Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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 - ACRL de 21-11-2019   Prestação de contas.
Para que nasça a obrigação de prestação de contas, não importa tanto se na sua base encontramos um determinado negócio jurídico, mas se efetivamente ocorreram atos de gestão de bens e interesses alheios ou, simultaneamente próprios e alheios, uma vez que é da prática destes que emana aquela obrigação.
Pode entre as partes ter sido celebrado um determinado contrato, como o de mandato, sem que exista obrigação de prestação de contas, se nenhum ato de gestão foi praticado; e pode a obrigação de prestação de contas emanar de mera administração de facto, sem que exista um negócio causal, subjacente, obrigação que decorre do princípio geral da boa fé.
Está obrigado a prestar contas aquele que tenha administrado bens alheios, ou simultaneamente próprios e alheios, de que resultem débitos e créditos recíprocos.
(Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art.° 663°, n° 7, do Novo Código de Processo Civil)
Sumário pelo Relator
Proc. 20294/17.1T8LSB.L1 8ª Secção
Desembargadores:  Teresa Sandiães - Ferreira de Almeida - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
_______
Processo n° 20294/17.1 T8LSB.L1 — Recurso de Apelação
Tribunal Recorrido: Juízo Local Cível de Lisboa - Juiz 10
Recorrente: GNF...
Recorridos: MAF... e JMA...
Sumário:
1. Para que nasça a obrigação de prestação de contas, não importa tanto se na sua base encontramos um determinado negócio jurídico, mas se efetivamente ocorreram atos de gestão de bens e interesses alheios ou, simultaneamente próprios e alheios, uma vez que é da prática destes que emana aquela obrigação.
2. Pode entre as partes ter sido celebrado um determinado contrato, como o de mandato, sem que exista obrigação de prestação de contas, se nenhum ato de gestão foi praticado; e pode a obrigação de prestação de contas emanar de mera administração de facto, sem que exista um negócio causal, subjacente, obrigação que decorre do princípio geral da boa fé.
3. Está obrigado a prestar contas aquele que tenha administrado bens alheios, ou simultaneamente próprios e alheios, de que resultem débitos e créditos recíprocos.
(Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art.° 663°, n° 7, do Novo Código de Processo Civil)
Acordam os Juízes da 8a Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa
MAF..., residente na Rua …, e JMA... , residentes na Rua …, intentaram ação especial de prestação de
contas contra GNF..., casado, residente na Rua 9, …, pedindo a citação do Réu para nos termos do artigo 942° do C.PC. vir no prazo de trinta dias apresentar contas de todas as despesas que realizou desde a data de aquisição, incluindo impostos, e receitas, incluindo contribuições dos sócios e valor recebido com a venda, relativamente aos prédios sitos em Lisboa na Rua C…, sexto andar direito e garagem, da freguesia dos Olivais.
Alegaram, em síntese, que o R. está obrigado a prestar contas com os AA. relativamente à compra e posterior alienação de imóvel, nomeadamente, a distribuição em três partes iguais do lucro obtido com a respetiva alienação, uma vez que havia sido acordado entre todos que o imóvel, de que os pais de AA. e R. eram inquilinos, seria adquirido por AA. e R., a aquisição em nome do R., com empréstimo bancário contraído por este, para, após a morte dos pais de AA. e R., ser vendido. Concordaram que seria o Réu a administrar o imóvel e os assuntos relacionados com o negócio, que as prestações de juros, amortizações do empréstimo, seguros e despesas do imóvel seriam suportadas pelos três filhos em partes iguais se os pais (usufrutuários) não as pudessem pagar. Ficou também acordado que após a morte dos pais o imóvel seria vendido no mercado pela melhor oferta encontrada e o lucro obtido seria dividido pelos três em partes iguais, após o Réu apresentar contas. Em 23 de Janeiro de 1997 foi realizada a escritura pública de compra e venda. Em 2001 uma empresa comercial de que o pai de AA. e Réu era sócio passava por sérias dificuldades económicas e necessitava de capital para poder continuar a funcionar. Decidiram então os irmãos e os pais que fosse contraído um empréstimo bancário dando como garantia hipoteca sobre o prédio, que solicitado pelo Réu e avalizado pela P A. e pelos pais. Em 17 de Maio de 2001 foi formalizado o negócio através de escritura pública. A partir dessa data acordaram os irmãos que as prestações seriam pagas apenas pelos três dadas as dificuldades económicas dos pais. Acordaram, igualmente, na abertura de uma conta bancária apenas com o fim de recolher as contribuições de cada um, a qual foi aberta em nome do R.. Os AA. contribuíram com quantias monetárias para pagamento da amortização mensal do empréstimo. Em março de 2016 efetua-se a venda da casa recebendo o Réu do vendedor a quantia prometida menos o valor ainda em divida ao Banco que se encontrava garantido por hipotecas. Insistentemente os AA. têm vindo a solicitar ao Réu que apresente as contas das despesas com o imóvel, das contribuições de cada um dos irmãos e que distribua o lucro apurado pelos três, o que o R. ainda não fez.
