1 – Quer se considere o prazo de 15 dias fixado no 188º, n°1 do CIRE para o administrador da insolvência e/ou qualquer interessado apresentarem alegações, requerendo a qualificação da insolvência como culposa, meramente ordenador ou regulador, quer se considere tal prazo como de iniciativa processual, logo perentório, estamos perante um prazo judicial, ao qual são aplicáveis as regras estabelecidas nos arts. 139° a 142° do CPC e não um prazo substantivo, de caducidade.
2 - O art. 110º, do CIRE dá ampla liberdade ao julgador para averiguar e apreciar de todos os factos pertinentes à causa.
3 - São pressupostos da qualificação da insolvência como culposa que:
O devedor — ou o seu administrador, na aceção do art. 6° do CIRE—, pratique ato que tenha criado ou agravado a situação de insolvência;
O ato seja praticado nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, relevando o disposto no art. 4° do CIRE;
Que o devedor — ou o administrador — tenha agido com dolo ou culpa grave.
4 - O legislador não exige, para o preenchimento do tipo a que alude a alínea b) do n°2 do art. 186° do CIRE, que se verifique em concreto qualquer beneficio para o administrador do devedor ou para pessoa com ele especialmente relacionada; já quanto à hipótese contemplada na afinca f) do n° 2 do art. 186°, como expressamente enunciado no preceito, exige-se que o administrador do devedor tenha feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, indicando-se, a título exemplificativo — designadamente — que assim acontecerá nos casos em que o favorecimento é de outra empresa na qual tenham interesse directo ou indirecto.
Proc. 6313/17.5T8SNT-C.L1 1ª Secção
Desembargadores: Isabel Maria da Fonseca - Maria Adelaide Domingos - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Processo n.° 6313/17.5T8SNT-C.L1
(Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste- Juízo de Comércio de Sintra)
Sumário
1. Quer se considere o prazo de 15 dias fixado no 188º, n°1 do CIRE para o administrador da insolvência e/ou qualquer interessado apresentarem alegações, requerendo a qualificação da insolvência como culposa, meramente ordenador ou regulador, quer se considere tal prazo como de iniciativa processual, logo perentório, estamos perante um prazo judicial, ao qual são aplicáveis as regras estabelecidas nos arts. 139° a 142° do CPC e não um prazo substantivo, de caducidade.
2. O art. 110 do CIRE dá ampla liberdade ao julgador para averiguar e apreciar de todos os factos pertinentes à causa.
3. São pressupostos da qualificação da insolvência como culposa que:
- O devedor — ou o seu administrador, na aceção do art. 6° do CIRE—, pratique ato que tenha criado ou agravado a situação de insolvência;
- O ato seja praticado nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, relevando o disposto no art. 4° do CIRE;
- Que o devedor — ou o administrador — tenha agido com dolo ou culpa grave.
4. O legislador não exige, para o preenchimento do tipo a que alude a alínea b) do n°2 do art. 186° do CIRE, que se verifique em concreto qualquer beneficio para• o administrador do devedor ou para pessoa com ele especialmente relacionada; já quanto à hipótese contemplada na afinca f) do n° 2 do art. 186°, como expressamente enunciado no preceito, exige-se que o administrador do devedor tenha feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, indicando-se, a título exemplificativo — designadamente — que assim acontecerá nos casos em que o favorecimento é de outra empresa na qual tenham interesse directo ou indirecto.
Acordam os Juízes da 1a secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa
I. RELATÓRIO
TTT... - SA., NIPC 506...., foi declarada
insolvente por sentença proferida em 22.05.2017, transitada em julgado.
III... - SA., requerente da insolvência, requereu a qualificação da
insolvência como culposa, com afetação dos administradores da insolvente:
AST...;
AAS...;
VMR...;
FNC...;
ART....
Alegou, em síntese, após referência às disposições legais do art.° 186.°, n.° 2, als. b) d), f), g) e h) e
3 al.s a) e b), do CIRE, que a insolvente se encontrava em situação de incumprimento generalizado e insolvência pelo menos desde 2014. Em 2013 a insolvente instaurou PER, no qual veio a ser aprovado e homologado o plano de recuperação junto aos autos, que não foi cumprido. Em 2015, por não ter exercido o direito de opção de compra, no âmbito de contrato de locação financeira, perdeu o imóvel a que o mesmo se referia. Desde 2014 até à declaração de insolvência a administração fez desaparecer todo o equipamento básico, de produção e administrativo descrito no PER. As dívidas aos seis trabalhadores que em outubro de 2013 se mantinham ao serviço da insolvente e à Segurança Social acumularam-se. As dívidas ao BBB... e CCCC... mantiveram-se. Pelo menos desde 2014 deixou de ter atividade económica. Os administradores não apresentaram a empresa à insolvência, reclamaram créditos por remunerações vencidas de constituição não demonstrada, não apresentaram as contas relativas ao exercício de 2016 nem promoveram a sua certificação legal, em termos que suscitam
dúvidas quanto à exatidão da contabilidade. Participaram ainda na constituição da sociedade MT..., Lda., que foi constituída para albergar ou acomodar créditos fictícios, a fim de condicionar o destino da insolvente e da cooperativa TTT..., e dificultar o pagamento aos verdadeiros credores.
Foi declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência como culposa.
O CCCC... S.A., apresentou requerimento no qual declarou subscrever na íntegra o conteúdo do requerimento apresentado por III....
A Administradora da Insolvência apresentou parecer, no qual referiu, em síntese, o incumprimento das obrigações assumidas no PER a partir do final de 2014, a degradação do património da insolvente desde então até à declaração de insolvência, nomeadamente a perda do imóvel objeto de locação financeira, o desaparecimento dos bens móveis referidos no PER, a inatividade da insolvente, a prejudicialidade e desconformidade do contrato de arrendamento celebrado com a sociedade MT..., a insuficiência dos esclarecimentos prestados pelos administradores, a não apresentação à insolvência no prazo legal e a falta de certificação e de aprovação das contas do exercício de 2016. Concluindo pelo preenchimento da previsão do art.° 186.°, n.° 2, als. b) d) g) e h) relativamente a todos os administradores, a ainda 186.°, n.° 3, als, a) e b).
O Ministério Público acompanhou o parecer da Administradora da Insolvência
Foi notificada a insolvente e citados os propostos abrangidos pela qualificação da insolvência como culposa.
Os Requeridos deduziram oposição, na qual, no essencial, impugnaram a factualidade alegada, pugnando a final pela qualificação da insolvência como fortuita.
A requerente III... S.A. e a Massa Insolvente responderam às oposições, reiterando as posições assumidas.
Foi proferido despacho saneador com enumeração dos temas da prova.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento após o que, em 29-04-2019 proferiu-se sentença que concluiu como segue:
Pelo exposto, nos termos do disposto no art.° 189.° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, decide-se:
a) Qualificar como culposa a insolvência de TTT... - SA., NIPC 506....;
b) Declarar afectados pela qualificação:
- AST..., residente na E…;
- AAS..., residente na R….
c) Declarar AST... e AAS... inibidos, pelo período de oito anos, para a administração de patrimónios de terceiros, exercício do comércio, e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa;
d) Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelos referidos AST... e AAS...;
d) Condenar, solidariamente, AST... e AAS... a indemnizar os credores de TTT... - SA em montante correspondente ao valor do passivo da insolvência (capital e juros ainda que incidentes sobre créditos anteriores), constituído a partir de 01.07.2015, deduzido do montante satisfeito pela liquidação da massa insolvente, com o limite das forças dos respectivos patrimónios, a liquidar em incidente de liquidação de sentença.
e) Absolver do pedido os requeridos VMR..., FNC..., e ART....
Custas do incidente a suportar pelos afectados pela qualificação - art.° 303.° do CIRE. Registe e notifique.
Remeta certidão à Conservatória do Registo Civil competente, nos termos e para os efeitos previstos no art.° 189.° n.° 3 do CIRE e art.° 1.°, n.° 1 al. n) do Código de Registo Civil.
Não se conformando, AST... e AAS... apelaram, formulando as seguintes conclusões:
1.0 oly-ecto do litígio nos presentes autos é o de indagar acerca da existincia de motivos de relevo para a qualificaçilo da insolvência como dolosa e, em caso afirmativo, a concreta identificação dos respectivos visados.
2. E, os temas da prova os seguintes:
-Apurar a culpa dos titulares dos deãos de administração da insolvente, no que respeita à não apresentação da
mesma à insolvência;
-Indagar acerca do nexo de causalidade entre a omissão de apresentação à insolvência e a criação ou agravamento
da própria situação de insolvência;
-Do desaparecimento de activos da insolvente;
-Da concretização de tais activos e da relevância dos mesmos na insolvência;
-Da falta de certificação das contas da insolvente relativas ao exercício de 2016;
-Do apuramento da alegada actuação concertada dos titulares dos (nãos de administração da insolvente na criação do passivo;
-Indagar acerca do nexo causal entre a criação do referido passivo ou o agravamento da própria situação de insolvência;
-Dos termos que presidiras às negociações com a MT...;
-Indagar acerca do nexo causal entre tais negociações e a criação ou o agravamento da própria situação de
insolvência;
3. Após realização da audiência de discussão e julígamento, em sede de decisão sobre a matéria de facto, resultaram provados os factos constantes dos itens 1 a 82 da douta sentença recorrida, e como não provados os descritos nas alíneas a) a s) do mesmo douto aresto.
4. Em subsunção da factualidade dada como provada ao direito aplicável, foi decidido na douta sentença recorrida com base nas hipóteses normativas consignadas nas alíneas b), d), f) e g) do n° 2 do art.186 do CIRE e, ainda do n° 3 a) do mesmo preceito legal:
- Qualificar como culposa a insolvência;
-Declarar afectados pela qualificação o Recorrente e AAS...;
-Declarar o Recorrente e AAS... inibidos pelo período de oito anos, para a administração de patrimónios de terceiros, exercício do comércio, e para a ruroakiiso de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa;
-Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente delidos pelo Recorrente e por AAS...;
-Condenar solidariamente o Recorrente e AAS... a indemnizar os credores da insolvente em montante correspondente ao valor do passivo da insolvência (capital e juros ainda que incidentes sobre créditos anteriores), constituídos a partir de 01 / 07 / 2015, deduzindo o montante sat4feito pela liquidação da massa insolvente, com o limite das fbrças dos respectivos patrimónios, a liquidar em incidente de liquidação de sentença;
DA CADUCIDADE DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE ACÇÃO
5. Em matéria de tramitação do incidente pleno de qualificação de insolvência dispõe o art. 188° n° 1 do CIRE que; 'Até 15 dias após a realização da assembleia de apreciação do relatório, o administrador de insolvência ou qualquer interessado, pode alegar fundamentadamente por estrito, em requerimento autuado por apenso, o que tiver por conveniente para efeito da qualificação da insolvência como culposa e indicar as pessoas que devem ser afectadas por tal qualificação, cabendo ao juiz conhecer dos factos e, se o considerar oportuno, declarar aberto o incidente de qualificação da insolvência nos 10 dias subsequentes.
6. Concedendo na qualidade de interessado do credor requerente da insolvência e do presente incidente de qualOcação e, da sua objectiva legitimidade processual para o efeito, cumprirá referir porém que, o prazo de 15 dias para apresentação de alegações, contado a partir do dia imediatamente seguinte ao da realização da assembleia de apreciação do relatório previsto no art.1 56° do CIRE é um prazo de natureza substantiva, daí que o não exercido atempado do respectivo direito de acção dentro desse prazo, faz precludir o direito que por essa via se pretende exercer.
7.Subsumindo o disposto no art 188° n°1 do CIRE ao caso dos autos, ressalta que, a assembleia de apreciação do relatório do Administrador de Insolvência teve lugar no dia 14 de Agosto de 2107 e o requerimento do credor requerente a suscitar a abertura do incidente de quagcação de insolvência foi presente orjulto no dia 30 de Agosto do mesmo ano.
8.Quer isto dizer que o direito de acção que a Requerente III... pretende exercer por via destes autos se mostra extinto por caducidade, em razão do seu não exercício tempestivo, pois que, o prazo para o efeito; contado da data da assembleia de apreciação do relatório do Administrador de Insolvência terminaria no dia 29 de Agosto, e não no dia 30 do mesmo mês, pelo que se verifica a caducidade do direito de acção por parte da recorrida.
9. Como dispõe o art .328° do CC o prazo de caducidade não se suspende, a não ser os casos em que a lei o determine -hipótese ultima não verificada no caso vertente, sendo que, sempre que a lei faz coincidir, como é o caso, o termo do prazo para a efectivação de qualquer direito com a proposição da respectiva acção, esse prazo é de caducidade, sendo que, mesmo que esse prazo fosse considerado processual, no que não se concede, sempre o requerimento de incidente seria intempestivo, na medida em que não se mostra liquidada a multa a que alude o art. 139° n° 5 do CPC, o que nos termos do art.195° n° 1 do CPC determina a nulidade de todo processado.
10. Estatui o art.329° do CC que o prazo de caducidade começa a correr no momento em que o correspondente direito puder ser legalmente exercido.
DA NULIDADE DA SENTENÇA
11. A douta sentença recorrida é nula nos termos do disposto no art.615° n° 1 d), in fine do CPC.
12. Dispõe este preceito legal que, a sentença é nula quando ojuk deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
13. Com a arguição de nulidade assim suscitada o Recorrente não pretende desconsiderar ou fazer tábua rasa do princípio do inquisitório consagrado no art.11° do CIRE, nos termos do qual no processo de insolvência, embargos e incidente de qualificação de insolvência, a decisão do juiz pode ser fundada em factos que não tenham sido alegados pelas partes.
14.0 principio do inquisitório contrapõe -se ao principio do dispositivo, tendo ambos como objectivo determinar, o que é que deve ser trazido ao processo pelas partes e aquilo que o jukpode conhecer oficiosamente, mesmo que as partes não tenham introduzido na acção.
15. No âmbito do princípio do inquisitório o tribunal não fica limitado aquilo que é alegado pelas partes, o que significa que o juiz tem mais liberdade na orientação das diligências probatórias, podendo formar a sua convicção em relação a qualquer facto que possa ser relevante para a decisão.
16. Todavia tal poder funcional do juiz tem limites e fronteiras próprias, sob pena de se cair na arbitrariedade decisória, pelo que os factos de que o tribunal pode tomar conhecimento além dos alegados pelas partes, têm de ser relevantes e relacionados com o objecto do litigio e, os temas da prova.
17. Em sede de motivação da decisão sobre a matéria de facto, o Mma Juiza quo, refere a fls, da douta sentença recorrida que, a mesma resultou da análise crítica da prova, conjugando os documentos constantes dos presentes autos e apensos, as declamações de parte dos Requeridos e a prova testemunhal produzida em julgamento, mas assim efectivamente assim não o foi, porquanto, o Mmo Juiz a quo violando claramente os limites do principio do inquisitório, e, em ordem à fundamentação da respectiva decisão, veio a conhecer de factos e documentos que, em nada relevam para o objecto do litígio e extravasam manifestamente o âmbito dos temas da prova.
18. Trazendo aos autos elementos probatórios e neles se suportando, os quais apenas relevam no âmbito do incidente de qualificai:tio da Cooperativa TTT..., CRL, pessoa jurídica distinta da aqui insolvente, sendo certo que, a produção de prova nesse incidente de qualificação, a correr termos sob o n° 8732 /15 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste/ Juízo de Comércio de Sintra 15 ainda nem sequer teve o seu inicio.
