O carácter privado dos quartos de hotel não se opõe a que a comunicação de uma obra neles operados através de aparelhos de televisão constitua um acto de comunicação ao público, na acepção do artigo 3°, n° 1, da Directiva 2001/29.
Proc. 320/18.8YHLSB.L1 8ª Secção
Desembargadores: Teresa Prazeres Pais - Isoleta Almeida Costa - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Apelação n° 320/18.8YHLSB.L1
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
A autora (A.) AGD..., pessoa colectiva n° 504... com sede na Av. EUA…,Lisboa, instaurou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra a ré (R.) STH..., S.A., pessoa colectiva n° 5T02..., com sede no Largo da Estação CP, ….
Pede que seja:
1 - a R. condenada a proceder, junto da A., ao devido licenciamento para exibição pública de videogramas de acordo com os tarifários constantes das tabelas em vigor para o efeito e ora juntas sob docs. nos 12, 13 e 14;
2 - a R. condenada, ao abrigo do artigo 211° CDADC, no pagamento à A.:
a) do montante de € 33.447,16 que, de acordo com as tabelas tarifárias da A. para os anos de 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017 e 2018 até à data de entrada da presente acção, seria devido pelo licenciamento que a R. não obteve, como devia;
b) da quantia de € 11.721,62, devida a título de juros de mora vencidos, calculados à taxa legal aplicável, para os anos de 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017 e de 2018 desde 1 de Janeiro do respectivo ano, todos até há data da entrada da presente acção;
c) dos juros de mora vincendos calculados à aludida taxa legal, sobre o mesmo montante, até efectivo e integral pagamento;
d) da quantia de 2.500,00, destinada a, com parcimónia, ressarcir os danos inerentes aos encargos suportados pela A. com a protecção dos direitos lesados pela R., bem como com a investigação e cessação da conduta lesiva da mesma;
3 - a R. condenada a pagar à A. o montante adicional que eventualmente se mostre devido, face ao disposto no artigo 829°-A do Código Civil, pela falta de pagamento do montante global em que for condenada, desde a data do trânsito em julgado da sentença a proferir na presente acção até efectivo e integral pagamento;
4 - a R. condenada, ao abrigo do disposto no artigo 210°-J do CDAC, ao encerramento do estabelecimento AHV..., até que obtenha o devido licenciamento da A. para execução pública de videogramas em tal estabelecimento;
Ou, caso assim se não entenda:
5 - a R. condenada na proibição de proceder à execução pública não licenciada de videogramas, acompanhada da obrigação do pagamento da sanção pecuniária compulsória, a fixar pelo douto arbítrio do tribunal, po cada dia que decorra entre a data do trãnsito em julgado da sentença a proferir na presente acção e a data da efectiva obtenção da devida licença.
Alega, em síntese, que é uma associação de gestão colectiva que se encontra devidamente constituída, registada (na IGAC) e mandatada para representar os produtores de videogramas em matérias relacionadas com a cobrança de direitos de autor e direitos conexos. Por outro lado, fruto da lei e de acordos firmados com a GDA - Cooperativa de Gestão dos Direitos dos Artistas, Intérpretes ou Executantes, CRL, entidade de gestão colectiva dos direitos dos artistas, a requerente está também mandatada para promover o licenciamento e cobrança das remunerações devidas aos artistas, intérpretes e executantes.
A actividade de licenciamento e cobrança das remunerações é desenvolvida pela requerente AGD..., em parceria com a referida GDA, procedendo assim ao licenciamento conjunto de direitos conexos dos artistas, intérpretes, executantes e produtores de obras audiovisuais ou videogramas.
A execução pública de videogramas editados comercialmente, além de carecer de autorização dos respectivos produtores, confere a estes e aos artistas, intérpretes e executantes, o direito a receber uma remuneração equitativa. A remuneração cobrada pela AGD... é dividida entre produtores e artistas, sendo a parcela destinada a estes últimos entregue à parceira GDA.
No âmbito da referida actividade de licenciamento e cobrança de direitos conexos de produtores e artistas, seus associados, a requerente licencia a utilização, por parte dos eventuais interessados, da quase totalidade do repertório das obras audiovisuais para televisões, nacionais ou estrangeiras, comercializadas e difundidas em Portugal.
A R. explora o HRD..., estabelecimento comercial aberto ao público e a funcionar diariamente, onde existem diversos televisores, sendo que ali se procede de forma habitual, continuada e reiterada à execução pública de videogramas do repertório entregue à gestão da A., sem a necessária autorização, sendo que jamais pagou a esta a remuneração devida por tal comunicação.
Tal comunicação, sob a forma de execução pública habitual e reiterada de videogramas para a clientela do mencionado hotel, que varia rapidamente e em número relevante, ocorre através de aparelhos de televisão de que o estabelecimento hoteleiro em causa dispõe, segundo as regras da experiência comum e a regulamentação aplicável, em toas as unidades de alojamento, nomeadamente nos quartos, e nos espaços comuns (halls, bares/restaurantes, etc.).