O R. apresentou contestação. Alegou, em síntese, que era o legítimo proprietário da casa, pelo que não administrou quaisquer bens alheios, nem em rigor administrou quaisquer bens, pois estava onerada por usufruto em vida dos seus Pais, apenas pagou na sua quase totalidade o empréstimo contraído para a sua aquisição e, após o óbito dos seus pais, os impostos que sobre ela incidem. O R. nenhuma sociedade fez ou pretendeu fazer com os seus irmãos: o R. acordou com os seus Pais comprar a casa de que eram inquilinos, pagando eles o empréstimo contraído para o efeito e tudo se passando como se a casa lhes pertencesse. Porém, os pais do R. deixaram de pagar o empréstimo, por falta de disponibilidade e, posteriormente, faleceram. Os AA. não têm direito a exigir do R. a prestação de contas, por um bem que apenas a ele pertencia.
Conclui pela inexistência da obrigação de prestar contas, pela improcedência da ação e pela sua absolvição do pedido.
Após inquirição das testemunhas arroladas, foi proferida decisão, com o seguinte dispositivo:
reconheço a existência da obrigação do réu prestar contas aos autores nos termos peticionados. Nos termos do artigo 942.°, n.° 5 do CPC, determino a notificação do réu para prestar contas, em 20 dias, sob pena de não lhe ser permitido contestar as que os autores apresentem.
O R. interpôs recurso desta decisão, o qual foi admitido como apelação, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
1. O presente recurso vem interposto da, aliás douta, sentença que reconheceu a existência da obrigação do réu prestar contas aos autores por alegado negócio verbal, celebrado em 1997, nos termos do qual, o réu e os seus dois irmãos se teriam comprometido a dividir em partes iguais os lucros com a venda e as prestações de juros, amortizações do empréstimo, seguros e demais despesas necessárias à comprar à senhoria Segurança Social do usufruto para os pais e da nua propriedade para o réu da casa de que aqueles eram inquilinos.
2. Nos termos dos artigos 875° e 939° do Código Civil e do artigo 80° do Código do Notariado, na redação em vigor em 23.01.1997, data da venda do andar pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, todos os atos que tivessem por objeto bens imóveis deviam ser celebrados por escritura pública.
3. À data, como hoje, também o contrato promessa de compra e venda que tivesse por objeto coisa imóvel só seria válido se celebrado por escrito, assinado por ambas as partes quando ambas se vinculassem (cfr. artigo 410°, n°. 2 do Código Civil).
4. A declaração negocial que não observa a forma legalmente prescrita é nula (cfr. artigo 220° do Código Civil) e a nulidade é invocável a todo o tempo e deve ser oficiosamente conhecida pelo tribunal (cfr. artigo 286° do Código Civil).
5. O negócio cuja celebração nos autos se deu como provado, a ter existido, seria nulo, por vício de forma e outro entendimento não é possível por não ter em conta a unidade do sistema jurídico, em violação do disposto no artigo 9°, n°. 1 do Código Civil: se para o contrato promessa de compra e venda a lei exige documento escrito (cfr. Artigo 410° do Código Civil), qualquer outro negócio com os mesmos efeitos tem também de ser celebrado pelo menos por escrito.
6. A, aliás douta, sentença devia ter conhecido desta nulidade por ser matéria de
conhecimento oficioso (cit. normativo), omissão que a vicia de nulidade (cfr. artigo 608°, n°. 2 e 615°, n°. 1, al. d) do C.P.C.). Ainda que assim não se entendesse, sem conceder,
7. Como se refere na escritura de compra e venda, o andar dos autos foi adquirido ao abrigo do artigo 1° do Decreto-Lei n°. 141/88, de 22 de abril, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n°. 288/93, de 20 de agosto, e era inalienável pelo período de cinco anos (cfr. doc. n°. 1, junto à p. i.).
