à aplicação do seu dinheiro naqueles produtos, quem omitiu os riscos daquelas aplicações, quem sonegou informação, que usou abusivamente dos dinheiros do Apelante depositado no BES
V. Por seu turno, também o Apelante imputou factos concretos ao R. Novo Banco que recusou o levantamento e entrega do dinheiro do Apelante a solicitação do mesmo, assumindo contudo o recebimento da gestão daquela conta bancária do Apelante e com o Apelante, mantendo exatamente a mesma relação, canais de contacto e procedimentos de atuação e gestão de conta bancária.
W. Persistindo-se na tendência de não resolução da questão de fundo, ou seja, do litígio, ao arrepio do comando constitucional previsto pelo artigo 202° ns 1 e 2 da C.R.P.
X. Assim, a sentença sub judice padece, ainda, de nulidade por omissão de pronúncia nos termos da alínea d) do n.°1 do artigo 615.° do C.P.C. que aqui se invoca.
Y. A sentença recorrida padece de nulidade porque submete à tutela do art° 4° n° 2 do ETAF, a relação jurídica dos RR BES, Novo Banco e LM..., entidades de direito privado, partindo do pressuposto errado, que entre estes RR e os demais RR (Banco de Portugal, CMVM e Fundo de Resolução) existe litisconsórcio necessário passivo, uma relação de dependência jurídica, quando tal não ocorre!
Z. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo, não só viola as regras do direito nacional, mas também viola as regras do direito comunitário, através da violação das normas constantes na Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais que foi transposta para a ordem jurídica portuguesa.
AA. Convenção estabelece que os Estados são considerados responsáveis pelos atos das suas autoridades, que in casu sempre será o Banco de Portugal
BB Sendo que tais atos não têm de provocar apenas efeitos prejudiciais dentro do estado nacional mas também fora do seu território, sejam eles praticados dentro ou fora das fronteiras nacionais.
CC. Assim, segundo o disposto no artigo 1.° do Protocolo n.° 1, com a denominação Proteção da propriedade Qualquer pessoa singular ou coletiva tem o direito ao respeito dos seus bens (...), pelo que o Autor entende também ser legítimo alegar a violação do artigo 1.° do Protocolo n.° 1, na medida em que as decisões contra as quais se insurge se reportam aos seus bens no sentido desta disposição.
DD. Incluindo-se nesses bens os créditos, por meio dos quais os requerentes podem pretender ter, pelo menos, uma expectativa legítima de obter o gozo efetivo de um direito de propriedade.
EE. O reenvio é um instrumento de cooperação judiciária, previsto no art° 267° do Tratado de Funcionamento da União Europeia, pelo qual um juiz nacional e um juiz comunitário, são chamados no âmbito das suas competências, a contribuir para uma decisão que assegure a aplicação uniforme do Direito Comunitário nos estados membros. (Acórdão Schawrze, de 01/12/1965, proc. 16/65),
FF. Este instituto jurídico fomenta a cooperação ativa entre as jurisdições nacionais e o espaço europeu, concretizando, assim, aquele que é um dos princípios basilares da União — princípio da lealdade europeia, consagrado no art° 4° do TUE.
GG. Pela sua notoriedade, o recurso prejudicial dá um forte contributo para o contínuo processo de integração europeia.
HH. Num processo pendente em órgão jurisdicional nacional, cuja decisão admita recurso ordinário, (como é o presente caso), este é livre de pedir ao TJUE, que se pronuncie sobre ela, exceto se o juiz nacional se pronunciar sobre a invalidade de um ato europeu, porquanto a competência para declarar a invalidade de um ato de Direito da União Europeia, é exclusivo do TJUE, à luz, entre outros, do Acórdão Foto-Frost de 22-10-87 (Proc. 314/85), segundo o qual, sempre que a validade de um ato ou disposição de Direito derivada da União suscite dúvidas, qualquer tribunal ainda que não esteja a decidir em última instância, tem a obrigação de submeter essa questão da eventual invalidade ao TJUE (consagrando-se assim a obrigação de reenvio para declaração de invalidade de ato da União, que o juiz nacional pretenda inaplicar).
II. Nos termos ora expostos, entendemos ter havido errónea interpretação das normas supra mencionadas, bem com o a violação do disposto nos artigos 20°, 202° e 204° da Constituição da República Portuguesa, motivo pelo qual, deverá ser decidido o reenvio prejudicial com a consequente suspensão da instãncia nos termos do disposto nos artigos 269° e 272° ambos do Código de Processo Civil.
JJ. Pretendendo o recorrente através do recurso prejudicial, obter resposta à seguinte questão:
A declarada incompetência total em razão da matéria, em relação a todos os RR., no que respeita à apreciação de factos que não são suscetíveis de serem apreciados noutra sede, máxime, a responsabilidade civil emergente de operações intermediánas financeiras, sem recurso ao principio da imediação e sem uso cabal de todos os meios de defesa, não viola o principio do julgamento de forma justa e equitativa, conforme dispõe o artigo 47° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia?
Para além disso...
KK. Perante a declaração de incompetência em razão da matéria, proferida pelo douto tribunal a quo, sem que se tivesse pronunciado pelo mérito da causa, incorreu o mesmo na violação de um direito constitucionalmente garantido que é o direito a um julgamento justo, previsto no art° 20° da C.R.P.
LL. Nos termos do art° 47° da Carta do Direitos Fundamentais da União Europeia, toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito e União Europeia tenham sido violados, tem direito a uma ação perante um tribunal. Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei. Toda a pessoa tem a possibilidade de se fazer aconselhar, defender e representar em juízo.
MM. Pelo quanto se encontra acima descrito, verificamos que a causa que originou o presente processo, não foi julgada de forma equitativa.
NN. Ficando prejudicada a apreciação dos factos que preenchem
todos os elementos para condenação em ação de responsabilidade civil, contidos nos artigos 483° e seguintes do Código Civil.
00. Constituindo a omissão de pronúncia, em relação às questões colocadas ao Tribunal a quo, verdadeira denegação de justiça!
Normas jurídicas violadas:
Arts. 2°, 32° 483° e ss, 608° n° 2 e 615° n° 1 ai. c) e d) todos do
C.P.C.; Art° 4° ns 1 e 2 do ETAF; Arts. 2°, 20°, 202°, e 204° da C.R.P., A►t° 47° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Terminou pedindo que fosse revogada a decisão recorrida, seguindo a acção os seus termos. Mais solicitou o reenvio prejudicial referido no recurso, com a consequente suspensão da instância
O BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A.— EM LIQUIDAÇÃO (BES) respondeu às alegações de recurso concluindo:
1) O Tribunal a quo andou bem ao considerar que a presente ação perdeu a sua razão de ser no que respeita ao ora Recorrido BES, tendo em consequência, julgado extinta a presente instância por inutilidade superveniente da lide quanto a este Réu, nos termos do disposto na alínea e) do artigo 277.° do CPC.
2) O processo de liquidação do BES resultou da decisão do BCE que revogou a autorização para o exercício da atividade desta instituição de crédito que, nos termos do disposto no artigo 8.°, n.° 2 do Decreto-Lei n.° 199/2006 de 14 de agosto, produz os efeitos da declaração de insolvência, sendo que, a requerimento do Banco de Portugal, foi proferido, no processo de liquidação judicial do BES, o despacho de prosseguimento previsto no artigo 9.°, n.° 1 do referido Decreto-Lei, cuja cópia foi, a seu tempo, junta aos autos.
3) Nos termos dos artigos 8.°, n.° 1 e seguintes do supra mencionado D.L. 199/2006, são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as normas do ORE, decorrendo do artigo 90 ° deste diploma legal que, durante a pendência do processo de insolvência, os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos de conformidade com os preceitos deste diploma legal, vigorando assim um princípio de concentração nesse processo de todas as questões relevantes.
4) O n.° 1 do artigo 128.° do CIRE, por seu turno, dispõe que dentro do prazo para o efeito fixado na sentença declaratória de insolvência, devem os credores da insolvência (...) reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham (...), sendo que, nos termos do n.° 3 do mesmo preceito legal, a verificação tem por objeto todos os créditos sobre a insolvente, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo que o credor tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento.
5) A declaração de liquidação do BES, consubstanciada na deliberação do Banco Central Europeu que revogou a respetiva autorização para o exercício de atividade, acarreta assim a falta de interesse em agir do Autor, ora Recorrente, contra o BES, o que, por conseguinte, implica, em síntese, a inutilidade superveniente da presente lide no que ao BES respeita.
6) Por outro lado, da decisão de revogação da autorização para o exercício da atividade emanada do BCE caberia recurso para o Tribunal de Justiça da União Europeia, a interpor nos termos do disposto no artigo 263.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, no prazo de dois meses, a que acresce uma dilação de 10 dias, em função da distância, nos termos do regulamento de processo do Tribunal Geral.
7) Entretanto, por ofício emitido pela Secretaria do Tribunal Geral a 28 de setembro de 2016, já junto aos autos, confirmou-se que até essa data não foi interposto nenhum recurso perante o Tribunal Geral contra a decisão do BCE, que determinou a revogação da autorização do BES e, no caso concreto, o prazo, assim contado, terminou, com efeito, antes de 28 de setembro.
8) Por essa razão, à luz da definitividade da decisão que produz os efeitos equivalentes à sentença que declara a insolvência, deverá manter-se na íntegra a decisão proferida pelo Tribunal a quo de extinção da instância,
9) O Supremo Tribunal de Justiça veio a aderir a esta posição, por Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.° 1/2014, publicado no DR ia série, n.° 39, de 25 de Fevereiro de 2014, estabelecendo que: Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a ação declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide (...), sendo que da decisão de revogação da autorização para o exercício da atividade emanada do BCE caberia recurso para o Tribunal de Justiça da União Europeia, a interpor nos termos do disposto no artigo 263.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, no prazo de dois meses, a que acresce uma dilação de 10 dias, em função da distância, nos termos do regulamento de processo do Tribunal Geral.
10) Acolhendo entendimento idêntico veja-se o Acórdão do , proferido em 07.03.2017, no âmbito do Proc. n.° 11804/16.2T8LSB-A.L1, bem como Ac. da Relação de Lisboa de 6/04/2017 proferido no âmbito do Proc. N.° 2344/16.0T8LSB, entre outros mencionados supra.
11) Nestes termos, perante a definitividade da decisão que produz efeitos equivalentes à declaração de insolvência, o Tribunal a quo andou bem ao extinguir a instância na presente ação, aplicando-se plenamente a jurisprudência uniformizada.
12) Sustenta ainda o Recorrente que a presente ação não terá índole exclusivamente patrimonial, considerando que o mesmo suscita nos presentes autos a questão da nulidade do contrato de intermediação financeira, em consequência da qual peticiona que sejam os Réus condenados a pagar ao Autor.
13) Na defesa da sua tese, defende ainda o Recorrente que a matéria em discussão nos presentes autos, não se esgota numa simples questão patrimonial, tratando-se de matéria alegadamente complexa, a qual, no entendimento deste, não será objeto de apreciação no âmbito do processo de liquidação judicial do BES, que se limitará a verificar e reconhecer créditos da insolvente, não lhe competindo decidir sobre a obrigação de prestar.
14) Porém, não olvidará seguramente o Recorrente que a questão da nulidade do contrato de intermediação financeira suscitada por este último nos presentes autos, constitui na verdade um pedido subsidiário, sendo certo que a eventual procedência do pedido principal, - hipótese que se suscita a título meramente académico e sempre sem conceder - prejudicaria necessariamente a apreciação do pedido subsidiário.
15) O pedido principal formulado pelo Recorrente nos presentes autos, constitui a condenação dos Réus no pagamento de uma quantia pecuniária, acrescida de juros vencidos e vincendos, por alegada violação dos deveres de informação, diligência e lealdade enquanto intermediários financeiros.
16) Assim, e conforme resulta inequívoco, é manifesto que, a pretensão do ora Recorrente na presente ação assume caráter estritamente patrimonial, na qual o Recorrente pretende que lhe seja reconhecido um direito de crédito, do qual o Recorrente se arroga titular e que expressamente quantifica.
17) Aliás, o ora Recorrente já reclamou o crédito de que se arroga titular no âmbito do processo de liquidação judicial do BES.