Apesar de insistentemente instada para o efeito, nomeadamente através das cartas enviadas pela A. à R. em 2 de Dezembro de 2010 e 18 de Maio de 2016 interpelando-a no sentido de requerer a licença devida e pagar os direitos conexos pela utilização de videogramas na actividade do mencionado estabelecimento, a R. não fez à A. qualquer pedido ou solicitação de licenciamento ou autorização e jamais pagou a remuneração equitativa devida, sendo que continua a exibir publicamente na referida unidade hoteleira videogramas explorados comercialmente ou reproduções dos mesmos.
Considerando os dados disponíveis relativamente às características do estabelecimento da R. em causa (4 estrelas, 77 quartos todos com televisores, e 2 televisores nos espaços comuns), e as tarifas anuais em vigor para o período em causa juntas como docs. 12, 13 e 14, os pagamentos que a R. deveria ter pago à A., a esse título, até à data, são os seguintes:
- 2011: C 5.423,88;
- 2012: € 5.423,88;
- 2013: € 5.423,88;
- 2014: € 3.622,08;
- 2015: € 3.363,36;
- 2016: € 3.363,36;
- 2017: € 3.363,36;
-1° semestre de 2018: € 3.363,36;
- juros de mora vencidos até à propositura da presente acção: € 11.721,62;
Tudo num total de € 45.068,78.
Citada a R., não contestou nem se fez representar.
Os factos apurados
Por a R não ter contestado foi proferida esta decisão:
Nos termos do disposto no artigo 567.°, n.° 1, do Código de Processo Civil, a falta de contestação do réu importa a confissão dos factos alegados pelo autor.
Assim, dão-se aqui por reproduzidos os factos articulados pela A., considerados confessados ou demonstrados pelos documentos juntos com a petição inicial ou o requerimento inicial do procedimento cautelar apenso, os quais, no essencial, constam do relatório supra enunciado.
E a final foi proferida esta decisão:
Por todo o exposto, julga-se parcialmente procedente a presente acção e, em consequência, condena-se a R. STH... , S.A.:
a) na proibição de proceder à execução não licenciada de videogramas que façam parte do repertório entregue à gestão da A. AGD..., no estabelecimento hoteleiro por si explorado HRD... sito em P..., sem que se mostrem licenciados os correspondentes direitos de execução pública de obras literário-musicais cuja gestão esteja confiada à A.;
b) a pagar à A. o montante de C 33.347,16 correspondente ao licenciamento pela execução pública de videogramas no dito estabelecimento, de acordo com o tarifário da A., relativamente aos anos de 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017 e o 1° semestre de 2018;
c) a pagar à A. a quantia de € 11.721,62 a título de juros de mora à taxa legal relativamente ao montante referido em b), vencidos até à entrada em juízo da presente acção;
d) a pagar a quantia de €100,00, a repartir em partes iguais entre a A. e o Estado, por cada dia de atraso, após o trânsito em julgado da presente decisão, no cumprimento do decretado em a), a título de sanção pecuniária compulsória, nos termos do artigo 829°-A do Código Civil.
Absolve-se a R. do demais peticionado.
Custas pela A. e R. na proporção do decaimento, que fixo em 1/5 para aquela (sem prejuízo da
isenção de que goza) e 4/5 para esta....
É esta decisão que a R. impugna, formulando estas conclusões:
1- Como o devido respeito, que muito é, a R., aqui Recorrente, não se conforma com a d. decisão recorrida, desde logo, por se falta de fundamentação factual expressa, que nela não se acha discriminada, nos termos do art. 607° n°. 3 e 615° n°. 1 b) do CPC.
2- Com efeito, a decisão recorrida não elenca, não escolhe, não selecciona, não discrimina, enfim, não diz nem especifica quais os fatos - i.e. as ocorrências concretas da vida real - que admite como provados na causa que decidiu.
3- Não bastando ao Tribunal Recorrido remeter para um petitório de 108 artigos, de meras asserções conclusivas, ou até de fatos, sem os concretamente identificar de entre uns e outros, sem distinção ou exceção alguma, para se ter cabalmente preenchido o ónus fundador judiciário que está em causa.
4- Inexistindo qualquer discriminação ou seleção factual, o que torna praticamente insindicável a decisão, por omissão factual fundadora e que não cabe à parte passiva como que adivinhar, ou selecionar ela própria, de entre o tal arrazoado do petitório da causa para depois poder sindicar, em recurso, o dispositivo condenatório que é mais específico à prolação da causa.
5- Não obedecendo a sentença recorrida, na sua elaboração, ao estatuído non° 3 do art° 607° do CPC, que manda discriminar os factos que o julgador considera provados, o que implica naturalmente uma prévia selecção dos factos articulados pelo autor (só depois é que se pode julgar a causa conforme for de direito).
6- Assim sucedendo no caso dos autos, a sentença recorrida decaiu no vício de nulidade previsto e cometido ao caso pelo disposto no art.° 615°/1.b)-4, devido à falta de fundamentação expressa ali implicada pelo disposto no art.° 607°/3, ambos do CPC.
7- No caso dos autos, a R./Recorrente não apresentou contestação, tendo-se sujeitado à consequência da confissão ficta respetiva, por virtude do disposto noart.567° CPC.