8. Nos termos do citado diploma o andar podia ser vendido ao respetivo arrendatário ou cônjuge e, a requerimento destes, aos seus parentes ou afins ou a outras pessoas que com ele coabitassem há mais de um ano e, uma vez adquirido, era inalienável durante os cinco anos subsequentes à aquisição (artigo 10°). Em consequência,
9. O negócio cuja celebração nos autos se deu como provado, a ter existido, seria nulo, também por o seu objeto ser contrário à lei (cfr. artigo 280° do Código Civil). Assim,
10. A entender-se que o negócio existiu nos termos que se julgaram provados, sem conceder, a, aliás, douta sentença, devia ter conhecido da sua nulidade, por impossibilidade legal do seu objeto (cfr. artigo 280° do Código Civil), o que não sucedeu, omissão que igualmente a vicia de nulidade (cf artigos 608°, n°. 2 e 615°, n°. 1, al. d) do C.P.C). Ainda que assim se não entenda, sem conceder,
11. Os factos incluídos nos números 3 a 8 do julgamento da matéria de facto não são relevantes para a decisão, porque ocorreram em momento anterior à compra e venda, que veio a ser celebrada nos termos da escritura pública de 23.01.1997 (cfr. doc. n°. 1 junto à p. i.).
12. O facto referido no número 9 dos factos provados deveria referir as declarações negociais documentadas na escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca junta aos autos, pois nela o réu comprou a nua propriedade, mas os seus pais compraram o usufruto, sendo o preço de ambos os direitos pagos com empréstimo contraído pelo réu.
13. Deveria por isso ter-se dito que Por escritura pública de 13.01.1997 o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social declarou vender ao réu a nua propriedade e aos pais dos autores e do réu o usufruto, sobre o andar identificado em 1, pelo preço total de 3.712.800$00, sendo 2.598.960$00 pela nua propriedade (70/prct.) e 1113840$00 (30/prct.) pelo usufruto, para cujo pagamento o réu contraiu empréstimo no montante de 4.826.300$00, a reembolsar no prazo de 30 anos, garantido por hipoteca sobre o imóvel e fiança da autora MFA....
14. O facto incluído sob o número 13 dos factos provados foi assim julgado por não ter sido impugnado, o que não sucede, pois foi alegado no artigo 19° da p. i., expressamente impugnado no artigo 32° da contestação, pelo que foi indevidamente julgado provado.
15. Para prova dos factos incluídos sob os números 16 e 17, não servem as declarações da autora MFA..., que referiu terem os depósitos sido realizados pelo seu marido, a testemunha PA... (cfr. artigo 466° do CPC) e os comprovativos dos depósitos estarem em seu poder (declarações de parte prestadas no dia 19.02.2018 das 00h:12m:15s às Olh:Olm:00s, ao minuto 28:00) ou do autor seu irmão (lugar cit., minuto 55:31), mas não juntou aos autos um único desses documentos.
Além disso,
16. Nos depoimentos, prestados no dia 19.02.2018, das 2h:31mn:11s, às 2:56:00 pela testemunha MN... e das Olh:Olm:37s às 01 h:32m:52s, pela testemunha PA..., não foi referido o depósito inicial das mensalidades devidas desde a data da escritura pública (maio de 2001) até à data da abertura da conta, dado como provado sob o número 16, facto apenas referido em declarações de parte (mesmo dia, minuto 25:00).
17. As declarações de parte, desacompanhadas de qualquer documento, aliás referido como estando na posse da depoente e sem ser corroborado por qualquer testemunha, salvo o devido respeito, não podem ser consideradas suficientes para prova de um facto, sob pena de violação do direito ao processo justo, consagrado no artigo 20°, n°. 4 da Constituição.
