Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Cível
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Processo   Sec.                     Ver todos
 - ACRL de 24-09-2019   Responsabilidades parentais. Menor de 3 anos.
1 - A lei consagra hoje um claro e inequívoco favorecimento duma relação de proximidade do menor com ambos os progenitores, o que corresponde à consagração do princípio da igualdade entre estes, mas, sobretudo, ao reconhecimento da importância do relacionamento do filho com cada um deles;
2 - Em processo de regulação das responsabilidades parentais, afigura-se ajustado fixar,
provisoriamente, que a menor, com 3 anos de idade, passará uma semana em casa de cada progenitor de forma alternada, se as condições logísticas verificadas o propiciam, se apura que os pais são ambos cuidadosos e empenhados no bem-estar da menor e não resulta comprovado qualquer facto que especialmente o desaconselhe, mostrando-se a fixação da residência alternada não trazer à rotina de vida da criança alteração mais relevante que a já ditada pela própria ruptura entre os progenitores.
Proc. 288/19.3T8AMD-A. 7ª Secção
Desembargadores:  Conceição Saavedra - Cristina Coelho - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
_______
Proc. d. 288/19.3T8AMD-A.L1
Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste
Juízo de Família e Menores da Amadora — Juiz 2
Apelante: CSS...
Apelado: JLS...

Acordam os Juízes na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.
I- Relatório:
Nos autos de regulação das responsabilidades parentais, em que é requerente CSS... e requerido JLS..., respeitante à menor filha de ambos, MIC..., foi, em Conferência de Pais realizada em 25.3.2019, depois de ouvidos cada um dos progenitores, proferido despacho que decidiu, provisoriamente, nos seguintes termos: (...)
I - A menor passará uma semana em casa de cada progenitor, alternadamente (com mudança à segunda-feira) sendo o exercício das responsabilidades parentais exercido em conjunto por ambos os pais.
II - A menor pernoitará à Quarta-feira com o progenitor não residente nessa semana.
III - Ambos os progenitores ficam obrigados a dar conhecimento mútuo de todas as circunstâncias e acontecimentos de importância relevante para a vida, educação e saúde da filha (na semana não residente).
IV - Os progenitores poderão contactar diariamente com a filha, telefonicamente, por correio electrónico ou qualquer outro meio tecnológico, sem prejuízo dos seus período de descanso.
V - A menor passará, alternadamente com cada progenitor a véspera e o dia de Natal, a véspera e o dia de Ano Novo.
VI- A menor passará com o pai o aniversário deste e passará com a mãe o aniversário desta. No dia de aniversário da menor, este, alternadamente em cada ano, almoça com um dos progenitores e janta com o outro.
VII - Ambos os pais asseguram o sustento da menor na semana que lhes compete e comparticiparão na metade das despesas médicas, medicamentosas e escolares/infantário, respeitantes à criança.

Desta decisão interpôs recurso a requerente, culminando as alegações por si apresentadas com
as seguintes conclusões que se transcrevem:
GG
1. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida no passado dia 25 de Março de 2019, a final da conferência de pais, no qual, face à ausência de consenso entre os progenitores, fixou o Mmo Juiz a quo provisoriamente a residência da Menor MIC... com ambos os progenitores em semanas alternadas, com início à segunda-feira.
2. Da leitura da decisão recorrida, verifica-se que a mesma não contém qualquer fundamentação, quer fáctica, quer jurídica (que não apenas considerações genéricas) que possa justificar as opções que foram tomadas, designadamente, a razão pela qual se mostrou necessário alterar o regime que vinha sendo praticado entre os progenitores desde a separação.
3. Uma tal alteração sempre pressuporia a verificação, por um lado, de que o regime que na prática vigorava entre os progenitores — residência junto da Mãe - não se tinha mostrado adequado à defesa dos superiores interesses da criança e a referência, por outro lado, ao motivo pelo qual o regime da residência alternada, agora instituído, seria o adequado para cumprir tal finalidade.