8- Todavia, quanto ao mais, mantém a R./Recorrente mantém todos os direitos que são próprios à defesa da sua posição passiva ou dos interesses respectivos nessa mesma acção, sem nenhuma restrição mais que dali não consta e, em geral, de acordo com o disposto nos arts. 569° segs. CPC.
9- Neste enquadramento, ao contrário do doutamente decidido, defende a
R./Recorrente não estar sujeita à autorização da A./Recorrida, enquanto entidade de gestão coletiva e titular de direitos de licenciamento e de cobrança de remunerações devidas a produtores e artistas de videogramas, não tendo, por isso, violado os direitos conexos que a A./Recorrente invoca estarem confiados à sua gestão.
10- Na decisão recorrida entendeu-se ter ocorrido essa violação, no pressuposto de que conduta da R./Recorrente ao manter aparelhos de televisão nos quartos de dormir, que estão ligados e executam videogramas, sendo que tais equipamentos recebem a emissão transmitida por uma operadora , está contemplada nos conceitos comunicação ao público e execução pública, previstos nos artigos 178°n° 1 e 184° n° 2, ambos do CDADC.
11- Com o devido respeito, que, muito é, a Recorrente não aceita a referida fundamentação jurídica seguida pelo Tribunal Recorrido, desde logo, porque a utilização de aparelhos de televisão nos quartos e espaços comuns do hotel, não constitui, por si só, um ato de comunicação ao público, não carecendo,portanto, de autorização por parte dos titulares dos direitos conexos.
12- A recorrente não efectua uma transmissão ao público, mas apenas uma mera recepção de emissões de radiodifusão, transmitidas pelo respectivo operador, o que constitui uma mera recepção da obra e não uma nova utilização (recepção-transmissão).
13- No nosso regime legal vigora o princípio da livre recepção, ou seja, quem possuir um receptor pode utilizá-lo livremente, pois a autorização inicial para a radiodifusão abrange a posterior recepção, não fazendo sentido exigi-la na fonte e no destino.
14- Numa interpretação sistemática do artigo 155° do CDADC, nomeadamente por confronto com o n° 3 do artigo 153° do CDADC, conclui-se que a comunicação pública de obra radiodifundida não está sujeita a autorização do autor (logo, também não estará sujeita a autorização do intérprete, executante ou produtor) e que só será devida remuneração se a obra radiodifundida for comunicada ao público por meio de um sistema específico de altifalantes ou outro processo de difusão.
15- Quer os textos internacionais, quer o disposto no CDADC apontam para a desnecessidade de autorização dos autores e, consequentemente, também dos artistas, intérpretes e produtores, quando está em causa a simples recepção de obra radiodifundida.
16- Só a comunicação pública de uma obra radiodifundida dará lugar a uma remuneração equitativa se for feita através de altifalantes ou de outros meios técnicos que se traduzam num novo aproveitamento da emissão.
17- Mesmo que se entenda que existe uma transmissão ao público nas zonas comuns do hotel, o que não se concede, sempre se dirá que as transmissões efectuadas nos quartos não são públicas, dado o número reduzido de hóspedes em cada quarto.
18-Devendo considerar-se que os quartos de hotel são realidades dinâmicas que hospedam, sucessivamente, diferentes hóspedes, sem deixarem de ser espaços privados, pelo que a utilização de aparelhos de televisão nos referidos quartos não constitui um ato de comunicação ao público, não requerendo, portanto, autorização por parte dos titulares dos direitos de propriedade intelectual das obras objeto de comunicação.
19- Não está definitivamente resolvido na doutrina e na jurisprudência o reconhecimento à A./recorrida do direito que se arroga, ao que acresce a sua potencial falta de titularidade para cobrar taxas pela referida execução.
20- Apesar disso, tal como configurado na ação e foi acolhido na sentença foi reconhecido à A/Recorrida os direitos de licenciamento do direito dos produtores de autorizar a execução pública de videogramas e do direito de receber uma remuneração equitativa, tendo, por via disso, a R./Recorrida sido condenada no pagamento de tarifas anuais desde 2011 até ao 1° semestre de 2018.
21- Neste enquadramento, e salvo melhor opinião, os créditos referentes às quantias anuais reclamadas pela A., têm a natureza de tarifário ou taxa e, por essa razão, deverão estar sujeitas ao regime de prescrição previsto na LGT, sendo a prescrição do conhecimento oficioso, no termos, aqui aplicáveis do art. 175° CPPT.
22- Sendo assim, como julgamos ser, competia ao Tribunal Recorrido conhecer da prescrição do crédito, correspondente ao tarifário da A., o qual, à data da propositura da ação já se mostraria fatalmente extinto, por via prescrição (3 anos),relativamente aos anos de 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015.
23- Ainda que assim não fosse, correspondendo o crédito da A./Recorrida a uma anuidade periódica, o prazo de prescrição, seria, no máximo de 5 anos, caso em que, à data da propositura da ação já haviam prescrito as tarifas dos anos de 2011,2012 e 2013.
24- Ao assim não ser entendido, não foi feita a melhor interpretação e aplicação ao caso, designadamente, dos normativos previstos nos artigos 310° 566, 569, 573° do Cod. Civil e art. 3°, 439°, 607° do CPC e 175 CPPT e ainda dos arts. 155° , n° 3,153° e 184° do CDADC.