18) Na tentativa de sustentar a sua tese, invoca o Recorrente nas suas alegações o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 29.01.2015, o qual facilmente se depreende não ter aplicação ao caso em apreço.
19) Com efeito, e conforme se pode ler no referido Acórdão, não terá que ser julgada extinta uma ação que não visa a declaração de qualquer direito de crédito, mas em que se pede que sejam declarados nulos ou resolvidos os negócios jurídicos celebrados entre as partes, reforçando ainda esta posição ao referir em que só estão em causa efeitos reais (...).
20) Sucede que, contrariamente ao alegado pelo Recorrente, a presente ação visa precisamente o reconhecimento de um direito de crédito de que o Recorrente se arroga titular, e que reclamou no processo de liquidação do BES, sendo manifesto que nos presentes autos não estão em causa efeitos reais inerentes à declaração de nulidade de qualquer contrato ou negócio jurídico, razão pela qual o mencionado Acórdão não poderá ter aplicação nos presentes autos.
21) Ainda a respeito do citado Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, note-se que este respeita a ações intentadas contra a insolvente, antes da declaração de insolvência, sendo certo que, a presente ação foi instaurada em 16.07.2017, ou seja, após a declaração de insolvência do aqui Recorrido BES, que ocorreu em 13.07.2016, por via da revogação da autorização para o exercício da sua atividade, pelo que também por esta via, tal acórdão não se subsume ao caso dos autos.
22) Por outro lado, a alegada complexidade da matéria em discussão nos presentes autos invocada pelo Recorrente, a qual, no entendimento deste último, não será objeto de apreciação no âmbito do processo de liquidação judicial do BES, uma vez que este Tribunal se limitará a verificar e reconhecer créditos da insolvente, constitui, na opinião do Recorrente, motivo suficiente para que se mantenha a utilidade e interesse em agir, e nessa medida no prosseguimento da ação.
23) Na verdade, o argumento do Recorrente, é totalmente irrelevante porquanto pressupõe a utilidade do processo, o que constitui uma inversão do raciocínio, parte-se do princípio, errado, de que a ação deve prosseguir e pretende-se afastar o obstáculo do par conditio creditorium.
24) De facto, a alegada complexidade dos presentes autos, à qual o Recorrente faz referência leria sempre que ser ponderada, ainda que sobrevivesse a presente ação declarativa, no processo de liquidação do BES, aquando da verificação dos créditos.
25) Isto é, resulta da opção, correta, aliás, do legislador de atrair todas as questões jurídica e patrimonialmente relevantes para o processo de liquidação e da consequente inutilidade superveniente da lide das ações declarativas pendentes intentadas contra o liquidatário.
26) Decorre do artigo 90.° do CIRE que, durante a pendência do processo de insolvência, os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos de conformidade com os preceitos deste diploma legal.
27) O n.° 1 do artigo 128.° do CIRE, por seu turno, dispõe que dentro do prazo para o efeito fixado na sentença declaratória de insolvência, devem os credores da insolvência (. .) reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham (...)„
28) Nos termos do n.° 3 do mesmo preceito legal, a verificação tem por objeto todos os créditos sobre a insolvente, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo que o credor tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento.
29) Assim, vigora no processo de insolvência um princípio de concentração, que atrai todas as questões jurídica e patrimonialmente relevantes para o processo, onde todos os credores têm oportunidade para fazer valer os seus direitos, em pé de igualdade.
30) O que significa que. independentemente de o ora Recorrente obter, através da presente ação, o reconhecimento do seu crédito e a condenação do BES no pagamento das quantias aqui peticionadas nunca estaria, nem está dispensado de as reclamar no processo de insolvência /liquidação judicial, se nele quiser obter pagamento.
31) Pretendendo o Recorrente à margem do processo de insolvência ver reconhecido um crédito contra o Recorrido declarado insolvente, deixou de haver necessidade de usar o presente processo, porquanto nenhuma utilidade ou efeito prático destes se poderá extrair para a esfera jurídica do Recorrente.
32) É, pois, em face do que se deixou dito, manifesto que uma ação declarativa destinada ao reconhecimento de créditos sobre entidades insolventes não tem qualquer utilidade processual.
33) Esta asserção é válida independentemente do título ou causa jurídica do crédito, não se distinguindo créditos com origem contratual dos que têm a sua fonte noutras formas de responsabilidade civil.
34) A declaração de liquidação do BES, consubstanciada na deliberação do BCE que revogou a autorização para o exercício da atividade do BES, com efeitos a partir das 19:00 ICET] do dia 13 de julho de 2016, acarreta assim a falta de interesse em agir do Autor, ora Recorrente, contra o BES.
35) O que, por conseguinte, implica, em síntese, a inutilidade superveniente da presente lide no que ao BES respeita, uma vez que, independentemente da sorte da presente ação, a existência ou inexistência do crédito invocado pelo Recorrente terá necessariamente de ser julgada no âmbito do processo de liquidação judicial do BES, a correr os seus termos no 1a Secção de Comércio da Instância Central de Lisboa.
36) Aplicando-se, plenamente, a jurisprudência uniforme adotada no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.° 1 /2014 (publicado no DR ia série, n.° 39, de 25 de Fevereiro de 2014: Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a ação declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide (...).
37) Assim sendo, a posição do Recorrente parte, desde logo, de uma premissa errada: a de que os seus créditos podem ser reconhecidos em processo autônomo, apesar da pendência do processo de liquidação, em sede do qual se procede ao reconhecimento e impugnação de créditos reconhecidos.
38) Na verdade, como supra exposto, a declaração de liquidação do BES acarreta a falta de interesse em agir do ora Recorrente na presente ação declarativa, e da falta de interesse em agir do Recorrente decorre a inutilidade superveniente da lide e a consequente extinção da instância.
39) Ademais, a responsabilidade civil não constitui um direito potestativo de exercício necessariamente judicial e a sentença condenatôda do BES que viesse a ser proferida na presente ação seria meramente declarativa de direitos, e não constitutiva dos mesmos.
40) Não se exige pois o reconhecimento do crédito do ora Recorrente na presente ação declarativa para o que mesmo possa ser reconhecido no processo de liquidação do BES, devendo o crédito do ora Recorrente ser reconhecido ou não no processo de liquidação judicial do BES, não devendo nem podendo a presente ação prosseguir com o propósito de reconhecimento do mesmo.
41) Na verdade, prevê-se no artigo 130° do C1RE a possibilidade de impugnação judicial da lista de credores reconhecidos e não reconhecidos, sendo que, a partir da apresentação de tais listas, o reconhecimento dos créditos passa a competir ao Tribunal
42) Havendo impugnações da lista, abre-se um incidente no processo de insolvência, rectius de liquidação judicial, que reveste a natureza de uma ação declarativa, na qual há oportunidade de discutir o reconhecimento ou não reconhecimento do crédito reclamado, garantindo-se assim o direito do Recorrente a um processo justo e equitativo, nos termos do artigo 20.° da CRP.
43) Ora, contrariamente ao alegado pelo Recorrente, este terá oportunidade de discutir o reconhecimento ou não do crédito por este reclamado, no âmbito do processo de liquidação judicial do aqui Recorrido BES, e neste processo ver cabalmente apreciadas todas as questões por si suscitadas.
44) Conforme seguramente não ignorará o Recorrente, a sede própria para conhecimento, apreciação e julgamento das questões suscitadas pelo Recorrente é precisamente o processo de liquidação judicial do BES, não se esgotando a apreciação jurisdicional deste Tribunal na simples verificação e reconhecimento de créditos.
45) A este propósito, refira-se ainda que, mesmo que o Recorrente obtivesse tempestivamente o reconhecimento do seu crédito na presente ação, a respetiva sentença apenas produziria efeitos inter partes, nos termos do artigo 619.° do CPC.
46) E não produzindo a sentença efeitos fora do presente processo, não poderá determinar o reconhecimento obrigatório do crédito do ora Recorrente no processo de liquidação, nem tampouco impedir neste a sua impugnação.
47) Aliás, se a sentença proferida na presente ação produzisse efeitos fora dos presentes autos, seria naturalmente posto em causa o princípio par conditio creditorum que caracteriza o processo de liquidação, na medida em que os credores que tivessem intentado ações declarativas contra o liquidatário e que vissem os seus créditos reconhecidos nas mesmas seriam privilegiados, em relação àqueles que se limitaram a reclamar os seus créditos no processo de liquidação.
48) Enquanto os créditos dos primeiros seriam obrigatoriamente reconhecidos e insusceptíveis de impugnação, aos créditos dos segundos aplicar-se-ia o regime regra previsto no CIRE, podendo ser reconhecidos ou não e, na afirmativa, estariam sempre sujeitos a impugnação judicial,
49) Alega ainda o Recorrente que, o despacho de prosseguimento profendo no âmbito do processo de liquidação judicial do Recorrido BES, não declarou aberto o incidente de qualificação de insolvência, nos termos do disposto na alinea i) do n.° 1 do artigo 36.° do CIRE, pelo que, entende o Recorrente que, não será possível aferir se o património do insolvente será suficiente para responder aos créditos reclamados. e nessa medida, nem mesmo para acções de caráter exclusivamente patrimonial, seria possível garantir pela inutilidade superveniente da lide que estariam assegurados os direitos dos credores da insolvente.
50) Ora, dispõe o n.° 1 do artigo 39.° do CIRE: Concluindo o juiz que o património do devedor não é presumivelmente suficiente para a satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa insolvente e não estando essa satisfação por outra forma garantida, faz menção desse facto na sentença de declaração de insolvência, dando nela cumprimento apenas ao preceituado nas alíneas a) a d) e h) do n.° 1 do artigo 36.°, e, caso disponha de elementos que justifiquem a abertura do incidente de qualificação da insolvência declara aberto o incidente de qualificação com carácter limitado, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto na alínea i) do n.° 1 do artigo 36.°.
51) Com efeito. a hipótese legalmente consagrada de qualificação da insolvência com carácter limitado, é aferida em face da presumível insuficiência do patrimõnio do devedor para satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa insolvente, e não como pretende fazer crer o Recorrente, pela presumível insuficiência do património do devedor para satisfazer os créditos reclamados.
52) Em rigor, é facilmente compreensível o alcance do critério consagrado no n.° 1 do artigo 39.° do CIRE bem como a eventual qualificação da insolvência com carácter limitado, isto porque não ignora certamente o Recorrente que, a massa insolvente destina-se á satisfação dos credores da insolvência depois de pagas as suas próprias dividas, nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 46.° do GIRE.
53) Sendo certo que. as custas do processo de insolvência constituem dividas da massa, conforme resulta do n.° 1 do artigo 51.° do GIRE.
54) Assim, antes de ser efetuado qualquer pagamento dos créditos sobre a insolvência, será deduzido da massa insolvente os bens ou direitos necessários á satisfação das dívidas da massa, incluindo as que previsivelmente se constituirão até ao encerramento do processo, em cumprimento do disposto no n.° 1 do artigo 172.° do CIRE.
55) Pelo que, bem se compreende o alcance do critério definido no n.° 1 do artigo 39.° do CIRE, uma vez que sendo o património do devedor insolvente presumivelmente insuficiente para a satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa insolvente (pagas antes de qualquer outro crédito), não será equacionável ou sequer expectável, que seja possível obter a satisfação de qualquer crédito sobre a insolvente.
56) Ademais, refira-se ainda que, o n.° 9 do artigo 39.° do GIRE esclarece que: 'Para os efeitos previstos no n.° 1, presume-se a insuficiência da massa quando o património do devedor seja inferior a € 5000,,
57) O que manifestamente não se verifica nos presentes autos de liquidação judicial do BES.
58) Com efeito, e por força da medida de resolução aplicada pelo Banco de Portugal ao ora Recorrido BES, é possível aferir quais os activos e passivos que não foram transferidos do BES para o Novo Banco, sendo certo que tal constitui um facto público e de conhecimento geral,
59) Em face do exposto, não assiste razão ao Recorrente, ao pretender justificar a utilidade no prosseguimento da presente lide, com a hipótese (aliás, destituída de qualquer fundamento) de vir a ser declarado o carácter limitado do processo de liquidação judicial do BES, o que consequentemente, faria cessar os efeitos da declaração de insolvência, sendo que no presente caso, os efeitos da declaração de insolvência opera por via da decisão do Banco Central Europeu que revogou a autorização para o exercício da atividade desta instituição de crédito.