19. O que releva nestes autos no que tange ao relacionamento comercial estabelecido entre a insolvente e a sociedade MT..., LDA, são unicamente os contratos celebrados entre cz primeira e a segunda e, a interpretação probatória que deles subjectivanente se pode extrair e, no que a esta matéria importa os únicos contratos celebrados entre estas duas partes, foram estritamente um contrato de arrendamento comercial, um contrato de trespasse e, um acordo de ~sacão desse contrato.
20. O que releva neste incidente é a questão de saber se o Recorrente e os demais requeridos, enquanto administradores da insolvente, actuaram em conluio de interesses com os sócios da MT..., no sentido de prejudicar terceiros e, máxime, a própria insolvente e o universo de credores desta, pelo que os factos vertidos sob os n'os 37, 38, 39, 43, 44, 45, 76 e 77 do elenco dos factos provados, devem dele ser desconsiderados e retirados, por não relevarem para o objecto do litígio e, extravasarem os temas da prova.
21. Daqui decorre a nulidade da douta sentença recorrida por excesso de pronúncia, na justa medida em o Mmo Juiza quo na fundamentação daquele douto aresto veio a conhecer de questões e factos de que não podia tomar conhecimento
22. Quer isto dizer que o Mmo Juiz a quo não podia ter ancorado a sua decisão, como ancorou, na existência e interpretação de factos estranhos ao objecto dos temas da prova, pelo que ao fazê-lo não apenas extravasou a matéria de facto alegada pelas partes, como emitiu pronúncia e conheceu e julgou de facto sobre quesiieá- de que não poderia tomar conhecimento, donde resulta a nulidade da douta sentença recorrida nos termos consignados na ultima parte da alínea d) do art.615. n° 1 do CPC.
DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
23. A douta sentença recorrida padece de correcta analise critica e valoração da prova, caindo em erro de julgamento, ratão porque, se impõe a sua modificação, no sentido de serem dados como não provados os factos constantes dos n°s 25, 29, 30, 31, 36, 39, 43, 44, 45, 71, 76 e 77 do elenco dos factos provados e bem assim, julgados como provados os factos enunciados na alínea p) do elenco dos factos não provados.
DOS FACTOS PROVADOS
-DO ITEM 25
24. Resulta provado do n° 25 do elenco dos factos provados que 'A Insolvente deixou de exercer actividade económica pelo menos a partir de 01 /10 / 2015.
25. Este facto deverá ser julgado como não provado, ou quando muito modificada a sua resposta, no sentido de ser dado como provado que a insolvente deixou de exercer a sua actividade económica a partir de 01 /01 /2016.
26. Da análise conjugada da IES de 2015, a fls 207 verso, resulta que a insolvente durante todo o ano de 2015 declarou um volume de vendas de 377.974,18C e dos documentos de flr 317 a 319, resulta da venda por trespasse do seu imobilizado o valor de 345.250,77€.
-DO ITEM 29
27. Resulta provado do n° 29 do elenco dos factos provados que 'Após a declaração de insolvência os administradores da insolvente, interpelados pela A.I sobre a e.vistérícia de bens móveis, nomeadamente material de escritório, e equipamento informático, empilhadores, porta paletes e monta cargas, referiram que a insolvente não possuía quaisquer bens móveis.
28. Este facto, conjuntamente com os elencados nos itens 30 e 31 deverão ser dados como não provados.
29. Resulta das declaroídes de parte de AAS... e AST..., que estes confirmaram todas as reuniões mantidas com a Administradora de Insolvência e, que em nenhum momento obstaram à tomada de posse do imóvel e, a tudo isto acresce que efedáramente a insolvente dispunha de bens imóveis no seu acervo patrimonial, que a AI. apreendeu no apenso I (apreensão de bens) e procedeu à respectiva venda em leilão, como resulta do correspondente apenso de liquidação.
DO ITEM 30
30. Resulta provado do item 30 do elenco dos factos provados que, E questionados sobre o destino dos bens referidos no plano de revitalkação não responderam, adiando a explicação para mais tarde, o que nunca aconteceu.
31. Valem para este facto por razões de economia processual, as considerações tecidas e os depoimentos referidos,
quanto à impugnação do antecedente item 29.
DO ITEM 31
32. Resulta do item 31 do elenco dos factos provados que, 'No dia 31 / 07 / 2017, os administradores da insolvente entregaram à Administradora de Insolvência cópia de um documento denominado de contrato de arrendamento comercial de duração limitada, datado de 01 / 07 / 2015, celebrado entre a insolvente e a MT..., Lda, tendo aquele por objecto o imóvel sito em Sacotes, o que impediu a tomada de posse do mesmo agendada pela A.I. para aquela data.
33. Valem para este facto as considerações tecidas e os depoimentos referidos , quanto á impugnação do antecedente
item 29.
DO ITEM 36
34. Resulta do item 36 do elenco dos factos provados que, A MT... foi constituída com o propósito de acomodar créditos sobre a TTT... e sobre a TTT..., Crl, a fim de condicionar os destinos destas sociedades e dificultar o pagamento aos credores com recurso a poder de voto relevante e direito de retenção.
35. Manifestamente este facto deverá ser julgado como não provado, por não existirem nos autos concretos elementos probatórios atinentes a tal prova.
36. Quanto a este facto, estriba-se o Mmo Juiz a quo em sede de fundamentação na análise dos contratos provados nos autos dos quais retira a conclusão que através dos mesmos se procurou transferir todo o activo da insolvente e da TTT..., Crl para o domínio da sociedade MT....
37. Tal conclusão a ser válida, no que não se concede, em termos de prova documental, apenas poderia ser eximida dos contratos celebrados entre a insolvente e a MT..., Ida, concretamente do contrato de arrendamento comercial de duração limitada relativa ao prédio de Sacotes (único prédio propriedade da insolvente ), do contrato de trespasse e acordo de mitigação do mesmo celebrado entre as mesmas partes e desses contratos não se retira tal prova.
38 O contrato de arrendamento nem sequer teve inicio de execução.
39. Quando a Exma. Administradora de Insolvência declarou esse contrato resolvido a favor da Massa Insolvente, a sociedade MT... não impugnou judicialmente essa resolução, nem lançou mão do direita de retenção constituído convencionalmente a seu favor pela contra parte e, veio a desistir da 'relaxação de créditos apresentada no âmbito desta insolvência.
40. Do contrato de trespasse e subsequente acordo de revogação do mesmo também não se extrai tal factualidade.
41. O que se extrai desse dois documentos, em síntese, é que a insolvente vendeu o seu imobilizado por trespasse à MT... pelo preço de 377.974,18€ e, que em razão das partes posteriormente terem acordado revogar por mútuo consenso esse contrato, a MT... restituiu á insolvente todo o imobilizado adquirido, com excepção daquele que vendeu no seu estabelecimento a terceiros e cujo preço de 32.250,77€ entregou à insolvente.
42. Acresce ainda que os depoimentos de AAS..., AST... e VSM... não são aptos à confirmação da fadualidade elencada neste item..
43. A matéria atinente à cessão de créditos das rendas pagas pela Sociedade CP... à TTT..., Crl, também não pode relevar neste incidente, mas eventualmente a ser apreciada no incidente de qualificação da TTT…, Crl, por não se tratar de matéria que diga respeito à insolvente.
DO ITEM 39
44. Resulta do item 39 do elenco dos factos provados que, VSM… não têm formação na área da gestão de projectos imobiliários.
45. Este facto porque estranho ao objecto do litígio e aos temas da prova deverá ser desconsiderado e retirado do
elenco dos jactos provados.
DO ITEM 43
46. Resulta do item 43 do elenco dos factos provados que O denominado contrato de arrendamento comercial de duração limitada, datado de 01 / 07 / 2015, celebrado entre a insolvente e a sociedade MT... ,Lda, obedece ao modelo adoptado nos contratos com a mesma denominação, celebrados entre a TTT..., Crl e a mesma sociedade.
47. Este facto porque estranho ao objecto do litígio e aos temas de prova deverá ser desconsiderado e retirado do
elenco dos factos provados.
DO ITEM 44
48. Resulta do item 44 do elenco dos factos provados que, 'Num desses contratos foi clausulada a atribuição à MT... do direito de utilizar o espaço arrendado para o exercício de actividade comercial de comércio por grosso, importação, exportação, distribuição, representação, agenciamento comercial de produtos de consumo nos ramos alimentar e não alimentar, prestação de serviços conexos e afins, por um período de 15 anos, contra uma renda mensal de 1.000,00€ e anual de 12.000,00€, com período de carência de rendas de 24 meses, de Julho de 2015 a Julho de 2017, como contrapartida de obras de remodelação a fazer':
49. Este facto porque exógeno ao objecto do litígio e aos temas da prova, deverá ser desconsiderado e retirado do
elenco dos factos provados.
DO ITEM 45
50. Resulta do item 45 do elenco dos factos provados que, 'Nesse contrato, também denominado de contrato de arrendamento comercial de duração limitada outorgado entre a TTT..., Crl e a MT..., estipula-se na cláusula oitava, além do mais o seguinte:
3. Caso a primeira outorgante (TTT..., Crl) denuncie antecipadamente o presente contrato antes do termo do prazo inicial de 15 anos, fica por esse facto constituída na obrigação de indemnkar a segunda outorgante (MT... ) pelo montante de 3.000.000,00€, caso a denuncia ocorra nos primeiros cinco anos, redigida a 2.000.000€, caso esta ocorra entre o sexto e o décimo ano e, a 1.000.000,00€ caso tenha lugar entre o décimo primeiro e o d étimo quinto ano.
4.Em caso de verificação da hipótese enunciada no n° 3 desta cláusula, a primeira outorgante reconhece expressamente à segunda outorgante o direito de retenção sobre o prédio dado em arrendamento, até integral pagamento da indemnização que se mostrar devida.
51 A factualidade contida neste item deverá ser desconsiderada e retirada do elenco dos factos provados pelas rigrre.ijá aduzidas quanto aos itens 39, 43 e 44.
DO ITEM 71
52. Resulta provado do item 71 do elenco do factos provados que 'Por documento de 01 / 08 / 2015, subscrito por AST..., AAS..., ART..., VMR... e MFZ..., TTT… , Crl, declarou ceder a MT..., lda, a título de contrapartida dos serviços a prestar por esta até 2020, com o valor global de 1.225.000,00€, os 471,r/ilos que detém sobre a sociedade CP...,L,da, emergentes das rendas devidas pela referida sociedade até 2020.
53. A factualidade contida neste item, consubstancia matéria sob análise no incidente de qualificação da TTT..., Crl, que não da insolvente, tradigindo matéria de facto que extravasa o objecto do litígio e os temas de prova, tratando-se de contratos celebrados entre terceiro e a MT..., nos quais a insolvente não foi parte, pelo que tal matéria deverá ser desconsiderada e retirada do elenco dos factos provados.
DO ITEM 76
54. Resulta do item 76 do elenco dos factos provados que, A dissolução e encerramento da liquidação da sociedade MT..., Lda, foi inscrita no registo comercial pela AP … / 2018
55. Este facto atinente exclusivamente à sociedade MT... e, sem nenhum nexo causal com os contratos por esta sociedade celebrados, porque extravasa manifestamente o objecto do litroio e os temas da prova, deverá ser desconsiderado e retirado do elenco dos factos provados.
DO ITEM 77
56. Resulta do item 77 do elenco dos factos provados que, Na acta da assembleia g eral da sociedade MT... , Lda, realizada em 24/ 09 / 2018, foi proposta a dissolução da sociedade em virtude de o seu objecto ter sido integralmente cumprido, o que foi aprovado por unanimidade, consignando-se ainda a inexistência de activo e passivo.
57. Este facto deverá ser desconsiderado e retirado do elenco dos factos provados, pelas razões já aduzidas
quanto ao antecedente item 76.
DOS FACTOS NÃO PROVADOS
DA ALINEA P)
58 Resulta não provado deste item que, 'AST... e AAA... avaliaram
dividas da insolvente e da cooperativa em valor superior a um milhão de euros.
59. Este facto deverá ser julgado como provado porquanto resulta dos processos Os 4095 /1 5.4T80ER e 3861 /1 5.5T80ER que AST... e AAA... avaliaram dividas da insolvente e da cooperativa de valor superior a um milhão de euros, concretamente em 1.344.026,30e.
DA DECISÃO DE DIREITO
60. Nos termos do art.186 n° 1 do CIRE a insolvência é considerada culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência de actuação dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao inicio do processo de insolvência, sendo que os números 2 e 3 do mesmo preceito legal tipificam-seas condutas susceptíveis de serem enquadradas no conceito de insolvência culposa.
61. De acordo com a douta sentença recorrida os factos e condutas imputadas ao Recorrente e a AAS... subsumem-se na previsão normativa das alíneas b), d, g) e h) do n° 2 do citado art.186°, e, bem assim, na previsão normativa do n°3 a) do referido preceito legal
62. Para que a insolvência seja qualificada como culposa importa a verficação cumulativa de três requisitos:
-O facto (uma acção ou omissão).
-A czelpa qualificada do autor (dolo ou culpa grave).
-O nexo causal entre o facto e o agravamento da situaçãO de insolvência.
63. Dos factos alegados pela Requerente deste incidente, com relevo para eventual qualificação da insolvência como culposa, resultaram não provados os seguintes:
a) O contrato de locação financeira imobiliária n° 450001755 atingiu o seu termo no dia 25 / 03 / 2015.
b) A quantia de 207.110,10€ corresponde ao valor em dívida em 25/ 03 / 2015 , de capital e juros.
c) A insolvente não exerceu qualquer actividade económica desde finais de 2014 até 01 /10/ 2015.
d) Todos os créditos laborais reclamados nos autos venceram-se pelo menos em 2013, permanecendo por liquidar desde então até à instauração da presente acção de insolvência.
e) O crédito reclamado pelo CCCC... no PER totalizou 220.936,89€.
g) Os créditos reclamados pelos membros do Conselho de Administração da Insolvente decorrentes de alegados
contratos de mútuo não têm qualquer suporte em reais fluxos financeiros nem estão reflectidos na contabilidade.
64. Da ausência de prova dos factos elencados sob as alíneas a), b) e e) supra, resulta a falta de demonstração dos
termos em que a Insolvente inewmpriu com o CCCC..., ou mesmo se incumpriu o núcleo das suas obrigações contratuais com aquele Banco e, nem resulta provado por referência ao PER que as dívidas aquele Banco aumentaram, ou que o não exercício da opção de compra no contrato de locação financeira imobiliária tenha sido causada pelos administradores da insolvente (falta aqui a prova do nexo causal)
65. Ónus da prova que competia à Requerente do incidente e, que esta não logrou provar.
66. Contra o alegado pela Recorrida, não resulta demonstrado que a insolvente não haja exercido qualquer actividade económica durante os anos de 2014 e 2015, pelo contrário , as correspondentes declarações de IES, demonstram precisamente o inverso, daí tal facto ter sido jugado como não provado nos termos da alínea c) supra, assim não resultando demonstrada, nem provada a inactividade da empresa nesse período temporal.
67. A Recorrida alegou também no seu requerimento de abertura de incidente que todos os créditos laborais venceram-se pelo menos em 2013 e, não foram pagos, fadualidade que também não logrou provar, como resulta da resposta negativa vertida na alínea d) supra.