A A. contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
Atendendo a que o âmbito do objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art°663 n°2,608 n°2.635 n°4 e 639 ncle 2 do Código de Processo Civil,),sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso ,exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras,o que aqui se discute é a nulidade da sentença por não especificação da factualidade á luz dos artigos 607 n°3 e 615 n°1 al b) ,ambos do CPC ; a sujeição da R. à autorização da A. enquanto entidade de gestão colectiva e titular dos direitos de licenciamento e de cobrança de remunerações devidas a produtores e artistas de videogramas,
Vejamos
A) Em relação á nulidade da decisão por falta de fundamentação factual
As normas relativas à elaboração da sentença cível não são exactamente aplicáveis aos casos em que a acção não foi contestada.
É isso que dispõe o art. 576.°/n°1 e 3 do CPC, norma que decorre de uma perspectiva de simplificação que constitui um dos vectores atuais do processo civil.
Porém, se é certo que esta última norma citada dispõe que sendo o réu regularmente citado na sua pessoa e não contestar se consideram confessados os factos alegados pelo autor na petição inicial, a verdade é que a jurisprudência dos tribunais superiores vem entendendo que esta forma aligeirada da sentença não dispensa um mínimo de fundamentação de facto e de direito, e que, no tocante aos factos, não fica o juiz dispensado de indicar com clareza e de forma discriminada quais os factos que considera provados e não provados, e a respetiva motivação, como resulta do disposto no art. 607°, n° 4 do CPC.
Mas, é também entendimento doutrinal e jurisprudencial dominante que este tipo de nulidade só se verifica em situações de falta absoluta de indicação das razões de facto e de direito que justificam a decisão e não também quando tais razões constem da sentença, mas de tal forma que pela sua insuficiência ou laconismo, se deva considerar a fundamentação deficiente.
Com efeito, já ALBERTO DOS REIS, ensinava que «Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.»
No mesmo sentido se pronunciou o Ac. STJ 15-12-2011 (Pereira Rodrigues), p. 2/08.9TTLMG.P1, onde o Supremo reafirmou que o vício da nulidade da sentença por falta de fundamentação não ocorre em situações de escassez, deficiência, ou implausibilidade das razões de facto e/ou direito indicadas para justificar a decisão, mas apenas quando se verifique uma total falta de motivação que impossibilite o escrutínio das razões que conduziram à decisão proferida a final.
Tal como já demos conta, a este propósito, foi proferido este despacho
Nos termos do disposto no artigo 567.°, n.° 1, do Código de Processo Civil, a falta de contestação do réu importa a confissão dos factos alegados pelo autor.
Assim, dão-se aqui por reproduzidos os factos articulados pela A., considerados confessados ou demonstrados pelos documentos juntos com a petição inicial ou o requerimento inicial do procedimento cautelar apenso, os quais, no essencial, constam do relatório supra enunciado.
Ora, relendo o relatório temos que concluir que a factualidade tomada como premissa do silogismo judiciário está aí plasmada:o teor da pag 3 e 4 da decisão contem todos os factos que levaram á conclusão / decisão.
Assim, a A não ficou impedida de escrutinar todo o raciocínio que levou á decisão.
Acresce que a A foi notificada do despacho que considerou confessados os factos articulados na pi e não o impugnou, tendo o despacho transitado em julgado.4 Termos em que improcede esta conclusão
B) No que respeita à sujeição da R. à autorização da A. enquanto entidade de gestão colectiva e titular dos direitos de licenciamento e de cobrança de remunerações devidas a produtores e artistas de videogramas,
Como questão prévia há que abordar o seguinte ponto:
Não obstante sobre o objecto do litígio, ainda que numa perspectiva diversa, tenha sido proferido o AUJ n° 15/2013, perfilhamos o entendimento expresso no acórdão desta Instância 6, datado de 7/6/2018 publicado in ITIJ cujo sumário é o seguinte:
.Sumário:
4.1. - Os AUJ ( acórdão uniformizador de jurisprudência) , ainda que devam merecer da parte de todos os juízes uma atenção especial, desde logo pela respectiva qualidade, valor intrínseco e respectiva ratio e desiderato - maxime lograr uma interpretação uniforme do direito e a uniformidade da jurisprudência, contribuindo ambos para a tutela da certeza e segurança jurídica - não dispõem em todo o caso de valor vinculativo.
4.2. - Porém, precisamente em razão da aludida qualidade, valor intrínseco, respectiva ratio e desiderato, apenas se justifica que o AUJ seja desmerecido quando existam razões ponderosas a atender e as quais devem sempre mostrarem-se bem explicitadas no âmbito de fundamentação convincente e baseada sobretudo em critérios rigorosos, em contributos da doutrina e em novos argumentos que apontem para a evidente incorrecção do precedente;
4.3. - Em face do referido em 4.2., porque as decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia constituem fonte de direito imediata, permitindo a uniformidade e a harmonização na aplicação do direito da União no território dos Estados-Membros, e porque tem o TJUE vindo a pugnar pela aplicação na referida matéria do princípio do primado [ o qual impõe a prevalência do direito da União sobre o direito nacional , e estando o mesmo internamente plasmado na conjugação dos artigos 7.°, n.° 6 e 8.°, n.° 4 da Constituição da República Portuguesa ], então licito é considerar que ambos os aludidos fundamentos consubstanciam razões ponderosas que permitem/justificam que o Juiz se afaste do entendimento sufragado pelo STJ no seu AUJ n.° 15/2013.