4. A manifesta insuficiência de explicitação, na fundamentação, bem como de qualquer referência aos fundamentos de facto específicos que foram decisivos para a convicção do Tribunal, viola claramente o disposto nos artigos 154° n°s.° 1 e 2 e 607°, todos do C.P.C, tornando a decisão deficiente e obscura.
5. Pelo que, enferma de nulidade a fundamentação da decisão recorrida, nos termos do art.° 615° n.° 1 al. b) do CPC, por violação do dever geral de fundamentação das decisões judiciais imposto pelo no n.° 1 do art.° 205° da Constituição da República Portuguesa, bem como pelos acima referidos artigos 154° n.° 1 e 607°, ambos do CPC, nulidade que aqui se invoca e que deverá ser declarada.
6. A interpretação daqueles normativos no sentido expresso na decisão recorrida, ou seja, de que para que se cumpra a imposição de fundamentação da Sentença é suficiente uma referência absolutamente sumária e genérica é inconstitucional por violação do disposto no art.° 205° da CRP que impõe que todas as provas produzidas sejam objecto de apreciação pelo Tribunal e vertido na fundamentação da decisão proferida de forma a tornar percetível e sindicável o processo decisório do julgador.
7. Apesar de a MIC... sempre ter privado e mantido uma relação de proximidade com ambos os progenitores desde o nascimento, o relacionamento entre estes sempre se mostrou tenso e difícil,
tendo culminado precisamente com uma última agressão do Requerido à ora Recorrente, documentada nos autos, e perpetrada em frente à filha de ambos.
8. Agressão essa que o Requerido admitiu em sede de conferência de pais, que não foi sequer a primeira agressão do Requerido à Recorrente nem a única à frente da MIC... e que determinou que a Recorrente tivesse que sair de casa com a Menor, por receio de novas agressões e conflitos.
9. O que sucedeu apesar de o Requerido beneficiar de acompanhamento no âmbito de terapia de casal durante o último ano e determinou até fosse a Requerente chamada ao infantário da filha logo no dia 11 de fevereiro e confrontada com o facto de a menor ter verbalizado às educadoras que o papá bateu na mamã, situação que muito preocupou aquela instituição.
10. Não obstante a Menor ter uma relação de grande proximidade com ambos os progenitores, o Requerido tem dificuldades sociais e relacionais, tendo-lhe sido diagnosticado um eventual síndrome de Asperger, situação que, para além de poder explicar os ataques de agressividade por parte do Requerido, pode colocar a em causa a saúde, segurança e estabilidade da MIC..., sendo completamente diferente ter a filha ao seu cuidado em fins-de-semana alternados e eventualmente alguns dias da semana ou assumir a responsabilidade pelo cuidado e educação da menor durante toda uma semana.
11. Na verdade, enquanto viveram em casal, sempre foi a Requerente quem, de um modo geral, garantiu todos os cuidados à MIC..., embora com a colaboração do Requerido, o qual nem sempre se mostrou emocionalmente disponível, estando muitas vezes ausente, podendo, por exemplo, passar três ou quatro horas sentado à mesa numa refeição.
12. De resto, logo após a separação do casal, após a saída forçada da Requerente de casa, os pais do Requerido, com cerca de 80 anos, mudaram-se para a residência do casal, a fim de acompanharem o filho, o qual, segundo eles, não seria capaz de sozinho tratar de si nem da MIC..., ali permanecendo durante todo o tempo em que a MIC... está com o Pai.
13. Sendo frequente ainda, em conversas telefónicas/videochamada com a Menor quando está com a Mãe referirem-lhe que a casa onde agora está com a Mãe não é a sua casa e que casa é onde está o pai e os avós.
14. O Requerido também não respeita os horários de sono da Menor e não é sequer capaz de levar a filha ao infantário a horas, não obstante as inúmeras solicitações por parte da própria creche, uma vez que desse modo, a Menor perde parte das atividades que estão previstas e que as educadoras sabem que aprecia.