68. No que toca à alegada criação de uma contabilidade fictícia ou paralela, a Recorrida também não conseguiu provar que os créditos reclamados pelos membros do conselho de administração da insolvente decorrentes de contratos de mútuo não estejam refletidos na contabilidade, ou não reflitam reais fluxos financeiros.
69. Também não resultou provado, contra o alegado pela recorrida no seu requerimento inicial que a administração da insolvente haja feito desaparecer todo o equipamento básico, administrativo ou de produção descrito no PER , ou quaisquer viaturas.
70. Pese embora resulte provado do n° 2 do elenco dos factos assentes que o passivo da Segurança Social no PER ascendia a 34.721,76€ e, no processo de insolvência ter sido reclamado por aquela instituição um crédito de 43.538,49€, esse aumento de passivo quanto a este credor decorreu apenas de encargos de juros de quatro anos.
71. Quanto ao contrato de arrendamento comercial de duração limitada celebrado entre a insolvente e a sociedade MT..., Lda, independentemente do seu teor, é facto objectivo, que o mesmo nunca teve inicio de execução e que a referida sociedade locatária não chegou a tomar posse do mesmo.
72. Tal factualidade extrai-se de resto da resposta ao n° 41 do elenco dos factos provados, da qual resulta que era a sociedade FEC..., Lda, quem vinha utilkando o imóvel para armazenamento de fruta, por cedência da insolvente.
73. Quanto ao facto dado como provado sob o n° 34 do elenco dos factos provados, a reclamação de créditos apresentada pela sociedade MT..., Lda, pelo valor de 2.800.000,00€, no âmbito do processo de insolvência, terminou por não ter qualquer influência no passivo da insolvente, na medida em que esta sociedade veio a desistir dessa mesma reclamação, como se colhe do respectivo apenso de reclamação de créditos.
74. Também a factualidade julgada provada sob o n° 46, não traduziu em termos práticos qualquer agravamento do passivo da insolvente, pois que a Exma. Administradora de Insolvência não reconheceu estes créditos e, o Recorrente não dedrkiu qualquer impugnação contra essa decisão de não reconhecimento e, o co -administrador AAS…, embora tenha impugnado a decisão de não reconhecimento, veio, nessa parte, posteriormente a desistir da impugnação oferecida.
75. Por confronto entre o passivo da devedora ao tempo do PER de 2013, com o actual passivo efectivo da insolvente, verffica-se que esse passivo diminuiu.
76. Da celebração dos contratos de arrendamento com a sociedade MT... não decorre o preenchimento da factualidade contida na previsão normativa das alíneas b) e j) do n° 2 do 01.186° do CIRE.
77. Em primeiro lugar, o único contrato de arrendamento que temos de analisar à In daqueles preceitos legais é apenas aquele que foi celebrado entre a insolvente e a sociedade MT..., L.da.
78. Porquanto, os demais contratos de arrendamento celebrados entre a TTT..., Crl, e a referida MT... não relevam no âmbito deste incidente, são estranhos ao objecto do litígio e extravasam manifestamente os temas da prova. (terão a seu tempo a sua tramitação propria no âmbito do incidente de qualificação da Luta, CRL)
79. A celebração desses contratos na esfera da TTT…, Crl, pessoa jurídica distinta da insolvente, seguramente não criaram ou agravaram artificialmente o passivo da insolvente, ou lhe causaram prejuízo.
80. E, o contrato de arrendamento celebrado entre a insolvente e a sociedade MT... traduziu uma realidade meramente formal, independentemente do seu clausulado contratual, pois que nunca teve inicio de execução, na medida em que, essa nunca dispôs, nem teve a posse do prédio dado de arrendamento e, nunca exerceu, ou invocou qualquer direito de retenção sobre o mesmo.
81. Quando o contrato foi resolvido em benefício da massa insolvente, a referida sociedade não se opôs por qualquer meio à resolução ou, a impugnou judicialmente, e sem embargo de ter impugnado judicialmente o não reconhecimento do crédito por si reclamado na insolvência, veio a desistir dessa impugnação.
82. A sociedade MT..., não é, nem nunca foi, em nenhum momento, pessoa especialmente relacionada com a insolvente, nos termos definidos no art.49° do CIRE.
83. A celebração deste contrato de arrendamento que, nenhuma exetwção teve, não contribuiu para a criação de qualquer passivo, artificial ou não na esfera da devedora, não contribuiu para a criação ou agravamento da situação de insolvência, não se reflectiu na estrutura do passivo da devedora, nem consubstanciou qual acto de diiposifão material a favor e, em proveito desta sociedade, ou dos administradores da insolvente.
84. Deste contrato não resultou qual pojiprzo para a insolvente, nem qualquer benefício para os seus administradores ou para a sociedade MT..., sendo que à data da sua celebração -01 / 07 / 2015, não resulta demonstrado que a insolvente estivesse em situação de incumprimento generalkado com os seus credores.
85. O contrato de trespasse e acordo de revogação do mesmo, celebrados entre a insolvente e a sociedade MT... ,L.da, não configuram objectivamente actos de criação artificial de passivos ou prejuízos na esfera da insolvente, nem negócios ruinosos visto que, o valor de venda, superior a 300.000,00e do imobilkado e das existências da insolvente, e estando no essencial todos esses bens já amortizados na esfera da insolvente, o preço de venda dos mesmos foi muitíssimo superior ao valor de mercado dos mesmos. (meramente residual)
86. Não obstante grande parte desses bens por acordo terem sido restituídos à esfera da insolvente e vendidos no apenso de leilão desta, aqueles outros que a sociedade MT... vendeu no seu estabelecimento, o preço dos mesmos foi integralmente entregue à insolvente, pelo que estes actos materiais subjacentes ao contrato de trespasse ou sua revogação, nenhum prejuízo criaram na esfera da insolvente, nem contribuí um para a criação de qualquer passivo artificial nesta, ou para a criação ou agravamento da situação de insolvência.
87. Os factos apontados ao Recorrente e a AAS..., não são subsumíveis nas previsões normativas das alíneas b) e .,f) do n° 2 do art.186° do CIRE.
88. Quanto à previsão normativa tipificada na alínea d) do mesmo preceito legal, também não se afigura que a factualidade apontada ao Recorrente e a AAS..., seja subsumível nessa previsão.
89. Pois que nem o Recorrente, nem AAS... dispuseram do dos bens da insolvente em proveito pessoal ou de terceiro, nem essa factualidade apesar de alegada se mostra demonstrada, e nessa parte a própria sentença recorrida aponta para a total ausência de prova dessa invocada factualidade.
90. Quanto à hipótese normativa consignada na alínea g) do n° 2 do art. 186° do CIRE, a conduta nesta parte imputada ao Recorrente e a AAS..., também não é subsumível nessa previsão, pois que nenhum facto está provado nos autos que aponte nesse sentido, e designadamente que, os administradores da insolvente hajam prosseguido, no seu interesse próprio ou de terceiros uma exploração deficitária, não obstante saberem ou deverem saber que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência.
91. Quanto à previsão normativa constante da alínea a) do n° 3 do art.186 do CIRE, não resulta demonstrado a verificação de qualquer nexo causal entre o alegado incumprimento do dever de apresentação à insolvência e o agravamento ou a criação de eventual situação de insolvência.
92. Não se verifica em nenhuma das situações de facto imputadas ao Recorrente e a AAS... a exisancia de um nexo causal entre as respectivas condutas, seja por acção, scla por omissão e, o agravamento ou a criação de uma situação de insolvência.
93. A douta sentença recorrida enferma de nulidade nos termos do disposto nos artigos 195° n° 1 e 615° n° 1 d), do CPC.
94. A douta sentença recorrida interpreta erradamente no que ao caso vertente importa, por não subsumível, as d/:posições normativas contidas no art. 186 n°s, 1, 2 b), d), g) e h) e n° 3 a) do CIRE.
95. Viola também as disposições normativos contidas no artigos . 188° n° 1 do CIRE, .3° n°s 1 e 3 e 260° do CPC, 328, 329 e 342 n° 1 do CC, e bem assim o art.20°da CRP.
Termos em que deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por douto aufrelão que julgue o presente incidente de qualdicaçtio de insolvência como fortuito na esfera do Recorrente, com as legais consequências, assim se fazendo, JUSTIÇA.
Foram apresentadas contra alegações de recurso pela massa insolvente de TTT...- SA, conforme fls. 613 a 620 e pela III... — SA, conforme fls. 623 a 651.
Cumpre apreciar.
II. FUNDAMENTOS DE FACTO
O tribunal de primeira instância deu por provada a seguinte factualidade:
Do requerimento inicial e do parecer da
1. A insolvência da TTT... - , S.A., foi requerida pelo credor III...- em Março de 2017.
2. O objecto social da insolvente consiste no comércio por grosso de produtos de consumo, distribuição e prestação de serviços conexos e afins.
3. Tem o capital social de 2.100.000,00€, o qual é detido em 99,9/prct. pela Cooperativa TTT... crl
4. A acionista majoritária da insolvente, a TTT... CRL, foi declarada insolvente no âmbito do Proc.8732/15.2T8LSB, que corre termos neste Juízo de Comércio, por sentença que transitou em julgado em 02.08.2016.
5. A insolvente, TTT... SA, instaurou, em 2013, o Processo Especial de Revitalização que correu termos sob o n. 1999/13.2TYLSB pelo extinto 3° Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, no qual foi aprovado plano de revitalização, homologado por sentença proferida em 07.05.2014, confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 25.11.2014.
6. No plano de especial de revitalização referido, a fls. 13 do mesmo, a insolvente declarou
possuir os seguintes bens:
«Equipamento Administrativo
Composto essencialmente por mobiliário, material de escritório e equipamento informático
(harware e software);
Equipamento Básico
Composto por diversas ferramentas e utensílios bem como pequenas máquinas e equipamentos
diversos, necessários ao desenvolvimento da sua actividade, entre as quais se destacam diversas
câmaras de frio, estantes e prateleiras, balanças e vitrinas (revelam-se de extrema importância no
desenvolvimento de actividade da TTT... SA.)
Equipamento de Transporte Composto das seguintes viaturas:
Matrícula Ano de Aquisição Valor de Compra
56-45-SC 2004 3.964,21€
73-56-QG 2005 1.000,00€
73-33-QG 2005 1.000,00€
A empresa dispõe ainda para o exercício da sua actividade de diversos empilhadores, porta-paletes e monta-cargas.»
7. AAG..., no Per, em 2013, reclamou um crédito laboral no montante de €5.996,07, cujo valor coincide com o valor reclamado nos presentes autos de insolvência;
8. AIA..., no Per, reclamou o montante de € 8.869,94€ e nos autos de insolvência €7.159,24;
9. AMSA…, no Per, reclamou um crédito laboral no montante de € 15.918,41 e, nos autos de insolvência, um crédito laboral no valor de € 12.948,41;
10. AMVL…, no Per, reclamou um crédito laboral no montante de € 28.176,47, do qual lhe foi reconhecido € 28.009,39 e, nos autos de insolvência, reclamou crédito laboral no valor de € 28.176,47;
11. ÂMC…, no Per, reclamou um crédito laboral no montante de € 18.804,38, do qual lhe foi reconhecido € 12.982,38 e, nos autos de insolvência reclamou crédito laboral no valor de € 6.895,60;
12. CPZ…, no Per, reclamou crédito laboral o montante de € 20.863,68 e, nos autos de insolvência, crédito laboral no valor de € 16.951,74;
13. FJSM…, no Per, reclamou a título de crédito laborai o montante de € 7.948,11 e nos autos de insolvência reclamou crédito laboral do mesmo montante (€ 7.948,11);
14. JML…, no Per e no processo de insolvência, reclamou crédito laboral no montante de € 5.628,43;
15. JSM…, no Per, reclamou crédito laboral no montante de € 77.096,46, do qual lhe foi reconhecido 56.704,68 e, nos autos de insolvência, crédito laboral no valor de € 58.319,65, do qual lhe foi reconhecido € 38.069,65;
16. LMS… reclamou, no Per e nos autos de insolvência, crédito laboral no valor de € 10.566,36;
17. MSPM…, no PER, reclamou crédito laboral no montante de € 9.303,54, do qual lhe foi reconhecido € 6.6.618,22 e, nos autos de insolvência, crédito laboral no valor de € 5.103,45;
18. MAAF…, no PER, reclamou crédito laboral no montante de € 13.976,95, do qual lhe foi reconhecido € 10.626,41 e, nos autos de insolvência, crédito laboral no valor de € 8.646,41;
19. SIC…, no PER, reclamou crédito laborai no montante de € 551,31 e, nos autos de insolvência, crédito laboral no valor de € 6.578,32, do qual lhe foi reconhecido 3.578,32;
20. SIC…, no PER, reclamou crédito laboral no montante de € 8.133,32, do qual lhe foi reconhecido € 6.346,10 e, nos autos de insolvência, crédito laboral no valor de € 5.176,10.
21. Os contratos dos seis trabalhadores que em outubro de 2013 se mantinham ao serviço da insolvente, AAG..., FBM…, JMLP…, LMS…, PMTM… e SUC…, cessaram pelo menos desde maio de 2014.
22. O passivo da devedora perante a Segurança Social, no PER, ascendia a € 34.721,76, tendo sido reclamado no processo de insolvência pelo Instituto de Segurança Social um crédito no valor de € 43.538,49;
23. BBBB…, S.A., a quem a requerente III... sucedeu, no PER, reclamou pelo menos € 282.134,23;
24. O CCCC… reclamou, no PER, crédito decorrente de contrato de locação financeira, no montante de € 206.136,89, sendo € 121.092,95 de rendas vincendas;
25. A insolvente deixou de exercer atividade económica pelo menos a partir de 01.10.2015;
26. A insolvente celebrou, com o CCCC..., em 31 de Março de 2005, o contrato de locação financeira n.° 450…, com o valor global de 788.100,00, relativo ao prédio urbano composto de cave e rés do chão para armazém e logradouro, sito em A..., descrito na 1a Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o n. 16… e inscrito na matriz sob o n. 80….
27. Em 04.12.2015, o CCCC... liquidou o valor da divida vencida, emergente do referido contrato de locação financeira, em € 207.110,10 de rendas vencidas e não pagas acrescidas de juros de mora, e € 10.673,33 de outros valores em aberto.
28. O mencionado contrato atingiu o seu termo sem que a insolvente tivesse exercido o direito de opção de compra, pelo valor residual previsto no mesmo, o que conduziu à perda daquele bem.
29. Após a declaração de insolvência os administradores da insolvente, interpelados pela A.I. sobre a existência de bens móveis, nomeadamente material de escritório e equipamento informático,
empilhadores, porta paletes e monta-cargas, referiram que a insolvente não possuía quaisquer bens móveis.
30. E, questionados sobre o destino dos bens referidos no plano de revitalização não responderam, adiando a explicação para mais tarde, o que nunca aconteceu.
31. No dia 31.07.2017, os administradores da insolvente entregaram à administradora da insolvência, cópia de um documento denominado Contrato de Arrendamento Comercial de Duração Limitada, datado de 01.07.2015, celebrado entre a insolvente e MT..., Lda., tendo por objecto o imóvel da insolvente sito em Sacotes, o que impediu a tomada de posse do mesmo, agendada pela A.I. para aquela data.