Posto isto, vejamos...
À luz dos art.ºs 72° a 74° do DL n.° 63/85, de 14 de Março, doravante designado apenas por CDADC - CÓDIGO DO DIREITO DE AUTOR E DOS DIREITOS CONEXOS a apelada é titular do direito de autor ou dos direitos conexos, ou que está autorizada a utilizá-lo,
Do diploma em causa resulta designadamente que O direito de autor abrange direitos de carácter patrimonial e direitos de natureza pessoal, denominados direitos morais, sendo
que, No exercício dos direitos de carácter patrimonial o autor tem o direito exclusivo de dispor da sua obra e de frui-la e utilizá-la, ou autorizar a sua fruição ou utilização por terceiro, total ou parcialmente [ cfr. art° 9°,n°s 1 e 2, 56 , 67 n°2].
Por isso, diz-nos o art° 67°, n°s 1 e 2], tem o direito exclusivo de fruir e utilizar a obra, no todo ou em parte, no que se compreendem, nomeadamente, as faculdades de a divulgar, publicar e explorar economicamente por qualquer forma, directa ou indirectamente, nos limites da lei , e, ademais A garantia das vantagens patrimoniais resultantes dessa exploração constitui, do ponto de vista económico, o objecto fundamental da protecção legal.
Em relação às formas de utilização da obra concerne, decorre agora do art° 68° que :
1- A exploração e, em geral, a utilização da obra podem fazer-se, segundo a sua espécie e natureza, por qualquer dos modos actualmente conhecidos ou que de futuro o venham a ser.
2 - Assiste ao autor, entre outros, o direito exclusivo de fazer ou autorizar, por si ou pelos seus representantes:
(...)
d) A fixação ou adaptação a qualquer aparelho destinado à reprodução mecânica, eléctrica, electrónica ou química e a execução pública, transmissão ou retransmissão por esses meios;
e) A difusão pela fotografia, telefotografia, televisão, radiofonia ou por qualquer outro processo de reprodução de sinais, sons ou imagens e a comunicação pública por altifalantes ou instrumentos análogos, por fios ou sem fios, nomeadamente por ondas hertzianas, fibras ópticas, cabo ou satélite, quando essa comunicação for feita por outro organismo que não o de origem;
(...).
Sendo certo que - As diversas formas de utilização da obra são independentes umas das outras e a adopção de qualquer delas pelo autor ou pessoa habilitada não prejudica a adopção das restantes pelo autor ou terceiros...n° 4 do mesmo artigo
Daí que, tal como explica José de Oliveira Ascensão , O princípio é o de que, mesmo sendo autorizada uma fixação, a comunicação ao público a partir dessa fixação não dispensa nova autorização do autor. Este princípio é aplicável a todas as fixações, quer sonoras quer audiovisuais.
Completando essa garantia e defesa do direito do autor e direitos conexos preceitua o art° 141:
1 - Depende de autorização do autor a fixação da obra, entendendo-se por fixação a incorporação de sons ou de imagens, separada ou cumulativamente, num suporte material suficientemente estável e duradouro que permita a sua percepção, reprodução ou comunicação de qualquer modo, em período não efémero.
2 - A autorização deve ser dada por escrito e habilita a entidade que a detém a fixar a obra e a reproduzir e vender os exemplares produzidos
3 - A autorização para executar em público, radiodifundir ou transmitir de qualquer modo a obra fixada deve igualmente ser dada por escrito e pode ser conferida a entidade diversa da que fez a fixação.
4 - A compra de um fonograma ou videograma não atribui ao comprador o direito de os utilizar para quaisquer fins de execução ou transmissão públicas, reprodução, revenda ou aluguer com fins comerciais.
Pelo que, o consentimento dos diversos intervenientes na produção da obra
será sempre necessário:
Art° 149º
1 - Depende de autorização do autor a radiodifusão sonora ou visual da obra, tanto directa como por retransmissão, por qualquer modo obtida.
2 - Depende igualmente de autorização a comunicação da obra em qualquer lugar público, por qualquer meio que sirva para difundir sinais, sons ou imagens.