60) Defende ainda o Recorrente que, só é possível obter o reconhecimento da existência do seu crédito através da presente ação declarativa, sob pena do Recorrente ser ver privado da tutela jurisdicional efetiva garantida a todos os cidadãos pelo disposto no artigo 20.° da CRP.
61) Ora, conforme anteriormente referido, a esta consideração do Recorrente sobrepõem-se, desde logo, os princípios da concentração e par conditio creditorium que caracterizam o processo de insolvência, bem como a sua finalidade enquanto execução de vocação universal, conforme bem refere o Recorrente nas suas alegações.
62) Resultando da opção, correta, aliás, do legislador de atrair todas as questões jurídica e patrimonialmente relevantes para o processo de liquidação e da consequente inutilidade superveniente da lide das ações declarativas pendentes intentadas contra o liquidatário.
63) Sendo que, na verdade, por força do principio da concentração, o crédito do Recorrente terá necessariamente que ser reclamado e reconhecido no processo de liquidação do BES, se nele quiser obter pagamento.
64) Acresce que, a pendência de ações declarativas poderia, essa sim, colocar em crise o principio da igualdade dos credores (par conditio creditorum), o qual visa, como é consabido, a salvaguarda da igualdade de oportunidade de todos os credores perante a insuficiência do património do devedor, afastando a possibilidade de conluias ou quaisquer outros expedientes suscetíveis de prejudicar os demais credores.
65) Sendo que, tal como se lê no Acórdão do Tribunal da Relação de 30 de junho de 20102, visando o processo de insolvência a colocação de todos os credores em posição de igualdade jurídica perante o património da insolvente mediante o concurso universal de credores, a afirmação e o reconhecimento de direitos de crédito sobre a insolvente através de acções declarativas de condenação em que apenas um dos vários credores é parte, abriria o caminho a situações de conluio e favorecimento entre alguns dos vários credores ou de falsos credores, por um lado, e a empresa à beira da insolvência ou já insolvente, por outro, através de simples expedientes como a não contestação das acções, omissão de apresentação de prova, confissão dos factos ou do pedido, etc., tudo com prejuízo manifesto dos restantes credores não intervenientes na ação declarativa.
66) A questão colocada pelo Recorrente é então de política legislativa e não cabe nos presentes autos.
67) Por outro lado, não se diga que os direitos dos credores, bem como o direito constitucional a um processo justo e equitativo são postos em causa por esta solução. uma vez que, o artigo 130° do CIRE prevê a possibilidade de impugnação judicial da lista de credores reconhecidos e não reconhecidos, sendo que, a partir da apresentação de tais listas, o reconhecimento dos créditos passa a competir ao Tribunal.
68) Havendo impugnações da lista, abre-se um incidente no processo de insolvência, rectius de liquidação judicial, que reveste a natureza de uma ação declarativa, na qual há oportunidade de discutir o reconhecimento ou não reconhecimento do crédito reclamado, garantindo-se assim o direito do Recorrente a um processo justo e equitativo, nos termos do artigo 20.° da CRP.
69) Razão pela qual, carece de fundamento a alegação do Recorrente.
70) Em face de todo o exposto, deverá ser mantida a douta sentença recorrida.
Também a COMISSÃO DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS (CMVM) respondeu às alegações de recurso concluindo:
a. A douta sentença recorrida decidiu (1) declarar extinta a instãncia, por inutilidade superveniente da lide, no que respeita ao Réu BES; (ii) julgar verificada a exceção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal, em razão da matéria, absolvendo, em consequência, os Réus Fundo de Resolução, Banco de Portugal e CMVM, da instância; e (iii) julgar a ação improcedente, absolvendo, em consequência, os réus Novo Banco e Lina Pires do pedido.
b. As alegações apresentadas pelo Recorrente têm por objeto a totalidade da decisão recorrida, concretamente a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide no que toca ao R. BES, à absolvição da instância dos Réus Fundo de Resolução, Banco de Portugal e CMVM, por incompetência absoluta do Tribunal, em razão da matéria, para além de se invocar a nulidade da sentença alegadamente por os fundamentos se encontrarem em oposição com a decisão e por omissão de pronúncia em relação aos RR. Novo Banco e LP....
c. As presentes contra-alegações visam responder à alegação do Recorrente apenas no que se refere à incompetência do Tribunal em razão da matéria quanto à R. CMVM, bem como à alegada nulidade da sentença, defendendo-se a confirmação da douta sentença recorrida e a improcedência das alegações do Recorrente que carecem de qualquer fundamento, como adiante se irá expor.
d. Ao contrário do pretendido pelo Recorrente, deverá ser atribuído efeito meramente devolutivo ao presente recurso, nos termos do art.° 647.°, n.° 1 do CPC.
e. As conclusões A. a E., bem como as conclusões N. e O. do recurso, ao conterem fundamentos que não constam no corpo das alegações, padecem de excesso, e como tal não podem ser apreciadas.
f A alegação do Recorrente só pode incorrer num evidente equívoco, uma vez que a douta sentença julgou procedente a exceção dilatória de incompetência absoluta em razão da matéria em relação aos Réus Fundo de Resolução, Banco de Portugal e CMVM (entidades públicas), absolvendo-os da instância, quer na parte da fundamentação, quer na parte do dispositivo.
g. A douta sentença não padece, assim, de qualquer nulidade por contradição entre a fundamentação e a decisão, porquanto o Tribunal recorrido deixa bem claro quer na parte da fundamentação da sentença, quer no seu dispositivo que considera procedente a exceção de incompetência absoluta do tribunal, em razão da matéria, apenas em relação aos Réus Fundo de Resolução, Banco de Portugal e a CMVM (entidades publicas), considerando o tribunal judicial competente para conhecer o pedido formulado contra os réus BES, Novo Banco, e Lina Pires (entidades privadas), em virtude de o autor não ter alegado quaisquer factos dos quais se possa concluir a imputação de responsabilidade solidária entre os Réus, nos termos do artigo 4.°, n.° 2 do ETAF.
h. O Recorrente argui, ainda, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia por se persistir na tendência de não resolução da questão de fundo e porque submete à tutela do art° 4° n° 2 do ETAF, a relação jurídica dos RR BES, Novo Banco e LM..., entidades de direito privado, partindo do pressuposto errado, que entre estes RR e os demais RR (Banco de Portugal, CMVM e Fundo de Resolução) existe litisconsórcio necessário passivo, uma relação de dependência jurídica, quando tal não ocorre!.
i. Ora, por um lado, é falso que o Tribunal tenha submetido à tutela do art° 4° n° 2 do ETAF, a relação jurídica dos RR BES, Novo Banco e LM..., entidades de direito privado, pois, como acima ficou exposto, o Tribunal declarou-se competente para conhecer o pedido formulado contra estes Réus, considerando inexistir imputação de responsabilidade solidária ao abrigo dessa norma.
j. Por outro lado, sempre se dirá que a aplicação das regras relativas à competência do tribunal, designadamente o artigo 4.°, n.° 1, alínea 17 do ETAF, e a consequente absolvição dos Banco de Portugal, CMVM e Fundo de Resolução da instância não se traduz numa omissão de pronúncia, uma vez que o Tribunal se limitou a aplicar e cumprir tais normas, estando impedido de apreciar o mérito da causa quanto a esses Réus (cf. o art.° 576.°, n.° 2 e 577.°, alínea a) do CPC), sendo que tal decisão não põe em causa o direito de ação do A. que sempre poderá ver a questão de mérito apreciada no tribunal competente.
k. Nos termos do disposto no artigo 3.°, n.° 3, al. b), da Lei n.° 67/2013, de 28 de agosto, cujo artigo 2.° aprova a LQER, a CMVM constitui uma entidade reguladora, e, como tal, é uma pessoa coletiva de direito público, com a natureza de entidade administrativa independente (cfr. artigo 3.°, n.° 1, da LQER).
1. Nos termos do artigo 5.°, n.° 2, da LQER, são subsidiariamente aplicáveis à CMVM, quando esta atua no exercício de poderes públicos, o Código de Procedimento Administrativo e as leis do contencioso administrativo, assim como, em consonância, ainda, com o artigo 5.°, n.° 3, alínea b), da LQER, o regime da responsabilidade civil do Estado.
m. A configuração atribuída pelo Autor, ora Recorrente, à presente causa impõe que se conclua que o litígio assume, no que à CMVM diz respeito, natureza jusadministrativa e, portanto, que se verifica incompetência absoluta do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa por infração das regras de competência em razão da matéria.
n Com efeito, sendo peticionado o ressarcimento de (alegados) danos por (também alegada) omissão da CMVM no exercicio das suas atribuições de supervisão. é aplicável o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pelo artigo 1 .0 da Lei n.° 67/2007, de 31 de dezembro, na redação introduzida pelo artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 31/2008, de 17 de julho (RRCEE).
o. Ora, são exclusivamente competentes para a apreciação da responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, nos termos conjugados do artigo 212.°, n.° 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e dos artigos 1.°, n.° 1, e 4.°, n.° 1, alínea f), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF'), aprovado pela Lei n.° 13/2002, de 19 de fevereiro, na redação introduzida pelo artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 214-G/2015, de 2 de outubro.
p. De onde resulta que a R. CMVM deve ser absolvida da instância por verificação de exceção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, decorrente da infração das regras de competência em razão da matéria, em conformidade com o disposto nos artigos 64.°, 96.°, alínea a) e 99.°, n.° 1, 576.°, n.os 1 e 2, e 577.°, alínea a), todos do CPC, confirmando-se a douta sentença recorrida
q. E na hipótese remota de se entender que, na ação em causa, no que toca á CMVM, estamos perante uma relação jurídica de direito privado ou perante atos de gestão privada, a verdade é que é entendimento consolidado do Tribunal dos Conflitos que é da competência dos Tribunais Administrativos o julgamento das ações de responsabilidade civil extracontratual contra o Estado e demais entes públicos ainda que esteja em causa uma relação jurídica de direito privado (Acórdão do Tribunal dos Conflitos de 01.06.2017, Proc. n.° 08/17).
r. Ora, no presente caso não há qualquer dúvida sobre a natureza pública da CMVM. nem o A./ Recorrente impugna essa natureza, e também não pode negar que, tal como o A. configura a ação, está em causa a responsabilidade extracontratual da CMVM, pelo que deve concluir-se que a competência para julgar
o presente litígio pertence aos tribunais administrativos e fiscais.
s. Por outro lado, no que respeita à CMVM, fora do quadro da responsabilidade civil extracontratual, que nenhuma adesão tem à configuração que
o A. fez da ação, a qual conduz à incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria conforme supra explanado, qualquer outra hipotética configuração da causa de pedir e dos pedidos tal como formulados pelo A. - como aquela que o Recorrente agora ensaia, sem razão face á causa de pedir e aos pedidos constantes da p.i., na conclusão L. das suas alegações - leva à conclusão de que a CMVM é parte ilegítima, o que poderá ser apreciado pelo , nos termos do art.° 665.°, n.° 2 do CPC.
t. Com efeito, o pedido a) formulado pelo A./Recorrente na p.i. é dirigido contra os RR. na sua qualidade de intermediários financeiros, por violação dos deveres de informação, diligência e lealdade, nos termos do disposto no artigo 304.°-A do CdVM.
u. Ora, a CMVM não é, nem intermediário financeiro, nem o A./Recorrente alega que o seja, nem lhe é aplicável o artigo 304.°-A do CdVM, pelo que nunca poderá ser parte na relação material controvertida configurada pelo A. de que são sujeitos este, por um lado, e intermediários financeiros, por outro, pelo que não se revelando processualmente possível a condenação da CMVM, na qualidade de intermediário financeiro, ao pagamento de qualquer quantia peticionada pelo A., não tem esta Comissão interesse em contradizer e é, portanto, parte ilegítima.