15. Do mesmo modo que se recusa a comunicar ou a resolver assuntos relativos à Menor com a Requerente quando estes não são do seu interesse, nem sequer dando resposta à escolha em comum de um psicólogo que siga a MIC... nesta fase.
16. Sendo óbvio que, com o seu comportamento está a colocar em perigo a estabilidade emocional da menor MIC..., a qual se encontra sujeita a um verdadeiro terrorismo psicológico.
17. O simples facto de os pais residirem próximo um do outro e de a Menor privar habitualmente com o progenitor com quem não reside, não pode legitimar por si só o tribunal a, sem qualquer outro elemento, determinar ser esse o regime que melhor defende o interesse da criança, sobretudo quando se encontram relatadas nos autos (e documentadas) várias situações de violência doméstica cometidas na presença da Menor que não foram negadas pelo Requerido e foram levantadas pela Mãe várias preocupações legítimas relativamente à capacidade do Requerido para assumir a guarda da filha durante períodos de uma semana completa, que urgia averiguar.
18. À data da conferência de pais e, desde a separação do casal, a MIC... encontrava-se a residir com a Mãe, situação que considera a Recorrente se mostrou amplamente benéfica e trouxe uma muito maior estabilidade emocional à menor, estabilidade essa que lhe permitia um crescimento e desenvolvimento salutar e equilibrado.
19. Independentemente de a MIC... ter uma relação de grande proximidade com ambos os progenitores, que não se discute nem está aqui em causa, a verdade é que não se pode perder de vista nem o relacionamento e a capacidade de diálogo que os progenitores apesar de separados, conseguem manter e muito menos as competências parentais de cada um dos progenitores para assegurarem de modo salutar a execução de um regime de guarda alternada.
20. Tendo em conta que estamos perante uma criança que tem, nesta data, apenas três anos de idade, é inquestionável que necessita de estabilidade e de uma rotina diária com regras simples e bem definidas de forma a permitir-lhe um crescimento harmonioso, o que não é de todo compatível com uma situação em que está uma semana a viver sob um regime em que tem um horário para dormir e na semana seguinte tem um horário totalmente diferente, o mesmo se passando com as horas das refeições, o tipo de refeições que faz, ou com o tempo em que pode ver televisão.
21. Atendendo à idade da MIC..., é manifesto não ser adequado que a mesma resida uma semana na casa do Pai e, na semana seguinte, na casa da Mãe, com regras completamente distintas, sobretudo quando os pais têm dificuldades de relacionamento como é patente nos autos e poderá haver mesmo uma dificuldade ao nível das competências parentais por parte de um dos progenitores.
22. Na situação atual, é impossível aos pais definirem previamente linhas comuns de orientação na educação da MIC... de forma a garantir que, não obstante a alternância de residência, se mantém a desejável estabilidade. Pelo contrário, o mais provável é que a referida alternância propicie as condições favoráveis para o agudizar dos conflitos entre os progenitores, com consequências nefastas para a MIC....
23. No caso de crianças muito pequenas, como é o caso dos autos, e sobretudo atendendo à problemática que envolve os progenitores, tal alternância é manifestamente inadequada.
24. Assim, manifesto é que ao alterar o regime que vinha sendo praticado pelos progenitores até à conferência de pais, fixando a residência da Menor de apenas três anos de idade em casa de ambos os Progenitores com alternância semanal, o tribunal fez errada interpretação do disposto nos arts. 28° e 38° do RGPTC e 1906°, em especial o n.° 5 e n.° 7 do C.P.C., dispositivos que violou.
25. Devia ao invés o tribunal a quo ter interpretado tais normativos no sentido de considerar que o facto de existirem graves problemas relacionais entre os Progenitores, bem como uma eventual menor capacidade por parte de um deles, tratando-se de uma criança de apenas três anos de idade, a residência alternada não ser a solução que melhor favorece um equilibrado e são desenvolvimento da Menor, fixando consequentemente a residência da menor com a Mãe, regime que vinha sendo praticado.