32. No referido documento a insolvente, TTT... SA, identificando-se como primeira outorgante celebrou com a sociedade MT... Lda., que se identificou como segunda outorgante, o denominado Contrato de Arrendamento Comercial de Duração Limitada, datado de 01.07.2015, de que foi junta cópia em 10.09.2018, a fls. 78 a 85 do processo em papel, no qual figuram como legais representantes da insolvente o Presidente do Conselho de Administração, AST... e o Vice-Presidente AAS... que, conjuntamente com VMR... e ART..., assinaram o documento.
33. Consta do referido documento, além do mais, o seguinte:
Considerando que:
(...)
B) A primeira outorgante é dona e legítima proprietária do prédio urbano - adiante
simpresmente designado por Prédio - sito na E...
(...)
C) O prédio identificado no considerando B, supra, não detém, ainda, licença de utilização, a qual só será obtida através da operação urbanístico-edificativa que a Primeira Outorgante vai realizar junto da câmara Municipal de Cascais com a apresentação de um novo projecto de construção para o prédio identificado no Considerando anterior;
D) A Primeira Outorgante pretende, após concretização da referida operação urbanístico-edificativa, realizar as obras necessárias à concretização do referido projecto de construção;
E) A Primeira Outorgante pretende dar melhor rentabilização e adequação ao seu património imobiliário;
F) A primeira Outorgante é proprietária do estabelecimento comercial de venda por grosso, alimentar e misto, vulgo cash & carry, instalado no prédio identificado no Considerando B, supra;
G) A Segunda Outorgante pretende tomar de arrendamento o prédio melhor identificado no
considerando B, supra
a Segunda Outorgante pretende realizar as obras interiores de conservação, decoração e
adaptação do prédio ao fim a que se destina, de modo a poder iniciar a sua actividade;
(...)
Primeira (Objecto)
1. A Primeira Outorgante dá de arrendamento à Segunda Outorgante que toma de
arrendamento, o Prédio melhor identificado no Considerando B, supra, devidamente preenchida a verde na planta que se junta como anexo II.
Segunda (Actividade)
1. O local arrendado destina-se ao exercício da actividade comercial da Segunda Outorgante
de comércio por grosso, importação exportação distribuição, representação e agenciamento comercial de produtos de consumo nos ramos alimentar e não alimentar e prestação de serviços conexos e afins.
Terceira (Prazo)
1. O presente contrato é celebrado pelo prazo limitado de 15 anos, e caso a Segunda
Outorgante cumpra pontualmente com as obrigações decorrentes do presente contrato, a
Primeira Outorgante não poderá proceder à respectiva denúncia antes do termo do prazo.
2. A Segunda Outorgante toma, nesta data, a posse do prédio dado em arrendamento,
recebendo as respectivas chaves.
Quarta (Renda)
1. A renda anual será de 6.000,00 € (seis mil euros), paga através de duodécimos mensais do valor de 500,00 € (quinhentos euros), com vencimento no primeiro dia útil seguinte do mês imediatamente anterior àquele a que disser respeito e, fica sujeita às actualizações anuais em função dos coeficientes de actualização nos termos do artigo 24 e seguintes do Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU).
2. O pagamento dos montantes, devidos nos termos definidos no número anterior, será efectuado pela SEGUNDA OUTORGANTE através de transferência bancária para a conta da PRIMEIRA OUTORGANTE sediada no BBB..., S.A, a qual será indicada para o efeito.
3. Em face das obras de adaptação e remodelação que a SEGUNDA OUTORGANLE vai realizar no prédio recebido em locação, a PRIMEIRA OUTORGANTE, confere-lhe um período de carência de vinte e quatro meses, isentando-a em consequência, da obrigação de pagamento das rendas vencidas nos meses de Julho de 2015 a Julho de 2017.
4. A PRIMEIRA OUTORGANTE autoriza expressamente a SEGUNDA OUTORGANTE a transmitir a sua posição contratual no presente contrato, ou a cedência de utilização do imóvel locado, por qualquer forma total ou parcial, incluindo cessação de exploração ou subarrendamento.
Quinta (Licença de Utilização)
É da responsabilidade da PRIMEIRA OUTORGANTE a elaboração dos projectos de arquitectura e especialidades que se mostrem necessários ao licenciamento do prédio dado em arrendamento.
Sexta (Obras)
1. A SEGUNDA OUTORGANTE fica, desde já, autorizada a realizar obras de decoração,
beneficiação ou de conservação, aptas a desenvolver a sua actividade.
2. O disposto no número anterior abrange, ainda, todas e quaisquer alterações no PRÉDIO que, na vigência do presente contrato, venham a ser exigidas pelas autoridades públicas competentes.
3. Todos os custos relativos às obras e intervenções necessárias à utilização do PRÉDIO
para o fim a que se destina, são da exclusiva responsabilidade da SEGUNDA
OUTORGANTE.
4. São, ainda, da responsabilidade da SEGUNDA OUTORGANTE os custos relativos à construção da parede interior necessária à delimitação do espaço destinado da SEGUNDA e TERCEIRA OUTORGANTES.
Sétima (Licenciamento da Actividade)
1. É, da responsabilidade da SEGUNDA OUTORGANTE a obtenção e pagamento de todas e quaisquer licenças relacionadas com o exercício da actividade comercial no PRÉDIO.
2. Serão, ainda, da responsabilidade da SEGUNDA OUTORGANTE o pagamento de todas as despesas de reparação, conservação e manutenção do local arrendado c, de todas as suas instalações e equipamentos e demais encargos tornados necessários pelo seu uso.
3. Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, as partes comprometem-se a prestar uma à outra a colaboração que lhes seja solicitada, que de si dependa e que seja indispensável à preparação, apresentação e acompanhamento dos citados processos de licenciamento.
Oitava (Responsabilidade e Incumprimento)
1. O incumprimento por qualquer das partes do presente contrato e, designadamente, a falsidade das declarações e garantias prestadas, confere à parte não faltosa o direito à resolução do mesmo.
2. A resolução deverá ser antecedida de um aviso admonitório, enviado sob registo com aviso de recepção, identificando a falta e concedendo um prazo não inferior a 30 dias para a sua sanção.
3. Caso a PRIMEIRA OUTORGANTE denuncie antecipadamente o presente contrato antes do termo do prazo inicial de quinze anos, fica por esse facto constituída na obrigação de indemnizar a SEGUNDA OUTORGANTE pelo montante de 2.800.000,00 € (dois milhões e oitocentos euros) caso a denúncia ocorra nos primeiros cinco anos, reduzida a 1.900.000,00 € (um milhão e novecentos euros) caso esta ocorra entre o sexto e o décimo ano a 900.000,00 € (novecentos mil euros) caso tenha lugar entre o décimo primeiro e o décimo quinto ano.
4. Em caso de verificação da hipótese enunciada no número três desta cláusula, a PRIMEIRA OUTORGANTE, reconhece expressamente à SEGUNDA OUTORGANTE o direito de retenção sobre o prédio dado em arrendamento, até integral pagamento da indemnização que se mostra devida.
34. MT..., Lda. apresentou, no processo de insolvência da TTT..., reclamação de créditos no valor de C 2.800.000,00.
35. MT..., Lda. foi constituída em 25.06.2015, com o capital social de € 5.000,00, sendo € 4.500,00 titulados por VSM..., também nomeado gerente, e € 500,00 por VSM..., sede social na R… e objecto social Comércio por grosso, importação, exportação, distribuição, representação e agenciamento comercial de produtos de consumo nos ramos alimentar e não alimentar, incluindo tabaco e combustíveis; serviço de restauração, serviço de manutenção, formação profissional na sua área de actividade e aquisição, alienação e administração de bens imóveis próprios ou alheios e qualquer outra operação legalmente permitida sobre imóveis;
36. MT..., Lda. foi constituída com o propósito de acomodar créditos sobre a TTT... e sobre a TTT..., CRL, a fim de condicionar os destinos destas sociedades e dificultar o pagamento aos credores, com recurso a poder de voto relevante e direito de retenção.
37. VSM... e VSM..., são respectivamente pai e irmão do ex-trabalhador da insolvente, FJSM….
38. VSM... era cortador de carnes, tendo explorado um estabelecimento de talho e VSM... é profissional da comunicação social.
39. VSM... e VSM... não têm formação ou experiência na área da gestão de projectos imobiliários.
40. MT..., Lda. não pagou qualquer renda nem desenvolveu actividade no referido imóvel.
41. Era a sociedade FEC..., Lda. quem vinha utilizando o imóvel para armazenamento de fruta, por cedência gratuita por parte da administração da insolvente.
42. O referido imóvel está onerado desde 2011 com penhora registada a favor da Fazenda Nacional.
43. O denominado Contrato de Arrendamento Comercial de Duração Limitada, datado de 01.07.2015, celebrado entre a insolvente e a sociedade MT..., Lda. obedece ao modelo adoptado nos contratos com a mesma denominação, celebrados entre TTT... - Comércio e Distribuição de Produtos de Consumo, CRL e a mesma sociedade;
44. Num desses contratos foi clausulada a atribuição à MT… do direito a utilizar o espaço arrendado para o exercício de actividade comercial de comércio por grosso, importação, exportação, distribuição, representação, agenciamento comercial, de produtos de consumo nos ramos alimentar e não alimentar, prestação de serviços conexos e afins, por um período de 15 (quinze) anos contra uma renda mensal de €1.000,00 (mil) euros e anual de €12.000,00 (doze mil euros), com período de carência de rendas durante os primeiros 24 meses, de Julho de 2015 a Julho de 2017, como contrapartida de obras de remodelação a fazer.
45. Nesse contrato, também denominado Contrato de Arrendamento Comercial de Duração Limitada outorgado entre TTT... CRL e MT..., Lda., de que foram juntas cópias em 10.09.2018, a fls. 86 a 99 do processo em papel e em 26.02.2019, estipula-se na cláusula oitava, além do mais, o seguinte:
3. Caso a PRIMEIRA OUTORGANTE (a TTT...-CRL) denuncie antecipadamente o presente contrato antes do termo do prazo inicial de quinze anos, fica por esse facto constituída na obrigação de indemnizar ar (sic) a SEGUNDA OUTORGANTE (a MT...) pelo montante de 3.000.000,00€ (três milhões de euros) caso a denúncia ocorra nos primeiros cinco anos, reduzida a 2.000.000,00€ (dois milhões) caso esta ocorra entre o sexto e o décimo ano e a 1.000.000,00€ (um milhão de euros) caso tenha lugar entre o décimo primeiro e o décimo quinto ano.
4. Em caso de verificação da hipótese enunciada no número três desta cláusula, a PRIMEIRA OUTORGANTE, reconhece expressamente à SEGUNDA OUTORGANTE, o direito de retenção sobre o prédio dado em arrendamento, até integral pagamento da indemnização que se mostrar devida.
46. No PER e no processo de insolvência, os membros do conselho de administração AAS... e AST... reclamaram créditos a título de remunerações, que não se encontram reflectidos na contabilidade.
47. As contas da insolvente do exercício de 2016 não foram auditadas pelo revisor oficial de contas, nem foram apreciadas e votadas pela respectiva assembleia geral, tendo a IES sido enviada à AT com a informação de contas sem certificação emitida.
48. As contas relativas ao exercício de 2016 não foram assinadas por todos os administradores.
Das oposições
49. ART... integra a administração da insolvente desde 2012, em representação da sociedade BCT..., Lda.
50. Não desempenhava funções executivas e, ao nível do processo de decisão, nunca interveio na gestão da Insolvente.
51. Nem auferiu qualquer remuneração daí emergente.
52. FNC... integra a administração da insolvente desde 2012.
53. Não desempenhava funções executivas e, ao nível do processo de decisão, nunca interveio na gestão da Insolvente.
54. Nem auferiu qualquer remuneração daí emergente.
55. VMR... integra a administração da insolvente desde 2010, em representação da sociedade PDT..., Lda.
56. Não desempenhava funções executivas e, ao nível do processo de decisão, nunca interveio na gestão da Insolvente.
57. Nem auferiu qualquer remuneração daí emergente.
58. ART..., FNC... e VMR... aceitaram o cargo no pressuposto de que a gestão da Insolvente ficaria a cargo de AST... e AAS....
59. Tendo assinado contratos e documentos com base na confiança que depositavam naqueles elementos.
60. AST... era reconhecido, pelos demais requeridos como pessoa de elevada respeitabilidade e competência técnica.
61. AST... exerce a função de Presidente do Conselho de Administração da Insolvente desde 2009.
62. AST... e AAS... avalizaram dívidas da Insolvente no montante de € 293.130,01.
63. No período a que se reporta o contrato celebrado com a sociedade MT..., Lda. a insolvente não conseguia financiar-se no mercado bancário e manifestava dificuldades em aceder a crédito junto de fornecedores.
64. AAS... integra a administração da insolvente desde 2009.
Dos documentos cantantes dos presentes autos, dos autos principais e dos apensos
65. TTT... SA foi declarada insolvente por sentença proferida em 22.05.2017, transitada em julgado na sequência de acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12.10.2017.
66. No processo de insolvência a que respeitam os presentes autos foram apreendidos, o prédio urbano especificado no auto de apreensão de 03.02.2018 e os bens móveis avaliados no valor global de € 7.380,00, especificados no auto de apreensão de 12.09.2018, apresentados no apenso (Apreensão de Bens), respectivamente em 23.03.2018 e 22.09.2018.
67. O plano aprovado no PER que correu termos sob o n.° 1999/13.2TYLSB previa o pagamento aos credores, relacionados no montante global de € 1.505.651,86, em síntese nos seguintes termos:
- Segurança Social: 150 prestações mensais, iguais e sucessivas de capital e juros, vencendo-se a primeira no último dia útil do mês seguinte ao trânsito em julgado da sentença de homologação do plano;
- Fazenda Nacional: pagamento da totalidade da dívida em regime prestacional, com os termos e fundamentos previstos no art.° 196.°, n.° 5, do CPPT, ein prestações mensais, vencendo-se a primeira no mês seguinte àquele em que se verificar a aprovação do plano de recuperação;
- Fornecedores e outros credores: pagamento do capital em dívida, com perdão dos juros vencidos, em 180 prestações mensais, com início no último dia útil do mês seguinte ao trânsito em julgado da sentença de homologação do plano, correspondendo as primeiras seis a período de carência de capital e juros e as demais sujeitas a regime de amortização progressiva.
- Fornecedores de imobilizado - CCCC... / BBB…: incorporação dos montantes vencidos e não pagos no capital vincendo, como manutenção das rendas mensais e alargamento do prazo inicial do contrato, vencendo-se a primeira prestação no último dia útil do mês seguinte ao trânsito em julgado da sentença de homologação do plano.
- Instituições financeiras: pagamento do capital em dívida, com perdão dos juros vencidos, em 180 prestações mensais, com início no último dia útil do mês seguinte ao trânsito em julgado da sentença de homologação do plano, correspondendo as primeiras doze a período de carência de capital e juros e as demais sujeitas a regime de amortização progressiva, correspondendo a última prestação a 30/prct. do valor em dívida, renegociável em função da situação financeira da devedora.
- Trabalhadores: pagamento do capital em dívida em 48 prestações mensais com início no último
dia útil do mês seguinte ao trânsito em julgado da sentença de homologação do plano, correspondendo as primeiras três a período de carência.