Ir. Quanto ao pedido formulado na alínea b), no qual o A. peticiona a nulidade do contrato de intermediação financeira por inobservância da forma, uma vez que a CMVM não é intermediário financeiro, nem o A. o alega, a CMVM não pode ser parte em nenhum contrato de intermediação financeira alegadamente celebrado pelo A., visto que só os intermediários financeiros podem exercer, a titulo profissional, atividades de intermediação financeira, e em decorrência, celebrar os contratos de intermediação financeira com os seus clientes.
w. Acresce que é o próprio A. que configura a correspondente causa de pedir em termos que o contrato de intermediação financeira em apreço se estabeleceu entre, por um lado, o A. e, por outro, o 1° R, o 3° R e o 6° R, não incluindo nesta relação contratual a 5° R, CMVM (cf, em especial, artigos 106.° a 114.° da p.i..), pelo que, a CMVM não é parte nesta relação material controvertida, tal como o A./Recorrente a configura.
x Assim, quanto ao pedido b). também não se revela processualmente possível a condenação da CMVM ao pagamento de qualquer quantia peticionada pelo A. em virtude da eventual declaração de nulidade de um contrato a que a CMVM é totalmente estranha, não tendo por isso esta Comissão interesse em contradizer e sendo, portanto, parte ilegítima.
y. Relativamente ao pedido de condenação pelo ressarcimento dos danos não patrimoniais, o A. omite quaisquer factos constitutivos dessa responsabilidade relativamente à CMVM, no âmbito de qualquer relação contratual que tenha sido estabelecida entre o A. e a Ré, o que bem se compreende visto que entre um e outra não se estabeleceu qualquer relação contratual, nem o A. o alega.
z. Acresce que a questão da competência dos tribunais para julgar as ações nas quais se discuta a atividade de supervisão da CMVM, nomeadamente quanto ao Caso BES, tem vindo a ser decidida pela jurisprudência, sendo esta uniforme na fixação dos tribunais administrativos e fiscais como competentes para julgar este tipo de litígios.
aa De entre a referida jurisprudência destacam-se os Acórdãos do , proferidos em 11.12.2018 (Proc. n.° 18769/16.9T8LSB.L1), já transitado em julgado, em 20.12.2018 (Proc. n.° 19155/16.6T8LSB.L2), e em 6.12.2017 (Proc, n.° 18455/160T8LSB.L2), já transitado em julgado, e ainda os Acórdãos do Tribunal de Conflitos, proferidos em 14.02.2019. no Conflito n.° 46/18 (Proc. 19125/16.4T8LSB), e Conflito ri.° 31/18 (Proc. 18595/16.5T8LSB), todos em processos de teor muito semelhante ao presente.
bb. Nos presentes autos, deve ser convocada a uniformidade de entendimento no sentido de atribuir a competência á jurisdição administrativa para apreciar os pedidos deduzidos contra a Ré CMVM, em ações em que os demandantes ofereceram configuração muito idêntica à aqui exibida pelo Autor, o que se requer, sob pena de se pôr em causa a relativa previsibilidade e segurança na aplicação do direito, bem como ❑ princípio da igualdade, consagrado no ad. 13° da CRP — que exige que se tenha em consideração «todos os casos que mereçam tratamento análogo» (art. 8° n° 3 do CC) — Nesse sentido o acórdão proferido no Conflito n.° 46/18.
cc. Em suma, o objeto do presente litígio, no que à CMVM se reporta, é do exclusivo conhecimento dos tribunais administrativos e fiscais, conforme conjugadamente decorre do artigo 212.°, n.° 3, da CRP, dos artigos 1.°, n.° 1, e 4.°, n.° 1, alínea f), do ETAF e, bem assim, do artigo 5.°, n.° 2, alínea b), e n°3, alínea b) da LQER.
dd. Pelo que, ao contrário do defendido pelo Recorrente nas suas alegações, o Tribunal a «a quo» aplicou corretamente o disposto nos artigos 96.°, 99.° n.° 1, al. a) e 278.° n.° 1 al. a), 571.° n.° 2 segunda parte, 576.°, n. °s 1 e 2, 577.° al. a) e 578.°, não existindo qualquer vício de inconstitucionalidade, nem violação da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, devendo, assim, confirmar-se a douta sentença recorrida, e em conformidade, absolver-se a Recorrida CMVM da instância por força da incompetência absoluta do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, decorrente da infração das regras de competência em razão da matéria, nos termos do disposto nos artigos 64.°, 96.°, al. a), e 99.0, n.° 1, 576.°, n.os 1 e 2, e 577.°, ai. a), todos do CPC.
ee. Veio ainda o A. pedir o reenvio prejudicial dos presentes autos ao Tribunal de Justiça da União Europeia alegando que a declarada incompetência total em razão da matéria em relação a todos os RR., no que respeita a factos que não são suscetíveis de serem apreciados noutra sede viola o princípio do julgamento de forma justa e equitativa conforme dispõe o artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
ff. Ora, a verdade é que o reenvio prejudicial pedido pelo Recorrente só poderá considerar-se inadmissível, desnecessário, inútil e extemporâneo.
gg. Do disposto no artigo 267.° do TFUE, resulta que o TJUE é competente para decidir, a título prejudicial, sobre a correta interpretação ou validade do Direito da União.
hh. Ora, o que o Recorrente pretende com a questão supra enunciada não é que o TJUE se pronuncie sobre o correto entendimento ou validade das disposições europeias, mas sim a sindicância da decisão proferida pelo tribunal judicial de um Estado-Membro, para o que o TJUE, como se viu, não é nitidamente competente, pelo que o requerimento de reenvio prejudicial apresentado pelo Recorrente deve ser considerado inadmissível.
ii. Nos presentes autos não está sequer em causa a aplicação do Direito da União Europeia, pelo que não há lugar ao reenvio prejudicial, nos termos do art.° 267.° do TFUE, conjugado com o art.° 51.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e o artigo 6.0, n. ° 1, TUE, sendo o TJUE incompetente para apreciar a questão suscitada pelo A./Recorrente.
jj. Para além de inadmissível, o reenvio prejudicial pedido pelo Recorrente é também desnecessário, desde logo, porque não pode o A. alegar que os factos não são suscetíveis de serem apreciados noutra sede, atendendo a que o Tribunal a quo, na linha do que vem sendo decidido também pelos tribunais superiores e com total unanimidade quanto aos RR. entidades públicas, entendeu que para julgamento dos presentes autos são competentes os tribunais administrativos, pelo que, ao contrário do que o A./Recorrente defende, a causa poderá ser julgada nestes tribunais.
kk. Também não pode o A. alegar que a declaração de incompetência absoluta dos tribunais judiciais para julgar uma ação para a qual são competentes os tribunais administrativos violam o princípio do julgamento de forma justa e equitativa, uma vez que o que está em causa é apenas o cumprimento das normas legais de fixação do tribunal competente, podendo o A./ Recorrente recorrer aos tribunais administrativos para fazer valer o seu direito de ação.
II. Por essa razão é por demais evidente que neste caso, não existe qualquer violação do princípio do julgamento de forma justa e equitativa, previsto no art.° 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da UE, nem dos artigos 20.°. 202.° e 204.° da Constituição da República Portuguesa.
mm. Pelo que, entende-se que a questão que o Recorrente pretende submeter ao TJUE é, desde logo por aquelas razões, desnecessária ao julgamento da causa, para além de se revelar impertinente e destituída de fundamento.
nn. Por outro lado, no caso dos presentes autos, a verdade é que o tribunal judicial se considerou incompetente para julgar a presente ação, o que desde logo o impede de se pronunciar sobre o mérito da causa e sobre o pedido de reenvio prejudicial.
oo. Acresce que, não se encontrando ainda estabilizada a questão da competência dos tribunais, por os tribunais judiciais se considerarem incompetentes e os tribunais administrativos ainda não se terem pronunciado, sendo estes ao que tudo indica os tribunais competentes, é desde logo impertinente e inútil colocar a questão pedida pelo Recorrente ao TJUE no atual estado dos autos.
pp. O requerimento apresentado pelo A. é, pois, absolutamente desnecessário, inútil e extemporâneo, ao pretender que o Tribunal avance com uma decisão sobre o reenvio prejudicial num momento em que não se encontra estabilizado o quadro jurídico e factual que enforma os autos.
qq. Face ao exposto entende a CMVM que o requerimento de reenvio prejudicial apresentado pelos AA. deverá ser indeferido por a questão que se pretende colocar ao TJUE se mostrar impertinente e destituída de fundamento e não estarem reunidas as condições processuais para que o Tribunal possa proferir uma decisão sobre a matéria.
Terminou pedindo
(...) requer a V. Ex.as, (...), se dignem:
a) Atribuir efeito meramente devolutivo ao recurso, nos termos do art.° 647.°, n.° 1 do CPC;
b) Indeferir o requerimento de reenvio prejudicial para o TJUE;
c) Julgar improcedente o recurso interposto pelo Recorrente, confirmando a douta sentença de 31.12.2018 que absolveu a R. CMVM da instância por incompetência material do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa.
Alegaram também o NOVO BANCO, S.A. e LM... que concluíram:
1- Face á deliberação do Banco de Portugal de 3de Agosto de 2014 e considerando as aclarações supra referidas, é indubitável que o Banco de Portugal, enquanto autoridade pública de resolução, e no uso das suas competências legais, não transferiu para o NOVO BANCO a responsabilidade ou as contingências decorrentes dos créditos relativos a títulos de divida emitidos por entidades que integravam o Grupo Espírito Santo e vendidas pelo BES.
2 - A opção de expurgar a exposição a qualquer risco de qualquer entidade do Grupo Espírito Santo, na definição dos critérios de transferência de activos e passivos para o NOVO BANCO, atravessa toda a medida de resolução e assume papel central da medida de resolução aprovada pelo Banco de Portugal
3 - Os instrumentos de divida, ESCOM INC, ESCOM SERIE E, ES FINANCE, ES FIN, ESFG e ES FINANCE, foram emitidos por entidades que integravam o Grupo Espírito Santo como aliás o A. reconhece.
4 - A resolução bancária tem cobertura constitucional, porquanto, através, designadamente, da constituição de uma instituição de transição, permite, em especial, preservar a estabilidade do sistema financeiro no seu todo, salvaguardar as funções bancárias desempenhadas pela instituição de crédito em crise e proteger os depositantes, como, outrossim, com a resolução da instituição de crédito, tutela os contribuintes e ressalva o erário público.
5 - De acordo com o juízo do Banco de Portugal, sem a resolução, o BES teria entrado em liquidação.
6 - A resolução não agravou a posição jurídica que o A. teria se o BES tivesse entrado em liquidação. Uma vez que a lei estabelece como princípio orientador da aplicação das medidas de resolução que nenhum credor da instituição de crédito objecto de resolução pode suportar um prejuízo superior ao que suportaria caso essa instituição tivesse entrado em liquidação.
7 - O regime jurídico da resolução bancária concilia, em termos de concordância prática, os interesses e os valores constitucionais prima facie conflituantes, porquanto: - Promove a preservação das funções bancárias da instituição de crédito objecto de resolução, assegurando a continuidade da prestação dos serviços financeiros essenciais para a economia. - Previne a ocorrência de consequências graves para a estabilidade financeira, nomeadamente prevenindo o contágio entre entidades do sistema financeiro e mantendo a disciplina no mercado - Salvaguarda os interesses dos contribuintes e do erário público, minimizando o recurso a apoio público extraordinário. - Protege os depositantes; ¬Não agrava a posição jurídica dos accionistas e credores da instituição de crédito objecto de resolução — a quem cabe suportar prioritariamente os prejuízos da instituição em causa.
8 - Está vedado aos tribunais judiciais apreciarem a validade de actos administrativos praticados pelo Banco de Portugal, competindo essa competência, por determinação de lei expressa, aos tribunais administrativos.
9 - O Novo Banco pode ter legitimidade processual mas não tem legitimidade substantiva, na medida em que a responsabilidade perante os A., a existir, não foi transferida para o Novo Banco, enquanto instituição de transição, tendo permanecido na esfera jurídica do BES.
10 - Está aqui em causa uma excepção peremptória inominada de falta de legitimidade substantiva que determina a absolvição do pedido.
11 - Um pedido simultâneo do funcionário e da sua entidade empregadora apenas poderia ser fundamentada com base numa eventual situação de concurso de imputação de responsabilidades, designadamente uma imputação de responsabilidade extra-contratual ao funcionário e uma responsabilidade contratual ao Banco, que não acontece.