26. Nesta conformidade, o regime provisório fixado, de residência alternada entre a casa dos Progenitores carece de fundamento ou sentido, dado que não corresponde ao superior interesse desta criança, devendo ser nesta parte revogado e substituído por outro que seja coincidente com o superior interesse da menor, fixando-se a residência da mesma com a Mãe, que igualmente decidirá sobre os atos correntes da vida da mesma.
Conclui pela nulidade da decisão, por falta de fundamentação, revogando-se, em qualquer caso, a
decisão recorrida e estabelecendo-se que a menor fica a residir com a mãe.
Em contra-alegações, o recorrido defende a inexistência da arguida nulidade da decisão e a
manutenção, na íntegra, do regime provisório instituído.
O recurso foi recebido como de apelação, a subir em separado e com efeito meramente
devolutivo, mais se considerando não verificada a nulidade invocada.
A fls. 51 e ss., e perante este Tribunal de recurso, veio a recorrente apresentar requerimento em que relata vários desenvolvimentos ocorridos após a prolação do despacho recorrido e que
considera serem relevantes para a decisão a proferir por esse Tribunal, invocando, em síntese, que a residência alternada se mostra desaconselhada à MIC... e está a contribuir para o aumento da conflitualidade e instabilidade psicológica da menor, afetando o seu bem-estar, pelo que deve esta ficar a residir com a mãe. Junta 16 documentos.
Pronunciou-se o recorrido, invocando que o agora alegado no aludido requerimento carece de prova, cabendo a sua apreciação à 1a instância e não ao Tribunal que aprecia o recurso. Pede, por isso, o desentranhamento do mesmo e requer, em qualquer caso, a junção aos autos dos requerimentos por si apresentados em P instância em resposta aos factos enunciados no dito requerimento.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II- Fundamentos de Facto:
A decisão recorrida baseou-se, conforme da mesma consta de forma expressa, nos factos
descritos no relatório, tendo-se ali como indiciariamente assente que:
- A menor MIC... tem 3 anos de idade;
- os progenitores separaram-se dia 17 de Fevereiro de 2019;
- a mãe saiu de casa e levou a filha consigo;
- trabalha como bancária no BdP;
- os pais fizeram terapia de casal durante cerca de um ano;
- o progenitor tem estado com a filha em fins-de-semana alternados e algumas vezes, durante a semana e na creche informam que tem corrido tudo bem;
- a progenitora requer que sejam realizadas perícias aos dois para avaliar as competências
parentais;
- o progenitor pretende um regime de residência alternada, vive em Telheiras e a filha
frequenta uma creche que fica a 1km da sua casa;
- está com a filha quando a mãe permite e isso tem acontecido aos fins-de-semana e por
vezes, também durante a semana;
- trabalha na Administração Pública é engenheiro na … de Lisboa;
- são ambos pais cuidadosos com a filha e empenhados no seu bem estar.

III- Fundamentos de Direito:
Como é sabido, são as conclusões que delimitam o âmbito do recurso. Por outro lado, não deve o tribunal de recurso conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.
Compulsadas as conclusões do recurso, em causa está apreciar:
- da nulidade da decisão por falta de fundamentação;
- da inadequação da residência fixada à menor MIC... no regime provisório instituído. A propósito deste último ponto nos pronunciaremos sobre o requerimento apresentado pela recorrente a fls. 51 e seguintes.
A) Da nulidade da decisão por falta de fundamentação:
Diz a apelante que a decisão recorrida é nula, nos termos do art. 615, n° 1, al. b), do C.P.C., porque não se encontra devidamente fundamentada, de facto e de direito, não obedecendo ao preceituado nos arts. 154, n°s 1 e 2, e 607 do mesmo Código. Mais refere ser inconstitucional a interpretação destes normativos no sentido de que tal fundamentação pode ser sumária e genérica.
O recorrido defende não se verificar a aludida nulidade.
Com a admissão do recurso, sustentou-se a inexistência daquela nulidade, afirmando-se que a decisão contém os fundamentos, de facto e de direito, que a justificam.
Vejamos.