- Sócios / accionistas: Os créditos subordinados não serão pagos enquanto não estiver amortizada toda a dívida objecto do PER, pagamento do capital em 96 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira no último dia útil do mês seguinte ao trânsito em julgado da sentença de homologação do plano.
68. No plano aprovado no PER que correu termos sob o n.° 1….2TYLSB, a insolvente declarou ainda, além do mais:
- Ter a sua sede em instalações em regime de comodato, afectas a instalações administrativas e comerciais (pag. 12);
- Possuir um terreno para construção com o valor patrimonial de € 232.557,58 e um prédio urbano em regime de locação financeira mediante contrato n.° 450001755 celebrado com o CCCC..., S.A. (pág. 12);
- Que a generalidade dos equipamentos que possui são tecnicamente adequados e suficientes para o desenvolvimento da sua atividade (pág. 13);
- Perspetivar volumes de vendas de € 813.656,42 em 2014, € 1.220.484,62 em 2015, € 1.403.557,32 em 2016 (pág. 77).
69. O valor reclamado por BBB..., no Per, totalizou € 350.388,33, sendo € 18.860,20 de rendas vencidas e € 49.393,90 sob condição de rendas vincendas e valor residual, relativas a 5 contratos de locação financeira;
70. O valor reclamado por CCCC..., no Per, totalizou € 206.136,89, de contrato de locação financeira imobiliária, dos quais € 121.092,95 sob condição, por respeitar a rendas vincendas.
71. Por documento datado de 01.08.2015, subscrito por AST..., AAS..., ART..., VMR... e MFZ..., de que foi junta cópia em 12.09.2018, a fls. 291 a 294 do processo em papel, cujo teor se dá por reproduzido, TTT... - Comércio e Distribuição de Produtos de Consumo, CRL declarou ceder a MT..., Lda., a título de contrapartida de serviços a prestar por esta até 2020 com o valor global de € 1.225.000,00, os créditos que detém sobre a sociedade CP..., Lda., emergentes de rendas devidas pela referida sociedade, até 31.08.2020.
72. Por documento datado de 01.10.2015, de que foi junta cópia em 09.11.2018, a fls. 317 a 319 do processo em papel, a Insolvente, representada por AST... e AAS..., declarou vender, por trespasse, a MT..., Lda., que declarou aceitar, o estabelecimento tomado de arrendamento à cooperativa TTT…, CRL em 01.07.2015, pelo preço global de € 345.723,41, sendo € 237.656,89 de existências e € 108.066,52 de imobilizado (excepto imóveis, a pagar até 01.07.2030, podendo efectuar pagamentos por conta.
73. Consta do referido documento um ponto 4 com o seguinte teor: Caso as existências objecto de trespasse, não sejam vendidas pela segunda outorgante até quinze de Março de 2017, tem a segunda outorgante a faculdade de as devolver, obrigando-se a primeira outorgante a aceitar as devoluções deduzindo o seu valor, ao preço final.
74. Por documento datado de 30.03.2017, de que foi junta cópia em 09.11.2018, a fls. 320 a 323 do processo em papel, a Insolvente, representada por AST... e AAS... e MT..., Lda., com referência ao referido ponto 4, à declaração de insolvência da cooperativa TTT..., e à declaração de resolução, pelo respectivo A.I., do contrato de arrendamento celebrado pela mesma com MT..., Lda., declararam acordar na revogação do contrato de trespasse.
75. Mais declararam, no referido documento, que MT... efectuou pagamentos no valor de € 31.467,14, atribuindo o valor de € 233.424,79 às existências devolvidas e € 80.831,48 ao imobilizado também devolvido.
76. A dissolução e encerramento da liquidação da sociedade MT..., Lda. foi inscrita no registo comercial pela Ap. 15 de 10.10.2018.
77. Na acta da assembleia geral da sociedade MT..., Lda., realizada em
24.09.2018, foi proposta a dissolução da sociedade em virtude do seu objecto, por ter sido
integralmente cumprido o seu objeto, o que foi aprovado por unanimidade, consignando-se ainda a inexistência de ativo e passivo.
78. No processo de insolvência, III... reclamou créditos mo montante global de € 361.706,89, que lhe foram reconhecidos, sendo € 273.623,61 de capital e o remanescente de juros.
79. No processo de insolvência, CCCC..., S.A. reclamou créditos mo
montante global de € 231.053,30, que lhe foram reconhecidos, sendo 217.783,43 de capital e o
remanescente de juros.
80. Na IES relativa ao exercício de 2014, apresentada em 20.03.2016, a insolvente declarou volume de vendas de € 254.408,92 e uma pessoa remunerada ao seu serviço (cfr. fls. 175, 176v e 197 do processo em papel);
81. Na IES relativa ao exercício de 2015, apresentada em 22.07.2016, a insolvente declarou volume de vendas de € 377.974,18, três pessoas não remuneradas ao seu serviço, que o relatório de gestão e as contas do exercício não foram assinadas por todos os administradores, e não foi emitida certificação legal das contas (cfr. fls. 206, 207v, 228 e 233do processo em papel);
82. Na IES relativa ao exercício de 2016, apresentada em 14.07.2017, a insolvente declarou
não ter tido vendas nem pessoas ao seu serviço (cfr. fls. 237v e 258).
O tribunal considerou ainda como segue:
3.2 - Factos não provados requerimento inicial e do parecer da A.I.
a) O contrato de locação financeira imobiliária n.° 450001755 atingiu o seu termo no dia 25.03.2015;
b) A quantia de € 207.110,10 corresponde ao valor em dívida em 25.03.2015, de capital e juros;
c) A insolvente não exerceu qualquer actividade económica desde finais de 2014 até 01.10.2015.
d) Todos os créditos laborais reclamados nos presentes autos venceram-se pelo menos em 2013, permanecendo por liquidar desde então até à instauração da presente acção de insolvência;
e) O crédito reclamado pelo CCCC..., no PER, totalizou € 220.936,89;
f) Os membros do conselho de administração, VMR..., FNC… e ART… reclamaram ou aprestaram-se a reclamar créditos de remunerações;
g) Os créditos reclamados pelos membros do conselho de administração da insolvente, decorrentes de alegados contratos de mútuo não têm qualquer suporte em reais fluxos financeiros nem estão reflectidos na contabilidade.
h) FNC... após a sua assinatura no denominado Contrato de Arrendamento Comercial de Duração Limitada, datado de 01.07.2015, de que foi junta cópia em 10.09.2018, a fls. 78 a 85 do processo em papel.
i) VMR..., FNC..., ART... aceitaram celebrar o denominado Contrato de Arrendamento Comercial de Duração
Limitada, datado de 01.07.2015, de que foi junta cópia em 10.09.2018, a fls. 78 a 85 do
processo em papel.
j) Os denominados Contrato de Arrendamento Comercial de Duração Limitada celebrados entre TTT... CRL e MT..., Lda., TTT... CRL foram também assinados por FNC…
k) A insolvente cessou os pagamentos previstos no PER por si instaurado a partir do final de 2014.
Das oposições
1) ART... integrou a administração da insolvente no período decorrido
entre 2009 e 2012;
m) FNC... integrou a administração da insolvente no período decorrido entre 2009 e 2012;
n) VMR... integrou a administração da insolvente no período decorrido entre 2009 e 2010;
o) ART..., FNC... e VMR... foram convidados, e aceitaram, integrar a administração da Insolvente em virtude do crescente desinteresse dos cooperadores ou accionistas em integrar os órgãos da direcção da mesma.
p) AST... e AAS... avalizaram dívidas da Insolvente e da cooperativa em valor superior a um milhão de euros.
q) A AST... e AAS... foram convencionadas remunerações pelo exercício do cargo, aprovadas em assembleia geral.
r) AAS..., em diversos momentos temporais, emprestou dinheiro do seu bolso à insolvente e à cooperativa para financiar a exploração desta.
s) AAS... adiantou do seu balso valores para fazer face a salários de trabalhadores da cooperativa e da insolvente, e bem assim à regularização de dívidas destas com a Segurança Social e Autoridade Tributária.
O tribunal não se pronuncia sobre o demais alegado nas peças processuais apresentadas por se tratar de matéria conclusiva ou de direito, ou sem relevo para a decisão
III- FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos apelantes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras — arts. 635° e 639° do CPC — salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito — art.° 5', n°3 do mesmo diploma.
No caso, impõe-se apreciar:
- Da extemporaneidade do incidente de qualificação da insolvência como culposa;
- Da nulidade da sentença: o art. 615', n°1, alínea d), parte final, do CPC;
- Da impugnação do julgamento de facto;
- Da verificação dos pressupostos da qualificação da insolvência como culposa (art. 186° do GIRE, diploma a que aludiremos quando não se fizer menção de origem) e da declaração que são afetados pela qualificação os apelantes.
2. Da extemporaneidade do incidente de qualificação da insolvência como culposa
Os arts. 188° e 189° regulam o incidente pleno de qualificação da insolvência, dispondo o art. 188', n°1 sob a epígrafe Tramitação, que [a]té 15 dias após a assembleia de apreciação do relatório ou, no caso de dispensa da realização desta, após a junção aos autos do relatório a que se refere o artigo 155.°, o administrador da insolvência ou qualquer interessado pode alegar, fundamentadamente, por escrito, em requerimento autuado por apenso, o que tiver por conveniente para efeito da qualificação da insolvência como culposa e indicar as pessoas que devem ser afetadas por tal qualificação, cabendo ao juiz conhecer dos factos alegados e, se o considerar oportuno, declarar aberto o incidente de qualificação da insolvência, nos 10 dias subsequentes.
Discute-se a natureza do prazo em causa.
Para uns, o prazo previsto no n°1 do art. 188°, com vista a que o administrador da insolvência ou
qualquer interessado requeira o que tiver por conveniente para efeito de qualificação da insolvência como culposa é meramente ordenador ou regulador, não podendo ser considerado perentório.
Para outros, colocando o enfoque nas alterações introduzidas pela Lei n° 16/2012 de 20/04, trata-se de um prazo de iniciativa processual, quando o incidente de qualificação de insolvência ainda não foi determinado oficiosamente pelo tribunal na sentença que decretou a insolvência, pelo que deve ser considerado um prazo perentório.
Em qualquer dos casos, estamos perante um prazo judicial e não um prazo substantivo, de caducidade, como os apelantes propugnam.
Como refere Alberto dos Reis, [a] expressão «prazo judicial» significa o período de tempo fixado para se produzir um determinado efeito processual, tendo por função regular a distância entre os actos do processo, tendo dois extremos, que são precisamente dois pontos, isto é, dois dias: o dia de início ou de partida (dies a quo) e o dia de termo ou de vencimento (dies a quem); a distância entre os dois pontos marca a sua duração. Mais especificamente a propósito da questão alusiva ao prazo de propositura de ação, considera-se que [a] questão há-de resolver-se, em última instância, pela análise da natureza do facto de que se trata. Ora, o exame atento da caducidade mostra claramente que estamos em presença, não de um facto proressual, mas de um facto de direito substancial. O prazo dentro do qual há-de ser proposta uma determinada acção é um elemento integrante do regime jurídico da respectiva relação de direito substantivo ou material .
Estamos perante um prazo fixado por lei para a prática de um ato judicial, na pendência de um processo e em estrita ligação ao mesmo, tendo a norma em causa cariz adjetivo, pelo que a questão não se coloca em termos de caducidade do direito de deduzir o incidente em causa, mas de extemporaneidade da sua apresentação.
Não se discutindo que, no caso, a assembleia de apreciação do relatório ocorreu no dia 14-08¬2017, tinha qualquer credor interessado a faculdade de deduzir o incidente em causa até ao dia 29-08-2017, como aconteceu.
Efetivamente, pese embora o requerimento inicial aqui apresentado tenha como data de entrada o dia 30-08-2017 (cfr. fls. 20-v), o certo é que, como a credora apelada invocou nas contra alegações de recurso, deduziu no processo principal o requerimento respetivo em 29 — 08 -2017, pelas 23:57:18 [ 8 ], pelo que a apensação ao processo de insolvência no dia 30-08-2017 é inócua, impondo-se concluir que a credora exerceu a faculdade que a lei lhe confere atempadamente; aliás, os apelantes foram citados e tiveram oportunidade de deduzir a questão em apreço quando exerceram o direito dc resposta/defesa, sobre o incidente deduzido e nada disseram ou aduziram a esse propósito — cfr. os articulados de fls. 54 -v a 56 e 64 -v a 66.
Improcede, pois, a questão suscitada.
3. Da nulidade da sentença: o art. 615º, nº1, alínea d), parte final. do CPC
A apelante sustenta que a sentença é nula por excesso de pronúncia que ocorre, nos termos do
art. 615°, n°1, alínea d) do CPC quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar
conhecimento, tendo por contraponto a omissão de pronúncia.
Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, constitui nulidade de sentença quer a falta de apreciação, isto é o o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, quer a apreciação de causas de pedir não invocadas quer de exceções não deduzidas e que estejam na exclusiva disponibilidade das partes
Como acontece relativamente a outros vícios suscetíveis de afetar a sentença e que também são cominados com a nulidade, importa no entanto não confundir a omissão/excesso de conhecimento com as hipóteses em que o juiz se limita a expor o seu raciocínio, efetuando um juízo valorativo e considerando determinadas linhas de fundamentação jurídica; está, então, em causa, eventual erro de julgamento e não qualquer vício de natureza formal que inquina a sentença.
No caso, basicamente, os apelantes alegam que o tribunal violando claramente os limites do principio do inquisitório, e, em ordem à fundamentação da respectiva decisão, veio a conhecer de factos e documentos que, em nada relevam para o objecto do litígio e extravasam manifestamente o âmbito dos temas da prova, [t]razendo aos autos elementos probatórios e neles se suportando, os quais apenas relevam no âmbito do incidente de qualificação da Cooperativa TTT..., CRL, pessoa jurídica distinta da aqui insolvente, sendo certo que, a produção de prova nesse incidente de qualificação, a correr termos sob o n° 8732/15 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste/Juízo de Comércio de Sintra -J5 ainda nem sequer teve o seu inicio (conclusões 17 e 18).
Entendemos que não ocorre excesso de pronúncia, porquanto o tribunal não apreciou de qualquer questão que não lhe tivesse sido apresentada, sendo que essa constatação decorre com linearidade da argumentação exposta nas alegações de recurso.
Assim, o que resulta das alegações de recurso é que os apelantes discordam do juízo valorativo
feito pelo tribunal quanto à pertinência de alguns dos factos enunciados na decisão; discordam que o tribunal tivesse valorado determinados elementos de prova, de natureza documental, carreando para o processo os factos respetivos, invocando que os mesmos não relevam para o processo.
Ora, não só o art. 11°
dá ampla liberdade ao julgador para averiguar e apreciar de todos os factos pertinentes à causa, pelo que não tem sentido a afirmação de que o juiz violou claramente os limites do princípio do inquisitório, como, no mais, a questão suscitada não se prende com eventual vício que inquine a sentença. Como se sabe só devem ser levados à factualidade assente os factos que relevam para dirimir o litígio, sejam eles essenciais ou instrumentais, pelo que eventual excesso prende-se com questão alusiva a impugnação do julgamento de facto, podendo a parte requerer a eliminação da matéria respetiva, o que fez, como adiante melhor se verá.
Improcede, pois, a invocada nulidade.