3 - Entende-se por lugar público todo aquele a que seja oferecido o acesso, implicita ou explicitamente, mediante remuneração ou sem ela, ainda que com reserva declarada do direito de admissão. Autorização
e
Artigo 178.°
Poder de autorizar ou proibir
1 - Assiste ao artista intérprete ou executante o direito exclusivo de fazer ou autorizar, por
si ou pelos seus representantes:
a) A radiodifusão e a comunicação ao público, por qualquer meio, da sua prestação,
excepto quando a prestação já seja, por si própria, uma prestação radiodifundida ou quando seja
efectuada a partir de uma fixação;
(...)
c) A reprodução directa ou indirecta, temporária ou permanente, por quaisquer meios e sob qualquer forma, no todo ou em parte, sem o seu consentimento, de fixação das suas prestações quando esta não tenha sido autorizada, quando a reprodução seja feita para fins diversos daqueles para os quais foi dado o consentimento ou quando a primeira fixação tenha sido feita ao abrigo do artigo 189.º e a respectiva reprodução vise fins diferentes dos previstos nesse artigo;
Bem como:
Artigo 184.º
Autorização do produtor
1 - Assiste ao produtor do fonograma ou do videograma o direito exclusivo de fazer ou
autorizar, por si ou pelos seus representantes:
a) A reprodução, direta ou indireta, temporária ou permanente, por quaisquer meios e sob qualquer forma, no todo ou em parte, do fonograma ou do videograma;
b) A distribuição ao público de cópias dos fonogramas ou videogramas, a exibição cinematográfica de videogramas bem como a respetiva importação ou exportação;
c) A colocação à disposição do público, por fio ou sem fio, dos fonogramas ou dos videogramas para que sejam acessíveis a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido;
d) Qualquer utilização do fonograma ou videograma em obra diferente;
e) A comunicação ao público, de fonogramas e videogramas, incluindo a difusão por qualquer meio e a execução pública direta ou indireta, em local público, na aceção do n.° 3 do artigo 149.°
(...)
3 - Quando um fonograma ou videograma editado comercialmente, ou uma reprodução
dos mesmos, for utilizado por qualquer forma de comunicação pública, o utilizador tem de pagar, como contrapartida da autorização prevista na alínea e) do n.° 1, uma remuneração equitativa e única, a dividir entre o produtor e os artistas, intérpretes ou executantes em partes iguais, salvo acordo em contrário.
4 - Os produtores de fonogramas ou de videogramas têm a faculdade de fiscalização análoga à conferida nos n.os 1 e 2 do artigo 143.°
Da conjugação destes preceitos, podemos concluir, tal como ensina o Prof. José de Oliveira Ascensão, que, manifesto é que a lei nega ao adquirente de um exemplar de uma fixação vários direitos, nomeadamente o de execução ou transmissão pública, sendo a regra que conta/vale a de que a obra, embora legalmente fixada, não pode ser apresentada publicamente sem autorização do autor .(sublinhado nosso)
O que está em consonância com o principal instrumento de proteção internacional da propriedade literária e artística, a Convenção de Berna para a Protecção das Obras literárias e Artísticas, nomeadamente com o preceituado no art.° 11 ,n°1,2,3 :
Os autores de obras literárias e artísticas gozam do direito exclusivo de autorizar:
1° A radiodifusão das suas obras ou a comunicação pública dessas obras por qualquer
outro meio que sirva à difusão sem fio dos sinais, sons ou imagens;
2° Qualquer comunicação pública, quer por fio, quer sem fio, da obra radiodifundida,
quando essa comunicação seja feita por outro organismo que não o de origem;
3° A comunicação pública, por alto-falante ou por qualquer outro instrumento análogo
transmissor de sinais, sons ou imagens, da obra radiodifundida.
Mais tarde, face à nova realidade europeia, a Directiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 22/5/2001 considerada a necessidade de estabelecer Um sistema rigoroso e eficaz de protecção do direito de autor e direitos conexos constitui um dos principais instrumentos para assegurar os recursos necessários à produção cultural europeia, bem como para garantir independência e dignidade aos criadores e intérpretes.....E ..Uma protecção adequada das obras e outros materiais pelo direito de autor e direitos conexos assume igualmente grande relevância do ponto de vista cultural...13. lendo-se no considerando n° 10 Os autores e os intérpretes ou executantes devem receber uma remuneração adequada pela utilização do seu trabalho, para poderem prosseguir o seu trabalho criativo e artístico, bem como os produtores, para poderem financiar esse trabalho. É considerável o investimento necessário para produzir produtos como fonogramas, filmes ou produtos multimédia, e serviços, como os serviços a pedido. É necessária uma protecção jurídica adequada dos direitos de propriedade intelectual no sentido de garantir tal remuneração e proporcionar um rendimento satisfatório desse investimento nos termos do seu art.° 3 n°1 estabelece:
Os Estados-Membros devem prever a favor dos autores o direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer comunicação ao público das suas obras, por fio ou sem fio, incluindo a sua colocação à disposição do público por forma a torná-las acessíveis a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido.
Ora, da análise destes normativos podemos concluir que o direito do autor e direitos conexos é objecto de tutela e necessidade de salvaguarda quando existe uma comunicação ao público, pois é esta circunstância que os justifica, enquanto tal.(sublinhado nosso)
Daí que, em substância, a apelante em sua defesa conclua que não existe comunicação ao público por as transmissões se operarem nos quartos, ainda que estas também aconteçam em outros espaços.
O que concluir?
A Directiva 2001/29/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio, no seu Considerando 23 : «a presente directiva deverá proceder a uma maior harmonização dos direitos de autor aplicáveis à comunicação de obras ao público. Esses direitos deverão ser entendidos no sentido lato, abrangendo todas as comunicações ao público não presente no local de onde provêm as comunicações. Abrangem ainda qualquer transmissão ou retransmissão de uma obra ao público, por fio ou sem fio, incluindo a radiodifusão, não abrangendo quaisquer outros actos».