As nulidades da decisão previstas no art. 615 do C.P.C. de 2013 são — à semelhança do que sucedia com as antes previstas no art. 668 do C.P.C. de 1961 — deficiências da sentença que não podem confundir-se com o erro de julgamento.
O erro de julgamento corresponde a uma desconformidade entre a decisão e o direito (substantivo ou adjetivo) aplicável. Haverá erro de julgamento, e não deficiência formal da decisão, se o tribunal decidiu num certo sentido, embora mal à luz do direito.
Há, designadamente, nulidade da sentença, quando esta Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (al. b) do n° 1 do art. 615).
A razão de ser da sanção prevista é a circunstância da motivação, quer de facto quer de direito, constituir pilar essencial da sentença ou, em geral, de uma qualquer decisão.
Como explica J. Alberto dos Reis a propósito desta mesma nulidade (embora em diverso quadro normativo para o efeito irrelevante): (...) Não basta, pois, que o juiz decida a questão posta; é indispensável que produza as razões em que se apoia o seu veredicto. A sentença, como peça jurídica, vale o que valerem os seus fundamentos. (...). E, mais adiante: (...) O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do n° 2 do art. 668°. (...). E ainda mais à frente: (...) Pelo que respeita aos fundamentos de direito, não é forçoso que o juiz cite os textos de lei que abonam o seu julgado; basta que aponte a doutrina legal ou os princípios jurídicos em que se baseou. (...) .
Antunes Varela assinala, de igual modo, que a falta de fundamentação, de facto ou de direito, que motiva a nulidade da sentença é a falta absoluta, considerando também a jurisprudência majoritária que este tipo de nulidade só se verifica em caso de omissão absoluta de fundamentos e não perante uma fundamentação deficiente.
Voltando ao caso em análise, não pode ter-se como verificada a nulidade arguida.
Como dissemos, a nulidade a que respeita a al. b) do n° 1 do art. 615 corresponde à falta absoluta de motivação, à ausência total de fundamentos de direito e/ou de facto, o que manifestamente não se verifica.
Assim, como vimos, no que respeita à fundamentação de facto afirmou-se de forma expressa, e com destaque, na decisão: Os factos que relevam para a decisão são os que constam do relatório. No aludido relatório, por sua vez, são descritos os factos acima enunciados.
Já no que respeita à motivação de direito, a decisão proferida discorre sobre a natureza das decisões provisórias no âmbito da regulação das responsabilidades parentais e, debruçando-se depois, de forma desenvolvida, sobre a questão da residência da criança, conclui: (...) a residência alternada e a proximidade dos pais com os filhos, após a separação, é mais susceptível de minimizar os efeitos negativos da separação e pode constituir um factor inibidor de que o progenitor não residente se acomode e delegue no outro progenitor a responsabilidade pela educação e acompanhamento dos filhos, mesmo que o exercício das responsabilidades parentais seja conjunto. E, através da diminuição do sentimento de perda na sequência dessa separação pode, com grande probabilidade, levar a uma diminuição da conflitualidade entre os progenitores. Não obstante, aceita-se que alguma desestabilização nas rotinas e horários será criada pela residência alternada. Sucede, porém, que essa desestabilização já resultou da separação e a mesma seria mantida pela determinação da residência apenas com um dos progenitores. Para além de que, muito mais importante que a manutenção das rotinas e horários, já prejudicados pela separação, é a manutenção da relação muito próxima com o outro progenitor, que a residência apenas com um deles vai prejudicar irremediavelmente — Ac. do TRL de 12.04.2018, Juíza Relatora Ondina Carmo Alves. Isto para dizer que, in casu, face à prova indiciariamente produzida, nomeadamente, os progenitores residem relativamente perto um do outro e actualmente o progenitor tem estado com a filha em fins-de-semana alternados e algumas vezes, durante a semana e na creche informam que tem corrido tudo bem, a creche fica perto da casa do pai, entende-se que o sistema da criança passar uma semana em casa de cada progenitor parece-nos um regime adequado não comprometendo a segurança, estabilidade e bem-estar da criança.(...).