4. Da impugnação do julgamento de facto
Os apelantes impugnam o julgamento de facto feito pelo tribunal de primeira instância
pretendendo que se altere esse julgamento em ordem a:
- Dar-se como não provada a matéria que o tribunal considerou provada, enunciada nos números 25, 29, 30, 31, 36, 39, 43, 44, 45, 71, 76 e 77;
- Dar como provada a matéria que o tribunal deu como não provada e indicada sob a alínea p). Tendo os apelantes dado cumprimento às exigências a que alude o art. 6400 do CPC, cumpre apreciar, ainda que por ordem não inteiramente coincidente com a apontada; saliente-se que os apelantes
procederam à transcrição de alguns depoimentos, a saber, dos apelantes — que prestaram depoimento de parte e declarações — e da testemunha João Carlos Castro Roque, não tendo os apelados questionado a fidedignidade das transcrições.
Facto provado sob o número 25
Alegam os apelantes que [e]ste facto deverá ser julgado como não provado, ou quando muito
modificada a sua resposta, no sentido de ser dado como provado que a insolvente deixou de exercer a sua actividade económica a partir de 01 /01 /2016, referindo que da análise conjugada da IES de 2015, a fls 207 verso, resulta que a insolvente durante todo o ano de 2015 declarou um volume de vendas de 377.974,18€, e dos documentos de fls 317 a 319, resulta da venda por trespasse do seu imobilizado o valor de 345.250,77€.
Isto significa que além do valor do trespasse, durante todo o exercício económico de 2015 a insolvente terá efectuado vendas pelo menos, do valor de 32.250,77€.
O tribunal motivou nestes termos a resposta:
25 dos factos provados e al. c) dos factos não provados: a análise conjugada da IES de 2015, de que a A.I. juntou cópia em 11.09.2018, a fls. 207 v, da qual resulta que a insolvente, no ano de 2015, declarou um volume de vendas de € 377.974,18, e das cópias dos documentos juntos em 09.11.2018, a fls. 317 a 319 do processo em papel, nomeadamente a factura datada de 01.10.2015, de venda por trespasse das existências e imobilizado da insolvente, pelo valor de € 345.723,41. O que leva a concluir que a insolvente, nesse ano, apesar de não ter trabalhadores ao seu serviço, terá efectuado, além do trespasse, vendas no valor de € 32.250,77.
O contrato a que alude o o número 72 dos factos dados por provados — sem impugnação das partes — data de 1 de outubro de 2015, figurando nesse contrato a insolvente como primeira outorgante e a MT... SA como segunda outorgante.
Antecedendo o clausulado, as partes indicaram como segue:
Considerando que:
(...)
d) Finalmente que a primeira outorgante não dispõe no presente de capacidade financeira, receitas de exploração ou outras que lhe permitam dar continuidade regularmente à sua actividade, entre as partes outorgantes é celebrado o presente contrato de trespasse .
Acrescente-se que, conforme resulta da matéria dada por provada sob o número 21, sem impugnação das partes, nessa data a insolvente já nem tinha trabalhadores ao serviço.
Quanto à prova pessoal, o apelante AST..., no depoimento prestado, refere que já na altura do PER a atividade da insolvente era reduzida (fls. 395-v) e indicou ainda que, quando inquirido pelo juiz sobre se a TTT... continuou a desenvolver a atividade depois do contrato de arrendamento que a exploração das TTT... era em Alcoitão, depois houve o arrendamento à MT... depois já não havia atividade (fls. 405); essa matéria foi novamente confirmada pelo depoente noutro passo do seu depoimento, em que referiu que depois do arrendamento à MT... a TTT... ficou sem espaço e, inquirido sobre se então a TTT... ficou sem atividade? respondeu estava tudo parado (fls. 409).
Também o apelante AAS... admitiu igualmente que depois dos arrendamentos à CP... e MT... Lda facturavam muito pouco mesmo, sem expressão nenhuma (fls. 350-v) e o contabilista da insolvente, João Carlos de Castro Roque, confirmou essa inatividade, indicando que a partir de setembro de 2015 a insolvente era uma empresa absolutamente parada, materialmente e contabilisticamente (fls. 455)
Assim sendo, está correta a valoração do tribunal quando considerou que pelo a partir dessa data (01-10- 2015) a insolvente deixou de exercer atividade económica.
Improcede a impugnação.
Factos provados sob os números 29, 30 e 31
O tribunal motivou a resposta nestes termos:
29, 30 e 31: O relatório elaborado pela A.I. nos termos do art.° 155.°, do GIRE, a fls. 389 do processo
principal em papel, no qual se referem duas reuniões com os administradores da insolvente, a primeira em 14.07.2017 no escritório da A.I., e a segunda em 31.07.2017 no imóvel apreendido para tomada de posse do mesmo. No dia 31,07.2017 o Sr. AAS... disse não possuir as chaves em virtude do imóvel ter sido arrendado, e apresentou o contrato de arrendamento celebrado com MT.... No relatório então
elaborado a A.I. não identificou outros bens. Só após a tomada de posse do imóvel a A.I. veio a identificar alguns bens móveis, que apreendeu nos termos constantes do auto de penhora apresentado em 22.09.2018, no apenso I (Apreensão de bens). AAS..., em declarações, afirmou ter dito à A.I. onde se encontravam os bens. Esse depoimento não foi considerado credível, por não encontrar um mínimo de correspondência na conduta documentada nos autos.
Os apelantes fundam a alteração pretendida exclusivamente nas suas próprias declarações, que não convencem porquanto são partes interessadas na causa e não há qualquer elemento de prova que confirme as indicações que deram, que, refira-se, nem sequer são precisas (cfr. as passagens indicadas pelos apelantes a fls. 345-v a 349).
Acresce que não se questiona o contrato datado de 01-07-2015, reportado no número 32 dos factos provados, sem impugnação.
Improcede a impugnação.
Factos provados sob os números 9. 43. 44. 45. 71. 76 e 77.
Referem os apelantes que tais factos são estranhos ao objeto do e aos temas de prova pelo que
devem ser desconsiderados e retirados do elenco dos factos provados, retomando nesta sede o que já haviam referido aquando da arguição de nulidade da sentença por excesso de pronúncia. Ou seja, os apelantes não discutem, em substância, essa factualidade, limitando-se a indicar que a mesma não é relevante, nomeadamente porque respeita a terceiros estranhos à insolvente.
Entendemos que não têm razão.
Está provado, sem impugnação, que os apelantes integram o conselho de administração da insolvente desde 2009, exercendo o apelante AST... as funções de Presidente e que o capital social da insolvente é detido, em 99,9/prct. pela cooperativa TTT... — Comércio e Distribuição de Produtos de Consumo CRL, sendo que o apelante AST... também faz parte da direção da desta cooperativa, conforme expressamente afirmou, sendo que esta também foi declarada insolvente por sentença proferida em maio de 2017 — cfr., nomeadamente, os números 3 e 4 dos factos provados.
Também está provado, sem impugnação, o relacionamento comercial entre a insolvente e a sociedade MT... Lda, nos termos enunciados — sem impugnação — nomeadamente, nos números 32 e 33, sendo que se trata de sociedade que até reclamou créditos no processo.
A matéria em causa foi alegada pela credora III... SA no requerimento inicial — cfr. os arts. 46' a 82°— e os apelantes pronunciaram-se sobre a mesma, pelo que tinha o tribunal que averiguar e apreciar dos factos em causa, como aconteceu.
Ponderando que está em causa apreciar da qualificação da insolvência como culposa ou fortuita, sendo esse o objeto do processo, é evidente que importa averiguar e delimitar a atuação dos administradores da insolvente, mormente no relacionamento que estabeleceram com outras empresas e/ou cooperativas e, concretamente, os negócios efetuados, tendo em vista saber se esse comportamento teve reflexos na criação ou agravamento da situação económica da insolvente. Não pode surpreender que, depois de ter sido encetado um processo especial de revitalização, haja um particular escrutínio da atividade da sociedade insolvente e dos administradores, nomeadamente da sua ligação à cooperativa, atenta a relação de domínio e a outras empresas, por via de negócios entretanto celebrados, no período em que o foram.
Acrescente-se, aliás, que do depoimento prestado pelo apelante AST... resulta evidente a ligação entre a insolvente e a cooperativa, chegando o depoente a indicar que nós utilizamos os recursos que tínhamos quer fossem da TTT... quer fossem da TTT... Cooperativa para fazer face à gestão do negócio (fls. 395-v) e que Sr. Dr. Juiz, aquilo funcionava como um grupo, quem tinha dinheiro...(fls. 396-v); o dinheiro era depositado na conta bancária da insolvente ou da cooperativa e depois cedia o dinheiro à outra conforme as necessidades (fls. 397), chegando o valor das rendas pagas pela sociedade CP..., arrendatária da cooperativa, a ser utilizadas para pagamento de valores alusivos à insolvente (fls. 398), sendo o dinheiro usado em função dos interesses do grupo, o grupo era o grupo TTT... (fls. 400-v), sendo que o depoente afirmou ser economista, pelo que tinha consciência do
alcance das suas declarações, tendo aliás sido instado pelo juiz a esse respeito (fls. 398); tudo em ordem a justificar as referências à cooperativa e negócios por esta também celebrados, que obviamente têm interesse para o processo, também não surpreendendo, no contexto apontado, que os modelos de contratos fossem perfeitamente similares (cfr. o número 43 dos factos assentes). Idem relativamente ao depoimento prestado pelo apelante AAS..., que, aludindo à cooperativa e à insolvente, referiu aliás a TTT... foi gerida como um todo (fls. 346)para o depo
Concorda-se, pois, com o tribunal de primeira instância no juízo de pertinência e relevância dessa factualidade que, nos termos apontados, se deve manter, insistindo-se que não foi questionada a sua
veracidade.
Improcedem as conclusões de recurso.
Facto provado sob o número 36
O tribunal motivou a sua decisão nestes termos:
36: A análise dos contratos provados nos autos, dos quais se retira que através dos mesmos se procurou transferir todo o activo da insolvente e da TTT... CRL para o domínio da sociedade MT..., Lda.; a data de constituição da sociedade e a sua dissolução quando concluiu que os negócios realizados com a insolvente e com a TTT..., CRL não eram viáveis, a conduta adoptada pela referida sociedade no processo, nomeadamente a posição assumida em sede de reclamação de créditos e em assembleia de credores, tudo corroborado e ampliado, ainda que de forma não assumida pelas declarações de AST..., AAA... e VSM.... Os dois primeiros, afirmando a total independência das sociedades e dos seus sujeitos, acabaram por admitir que as quantias recebidas por MT..., Lda. a título de renda da parte do imóvel arrendado por TTT... CRL a CP..., Lda. (€ 27.500,00 mensais), lhes eram entregues para fazerem face às despesas. Tal aconteceu, nomeadamente, quando os pagamentos começaram a ser efectuados por transferência bancária. De acordo com os referidos declarantes foi com esse dinheiro que efectuaram pagamentos a credores da insolvente, nomeadamente trabalhadores. VSM..., por seu turno, referiu que o objectivo da constituição da sociedade era o desenvolvimento de um projecto imobiliário, porém não sabendo ou não querendo concretizar minimamente esse projecto. Admitiu não ter, tal como o seu pai,
esse projecto. Vendo que os negócios realizados com a TTT..., CRL e com a TTT... tinham falhado, extinguiu a sociedade. Quanto à actividade desta, de concreto, referiu a realização de obras de manutenção e a contratação de uma pessoa que atendia na loja sita em Alcoitão. Não referiu qualquer aspecto ou diligência visando a implementação do projecto imobiliário que estaria na base da constituição da sociedade. Declarou ter entregue a AAS... o dinheiro que recebeu da CP..., tendo as ultimas entregas, € 80.000,00, sido efectuadas no Verão de 2018, em plena vigência dos processos de insolvência da TTT... CRL e TTT.... Aos costumes apresentou-se como administrador da MT..., aparentando não perceber que a sociedade de que era sócio não é uma sociedade anónima, e de que nela não desempenhava, pelo menos formalmente qualquer cargo dirigente. Relativamente ao imóvel da insolvente referiu não ter projecto pois o que lhe interessava era as instalações de Alcoitão, da TTT..., CRL. Estes elementos levam a concluir que a MT... não foi constituída com uma finalidade própria, mas para obstar à acção dos credores da insolvente e da TTT... CRL, através da transferência dos activos das referidas sociedades para uma sociedade aparentemente autónoma, mas que na realidade servia os objectivos definidos pelos administradores AST... e AAS....
Consideram os apelantes que [m]anifestamente este facto deverá ser julgado como não provado,
por não existirem nos autos concretos elementos probatórios atinentes a tal prova.
Avançamos já que se concorda com o juízo valorativo da primeira instância, limitando-se os apelantes a tecer um raciocínio que nem sequer aponta no sentido que indicam.
Referem os apelantes:
Quanto a este facto estriba-se o Mmo Juiz a quo em sede de fundamentação na análise dos contratos provados nos autos dos quais retira a conclusão que através dos mesmos se procurou transferir todo o activo da insolvente e da TTT..., Crl para o domínio da sociedade MT....
Ora, tal conclusão a ser válida, no que não se concede, em termos de prova documental, apenas poderia ser extraída dos contratos celebrados entre a insolvente e a MT..., Ida, concretamente do contrato de arrendamento comercial de duração limitada relativa ao prédio de Sacotes (único prédio propriedade da insolvente ), do contrato de trespasse e acordo de revogação do mesmo celebrado entre as mesmas partes. E do contrato de arrendamento não se retira tal prova.
Em primeira linha, o aludido contrato nem sequer teve início de execução.
Em segundo lugar, quando a Exma. Administradora de Insolvência declarou esse contrato resolvido a favor da Massa Insolvente, a sociedade MT... não impugnou judicialmente essa resolução, nem lançou mão do direito de retenção constituído convencionalmente a seu favor pela contra parte.
Finalmente e, em terceiro lugar, a sociedade MT... veio a desistir da reclamação de créditos apresentada no âmbito desta insolvência.
Outrossim, do contrato de trespasse e subsequente acordo de revogação do mesmo também não se extrai tal factualidade.
Ao invés, o que se extrai desse dois documentos, em síntese, é que a insolvente vendeu o seu imobilizado por trespasse à MT... pelo preço de 377.974,18€.
E, que em razão das partes posteriormente terem acordado revogar por mútuo consenso esse contrato, a MT... restituiu à insolvente todo o imobilizado adquirido, com excepção daquele que vendeu
no seu estabelecimento a terceiros e cujo preço de 32.250,77€ entregou à insolvente.
Ora, a circunstância dos negócios em causa não terem posteriormente inteira execução, nos precisos termos fixados entre as partes, até em face da intervenção do administrador de insolvência, não releva nos moldes indicados pelos apelantes, nem altera a constatação de que esses negócios foram celebrados, com aquele preciso conteúdo, também não relevando o arrependimento da sociedade MT... Lda.
Para além da prova pessoal prestada, a que adiante aludiremos, entende-se que o juízo constante do número 36 dos factos provados se extrai da conjugação de vários elementos que o processo evidencia, sendo que a maioria deles nem sequer foi questionada pelos apelantes, quando avaliados à luz das regras da experiência comum, com base em critérios de bom senso.