12 - Ora, para efeitos da responsabilidade civil do intermediário financeiro por actos dos seus representantes previsto no n°1 do artigo 324° do CVM, importa atender ao artigo 800 n° 1 do Código Civil, sendo que, o intermediário financeiro é responsável perante o cliente como se os actos praticados pelos seus representantes e auxiliares fossem praticados pelo próprio. Pelo que se conclui que os factos alegados na petição inicial não permitem legitimar um pedido em simultâneo do BES e da sua ex funcionária no sentido de os responsabilizar solidariamente.
Terminaram concluindo pela improcedência da apelação.
Da mesma forma, o BANCO DE PORTUGAL respondeu às alegações de recurso concluindo:
a. Decidiu bem o Tribunal recorrido ao julgar procedente a excepção de incompetência material, absolvendo o Banco de Portugal da instância.
b. Viu-se que, tendo em conta a causa de pedir invocada na petição inicial em relação ao Banco de Portugal (cf., nomeadamente, art. 115° da petição), só poderia estar em causa a respectiva responsabilidade extracontratual, nunca contratual, por não existir entre o Autor e o Recorrido qualquer relação dessa natureza.
c. E, tratando-se de responsabilidade extracontratual. a alínea f) do art 4°/1 do ETAF determina que a competência para apreciar litígios desses pertence aos Tribunais administrativos.
d. Por outro lado, não procede a argumentação do Recorrente no sentido de que estaria aqui em causa a responsabilidade de todos os Réus enquanto intermediários financeiros, como se o Banco de Portugal devesse responder pelo mesmo titulo ou com o mesmo fundamento da responsabilidade assacada aos bancos demandados.
e. É que, embora na petição inicial venham formulados pedidos de condenação solidária de todos os Réus, isso não significa que a causa de pedir seja uma única e incindivel — que não é, como se explicitou nestas contra-alegações.
f Viu-se também nestas contra-alegações que, por, em primeiro plano, estar em causa nesta acção a apreciação de questões de direito privado — como são as alegadas pelo Autor a respeito da suposta violação de deveres de intermediação financeira pelos Réus bancos —, a natureza jurídico-privada dessas questões não contamina dessa mesma natureza a responsabilidade imputada ao Banco de Portugal.
g. Na verdade, como se demonstrou, estando em causa um pedido de condenação solidária dos Réus, nos termos da lei as coisas passam-se exactamente ao contrário — como resulta inequivocamente do art. 4°/2 do ETAF
sendo a componente jurídico-administrativa do litígio que contagia a totalidade do mesmo (é também este o entendimento do Tribunal dos Conflitos constante do seu Acórdão de 20.09.2012, proferido no âmbito do processo n° 02/12).
h, Em relação ao art. 62° da Lei Orgânica do Banco de Portugal, como bem se decidiu na sentença recorrida trata-se de uma norma que não atribui a competência para o julgamento do presente litígio aos Tribunais judiciais.
i Na verdade, como se explicitou, não só se deve considerar que as normas da alinea f) do n° 1 e do n° 2 do art. 4° do ETAF (e o manifesto intuito codificador ou consolidador do diploma) procederam á revogação tácita ou implícita da norma do art, 62° da Lei Orgânica do Banco de Portugal, como, ainda que isso não bastasse, a verdade é que o art. 39° da referida Lei Orgânica e o art. 145°-N do RGICSF (ou art. 145°-AR, na versão actualmente em vigor do diploma) determinam inequivocamente que a competência material para conhecer do objecto da presente acção em relação ao Banco de Portugal pertence aos Tribunais administrativos.
j. Alegou-se, ainda que o facto de se ter entendido na sentença recorrida que os Tnbunais da jurisdição cível não são competentes para conhecerem da presente acção, tal como vem configurada, não constitui qualquer violação ou compressão do direito à tutela judicial efectiva, nada impedindo o Autor de accionar os Tribunais administrativos, que são os competentes, e de ver aí julgada a pretensão aqui deduzida;
k. Precisamente pela mesma razão, é absolutamente impertinente e infundado o pedido de reenvio prejudicial formulado pelo Autor nas suas alegações de recurso, além de ser processualmente inadmissível, uma vez que o Autor coloca em causa a validade de uma sentença à luz de uma disposição de Direito da União Europeia, o que não constitui questão passível de ser colocada ao TJUE em sede de reenvio prejudicial, nos termos do art. 267° do TFUE, mecanismo este que não funciona como se de uma instância recursória se tratasse;
1. Devendo o pedido de reenvio prejudicial ser rejeitado por este Tribunal, como acima se demonstrou;
m. Em último lugar, como se explicou nas presentes contra-alegações, é manifestamente inadmissível a disfarçada arguição de inconstitucionalidade da Medida de Resolução, constante dos nos 56 e 57 das alegações de recurso e o pedido de sua desaplicação nos termos do art. 204° da CRP, na medida em que tal questão não foi suscitada anteriormente no processo;
n. Além de tal arguição ser inadmissível, ela é também improcedente porque o que é dado aos tribunais desaplicar, nos termos do art. 204° da CRP, são normas e não atos administrativos, como é o caso da Medida de Resolução — cuja validade é matéria da exclusiva competência dos tribunais administrativos —, a qual, em todo o caso, como se explicitou e tem sido entendimento dos tribunais superiores, incluindo do STJ, não viola o direito de propriedade privada dos credores do BES, nem do Autor,.
o. Tudo razões pelas quais deve o presente recurso ser julgado improcedente.
O FUNDO DE RESOLUÇÃO respondeu às alegações de recurso formulando as conclusões que se transcrevem:
a. Decidiu bem o Tribunal a quo ao considerar que a qualidade em que o Fundo de Resolução vem demandado na presente acção — a de accionista único do Novo Banco — é uma qualidade que lhe advém de normas de direito administrativo, não de direito privado, não agindo ele, aí, portanto, no âmbito do direito privado e, consequentemente, ao julgar procedente a excepção dilatória de incompetência dos tribunais judiciais para conhecer do pedido formulado contra o ora Recorrido.
b. Na verdade, a suposta qualidade de accionista único do Novo Banco é uma qualidade que assiste ao Fundo de Resolução enquanto pessoa colectiva de direito público, advindo-lhe essa natureza e a capacidade jurídica de que dispõe de normas e de actos de direito administrativo, não de actos ou de normas de direito civil ou comercial.
c. Advêm-lhe tal qualidade e capacidade jurídicas, desde logo, do art. 145°-G/4 do RGICSF e do art. 4° do Anexo 1 da Medida de Resolução do BES, de 3 de Agosto de 2014, a qual configura um acto jurídico-público do Banco de Portugal (um acto administrativo ou um acto normativo, é indiferente).
d. Por outro lado, a dotação de capital dos bancos de transição (como o Novo Banco) pelo Fundo de Resolução é fruto exclusivo de um dever de capitalização exorbitante do direito privado, que lhe impõem normas de direito administrativo do RGICSF e o acto jurídico-público de criação do Novo Banco pelo Banco de Portugal.
e. Não deriva a criação e a capitalização do Novo Banco de qualquer acto voluntário de accionista praticado pelo Fundo de Resolução ao abrigo das correspondentes normas do (Código Civil ou do) Código das Sociedades Comerciais.
f. Toda a sua organização, funcionamento, actividade e responsabilidade encontram-se extensa e exclusivamente reguladas no RGICSF (e nos regulamentos emitidos ao seu abrigo), como é o caso, nomeadamente, da alínea c) do n° 1 e do n° 3 do respectivo art. 145°-B.
g. Dele resulta, é certo, o dever jurídico-público do Fundo de Resolução de responder pelas dívidas e obrigações mas dos bancos resolvidos (não dos bancos de transição, note-se) e apenas nos casos e na medida aí expressamente fixados, como se mostrou.
h. Aliás, todas as restantes normas do RGICSF citadas nestas contra-alegações de recurso, seja em relação à constituição, capitalização, administração dos bancos de transição, seja quanto à responsabilização, nesse quadro, do Fundo de Resolução, são manifesta e tipicamente normas de direito administrativo, estabelecendo-se nelas, e nos actos jurídicos concretos praticados ao seu abrigo, a disciplina de relações jurídicas em que simples particulares não podem estar constituídos - isto é, a disciplina de relações jurídicas das quais são sujeitos únicos e obrigatórios o Fundo de Resolução (o Banco de Portugal) e os bancos de transição.
i. Por esse motivo e por todos os restantes avançados ao mesmo propósito nestas contra-alegações, o Fundo de Resolução não é, portanto -nomeadamente para efeitos da responsabilidade assacada pelos arts. 491° e 501° do CSC às sociedades com domínio total -, accionista único do Novo Banco.
j. É, sim, um mero detentor público do seu capital social e credor público - repete-se, credor - dos bancos de transição, como resulta claramente da alínea a) do n° 3 do art. 145°4 do RGICSF.
k. Por outro lado, estando legalmente constituído no dever jurídico-público de apoio financeiro à adopção de medidas de resolução pelo Banco de Portugal, através da realização do capital dos bancos de transição, o Fundo de Resolução não está, porém, em parte alguma, constituído na responsabilidade de responder pelas obrigações a que tais bancos estejam vinculados.
I. Subsumindo-se, por tudo, a parte do presente litígio que respeita à alegada responsabilidade do Fundo de Resolução pela satisfação do suposto direito de crédito do Autor, ora Recorrente, enquanto detentor do capital social do Novo Banco, nas alíneas a) e t) do art. 4°/1 do ETAF.
m. Mesmo que assim não se entendesse, essa parte do presente litígio subsumir-se--ia sempre na alínea o) desse mesmo art. 4°/1 do ETAF - já para não falar, também, na alínea 1) do art. 2°/2 e na alínea f) do art. 37°/1 do CPTA.
n. Para além de que, por força das leis de organização judiciária portuguesa em matéria de repartição de competências jurisdicionais, é a causa de pedir invocada relativamente ao Fundo de Resolução - isto é, é a natureza da relação jurídica que o liga ao Novo Banco (e derivadamente ao ora Recorrente) -, reportada a uma relação jurídica regulada, como abundantemente se procurou demonstrar, por normas e actos de direito administrativo, que contagia a totalidade do objecto da acção, inclusivamente no que respeita à eventual aplicação nela de normas jurídicas de direito privado
o. Na verdade, como se viu, por força dessa disposição do art. 4°/2 do ETAF, é a componente jurídico-pública deste litígio que se propaga à totalidade do respectivo objecto, contaminando a competência material dos tribunais comuns e atribuindo-a aos tribunais da jurisdição administrativa.
p. O facto de se ter entendido na sentença recorrida que os Tribunais da jurisdição cível não são competentes para conhecer da presente acção, tal como vem configurada. não constitui qualquer violação ou compressão do direito à tutela judicial efectiva, nada impedindo o Autor de accionar os Tribunais administrativos, que são os competentes. e de ver aí julgada a pretensão aqui (erroneamente) deduzida.
q. Não merece, pois, a sentença recorrida qualquer censura, na parte em que deu como procedente a excepção de incompetência material do Tribunal a quo para conhecer do presente litígio e absolveu, por isso, o Fundo de Resolução da presente instância.
r. Por outro lado, alegou-se que o Fundo de Resolução tem manifesto interesse em contra-alegar o recurso do Autor na parte que respeita à absolvição do Novo Banco do pedido, em virtude da não transferência do alegado crédito do ora Recorrente do BES para esse banco de transição.
s. Isso porque, na hipótese de este Alto Tribunal poder revogar a sentença recorrida na parte que respeita à absolvição do Fundo de Resolução (o que só se admite por cautela de patrocínio), um dos fundamentos da defesa por si apresentada nestes autos é, precisamente, o de que — mesmo no caso de, por hipótese, ele vir a ser considerado como responsável por dívidas do Novo Banco — o alegado crédito do Autor não se transferiu para esse banco.
t Sendo certo, porém, que, caso este Alto Tribunal não julgue procedente o recurso do Autor na parte respeitante à extinção da instância quanto ao Réu BES, por inutilidade superveniente da lide decorrente da respectiva declaração de insolvência — e o processo fosse de prosseguir apenas contra o Novo Banco e o Fundo de Resolução —, estar-se-ia perante uma acção com um objecto ou causa de pedir manifestamente insuficiente, inepta mesmo, por não se poder discutir a alegada sucessão da responsabilidade originária do BES se não se puder conhecer primeiro de tal responsabilidade.