Decorre do que se deixa dito que a decisão sob recurso, não obstante a sua natureza provisória —
logo, proferida de acordo com os elementos disponíveis e com base numa prova necessariamente indiciária — se encontra sustentada em claros e inequívocos fundamentos, de facto e de direito, que nenhuma dúvida de interpretação podem suscitar.
Não se verifica, assim, na decisão em análise, a assinalada ausência de fundamentação ou a violação do disposto no art. 154 do C.P.C. ou do art. 205 da C.R.P., como defende a apelante. O que sucede é o que esta discorda do entendimento seguido, mas tal reporta-se a um eventual erro de julgamento e não a qualquer deficiência formal da decisão respetiva.
Em suma, não se verifica a nulidade arguida.
A) Da inadequação da residência fixada à menor MIC... no regime provisório instituído:
Em causa está uma decisão provisória tomada no decurso de um processo de regulação das responsabilidades parentais requerida pela mãe, concretamente numa conferência de pais onde estes não chegaram a acordo, nos termos do art. 38 do RGPTC.
Dispõe este artigo, sob a epígrafe Falta de acordo na conferência, que: Se ambos os pais estiverem presentes ou representados na conferência, mas não chegarem a acordo que seja homologado, o juiz decide provisoriamente sobre o pedido em função dos elementos já obtidos, suspende a conferência e remete as partes para:
a) Mediação, nos termos e com os pressupostos previstos no artigo 24.º, por um período máximo de três meses; ou
b) Audição técnica especializada, nos termos previstos no artigo 23.0, por um período máximo de dois meses.
Trata-se de um poder/dever do juiz, diverso do poder discricionário estabelecido no art. 28, n° 1, do mesmo RGPTC, posto que ao juiz se impõe a prolação da decisão provisória quando, na conferência, não haja acordo que seja homologado.
As decisões provisórias e cautelares proferidas ao abrigo do art. 28 do RGPTC (anterior art. 157 da OTM), no âmbito do poder discricionário do juiz, visam, nomeadamente, responder, de forma adequada e pronta, a questões que ao tribunal competirá apreciar no final do processo respetivo. De acordo com o n° 1 deste preceito Em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o tribunal pode decidir provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final, bem como ordenar as diligências que se tornem indispensáveis para assegurar a execução efetiva da decisão.
Em qualquer caso, as decisões provisórias caducam e perdem efeito quando são revogadas, alteradas ou quando for proferida a decisão final.
Na situação em análise, estamos perante uma decisão provisória proferida em conferência de pais realizada em 25.3.2019, depois de aí ouvidos cada um dos progenitores.
Uma vez interposto recurso da mesma e já nesta instância, veio a recorrente apresentar, a fls. 51 e ss., requerimento em que relata vários desenvolvimentos entretanto ocorridos após a prolação do despacho recorrido e que considera serem relevantes para a decisão a proferir por esse Tribunal, concluindo que a residência alternada se mostra desaconselhada à filha MIC... e que está a contribuir para o aumento da conflitualidade e instabilidade psicológica da menor, afetando o seu bem-estar, pelo que deve esta ficar a residir com a mãe. Junta 16 documentos. Como bem assinala o apelado, o alegado no referido requerimento é irrelevante para a decisão do presente recurso, não cabendo a este Tribunal qualquer pronúncia sobre o mesmo.
Com efeito, o tribunal ad quem não pode conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, sendo incontroverso que, sem prejuízo destas últimas questões, os recursos visam apenas modificar as decisões impugnadas mediante o reexame das questões nelas equacionadas e não apreciar matéria nova sobre a qual o tribunal recorrido não teve ensejo de se pronunciar.
Tal constitui, de resto, importante limitação do objeto do recurso por forma a impedir que numa etapa desajustada, se coloquem questões que nem sequer puderam ser convenientemente discutidas ou apreciadas, sendo ainda certo que essa apreciação sempre equivaleria a suprimir um ou mais graus de jurisdição.