Atente-se na seguinte dinâmica, pela ordem temporal indicada, que é elucidativa do contexto em que os negócios foram efetuados:
- Os apelantes integram o conselho de administração da insolvente desde 2009, exercendo o apelante AST... as funções de Presidente e integravam também a direção da cooperativa;
- O capital social da insolvente é detido, em 99,9/prct. pela cooperativa TTT...- CRL;
- Em 2013 a devedora instaura PER, tendo sido proferida sentença homologatória em maio de 2014, confirmada pelo TRL em novembro de 2014;
- Em 25 de junho de 2015 é constituída a sociedade MT... Lda., com um capital social de 5.000,00€;
- Em 1 de julho 2015 é celebrado entre a insolvente — aí representada, nomeadamente, pelos
apelantes — e a MT... Lda. o contrato referido no número 32 dos factos provados, pelo qual a insolvente deu de arrendamento, com duração limitada, o prédio de que é proprietária, sito no concelho de Sintra, freguesia de A..., com uma área de 4.420 m2, sendo a área de implantação do edifício de 1.380,00m2, prédio no qual a insolvente tem um estabelecimento comercial de venda por grosso alimentar e misto, vulgo cash & carry, salientando-se que:
a) Foi fixado um prazo de duração do contrato de 15 anos;
b) Renunciando a insolvente ao direito de denúncia antes do termo do prazo caso a MT... Lda cumpra pontualmente as suas obrigações;
c) Foi fixada uma renda anual de seis mil euros, paga mensalmente, à razão de 500,00€/mês, com isenção de pagamento de renda nos primeiros 2 anos (julho de 2015 a julho de 2017) em face de obras de adaptação que a MT... vai realizar;
- Podendo a MT... Lda transmitir a sua posição contratual ou ceder, por qualquer forma, a utilização do locado;
- Fixando as partes a responsabilidade por incumprimento pela insolvente, convencionando (cláusula 8') que caso a insolvente denuncie antecipadamente o presente contrato antes do termo do prazo inicial de quinze anos, fica por esse facto constituída na obrigação de indemnizar a SEGUNDA OUTORGANTE pelo montante de 2.800.000,00 € (dois milhões e oitocentos euros) caso a denúncia ocorra nos primeiros cinco anos, reduzida a 1.900.000,00 (um milhão e novecentos euros) caso esta ocorra entre o sexto e o décimo ano a 900,000,00 € (novecentos mil euros) caso tenha lugar entre o décimo primeiro e o décimo quinto ano; e ainda que [e]a' caso de verificação da hipótese enunciada no número três desta cláusula, a PRIMEIRA OUTORGANTE, reconhece expressamente à SEGUNDA OUTORGANTE o direito de retenção sobre o prédio dado cm arrendamento. até integral pagamento da indemnização que se mostra devida.
- Em 1 de outubro de 2015 é celebrado entre a insolvente — ai representada pelos apelantes — e a MT... Lda. o contrato referido no número 72 dos factos provados, pelo qual a insolvente declarou vender, por trespasse, o estabelecimento tomado de arrendamento à Cooperativa TTT..., no prédio urbano sito no Rua das Fisgas, concelho de Cascais;
- A insolvente deixou de exercer qualquer atividade pelo menos a partir de 1 outubro de 2015;
- A insolvência da devedora foi requerida em março de 2017 pela credora III... SA e declarada em maio de 2017;
- Em 2018 procedeu-se à apreensão de bens móveis e imóvel;
- Em outubro de 2018 é dissolvida a MT... Lda;
- A MT... Lda, reclamou créditos à insolvente no valor de 2.800.000,00€;
- Á data do PER, o plano aprovado previa o pagamento de um volume de créditos de
1.505.651,86€.
O contrato de arrendamento celebrado é um contrato que descura os interesses da insolvente e que desprotege os seus credores, em clara antevisão da possibilidade de se concretizar a insolvência, como, efetivamente, veio a suceder, em benefício exclusivo da Mundo Tranversal Lda, que assim consolidava a sua posição em caso de insolvência, sendo elucidativa a reclamação de créditos apresentada no processo e o montante do crédito reclamado, até por confronto com o volume de créditos em causa aquando do PER. Saliente-se que o apelante AST... foi muito evasivo no seu depoimento, indicando não se recordar de aspetos que temos por essenciais do contrato, indicando que a MT... era um negócio que me foi trazido pelo colega AAS... (fls. 406), sendo que o tribunal instou diretamente o depoente sobre a exiguidade do valor das rendas e das (des)vantagens do negócio, limitando-se o apelante a referir que na altura não conseguimos mais, nós sabemos que não era esse o valor (fls. 405-v), sendo que também nada soube esclarecer quando apontado para o valro da cláusula de resolução (fls. 411- 412); saliente-se que se assim fosse, não teria qualquer cabimento a outorga do contrato por um período de 15 anos, compreendendo-se que o arrendamento, naquele contexto, fosse por um curto período, o que não aconteceu.
Quanto ao depoimento de AAS..., foi especificamente confrontado pelo juiz quanto ao contrato de arrendamento celebrado com a MT... Lda, e, por exemplo, quanto à clausula penal estipulada (qual a razoabilidade disto? Explique a lógica disto), sendo evidente que o depoente deu respostas evasivas, escudando-se na sua falta de estudos, nos advogados e na TTT... com um gigante como a Jerónimo Martins.
Ou seja, do depoimento dos apelantes não se alcança qualquer razão que justifique a celebração do contrato de arrendamento, com o clausulado dele constante, sendo que o apelante AST... referiu que o negócio veio por intermédio do apelante AAS..., e este, por seu turno, nada esclareceu — causando, aliás, alguma perplexidade as afirmações do depoente relativamente às obras feitas pela MT... Lda, dando azo a que o Juiz referisse Sr. AAS..., o problema é a forma como o senhor coloca isso, parece que a MT... era uma empresa criada pela TTT... (fls. 357) —, sendo que também nada esclareceu quanto ao trespasse feito pela insolvente à Mundo Trasnversal Lda, respondendo sistematicamente não sei (fls. 355-v).
Quanto ao depoimento da testemunha JCC… , ao contrário do que os apelantes consideram, trata-se de depoimento que suscita muitas dúvidas, não convencendo; a testemunha foi contabilista da insolvente, da cooperativa TTT... e da MT... Lda, sendo que as operações contabilisticas que refere, tendo por referência os vários negócios celebrados, incluindo a insolvente, a cooperativa, a CP... e a MT... Lda, causam sérias reservas, não podendo deixar de salientar-se a referência da testemunha de que estamos aqui a brincar com operações contabilisticas (fls. 369), também não se alcançando a justificação dos pagamentos de rendas pela CP... à MT..., que depois, contabilisticamente, eram tratadas como receita da TTT... e uma dívida à MT... (fls. 369).
Releva, ainda, pelas inconsistências evidenciadas, o depoimento da testemunha VSM..., a que alude a apelada III... SA, que se afirmou como um dos administradores, juntamente com o seu pai, da MT... Lda, não se percebendo como uma sociedade que é constituída com um capital reduzido, de 5.000,00€ — era o valor que estava disponível naquela altura para fazermos a constituição da empresa (fls.639-v) — posteriormente, vem desistir de uma reclamação de créditos que apresentou, de mais de dois milhões de euros, justificando a testemunha, quando confrontada com essa matéria, que nós estávamos a entrar numa guerra que não era, para mim não era negócio. O que me interessava a mim era o negócio (fls. 641-v).
Em suma, a prova pessoal produzida não releva nos moldes indicados pelos apelantes.
Temos, pois, como correta a avaliação feita pelo tribunal de primeira instância.
Improcede a impugnação.
Facto não provado sob a alínea p)
Foi dado como provado, sob o número 62, que os apelantes avalizaram dívidas da Insolvente no montante de €293.130,01 e dado como não provado a matéria indicada na alínea p), ou seja, que os apelantes avalizaram dívidas da Insolvente e da cooperativa em valor superior a um milhão de euros.
O apelante, não impugnando o número 62, impugnam o juízo valorativo negativo expresso em p), pretendendo que se dê por provada tal matéria, indicando que essa factualidade resulta dos processos n° 4095/15.4 T8OER e 3861/15.5 T8OER, a correr termos nos juízos de execução.
O tribunal motivou a resposta nos seguintes termos: 62 dos factos provados e al. p) dos factos não provados: A análise da lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos apresentada em 02.11.2017 no apenso E, Reclamação de Créditos.
A matéria em causa foi alegada pelos apelantes no articulado de oposição que apresentaram, ao abrigo do art. 188', n'6 — cfr. o art. 21 da oposição do apelante AST... (fls. 56) e o art. 13º do articulado do apelante AAS... (fls. 65), de forma notoriamente conclusiva. Assim:
O apelante AST... alegou:
19. Sabe, inclusivamente, o oponente que AAS... afectou quase todas as suas
poupanças ao longo de uma vida de mais de vinte anos de trabalho, no pagamento de dívidas da
cooperativa e da insolvente, quando uma e outra deixaram de ter capacidade financeira para o efeito.
20. Financiando em muitos momentos, a exploração da cooperativa e da insolvente, nelas injectando
capitais próprios seus, o que mais ninguém fez.
21. Avalizando, tal como o Opoente, pessoalmente dividas destas em valor superior a um milhão de euros. O apelante AAS...:
11. Inclusivamente, afectou quase todas as suas poupanças ao longo de uma vida de mais de vinte anos de trabalho, no pagamento de dividas da cooperativa e da insolvente, quando uma e outra deixaram de ter capacidade financeira para o efeito.
12. Financiando em muitos momentos, a exploração da cooperativa e da insolvente, nelas injectando
capitais próprios seus, o que mais ninguém fez.
21. Avalizando, pessoalmente dividas destas em valor superior a um milhão de euros.
Assim, não concretizando em factos essa alegação, nem juntando qualquer documento de suporte
da mesma, suscetível de suprir essa deficiência no ónus de alegação, não há elementos que permitam
concluir pelo valor indicados pelos apelantes, nos termos em que o fizeram.
Improcede a impugnação.
Improcede, pois, a impugnação do julgamento dc facto apresentada pelos apelantes, mantendo-se nos seus precisos termos o quadro factual fixado pelo tribunal de primeira instância.
5. Da verificação dos pressupostos da qualificação da insolvência como culposa
A insolvência é qualificada como culposa ou fortuita (art. 185), sendo culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência (art. 186°, n°1). Trata-se de noção que vale indistintamente para qualquer insolvente [ 16 ], independentemente, pois, de se tratar de pessoa singular ou coletiva.
Como corretamente se assinalou na decisão recorrida, são pressupostos da qualificação da insolvência como culposa que:
- O devedor — ou o seu administrador, na aceção do art. 6°—, pratique ato que tenha criado ou
agravado a situação de insolvência;
- O ato seja praticado nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, relevando o disposto no art. 40;
- Que o devedor — ou o administrador — tenha agido com dolo ou culpa grave;
Exigindo-se não apenas uma conduta dolosa ou com culpa grave do devedor e seus administradores mas também um nexo de causalidade entre essa conduta e a situação de insolvência, consistente na contribuição desse comportamento para a criação ou agravamento da situação de insolvência .
Ponderando a dificuldade que por vezes reveste a aferição desses pressupostos, o legislador estabeleceu, nos números 2 e 3 do preceito, determinadas presunções (art. 350° do Cód. Civil), que se aplicam, com as necessárias adaptações, às pessoas singulares nos termos do n°4 do art. 186°.
Com referência ao n°2 do art. 186, estamos perante presunção inilidível ou iuris et de iure (are 350 n° 2, in fine, do Cód. Civil), como decorre da letra do preceito, cujo alcance se estende não apenas à existência de culpa, mas também à existência do nexo causal entre a atuação do devedor insolvente e a criação ou agravamento do estado de insolvência.
Ao invés, deve ter-se a presunção do n.° 3 do art. 186° como ilidível (juris tantum), admitindo-se, pois, o seu afastamento perante prova em contrário (art. 350°, n°2 do Cód. Civil).
No caso, a sentença recorrida qualificou a insolvência do apelante como culposa, declarando afetados pela qualificação os apelantes, convocando o disposto nas alíneas b), f), d) e g) do n°2 do art. 186, pelo que são esses os parâmetros que importa apreciar. Quanto à alinea h) do n°2, concluiu-se na sentença recorrida pela não verificação dos pressupostos que determinam o preenchimento da norma sob apreciação, pelo que são irrelevantes as considerações dos apelantes (cfr. a conclusão 68).
Considerou-se ainda preenchida a conduta tipificada no n°3, alinea a) do art. 186, relativamente aos administradores apelantes.
Vejamos, então, cada uma das alineas em causa, sendo que é irrelevante começar por analisar o que a requerente apelada não provou (conclusões 63, 64, 65, 66 e 67) —, centrando-se a nossa análise sobre a factualidade que está assente, dela retirando as ilações que juridicamente se justificarem.
Dispõe o art. 186º, nº2:
2 - Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular
quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham:
a) Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor;
b) Criado ou agravado artificialmente passivos ou prejuízos, ou reduzido lucros, causando,
nomeadamente. a celebração pelo devedor de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com eles especialmente relacionadas;
c) Comprado mercadorias a crédito, revendendo-as ou entregando-as em pagamento por preço sensivelmente inferior ao corrente, antes de satisfeita a obrigação;
d) Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros;
e) Exercido, a coberto da personalidade colectiva da empresa, se for o caso, uma actividade em proveito pessoal ou de terceiros e em prejuízo da empresa;
f) Feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste. em proveito pessoal ou de terceiros. desgnadarnente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse directo ou indirecto;
g) Prosseguido. no seu interesse pessoal ou de terceiro. uma exploração deficitária. não obstante saberem ou deverem saber que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência;
h) Incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor;
i) Incumprido, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração até à data da elaboração do parecer referido no n.° 2 do artigo 188°.
As alíneas a), b), c), d), e), f) e g) reportam-se a atos destinados a empobrecer o património do devedor; já as alíneas h) e i) reportam-se a situações de incumprimento de determinadas obrigações legais.
Com referência, especificamente, ao que dispõe a alínea b), entendemos que o legislador não exige, para o preenchimento do tipo, que se verifique em concreto qualquer benefício para o administrador do devedor ou para pessoa com ele especialmente relacionada.
Como se referiu no acórdão dado TRE de 16-05-2019, [o] fundamento inilidível da insolvência culposa em vista nesta previsão é a criação ou agravamento artificial de passivos ou de redução de lucros da devedora contemplando a segunda parte da previsão exemplos de atos de empobrecimento do devedor suscetíveis de preencher o conceito indeterminado — criação ou agravamento artificial — antes prefigurado, como claramente resulta da expressão nomeadamente.
A criação ou agravamento artificial de passivos ou de redução de lucros da devedora, relevante para efeitos de qualificação da insolvência como culposa carece de apreciação casuística e não exige necessariamente — no dizer do Apelante cumulativamente — o benefício dos administradores da devedora ou de pessoas com eles especialmente relacionados; injustificadas vantagens que exemplificam o artifício mas não o esgotam.
Em suma, mesmo que não se prove que, com a conduta tipificada, o administrador tenha alcançado, para si ou para outrem, qualquer especial beneficio ou vantagem patrimonial, ainda assim é viável a subsunção ao citado normativo, sendo a indicação constante da segunda parte da alínea — causando, nomeadamente, a. celebração pelo devedor de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com eles especialmente relacionadas— de tipo exemplificativo, em ordem a que possa concluir-se que todas as situações com a mesma carga valorativa são suscetíveis de preencher o tipo.