E mais adiante, nos Considerandos 24 e 27, consigna-se que «o direito de colocar à disposição do público materiais contemplados no n° 2 do artigo 3° deve entender-se como abrangendo todos os actos de colocação desses materiais à disposição do público não presente no local de onde provém esses actos de colocação à disposição, não abrangendo quaisquer outros actos» e que «a mera disponibilização de meios materiais para permitir ou realizar uma comunicação não constitui só por si uma comunicação na acepção da presente directiva».
E ainda no artigo 3° n° 1 e 2 da Directiva em apreço dispõe o seguinte:
2. Os Estados-Membros devem prever que o direito exclusivo de autorização ou proibição de colocação à disposição do público, por fio ou sem fio, por forma a que seja acessível a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido, cabe:
(...)
O Tribunal de Justiça da União Europeia no acórdão datado de 4/10/2015 pronunciou-se .... no sentido de que o conceito de comunicação ao público, na acepção do artigo 3.°, n.° 1 da Directiva 2001/29, deve ser interpretado no sentido de que abrange a transmissão de obras radiodifundidas através de um ecrã de televisão e de altifalantes aos clientes que se encontrem presentes num pub,
E mais recentemente, mas agora através de despacho de 14 de Julho de 2015 e proferido no âmbito de um reenvio prejudicial da parte do Tribunal da Relação de Coimbra veio o mesmo Tribunal de Justiça a reafirmar e a pronunciar-se no sentido de que o conceito de «comunicação ao público» na acepção do artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade de informação, deve ser interpretado no sentido de que abrange a transmissão, através de um aparelho de rádio ligado a colunas e/ou amplificadores, pelas pessoas que exploram um café restaurante, de obras musicais e de obras musico literárias difundidas por uma estação emissora de rádio aos clientes que se encontrem presentes nesse estabelecimento.( sublinhado nosso)
O mesmo sucedendo nas diversas decisões do TJUE identificadas na decisão impugnada, a saber:
...acórdão proferido em 07-12-2006, no processo C-306/05 (Sociedade General de Autores e Editores de Espana - SGAE contra Rafael Hoteles, SA), o TJUE determinou o seguinte:
1) Embora a mera disponibilização de meios materiais não constitua, por si só, uma comunicação na acepção da Directiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação, a distribuição de um sinal através de aparelhos de televisão por um hotel aos clientes instalados nos quartos deste estabelecimento, qualquer que seja a técnica de transmissão do sinal utilizado, constitui um acto de comunicação ao público na acepção do artigo 3.°, n.° 1, desta directiva.
2) O carácter privado dos quartos de hotel não se opõe a que a comunicação de uma obra neles operada através de aparelhos de televisão constitua um acto de comunicação ao público, na acepção do artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 2001/29.
Posteriormente, o Despacho do Tribunal de Justiça (Sétima Secção) de 18¬03-2010,
Ao instalar aparelhos de televisão nos quartos de hotel do seu estabelecimento e ao ligá-los à antena central do referido estabelecimento, o proprietário pratica, por esse simples facto, um acto de comunicação ao público na acepção do artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 2001/29/CE do Parlamento europeu e do Conselho, de 22 de Maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação.
No Acórdão proferido em 7-12-2006, no processo C-306/05 (Sociedade General de Autores e Editores de Espana SGAE contra Rafael Hoteles, SA), o TJUE determinou o seguinte:
«1) Embora a mera disponibilização de meios materiais não constitua, por si só, uma comunicação na acepção da Directiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação, a distribuição de um sinal através de aparelhos de televisão por um hotel aos clientes instalados nos quartos deste estabelecimento, qualquer que seja a técnica de transmissão do sinal utilizado, constitui um acto de comunicação ao público na acepção do artigo 3°, n° 1, desta directiva.
2) O carácter privado dos quartos de hotel não se opõe a que a comunicação de uma obra neles operada através de aparelhos de televisão constitua um acto de comunicação ao público, na acepção do artigo 3°, n° 1, da Directiva 2001/29.»
Mais tarde, reproduzindo esta orientação, o Despacho do Tribunal de Justiça (Sétima Secção) de 18-03-2010, proferido no processo C-136/09 (pedido de decisão prejudicial do órgão jurisdicional de reenvio grego, Areios Pagos), que tinha por objecto o conceito de «comunicação ao público» e as obras difundidas através de aparelhos de televisão instalados nos quartos de hotel e ligados a uma antena central do hotel sem outra intervenção da parte do proprietário para a recepção do sinal pelos clientes, formulou o seguinte dispositivo:
«Ao instalar aparelhos de televisão nos quartos de hotel do seu estabelecimento e ao ligá-los à antena central do referido estabelecimento, o proprietário pratica, por esse simples facto, um acto de comunicação ao público na acepção do artigo 3°, n° 1, da Directiva 2001/29/CE do Parlamento europeu e do Conselho, de 22 de Maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação.»