O princípio tem particular e reforçada aplicação quando respeite à matéria de facto e sejam aduzidos factos novos e posteriores à decisão impugnada, ainda não submetidos a prova em ia instância, como aqui sucede.
Ou seja, não podem nesta instância ser considerados os factos ocorridos após a decisão provisória impugnada — alegados, aliás, em requerimento autónomo depois de apresentadas as alegações — e que respeitarão, na versão da apelante, justamente à execução do regime instituído pela dita decisão.
O requerimento oferecido pela recorrente contém, deste modo, matéria que, uma vez comprovada, poderá ser considerada relevante pelo Tribunal a quo no âmbito da alteração do decidido, ao abrigo do art. 28 do RGPTC ou mesmo na sentença final do processo, mas que não deve interferir no julgamento do presente recurso.
Assim, mostra-se suficiente concluir que o alegado nela apelante no requerimento Dor si apresentado a fls. 51 e ss. não será tido em conta na apreciação do mérito do recurso.
Posto isto, constatamos que a apelante discorda apenas da decidida residência alternada da menor MIC... no regime provisório fixado.
Para o efeito, no entanto, e sem impugnar de forma válida a factualidade julgada indiciariamente assente, a apelante apoia-se no recurso em diversos outros factos que não se mostram sequer apurados, concluindo que o regime nesse tocante estabelecido é inadequado à situação da menor. Sucede que os factos considerados na decisão recorrida e acima descritos justificam, de forma suficiente, a decisão provisória sobre a residência da menor, tendo em conta os princípios gerais que devem nortear o exercício das responsabilidades parentais no caso da separação dos progenitores.
De acordo com o n° 5 do art. 1906 do C.C., ao tribunal compete determinar a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, considerando todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.
Por sua vez, e de acordo com o n° 7 do mesmo art. 1906 do C.C.: O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles. Decorre, por conseguinte, do referido art. 1906 do C.C. um claro e inequívoco favorecimento duma relação de proximidade do menor com ambos os progenitores, o que corresponde à consagração do princípio da igualdade entre estes, mas, sobretudo, ao reconhecimento da importância do relacionamento do filho com cada um deles.
Ou seja, desde que nada em particular o desaconselhe, será do superior interesse da criança conviver equilibradamente com os dois progenitores.
É sabido que o interesse do menor corresponde a um conceito jurídico indeterminado que permite uma extensão dos poderes interpretativos do juiz e lhe confere o poder de decidir em oportunidade, em função de cada caso, pois haverá tantos interesses de crianças como crianças.
O interesse de uma pessoa é o que lhe importa e convém. (..) O interesse de uma criança não é o interesse de uma outra criança e o interesse de cada criança é, ele próprio, susceptível de se modificar. (..) De um modo geral, a prossecução do interesse do menor, em caso de ruptura de vida dos
progenitores, tem sido entendida em estreita conexão com a garantia de condições sociais, morais e psicológicas, à margem da tensão e dos conflitos que eventualmente oponham os progenitores. (..) . Na situação em análise, julgou-se indiciariamente apurado, na conferência realizada em 25.3.2019, que os pais da menor MIC..., com 3 anos de idade, se separaram em ...2019 (cerca de um mês antes da dita conferência), saindo a mãe de casa e levando a menor consigo. E, ainda, que o pai tem estado com a filha em fins-de-semana alternados e algumas vezes, durante a semana, e na creche informam que tem corrido tudo bem. Também se julgou apurado que o pai, que pretende um regime de residência alternada, vive em Telheiras, frequentando a filha uma creche que fica a 11cm da sua casa. Por fim, apurou-se ainda que a requerente e o requerido são ambos pais cuidadosos e empenhados no bem-estar da menor.
Em consequência, entendeu-se na decisão recorrida: (...) face à prova indiciariamente produzida, nomeadamente, os progenitores residem relativamente perto um do outro e actualmente o progenitor tem estado com a filha em fins-de-semana alternados e algumas vezes, durante a semana e na creche informam que tem corrido tudo bem, a creche fica perto da casa do pai, entende-se que o sistema da criança passar uma semana em casa de cada progenitor parece-nos um regime adequado não comprometendo a segurança, estabilidade e bem-estar da criança.(...).