u. Decidiu bem o Tribunal a quo ao absolver o Novo Banco do pedido, atenta a não transferência, com a Medida de Resolução, da responsabilidade em discussão nos autos para a esfera jurídica do Novo Banco.
v. Os factos alegados pelo ora Recorrente como constitutivos de uma hipotética responsabilidade do BES subsumem-se claramente na subalínea (v) ou na subalínea (vii) da alínea (b) do Anexo 2 da Medida de Resolução, não tendo as contingências ou responsabilidades deles eventualmente decorrentes sido transferidas para o Novo Banco com aquela Medida, pelo que no polo passivo do direito de crédito que o Autor se arroga estará o BES, não o banco de transição.
w. Não havia, portanto, qualquer razão que justificasse não conhecer desde logo da (i)legitimidade substantiva do Novo Banco.
x. Sublinhando-se, ainda — sem prejuízo de, como se referiu, a validade das Deliberações do Banco de Portugal ser questão da competência exclusiva dos Tribunais administrativos —, que a imputação ao BES das eventuais obrigações que o Autor se reclama sobre o Novo Banco, e a exclusão da sua transferência para este, não constituem, no seio do procedimento da resolução bancária, qualquer atentado ao direito de propriedade privada, como parece pretender sustentar o Autor nas suas alegações.
y Paralelamente, o facto de se ter entendido na sentença recorrida que os Tribunais da jurisdição cível não são competentes para conhecer da presente acção, tal como vem configurada, não constitui qualquer violação ou compressão do direito à tutela judicial efectiva, nada impedindo o Autor de accionar os tribunais administrativos, que são os competentes, e de ver aí julgada a pretensão aqui (erroneamente) deduzida.
z. No mais, remete o Fundo de Resolução para as contra-alegações do Banco de Portugal, que aqui se devem dar por reproduzidas para todos os efeitos legais, nomeadamente na parte em que respeitam ao pedido de reenvio prejudicial deduzido pelo Autor e ao (pelo menos aparentemente formulado) pedido de desaplicação da Medida de Resolução nos termos do art. 204° da CRP.
aa. Tudo razões pelas quais deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a sentença do Tribunal a quo com todos os seus efeitos.
Cumprido o disposto na 2 a parte do n.° 2 do art. 657.° do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir.
São as seguintes as questões propostas para avaliação:
1. Pelas razões indicadas na impugnação judicial, a sentença encontra-se ferida de nulidade nos termos do disposto na alínea c) do n.° 1 do art. 615.° do Código de Processo Civil?
2. Pelas razões indicadas no recurso, não se verifica a inutilidade superveniente da lide quanto ao Réu BES?
3. Não se materializa, nos presentes autos, incompetência em razão da matéria quanto aos Réus?
4. A sentença sub judice padece de nulidade por omissão de pronúncia nos termos do estabelecido na alínea d) do n.° 1 do artigo 615.° do Código de Processo Civil?
5. Por ter ter havido errónea interpretação das normas referidas no recurso e por violação do disposto nos artigos 20.0, 202.° e 204.° da Constituição da República Portuguesa, deverá ser determinado o reenvio prejudicial proposto, com a consequente suspensão da instância?
II. FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
Vem provado que:
1) O autor é titular dos seguintes produtos financeiros: - ESCOM INC., código ISIN VGG3120X1096, investindo o valor de €30 000.00; - ESCOM INC., código ISIN VGG3120X1096, investindo o valor de €50.000.00: - ESCOM SERIE E, código ISIN VGG3120X1179, investindo o valor de €50.000,00: - BES FINANCE,
código ISIN XS0210172721, ESFG 6,875/prct., código ISIN XS0458566071,
investindo o valor de €100.000,00; - ES INV. 5,5/prct., código ISIN XS0459962394; -BES FIN 6/prct., código ISIN XS0712907863; - ES INTL 4/prct., código ISIN XS0962454913, investindo o valor de €350.000,00; - ES INTL 4/prct., código ISIN XS0985085462, investindo o valor de €150.000,00;
2) Até ao presente, o autor não foi reembolsado dos valores referidos em 1).
3) LM... era, à data de aquisição dos títulos referidos em 1), funcionária do BES, agindo no âmbito das suas funções e sob a subordinação do BES.
4) O Conselho de Administração do Banco de Portugal, a 03.08.2014, deliberou o seguinte: «É constituído o Novo Banco, SA, ao abrigo do n.° 5 do artigo 145.°-G do Regime Geral das Instituições de Credito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto Lei n.° 298/92, de 31 de Dezembro, cujos Estatutos constam do Anexo 1 à presente deliberação» e «São transferidos para o Novo Banco, SA, nos termos e para os efeitos do disposto no n.° 1 do artigo 145.°-H do Regime Geral das Instituições de Credito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 298/92, de 31 de Dezembro, conjugado com o artigo 17.°-A da Lei Orgânica do Banco de Portugal, os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco CC, SA, que constam dos Anexos 2 e 2A a presente deliberação»;
5) No art.° 1° dos Estatutos do Novo Banco, S.A., que constituem o Anexo 1 à deliberação referida no ponto anterior, consta que o mesmo é constituído nos termos do n.° 3 do artigo 145.°-G do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Decreto-Lei n. ° 298/92, de 31 de Dezembro;
6) No art.° 3,° dos mesmos Estatutos, consta que «O Novo Banco, SA, tem por objeto a administração dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos do Banco Espírito Santo, SA, para o Novo Banco, SA, e o desenvolvimento das atividades transferidas, tendo em vista as finalidades enunciadas no artigo 145.°-A do RGICSF, e com o objetivo de permitir uma posterior alienação dos referidos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão para outra ou outras instituições de crédito»;
7) No Anexo 2 à referida deliberação constam os critérios de identificação dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco Espírito Santo objeto de transferência para o Novo Banco, SA e que são: «(...) As responsabilidades do BES perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste serão transferidos na sua totalidade para o Novo Banco, SA, com exceção dos seguintes (Passivos Excluídos): (...) (v) Quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de dolo, fraude, violações de disposições regulatórias, penais ou contraordenacionais; (vi) Quaisquer responsabilidades ou contingências do BES relativas a emissão de ações ou dívida subordinada; (vii) Quaisquer responsabilidades ou contingências relativas a comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o universo do Grupo Espírito Santo. No que conceme às responsabilidades do BES que não serão objeto de transferência, estes permanecerão na esfera jurídica do BES. (...) Após a transferência prevista nas alíneas anteriores, o Banco de Portugal pode a todo o tempo transferir ou retransmitir, entre BES e o Novo Banco, SA, ativos, passivos, elementos patrimoniais e ativos sob gestão, nos termos do artigo 145° H, numero 5 (...)»;
8) A 11.08.2014, o Conselho de Administração do Banco de Portugal deliberou clarificar e ajustar o perímetro dos ativos, passivos, elementos extra patrimoniais e ativos sob gestão do Banco Espirito Santo, S A, transferidos para o Novo Banco, S.A., tendo, nomeadamente, deliberado que: «(...) H) A subalínea (v) da alínea (b) do Anexo 2 à deliberação de 3 de Agosto, passa a ter a seguinte redação: Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais (...)»;
9) A 29.12.2015, o Conselho de Administração do Banco de Portugal, relativamente ao ponto da agenda Clarificação e retransmissão de responsabilidades e contingências definidas como passivos excluídos nas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.° 1 do Anexo 2 à eliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20 horas), na redação que lhe foi dada pela eliberação do Banco de Portugal de 11 de agosto de 2014 (17 horas), adotou uma deliberação com, no que ora releva, o seguinte teor. (...) 4. O Banco de Portugal dispõe de um poder legalmente conferido que pode ser exercido a todo o tempo antes da revogação da autorização do BES para o exercício da atividade ou da venda do Novo Banco, para determinar transferências adicionais de ativos e passivos entre o Novo Banco e o BES (o Poder de Retransmissão'). O Poder de Retransmissão encontra-se previsto no Capítulo III (Resolução) do Título III do ICS, tendo ficado expressamente estabelecido no n mero 2 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto (...) 7. O Banco de Portugal considerou ser proporcional e de interesse público não transferir para o banco de transição as responsabilidades contingentes ou desconhecidas do BES (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES nos termos da subalínea (v) a (vii) da alínea (b) do n.° 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto, uma vez que a certeza relativamente às responsabilidades do banco de transição é essencial para garantir a continuidade das funções críticas desempenhadas pelo ovo Banco e que anteriormente tinham sido desempenhadas pelo BES. 8. A legitimidade processual do BES tem vindo a ser questionada ou enjeitada em processos judiciais em que este é parte, com base na alegada transferência para o Novo Banco das responsabilidades que se discutem naqueles processos, em que o BES era réu a 3 de agosto de 2014 e que respeitam a factos anteriores à aplicação da medida de resolução ao BES e por efeito da aplicação desta. . Importa clarificar que o Banco de Portugal, enquanto autoridade pública de resolução, decidiu e considera que todas as responsabilidades contingentes e desconhecidas do BES (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES, estão abrangidas pelas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.° 1 do Anexo 2 da Deliberação, não tendo sido, portanto, transferidas para o Novo Banco. (...) 12. Se o número de processos pendentes nos tribunais judiciais e a diferente orientação nas decisões até hoje tomadas conduzirem a que, de modo significativo, não venha a ser reconhecida adequadamente a seleção efetuada pelo Banco de Portugal (enquanto autoridade pública de resolução) dos ativos, passivos, elementos extra patrimoniais e ativos sob gestão transferidos do BES para o ovo Banco (decisão sobre o perímetro de transferência»), pode ficar comprometida a execução e a eficácia da medida de resolução aplicada ao BES, a qual, entre outros critérios, se baseou num critério de certeza quanto ao perímetro de transferência. 13. Foi esse critério de certeza que permitiu calcular as necessidades de capital da instituição transição, o ovo Banco, e foi com base nesse cálculo que o Fundo de Resolução realizou o capital da instituição de transição. 14. Caso viessem a materializar-se na esfera jurídica do Novo Banco responsabilidades e contingências por força de sentenças judiciais, o Novo Banco seria chamado a assumir obrigações que de modo algum lhe deveriam caber e cuja satisfação não foi pura e simplesmente tida em consideração no montante do capital com que aquele banco de transição foi inicialmente dotado. 15. Este risco pode materializar-se ainda antes do trânsito em julgado das decisões judiciais se, de acordo com as regras contabilísticas, for entendido que, não obstante a decisão do Banco de Portugal, aquela materialização é provável. 16. Nos termos da lei, a decisão do Banco de Portugal sobre o perímetro de transferência só pode ser alterada através dos meios processuais previstos na legislação do contencioso administrativo, de acordo com o artigo 145.°-A do ICS (correspondente ao artigo 145.°- do ICS , em vigor á data de aplicação da medida de resolução ao BES). 17. Questionar o referido perímetro de transferência fora do contencioso administrativo constitui um desvio à competência dos tribunais administrativos, legalmente estabelecida, e impede que o Banco de Portugal exerça a prerrogativa que a lei lhe confere de afastar, por motivo de interesse público, a execução de sentenças desfavoráveis, iniciando-se de imediato o procedimento tendente à fixação da indemnização de acordo com os trâmites definidos no Código do Processo nos Tribunais Administrativos. 18. Decisões de tribunais judiciais que, direta ou indiretamente, ponham em causa o perímetro de transferência neutralizam este mecanismo contencioso (e compensatório), legalmente previsto, de impugnação das decisões do Banco de Portugal, enquanto autoridade pública de resolução, e comprometem a execução e a eficácia da medida de resolução. 1. Tem a presente deliberação o seguinte objetivo: a. Clarificar o tratamento das responsabilidades contingentes e desconhecidas do BES (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal. laborai, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES, nos termos da subalínea (v) da alínea (b) do n.° 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto; b. Se e na medida em que quaisquer responsabilidades contingentes e desconhecidas ou incertas do BES à data de 3 de agosto (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES e que devessem ter permanecido na sua esfera jurídica nos termos da eliberação de 3 de agasto. sejam atribuirias ao ovo Banco, proceder á sua retransmissão, mediante o exercício do Poder de Retransmissão, das referidas responsabilidades contingentes e desconhecidas (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais) para o BES; e c. Determinar que, de acordo com o disposto no n.° 7 do artigo 145.°-P e nos n.0.9 2, 3 e 4 do artigo 145.°-G do RGICSF, o BES e o ovo Banco tomem as medidas previstas nesta deliberação por forma a conferir-lhe eficácia plena. 20 Face ao exposto e de forma a garantir a continuidade das funções essenciais desempenhadas pelo Novo Banco, encontram-se reunidos os pressupostos para o exercício do Poder de Retransmissão, conforme previsto nesta deliberação, exercício que se afigura extremamente necessário, urgente e inadiável. O Conselho de Administração do Banco de Portugal, ao abrigo da competência conferida pelo RGICS para selecionar os ativos e passivos a transferir para o banco de transição, delibera o seguinte: A) Clarificar que, nos termos da alínea (b) do número 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto, não foram transferidos do BES para o ovo Banco quaisquer passivos ou elementos extrapatrimaniais do BES que, às 20:00 horas do dia 3 de agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laborar, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES; B) Em particular, desde já se clarifica não terem sido transferidos do BES para o Novo Banco os seguintes passivos do BES: (i) todos os créditos relativos a ações preferenciais emitidas por sociedades-veículo estabelecidas pelo BES e vendidas pelo BES; (ii) todos os créditos, indemnizações e despesas relacionados com ativos imobiliários que foram transferidos para o Novo Banco; (iii) todas as indemnizações relacionadas com incumprimento de contratos (compra e venda de ativos imobiliários e outros), assinados e celebrados antes das 20h00 do dia 3 de agosto de 2014; (vi) todas as indemnizações e créditos resultantes de anulação de operações realizadas pelo BES enquanto prestador de serviços financeiros e de investimento; (vii) Qualquer responsabilidade que seja objeto de qualquer dos processos descritos no Anexo 1. C) Na medida em que, não obstante as clarificações acima efetuadas, se verifique terem sido efetivamente transferidos para o Novo Banco quaisquer passivos do BES que, nos termos de qualquer daquelas alíneas e da Deliberação de 3 de agosto, devessem ter permanecido na sua esfera jurídica, serão os referidos passivos retransmitidos do Novo Banco para o BES, com efeitos às 20 horas do dia 3 de agosto de 2014; D) O Conselho de Administração do BES e o Conselho de
Administração do Novo Banco praticarão todos os atos necessários à implementação e eficácia das clarificações e retransmissões previstos na presente deliberação. Em particular e de acordo com o disposta no n.° 7 do artigo 145.°-P e nos n.°s 2, 3 e 4 do artigo 145.°-G do RGICSF, o Novo Banco e o BES devem: (a) Adoptar as medidas de execução necessárias à adequada aplicação da medida de resolução aplicada pelo Banco de Portugal ao BES, bem como de todas as decisões do Banco de Portugal que a complementam, alteram ou clarificam, incluindo a presente deliberação; (b) Praticar todos os atos, sejam estes de natureza procedimental ou processual, nos processos em que sejam parte de modo a dar adequada execução às decisões do Banco de Portugal referidas em (a), incluindo aqueles que sejam necessários para reverter atos anteriores que tenham praticado contrários àquelas decisões; (c) Para efeito de cumprimento do disposto na alínea (b), requerer a imediata junção da presente deliberação aos autos em que sejam parte; (d) Adequar os seus registos contabillslicos ao disposto nas decisões do Banco de Portugal referidas em (a); e (e) Abster-se de qualquer conduta que possa por em causa as decisões do Banco de Portugal referidas em (a) (...)»;
Fundamentação de Direito
1. Pelas razões indicadas na impugnação judicial, a sentença encontra-se ferida de nulidade nos termos do disposto na alínea c) do n.° 1 do art. 615.° do Código de Processo Civil?