Já quanto à hipótese contemplada na alínea f) do n° 2 do art. 186°, como expressamente enunciado no preceito, exige-se que o administrador do devedor tenha feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, indicando-se, a título exemplificativo — designadamente — que assim acontecerá nos casos em que o favorecimento é de outra empresa na qual tenham interesse directo ou indirecto.
Ponderando a factualidade dada por provada entendemos correta a subsunção feita na decisão recorrida, quanto a estas duas alíneas, incluindo as referências feitas à conduta dos apelantes, aderindo-se ao raciocínio aí exposto. Assim:
4.1.1. Art.° 186.°, n.° 2, als. b) e f):
Provou-se com eventual relevo para o preenchimento da alínea referida que:
A insolvente, com data de 01.07.2015, celebrou com a sociedade MT..., Lda., um negócio, que denominou como arrendamento, no âmbito do qual declarou dar de arrendamento o único prédio de que é proprietária, sito em S…., freguesia de A…., com a área global de 4.420 m2, no qual se encontra edifício com área de implantação de 1.380m2, pelo prazo de 15 anos, mediante pagamento de € 500,00 mensais, com um período de carência de dois anos, em face das obras de adaptação e remodelação a realizar (32 e 33 dos factos provados).
Mais foi convencionado, nesse contrato, que a insolvente não poderia denunciar o contrato antes do termo do prazo e que em caso de resolução ou denúncia por parte da mesma, esta ficaria obrigada ao pagamento de uma indemnização, nos primeiros cinco anos de € 2.800.000,00, nos cinco anos subsequentes de € 1.900.000,00, e nos últimos cinco anos de € 900.000,00, acrescido de direito de retenção.
Nessa data a insolvente, que estava sujeita a aplano de recuperação homologado por sentença transitada em julgado há cerca de seis meses, não tinha trabalhadores ao seu serviço, desenvolvia actividade residual relativamente ao projectado no PER, e fazia-o em instalações emprestadas pela TTT..., CRL, que veio a ser declarada insolvente por sentença transitada em julgado em 02.08.2016 (4, 21,25, 68 dos factos provados). Em 01.10.2015 a insolvente e MT..., Lda. acordaram ainda no trespasse do estabelecimento daquela nas instalações emprestadas da TTT..., CRL em Alcoitão, pelo montante de € 345.723,41, a pagar até 01.07.2030 (72 e 73 dos factos provados).
Acordo este que revogaram em 30.03.2017, com referência à declaração de insolvência da TTT... CRL, declarando, além do mais, terem sido realizados pagamentos no montante de € 31.467,14 (74).
Sendo ainda de concluir, pelo confronto dos valores provados sob os n.°s 7 a 20, 22, 27, 28, 42, 67, 69, 70, 78 e 79, que em 01.07.2015 o PER estaria a ser incumprido pelo menos em relação a alguns trabalhadores, à Fazenda Nacional e à Segurança Social, ao Banco Popular, posteriormente III..., e CCCC.... Não o estando em relação aos demais, porque só então foi atingido o termo do respectivo período de carência.
Analisados os contratos em causa, à luz da factualidade referida, nomeadamente o arrendamento de 01.07.2015, não encontra este tribunal um mínimo de racionalidade económica que o justifique. Desde logo pelo valor da renda, que além de se afigurar desproporcionado para as características do arrendado pelo valor diminuto da mesma, também não tem expressão enquanto fonte de rendimento para os 15 anos subsequentes.
Não podendo esquecer-se que o PER já registava incumprimentos para cuja regularização seria indiferente o rendimento de 500,00 mensais estipulado, para mais com dois anos de carência.
A estipulação de cláusulas penais acordadas, por seu turno, não encontram qualquer correspondência no valor de renda convencionado, só se compreendendo enquanto meio de dissuasão da denúncia ou resolução do contrato, em caso de venda em acção executiva ou apreensão em processo de insolvência, ou como meio de constituição de créditos oponíveis aos demais credores em eventuais assembleias de credores, como aliás se verificou nos presentes autos, ainda que sem sucesso (vide acta da assembleia de apreciação do relatório de 14.08.2017, a fls. 414 a 418 do processo principal em papel.
À data da realização do arrendamento, 01.07.2015, não apenas a insolvente já registava uma situação de incumprimento que só não era generalizada porque o período de carência em relação aos fornecedores só então havia atingido o seu termo, como era evidente a falta de meios para prosseguir a actividade com um mínimo de normalidade. Nomeadamente não tinha trabalhadores e não tinha vendas.
Os administradores, pelo menos os dois que lideravam a gestão da sociedade, não apenas não podiam ignorar essa situação como, tendo submetido a empresa a PER, e tendo tentado o mesmo com a TTT..., CRL, também não ignoravam, nem os riscos de declaração de insolvência que a frustração e/ou incumprimento do PER acarretam, nem a utilidade da constituição de maiorias favoráveis em eventuais assembleias de credores.
A acrescer a tudo o isto, três meses depois, a insolvente celebra com a mesma sociedade um denominado contrato de trespasse, através do qual declara vender à mesma todos os bens de existências e imobilizado, tornando totalmente inviável, até no plano teórico, a prossecução de qualquer actividade em nome próprio. A que acresce que se provou que embora os sócios não sejam pessoas especialmente relacionadas tal como definido no ° 49.°, do GIRE, a sociedade MT..., Lda. foi constituída unicamente para servir de veículo da realização dos negócios referidos.
Estes factos são claramente demonstrativos da constituição artificial de um passivo, seja pela via da oneração do activo através do arrendamento, seja pela via da constituição das cláusulas penais e direito de retenção impeditivos dessa desoneração, em benefício da sociedade MT..., o que determina o preenchimento da previsão do art.° 186.°, n.° 2, al. b), do CIRE.
Por outro lado, afigura-se manifesto que esses actos traduzem igualmente uso dos bens do devedor contrário ao interesse deste, em benefício da sociedade MT..., Lda. e de quem a controlava, de
facto e/ou de direito.
Mostrando-se assim demonstrado, também, o preenchimento da previsão do art.° 186.°, n.° 2, al. f), do CIRE.
Contrapõem os apelantes que a celebração dos contratos entre a devedora/insolvente e a MT... Lda, quer o contrato de arrendamento celebrado em 1 de julho de 2015, quer o de trespasse celebrado em 1 de outubro de 2015 são inócuos porquanto:
- O contrato de arrendamento traduziu uma realidade meramente formal independentemente do seu clausulado contratual, pois que nunca teve início de execução e quando o contrato foi resolvido em benefício da massa insolvente pelo administrador de insolvência a MT... Lda, que não impugnou judicialmente esse ato; sendo que, tendo reclamado o respetivo crédito na insolvência veio a desistir dessa impugnação (conclusões 80 e 81); assim, deste contrato não resultou qualquer prejuízo para a insolvente, nem qualquer benefício para os administradores ou para a sociedade MT... (conclusões 83 e 84);
- O contrato de trespasse foi objeto de acordo de revogação (conclusões 85 e 86).
Concluem que os factos apontados aos apelantes não são subsumíveis nas previsões normativas das alineas b) e f) do art. 186° do CIRE (conclusão 87).
Com o devido respeito, não convence esta argumentação, que se reconduz, basicamente, à afirmação de que quer os apelantes, quer a sociedade aludida, se arrependeram dos atos praticados, não os levando até às últimas consequências e, nessa medida, na perspetiva dos apelantes, revertendo os seus efeitos; o ponto é que por força daqueles contratos a insolvente ficou, factual e juridicamente, impossibilitada de desenvolver a sua atividade nos moldes em que se havia comprometido com os credores no PER, sendo aqueles negócios objetivamente contrários aos interesses da insolvente e favorecendo exclusivamente uma sociedade terceira, cuja constituição e extinção apresenta as vicissitudes a que aludem os números 35 a 41, 76 e 77. Saliente-se que a devedora indicou, no plano aprovado no PER, que a generalidade dos equipamentos que possuía era tecnicamente adequados e suficientes para o desenvolvimento da sua atividade e que perspetivava um volume de vendas de 1.220.484,62€ em 2015 e 1.403.557,32€ em 2016 (cfr. o número 68 dos factos provados); ora, não só não cumpriu esses objetivos, como inviabilizou completamente a prossecução da sua atividade, sendo que se provou que pelo menos a partir de 1 de outubro de 2015 deixou de exercer atividade económica.
As condutas apontadas pelos apelantes são condutas ex post facto, surgem na pendência do processo de insolvência, que não invalidam que aqueles, que estão na base da qualificação, já tivessem ocorrido e surtido efeitos, ainda que minorados por efeito da atuação do administrador de insolvência. Acrescente-se que o processo de insolvência nem sequer foi requerido pela devedora mas pela credora III... SA em março de 2017.
Assim sendo, em face da presunção contida no citado preceito legal, a que já se aludiu, bem como da natureza da presunção, a que lambem se fez referência, mais não resta senão concluir pela verificação dos pressupostos a que alude o art. 186/prct. n°1 e 2, alineas b) e f) e ainda do art. 189° n°s 1 e 2, para a qualificação da insolvência como culposa e da afetação dos ora apelantes por essa qualificação, como determinado na sentença recorrida, improcedcndo, pois, as conclusões de recurso.
Ponderando o exposto, torna-se desnecessária qualquer apreciação acrescida, tendo por referência as demais alíneas do n°2 do art. 186º, bem como o seu número 3 alinea a).
Em todo o caso, sempre se dirá que, sendo porventura questionável a conclusão a que se chegou quanto ao preenchimento dos pressupostos aludidos no art. 186°, n°2, alínea d), atenta a revogação
do contrato de trespasse (cfr. o número 74 dos factos provados) e pese embora a data em que esse ato foi praticado (30-03-2017), temos por inteiramente acertada a conclusão de que se verifica o condicionalismo aludido no art. 186°, n°2, alínea g), devendo concluir-se, como na decisão recorrida, em face dos factos provados que [o] referido conjunto de circunstâncias é claramente demonstrativo do prosseguimento de uma exploração deficitária, no interesse da MT..., e de quem a controlava. Aliás, os apelantes limitam-se a invocar que não há factos que suportem essa valoração (conclusão 90), devendo considerar-se exatamente o inverso, em face dos factos provados, mormente a regulação estabelecida entre as partes nos referidos contratos de arrendamento e de trespasse, que evidencia um claro desequilíbrio de prestações e um pendor protecionista da posição da MT... Lda, mormente em face de outros credores da devedora, colocando-a a coberto de eventuais e futuras contingências associadas à insolvência da devedora, que veio a ser decretada.
Idem para o que na sentença corretamente se indicou quanto ao preenchimento dos pressupostos aludidos no art. 186', n°3, alínea a), não relevando a alegação vertida nas conclusões de recurso (cfr.
conlusões 91 e 92). Assim:
4.1.5. Art.° 186.°, n.° 3, al. a):
Como se referiu antes, o art.° 186.°, n.° 3, do CIRE enumera ainda um conjunto de situações de facto cuja verificação faz presumir a existência de culpa grave dos respectivos agentes.
Os factos provados com eventual relevo para a apreciação da eventual violação do dever de apresentação à insolvência são, no essencial, os referidos em sede de apreciação do art.° 186.°, n.° 2, al. b), f) e g).
Com efeito, resulta da factualidade referida que a insolvente, em 01.07.2015 arrendou por quinze anos e por um preço inexpressivo o único imóvel de que era proprietária, e em 01.10.2015 deu de trespasse o estabelecimento que explorava nas instalações da TTT... CRL.
A partir deste último momento ficou absoTTT...mente desprovida de meios de gerar rendimento que lhe permitissem cumprir o plano aprovado no PER, ou de qualquer outra forma pagar aos credores.
No entanto, a insolvência só veio a ser decretada em Maio de 2017, na sequência de requerimento de Março do mesmo ano, da credora III....
O circunstancialismo apurado, nomeadamente o estado de degradação evidenciado pela empresa em sede de insolvência, contrastante com a imagem de capacidade e qualidade que se procurou transmitir no PER, leva a questionar se este não terá sido um mero expediente para protelar a insolvência da empresa. Porém, não foram trazidos a estes autos elementos suficientes para tal avaliação.
Subsiste no entanto a circunstância de, pelo menos a partir de Julho de 2015, ser inequívoca a situação de insolvência, pelo menos para os administradores que efectivamente se ocupavam da gestão da empresa, que em 01.07.2015 constituíram arrendamentos a favor de MT..., Lda. sobre a generalidade do património imobiliário disponível da insolvente e da TTT..., CRL, em 01.08.2015 cederam à mesma empresa os créditos emergentes do único rendimento conhecido à TTT..., CRL e, em 01.10.2015, trespassaram, ainda à mesma empresa, o estabelecimento explorado pela insolvente.
Nos termos do art.° 18.°, n.° 1, do CIRE, o devedor deve requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 30 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no art.° art.° 3.°, n.° 1, ou à data em que devesse conhecê-la.
AST... e AAA..., sendo os administradores que intervieram em todos os negócios referidos e que efectivamente se ocupavam da gestão da empresa, não podiam desconhecer, e não desconheciam, que a insolvente, não apenas se encontrava já em situação de incumprimento generalizado em relação ao PER como não dispunha de meios para reverter a situação, desde logo porque não tinha trabalhadores e não estava a atingir volumes de vendas que se aproximassem minimamente do projectado. Perante esta situação não apresentaram a empresa à insolvência, antes optando pela realização dos negócios referidos, que deixaram a insolvente ainda mais despojada de meios que lhe permitissem gerar liquidez para cumprir as obrigações assumidas e prosseguir actividade. Ao persistirem nessa conduta até que a declaração de insolvência lhes foi imposta por iniciativa do credor III..., preencheram, com dolo, a previsão da norma sob apreciação.
Relativamente aos demais administradores, a não apresentação à insolvência após o decurso do prazo de 30 dias contado, pelo menos, a partir do negócio de trespasse fá-los incorrer em violação do referido dever de requerer a declaração de insolvência.
Para que os propostos devam ser afectados pela qualificação da insolvência, importa no entanto verificar se estão reunidos os demais pressupostos estabelecidos no art.° 186.°, n.° 1, do CIRE, nomeadamente o nexo causal entre a actuação culposa e a criação ou agravamento da situação de insolvência.
Relativamente a AST... e AAA... entende este tribunal não se suscitarem dúvidas quanto à verificação dos demais requisitos.
Com efeito, o retardamento da apresentação à insolvência configura-se desde logo como instrumental da estratégia e fins perseguidos por estes dois administradores com a realização dos negócios de arrendamento, cessão de créditos e trespasse referidos, permitindo à MT... apresentar-se como titular de uma situação jurídica que efectivamente não detinha, reclamar uma indemnização no valor de € 2.800.000,00 e ainda, apesar dessa situação ter sido revertida pela A.I., retardar a identificação e apreensão do património mobiliário e imobiliário em sede de processo de insolvência, para posterior liquidação. De tudo isto resultou o retardamento da declaração de insolvência e posteriormente da apreensão e liquidação dos bens da insolvente, com o consequente agravamento do valor das dívidas da insolvente por efeito das penalizações e juros por incumprimento.
Improcedem, pelas razões apontadas, as conclusões de recurso.
Pelo exposto, decide-se julgar improcedentes as apelações, mantendo a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.
Notifique.
Lisboa, 1 5 de Outubro 2019
(Isabel Fonseca)
(Maria Adelaide Domingos)
(Ana Isabel Pessoa)