Cremos que a referida conclusão está em conformidade com a prova indiciaria recolhida, posto que as condições logísticas propiciam a decisão neste tocante, a mesma corresponde melhor ao convívio que a MIC... mantinha com cada um dos progenitores antes da separação, e não resultou, por sua vez, comprovado qualquer facto que aponte para o desacerto do estabelecimento da residência alternada da criança.
Tanto mais que a MIC... viveu sozinha com a mãe num curto período de tempo após a separação do casal (ocorrida cerca de um mês antes da data da conferência), ainda assim mantendo convívio regular com o pai, o que vale por dizer que a fixação provisória da residência alternada não aparenta trazer à rotina de vida da menor, em si mesma, alteração mais relevante que a já ditada pela própria ruptura entre os progenitores.
Em suma, não se mostra minimamente apurado que o requerido não tenha condições para cuidar da filha e/ou que esteja em perigo, com o modelo instituído, a estabilidade emocional desta, como se invoca no recurso.
Finalmente, não caberá aqui debater, em tese geral e em termos técnicos, das vantagens/inconvenientes para o desenvolvimento infantil da residência alternada dos filhos em caso de separação dos pais, afigurando-se que ao juiz caberá ponderar tal decisão, nos termos da lei, em função da disponibilidade e competência dos progenitores e das condições concretas de cada caso e de cada criança, à luz da prova produzida.
Para todos os efeitos, estamos no âmbito de um regime provisório, sujeito a cuidado acompanhamento e às alterações e ajustamentos que se mostrem necessários.
Se vier a provar-se, no decurso do processo, designadamente após a produção de outras provas, que o regime fixado não é, afinal, o adequado ao superior interesse da MIC..., será então caso de ponderar a alteração do decidido.
Tal como poderá suceder ao longo da menoridade perante uma decisão já definitiva, pois, como acima vimos, o próprio interesse da criança pode modificar-se, e uma decisão adequada numa certa fase da sua vida pode revelar-se, mais tarde, não ser a que lhe convém.
Para já, o regime provisório impugnado mostra-se conforme aos elementos disponíveis à data em que foi instituído, favorecendo idêntico convívio com ambos os progenitores.
Assim, a decisão sobre a residência não conflitua com o interesse da menor MIC... e antes o serve, dentro do caráter provisório de que se reveste, sem prejuízo da ponderação ulterior de informação mais completa e detalhada, nomeadamente de técnicos especializados.
Não pode, por isso, deixar de confirmar-se o decidido.

IV- Decisão:
Termos em que e face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em:
- não considerar, na apreciação do mérito do recurso, o alegado pela apelante no
requerimento por si apresentado a fls. 51 e seguintes deste Apenso;
- julgar improcedente a apelação, mantendo, em consequência, a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.

Lisboa, 24.9.2019
Maria da Conceição Saavedra
Cristina Coelho
Luís Filipe Pires de Sousa

Sumário do Acordão (da exclusiva responsabilidade da relatora — art. 663, n° 7, do C.P.C.)

I - A lei consagra hoje um claro e inequívoco favorecimento duma relação de proximidade do menor com ambos os progenitores, o que corresponde à consagração do princípio da igualdade entre estes, mas, sobretudo, ao reconhecimento da importância do relacionamento do filho com cada um deles;
II-Em processo de regulação das responsabilidades parentais, afigura-se ajustado fixar,
provisoriamente, que a menor, com 3 anos de idade, passará uma semana em casa de cada progenitor de forma alternada, se as condições logísticas verificadas o propiciam, se apura que os pais são ambos cuidadosos e empenhados no bem-estar da menor e não resulta comprovado qualquer facto que especialmente o desaconselhe, mostrando-se a fixação da residência alternada não trazer à rotina de vida da criança alteração mais relevante que a já ditada pela própria ruptura entre os progenitores.