É sabido que a aplicação /interpretação da legislação nacional deve obedecer ao princípio da interpretação conforme o direito da União Europeia, levando-se obrigatoriamente em linha de conta o sentido interpretativo que o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) vem dando a tais disposições legais, através da jurisprudência produzida em sede de decisão prejudicial (artigo 267.2 do TJUE; por isso, não obstante sobre o objecto do litígio, ainda que numa perspectiva diversa, tenha sido proferido o AUJ n° 15/2013, tal como já assinalamos, perfilhamos o entendimento expresso no acórdão desta Instância, datado de 7/6/2018, já referido.
Voltando à factualidade:
-forçoso é concluir que a apelante em local público transmitia obras protegidas fixadas em videogramas, cujo conceito está descrito no art° 176 n° 5
E que essa transmissão constituía uma comunicação pública, nos moldes acima descritos.
Além do mais, não podemos esquecer que essa transmissão faz parte da estratégia comercial da empresa, atraindo clientes e obtendo os consequentes lucros; termos em que também numa perspectiva de correlação de interesses e boa fé a apelante não pode obter proveitos sem qualquer contraprestação.
Ora, ao fazê-lo e sem que possuísse qualquer autorização dos produtores de videogramas ou dos seus representantes, e sem ter pago à requerente qualquer quantia devida para o referido efeito, forçoso é concluir, que a apelante transmitia ao público obras protegidas e com carácter lucrativo, lesando os titulares dos seus direitos, tal como consta da decisão impugnada.
Termos em que improcede a conclusão.
Finalmente, quanto à prescrição do crédito correspondente ao tarifário da A.
A apelante entende que a quantia a que foi condenada (alíneas b) e c)) correspondem a taxas, tarifários. Por isso, o conhecimento da prescrição é oficioso à luz da LGT
No entanto,.... a taxa situa-se apenas no domínio dos serviços públicos divisíveis. Na verdade, existem actividades públicas ditas indivisíveis, dado que o benefício para os particulares das mesmas resultante tem carácter genérico (v.g.defesa nacional; actividade legislativa; actividade diplomática). Porém, existem muitas outras actividades e serviços públicos de que os particulares podem extrair vantagens individualmente consideradas, pelo que, nesses casos, há a possibilidade de realizar a respectiva cobertura financeira, total ou parcialmente, mediante a criação de taxas (v.g.propinas da instrução pública; custas da justiça; portagens pagas nas vias de comunicação).
(...)
Actualmente, a taxa pode definir-se como uma prestação coactiva, devida a entidades públicas, com vista à compensação de prestações efectivamente provocadas ou aproveitadas pelos sujeitos passivos. Em contraste com o imposto de características unilaterais, a taxa caracteriza-se pela sua natureza comutativa ou bilateral, devendo o seu valor concreto ser fixado de acordo com o princípio da equivalência jurídica. A natureza do facto constitutivo que baseia o aparecimento da taxa pode consistir na prestação de uma actividade pública, na utilização de bens do domínio público ou na remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares (cfr.art°.4, n°s.1 e 2, da L.G.Tributária; art°s.3 e 4, do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, aprovado pela Lei 53-E/2006, de 29/12; arf.15, n'.2, da L.F.L. aprovada pela Lei 2/2007, de 15/1; ac.T.C.A.Sul-2a.Secção, 19/03/2015, proc.5804/12; Sérgio Vasques, Regime das Taxas Locais, Introdução e Comentário, Cadernos do I.D.E.F.F., n°.8, 2009, pág.83 e seg.; Suzana Tavares da Silva, As Taxas e a Coerência do Sistema Tributário, r. Edição, Coimbra Editora, 2013, pág.37 e seg.; José Casalta Nabais, Sobre o regime jurídico das taxas, R.L.J., Ano 145, n°.3994, pág.25 e seg.).— Acórdão da Secção de contencioso
tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 26/10/2017.
Seguindo esta decisão e não tendo sido posta em causa a natureza jurídica da Autora, enquanto entidade de Utilidade Pública (n°1 do art° 6,8°,9° do torna-se evidente que não estamos perante uma entidade pública, a que fosse devida qualquer taxa.
A este respeito, cf. o artigo 1°,2°dos Estatutos da A.: associação civil sem fins
lucrativos com natureza de entidade de gestão colectiva,a reger-se pelas normas do Código Civil ,pela
lei que regula as entidades de gestão colectiva do direito de autor e direitos conexos ,pelos presentes Estatutos e por Regulamentos internos aprovados pela sua Assembleia geral. –artº 2º
Por outro lado, a apelante só teve intervenção processual após a prolação da decisão. Tal circunstância impediu-a de trazer à discussão tal excepção peremptória à luz do art.° 303 do CC e 573 n°1 do CPC.
Termos em que improcede tal conclusão.
Síntese: O carácter privado dos quartos de hotel não se opõe a que a comunicação de uma obra neles operados através de aparelhos de televisão constitua um acto de comunicação ao público, na acepção do artigo 3°, n° 1, da Directiva 2001/29.
Pelo exposto, acordam em julgar a apelação improcedente e confirmam a decisão impugnada.
Custas pela apelante.
Lisboa, 12/09/2019
Teresa Prazeres Pais
Isoleta de Almeida e Costa
Carla Mendes