Esta questão foi extraída do vertido nas conclusões A a E do requerimento de interposição de recurso.
Aí, o Recorrente referiu entender que, no dispositivo da sentença impugnada, se encontrariam «plasmados dois raciocínios totalmente diferentes, que conduzem a duas decisões que se contradizem entre si, no que respeita à invocada exceção da incompetência absoluta em razão da matéria» já que, alegadamente, da douta sentença recorrida «constam duas decisões em que se declara a improcedência da invocada exceção da incompetência absoluta em razão da matéria do tribunal a quo, e simultaneamente se decide no sentido diametralmente oposto».
Neste âmbito, a Recorrida COMISSÃO DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS (CMVM) referiu, na sua resposta às alegações que «As conclusões A. a E., bem como as conclusões N. e O. do recurso, ao conterem fundamentos que não constam no corpo das alegações, padecem de excesso, e como tal não podem ser apreciadas».
Analisado o requerimento que introduziu o recurso, verifica-se que estamos, efectivamente, perante conclusões desprovidas de prévia alegação, não tendo a síntese sido precedida do sintetizado.
O n.° 1 do art. 639.° do Código de Processo Civil impunha ao Recorrente, devidamente representado por Ex.mo Mandatário Judicial, que, na sua impugnação judicial, alegasse e, a jusante, fizesse o resumo e compressão do dito utilizando, para o efeito, fórmula reduzida e sintética. Porém, o Recorrente não o fez, antes alegando ex novo nas conclusões. Violou, assim o comando emergente do referido preceito.
Este erro técnico do Impugnante não era suprível nos termos do disposto no n.° 3 do artigo apontado já que essa norma se reporta ao exercício da faculdade de completar, esclarecer ou sintetizar as conclusões e não à reparação das alegações em que as mesmas se sustentem.
O mesmo vício atinge as alíneas N. e O. do requerimento de interposição de recurso que, por tal razão, não podem dar origem a qualquer questão respondível na presente sede.
Neste contexto, não são válidas à luz do Direito adjectivo as conclusões elaboradas à margem do mecanismo processual que as contempla e, não o sendo, não devem ser respondidas a questões que se extrairia das conclusões ilegais.
Não se responde, pois, à pergunta acima lançada.
2. Pelas razões indicadas no recurso, não se verifica a inutilidade superveniente da lide quanto ao Réu BES?
É aplicável, in casu, a al. a) do art. 4.° do Regulamento (UE) n.° 1024/2013 do Conselho de 15 de outubro de 2013 que confere ao BCE atribuições específicas no que diz respeito às políticas relativas à supervisão prudencial das instituições de crédito, preceito segundo o qual é atribuída ao Banco Central Europeu (BCE) a competência por este exercida, sem impugnação judicial, ao revogar a autorização do Banco Espírito Santo, S.A. para o exercício da atividade de instituição de crédito — «Nos termos do artigo 6.°, cabe ao BCE, de acordo com o n.° 3 do presente artigo, exercer em exclusivo, para fins de supervisão prudencial, as seguintes atribuições relativamente à totalidade das instituições de crédito estabelecidas nos Estados-Membros participantes: a) Conceder e revogar a autorização a instituições de crédito, sob reserva do disposto no artigo 14.°;
Por força do disposto no n ° 1 do art. 9.° do mesmo Regulamento da União Europeia, incidente sobre a definição da dimensão jurídica dos poderes neste âmbito concedidos ao BCE, esta intervenção é equiparada à dos bancos centrais nacionais, ou seja, na situação sob análise, à do Banco de Portugal, pelo que a mesma tem a dimensão emergente do disposto no n.° 2 do art. 8.° do Decreto-Lei n.° 199/2006, de 25 de Outubro, produzindo «os efeitos da declaração de insolvência», aí mencionada.
Esta consequência convoca a aplicação do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e submete o exercício dos direitos dos credores à lógica e regulação falimentar Com efeito, face ao disposto no n.° 1 do art. 8.° do referido Decreto-Lei, «a liquidação judicial das instituições de crédito fundada na revogação de autorização» (...) «faz-se nos termos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, com as especialidades constantes dos artigos seguintes».
São aplicáveis, atento ao seu relevo para a decisão e não sobreposição com o regime especial erigido por tal diploma legal, os art.s 50.° e 90.° referenciados no recurso e na pergunta formulada, que estatuem:
Artigo 50°
Créditos sob condição
1 - Para efeitos deste Código consideram-se créditos sob condição suspensiva e resolutiva, respetivamente, aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos á verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto, por força da lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico.
2 - São havidos, designadamente, como créditos sob condição suspensiva:
a) Os resultantes da recusa de execução ou denúncia antecipada, por parte do administrador da insolvência, de contratos bilaterais em curso à data da declaração da insolvência, ou da resolução de actos em benefício da massa insolvente, enquanto não se verificar essa denúncia, recusa ou resolução;
b) Os créditos que não possam ser exercidos contra o insolvente sem prévia excussão do património de outrem, enquanto não se verificar tal excussão;
c) Os créditos sobre a insolvência pelos quais o insolvente não responda pessoalmente, enquanto a dívida não for exigível.
Artigo 90.°
Exercício dos créditos sobre a insolvência
Os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos
em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência.
Quanto a este preceito, o mesmo afirma a força centrípeta da acção de insolvência, impondo a concentração da afirmação dos direitos e a decisão globalizante. Neste contexto, tem todo o sentido e coerência o mecanismo erigido pelo n.° 3 do art. 128.° ao estabelecer que:
3. A verificação tem por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento.
A tal afloramento acresce este outro:
Artigo 85.°
Efeitos sobre as acções pendentes
1 - Declarada a insolvência, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as acções de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo.
2 - O juiz requisita ao tribunal ou entidade competente a remessa, para efeitos de apensação aos autos da insolvência, de todos os processos nos quais se tenha efectuado qualquer acto de apreensão ou detenção de bens compreendidos na massa insolvente.
3 - O administrador da insolvência substitui o insolvente em todas as
acções referidas nos números anteriores, independentemente da apensação ao processo de insolvência e do acordo da parte contrária.
Veja-se, também, quanto às acções executivas, o art. 88.°.
Neste contexto, só poderia ter o sentido que assumiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.° 1/2014 que uniformizou jurisprudência nos seguintes termos: «transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.° do C.P C.» (Proc. n.° 170/08.OTTALM.L1.S1).
O Recorrente invocou, na acção em que se gerou o recurso, como causa de pedir, o conjunto dos pressupostos da responsabilidade civil contratual emergentes da violação, pelo BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A., de sinalagmas contidos na relação contratual brandida na petição inicial. O dano seria de natureza patrimonial.
Na economia do primeiro articulado, todos os pressupostos estão já preenchidos. Não nos encontramos, sob um tal contexto, perante um crédito ainda não materializado, mais propriamente, um negócio jurídico com a respectiva assunção de eficácia dependente da materialização de um qualquer requisito que a manteria num limbo que impediria o surgimento dessa eficácia (não fazendo sentido, face à natureza do pedido, a ponderação da existência de uma condição resolutiva).
O legislador, ao referenciar expressamente, através da Lei n.° 16/2012, de 20 de Abril, no n.° 1 do art. 50.°, as decisões judiciais, não afirmou, de forma alguma, que estando pendente uma acção judicial, estaria suspenso ou sob condição um determinado crédito. Isso entraria, aliás, em colisão com o regime que se patenteou emergir do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e antes justificaria uma norma autónoma que dissesse, clara e expressamente o oposto do vertido no mesmo encadeado normativo, ou seja, que, declarada a insolvência, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor ou, mesmo, contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa e todas as acções de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor, devem prosseguir os seus termos até final, apenas depois da sentença se devendo reclamar os créditos judicialmente reconhecidos e mantendo-se o processo de insolvência suspenso até tal momento. Seriam, manifestamente, demolidoras para a liquidação do património, verificação dos créditos e, globalmente, para a viabilidade da consecução de resultado através do processo, as consequências de um tal regime se erigido para o processo «falimentar».
Antes se disse no preceito questionado, com clareza, que se consideram créditos sob condição suspensiva e resolutiva, «aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto», também por força «de decisão judicial», Ou seja, através da alteração legislativa concretizada através da referida lei tornou-se mais claro que uma decisão judicial pode também ela funcionar como elemento genésico de uma condição suspensiva ou resolutiva (a par da lei e do negócio jurídico). Não mais do que isto.
Claro está que, sob este contexto normativo, nada se alterou no que tange ao objecto de «regulação» do apontado acórdão uniformizador que incidiu sobre quadro normativo totalmente diverso.
Não estamos perante a verificação de uma condição mas face a um litígio cujo desfecho determinará a existência ou inexistência de um crédito.
A invocação da nulidade do contrato, ao estear um pedido meramente subsidiário não tem, também por esse motivo, relevo para o afastamento da solução que se impõe nos termos supra-expendidos.
Nada se provou quanto ao alegado conteúdo de despacho proferido no processo de liquidação sendo, pois, ociosa e inútil a abordagem do dito a propósito dessa invocação.
Mostram-se adequadas ao Direito constituído as considerações tecidas na sentença que conduziram à declaração da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, sendo plenamente aplicável a al. e) do art. 277.° do Código de Processo Civil, que foi devidamente interpretada.
É negativa a resposta à questão proposta.
3. Não se materializa, nos presentes autos, incompetência em razão da matéria quanto aos Réus?
A declaração de incompetência absoluta do tribunal, conducente à absolvição da instância dos Réus, atingiu apenas o FUNDO DE RESOLUÇÃO, o BANCO DE PORTUGAL e a COMISSÃO DE MERCADO DE VALORES IMOBILIÁRIOS. Tal declaração fundou-se nos artigos 96.°, al. a), 99.°, n.°1, 278.°, n.° 1, al. a), 576.°, n.° 2, e 577 °, al, a), todos do Código de Processo Civil.
Ao justificar a sua decisão, o Tribunal «a quo» referiu os seguintes factos, normas e conclusões que se sufragam (e seria ocioso reconstruir por outras palavras) por se mostrarem adequados à factualidade concretizada e ao Direito constituído:
1. «São assim todos os réus demandados com base numa relação de solidariedade, tal como configurada pelo autor».
2 «A estrutura da presente ação, tal como configurada pelo autor, assenta, relativamente a todos os réus, num único e mesmo episódio da vida (investimento em produto financeiro e não reembolso do capital investido), assumindo-se este episódio com contornos que são comuns a todos os réus e com características específicas e individualizadas para cada um daqueles»
3. «Em relação aos réus, o autor sustenta as suas pretensões naquele mesmo episódio da vida, mas acrescenta-lhe características factuais específicas para cada um, a saber: (...) No que respeita ao Fundo de Resolução, no facto de ser o único acionista do Novo Banco pelo que é responsável pelas obrigações deste, nomeadamente pelo pagamento/reembolso aos autores dos montantes em causa. - Quanto ao Banco de Portugal e a CMVM, por (ao que se presume) entender ser responsáveis pelo facto de, quer por omissão de deveres de supervisão, quer por via da medida de resolução, o BES não poder honrar os seus compromissos».
4. «Ora, a demanda do Fundo de Resolução, do Banco de Portugal e da CMVM, tendo em conta a configuração dada ao litígio pelo autor, reconduz-se a uma questão de direito público, relativa à licitude ou não da atuação daquelas entidades, na prossecução das suas atribuições enquanto entidades reguladoras e supervisoras das entidades bancárias, estando em causa uma relação jurídica de direito administrativo e não de direito privado. As ações ou omissões imputadas ao Fundo de Resolução, do
Banco de Portugal e CMVM decorrem do exercício de um poder inerente a uma autoridade pública. »
5. «(...) a CMVM o Banco de Portugal e o Fundo de Resolução são pessoas coletivas de direito público, nos termos do art.° 3° n° 3 al. b) da Lei 67/2013, de 28/08, art.° 3° n° 1 da Lei-Quadro das Entidades Reguladoras (anexa à Lei 67/2013) e art.° 1° dos Estatutos da CMVM; art.° 1° da Lei Orgânica do Banco de Portugal, aprovada pela Lei n.° 5/98, de 31/01; e do art.° 153°B do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras».
Foram devidamente enquadrados, na decisão objecto de recurso, à luz do Direito constituído invocado, quer o momento relevante para a aferição da competência — o da instauração da acção — o carácter residual da jurisdição activada e indevidamente eleita e a definição positiva, ou por atribuição, da competência da jurisdição administrativa. Seria ocioso, logo tecnicamente, inadequado, reproduzir tais menções, nesta sede.
Foi, também, aí, caracterizada com acerto a natureza de pessoa colectiva de direito público dos Réus Fundo de Resolução, Banco de Portugal e CMVM. Nada há a alterar ou aditar a tal respeito.
Quanto às consequências extraídas, uma vez chegado a tal ponto, também não merece censura o que o Tribunal que proferiu a decisão impugnada concluiu. Com efeito, conforme resulta da al. f) do n.° 1 do art. 4.° do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (aprovado pela Lei n.° 13/2002, de 19 de Fevereiro), «1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a:» «f) Responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa e jurisdicional, sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.° 4 do presente artigo;»
Tem razão o BANCO DE PORTUGAL quando exclui a «contaminação» do plano administrativo pela natureza juridico-privada de questões suscitadas na acção, particularmente porquanto o n.° 2 do art. 4.° do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais expressamente veda essa «contaminação» ao estatuir que «Pertence à jurisdição administrativa e fiscal a competência para dirimir os litígios nos quais devam ser conjuntamente demandadas entidades públicas e particulares entre si ligados por vínculos jurídicos de solidariedade, designadamente por terem concorrido em conjunto para a produção dos mesmos danos ou por terem celebrado entre si contrato de seguro de responsabilidade»
Releva, nesta sede, que se aponte o facto de a Lei Orgânica do Banco de Portugal (Lei n.° 5/98, de 31.01) ressalvar, no seu art. 62.°, a aplicabilidade do respectivo art. 39.°, preceito que reservou para a reacção dirigida aos «atos praticados pelo governador, vice-governadores, conselho de administração e demais órgãos do Banco, ou por delegação sua, no exercício de funções públicas de autoridade» os «meios de recurso ou ação previstos na legislação própria do contencioso administrativo».
Ao contrário do que parece ser assumido e sustentado no recurso, o Tribunal «a quo» não declarou a sua incompetência material relativamente aos demais Réus. Antes declarou: «Conclui-se assim no sentido de que é o tribunal judicial competente para conhecer o pedido formulado contra os réus BES, Novo Banco, e Lina Pires».
Nada há, pois, a avaliar quanto à existência de eventual incompetência material do Tribunal relativamente a tais Demandados.
4. A sentença sub judice padece de nulidade por omissão de pronúncia nos termos do estabelecido na alínea d) do n.° 1 do artigo 615.° do Código de Processo Civil?
A sentença impugnada conheceu as questões relativas à inutilidade superveniente da lide e incompetência em razão da matéria, que lhe cabia apreciar. E decidiu em termos que, como se viu supra, foram os adequados.
Quanto aos Réus remanescentes, NOVO BANCO, S.A., E LM..., apreciou de mérito os pedidos e julgou improcedente a acção, por não provada, absolvendo-os do pedido.
Não se divisa qualquer questão relevante para a solução do litígio que tenha deixado de ser analisada pelo Tribunal não se vislumbrando também qualquer outra que tenha sido indevidamente criada e avaliada.
Não tem qualquer sentido, in casu, a arguição de nulidade com fundamento no disposto na alínea d) do n.° 1 do artigo 615.° do Código de Processo Civil.
É negativa a resposta a esta questão.
5. Por ter ter havido errónea interpretação das normas referidas no recurso e por violação do disposto nos artigos 20.°, 202.° e 204.° da Constituição da República Portuguesa, deverá ser determinado o reenvio prejudicial proposto, com a consequente suspensão da instância?
Importa começar por referir que um pedido de reenvio prejudicial não serve para impugnar uma decisão judicial e que a decisão a proferir pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no âmbito de tal pedido não tem por finalidade revogar decisões judiciais proferidas por Tribunais nacionais.
Na sua arquitectura específica, não é também destinada a afrontar qualquer interpretação de normas internas alegamente errónea ou aferir da violação de preceitos constitucionais dos diversos Estados-Membros.
Uma questão prejudicial antes corresponde a uma pergunta/pedido de resposta que um órgão jurisdicional nacional de um Estado da União repute necessária para estear a solução de um litígio que lhe cumpra avaliar.
O seu objecto exclusivo é o Direito da União e o esforço de avaliação solicitado ao Tribunal de Justiça da União Europeia corresponde ao de interpretação ou formulação de juízo de validade incidente sobre esse Direito.
Nos termos do plasmado nas «Recomendações à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (2016/C 439/01)» in Jornal Oficial da União Europeia C 439/1, 25.11.2016, «Os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros podem submeter uma questão ao Tribunal de Justiça sobre a interpretação ou a validade do direito da União se considerarem que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa (v. artigo 267.°, segundo parágrafo, TFUE). Um reenvio prejudicial pode revelar-se particularmente útil nomeadamente quando for suscitada perante o órgão jurisdicional nacional uma questão de interpretação nova que tenha um interesse geral para a aplicação uniforme do direito da União ou quando a jurisprudência existente não dê o necessário esclarecimento num quadro jurídico ou factual inédito».
No seio de um pedido de reenvio, o órgão jurisdicional nacional pede ao Tribunal de Justiça da União Europeia que obtenha e transmita resposta jurisdicional sobre a adequada leitura de uma norma jurídica europeia cuja interpretação seja relevante para a solução do litítigio que ao Tribunal nacional interpelante cumpra julgar.
Este mecanismo, sobre o qual se tem construído parte essencial da União Europeia e sua dinâmica de afirmação e crescimento, visa, no essencial, garantir a interpretação e aplicação uniforme e coerente do Direito da União no espaço comum.
Estas considerações revelam já a total desfocagem e inadequação da pretensão em apreço.
No entanto, impõe-se que se diga mais.
No caso em análise, este Tribunal não tem qualquer dúvidas quanto à interpretação de qualquer norma jurídica relevante para a decisão, designadamente quanto à interpretação de regra de relevo constitucional, pactício ou de Direito da União Europeia que imponha a concessão de tutela jurisdicional efectiva.
Acresce que o pedido formulado não atende ao objecto definido no n.° 1 do art. 51.° da Carta Dos Direitos Fundamentais da União Europeia (2000/C 364/01) que estatui que as sua disposições têm por destinatários «(...) os Estados-Membros, apenas quando apliquem o direito da União», previsão que não se materializa na situação em apreço.
Por outro lado, importa referir que, ainda que fosse aceitável, em abstracto, o reenvio nas condições descritas, sempre haveria que concluir não ter qualquer sentido a questão proposta por tocar noção técnica elementar que se presume consabida: o controlo de competência de um Tribunal, ao impor a localização de outro com vocação para decidir, nenhuma zona de contacto tem com a questão do direito a um julgamento justo e equitativo, desde logo porque, por um lado, o sistema não se demite da função de solucionar o litígio e, por outro, porque a localização do órgão jurisdicional efectivamente competente nada altera no domínio da qualidade do julgamento. Só teria sentido a questão proposta caso se deslocasse a jurisdição de um verdadeiro Tribunal, justo, equitativo, rigoroso, respeitador dos direitos de afirmação e defesa, para um arremedo de órgão jurisdicional desprovido dessas características. Tal não tem sentido quer no âmbito nacional quer no quadro do Direito da União Europeia que tem como pressuposto a pré-vinculação dos Estados-Membros ao denominado «acquis comunautaire» ou conjunto de princípios civilizacionais, culturais e organizativos específicos dos Estados de Direito.
Para finalizar, não deixa de se patentear que os pedidos formulados no recurso revelam incongruência e contradição já que se requereu a imediata revogação da decisão recorrida seguindo os autos os seus termos e, em simultâneo, a suspensão da instância para reenvio prejudicial
Caso se justificasse e tivesse sentido o pedido de reenvio e o Recorrido tivesse sabido enquadrar tecnicamente a pretensão, não poderia este ignorar estarmos perante uma pretensão de apoio prévio à decisão, dirigido por um Tribunal nacional ao Tribunal de Justiça da União Europeia, e que esse pedido nunca seria formulado em segunda linha mas como elemento preparatório da avaliação do núcleo do recurso. Não ignoraria, também, que a pretensão de reenvio não visa a impugnação a título principal ou subsidiário, perante órgão jurisdicional supra-nacional, de decisões internas.
É negativa a resposta à questão sob análise.
III. DECISÃO
Pelo exposto, julgamos a apelação improcedente e, em consequência, confirmamos a decisão impugnada.
Custas pelo Apelante.
Lisboa, 04.07.2019
Carlos Melo Marinho
Anabela Moreira de Sá Cesariny Calafate
António Manuel Fernandes dos Santos