18. O facto incluído sob o número 16 deve, pois, ser julgado não provado.
19. Na redação dada ao número 17 dos factos provados resulta que os autores realizaram o pagamento das contribuições pontual e regularmente, o que contraria todos os depoimentos prestados, a saber, as declarações da autora MFA... (declarações de parte prestadas no dia 19.02.2018 das 00h:12m:15s às 01 h:Olm:00s, ao minuto 18:29), o depoimento da testemunha PA... (prestado no dia 19.02.2018, das Olh:Olm:37s às Olh:32m:52s ao minuto 1:27:00 a 1:30:00) e a testemunha MN... (depoimento prestado no dia 19.02.2018, das 2h:31mn: 1 ls , às 2:56:00, ao minuto 2:34:45). Por isso,
20. No número 17 dos factos provados apenas se deveria ter referido que Após a abertura da referida conta, os autores passaram a depositar aí as suas contribuições. Por outro lado,
21. É consabido que a exigência de forma para determinados negócios ...proporciona um mais elevado grau de certeza sobre a celebração do negócio e os seus termos, evitando-se os perigos ligados à falível prova por testemunhas (cit. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3° ed. Actualizada, pág. 430).
22. Com recurso a declarações da parte interessada e testemunhas deu-se como provado que o réu, verbalmente, ... acordou com os autores que os três suportariam, em partes iguais, as prestações de juros, amortizações do empréstimo, seguros e despesas do imóvel (caso os pais não o pudessem fazer) e que, após o falecimento dos pais, o imóvel seria vendido e o lucro repartido pelos irmãos em partes iguais. Porém,
23. Na versão do R. o negócio era diferente, visava igualar os bens a atribuir a cada filho na partilha por óbito dos pais e pressupunha o pagamento pontual pelos autores das quantias acordadas de forma a permitir pagar ao banco mutuante as prestações do empréstimo, pelo que a falta de pagamento pontual pelos autores se traduziu no incumprimento do acordado (cfr. artigos 2°, 29° e 30 da contestação).
24. Na aliás douta sentença (em coerência com a posição assumida durante o julgamento), considerou-se que apurar do cumprimento daquele tipo de cláusulas não faz parte do objeto da ação de prestação de contas, o que torna irrelevante a sua existência.
25. A ser assim havia que decidir nos termos da segunda parte do n°. 3 artigo 942° do Código Civil e mandado seguir os termos subsequentes do processo comum adequados ao valor da causa. Assim,
26. Salvo sempre o devido respeito por opinião contrária, a admitir-se a validade do negócio, a aliás douta sentença não devia ter determinado a notificação do réu para prestar contas, mas antes devia ter mandado seguir os termos subsequentes do processo comum para determinação de todas as cláusulas do negócio celebrado e dos termos em que foi cumprido ou não.
27. Ao assim não decidir, na aliás douta sentença foram violadas as normas acima identificadas, pelo que deve a mesma ser revogada, apenas assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.
Os apelados não apresentaram contra-alegações.
A decisão recorrida considerou como provada a seguinte matéria de facto:
1. MCF... e MFB..., pais dos autores e do réu, eram inquilinos das frações autónomas designadas pelas letras A e S, correspondentes, respetivamente, à garagem e ao sexto andar direito, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua C…, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.° …, da freguesia de S…, e inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo n.° …° (doravante referido apenas como imóvel).
2. O imóvel era propriedade do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social que propôs aos inquilinos a sua aquisição.
3. Os pais dos autores e do réu mostraram-se recetivos à referida aquisição, no entanto, não dispunham da verba necessária para o efeito.
4. Os autores, o réu e os seus pais reuniram-se e acordaram que o imóvel seria adquirido pelos filhos em partes iguais, ficando os pais com o usufruto do mesmo enquanto fossem vivos e, após a morte destes, o mesmo seria vendido e o lucro repartido pelos autores e pelo réu em partes iguais.
5. Como os autores e o réu também não dispunham da verba necessária para a aquisição do imóvel, acordaram que a contração do empréstimo seria feita pelo réu.
6. Foi assim acordado que o imóvel seria adquirido pelo réu, mediante a contração do empréstimo necessário, com fiança prestada pela 1. autora e o seu marido, e que seria o réu a administrar o imóvel e os assuntos relacionados com o negócio.
7. Os pais dos autores e do réu predispuseram-se a proceder ao pagamento das prestações bancárias e despesas do imóvel sempre que pudessem.
8. Os autores e o réu acordaram ainda que as despesas referentes às amortizações do empréstimo, juros, seguros e outras despesas do imóvel seriam suportadas pelos três em partes iguais, se os pais não as pudessem pagar, e que, após o falecimento destes, o imóvel seria vendido e o lucro obtido dividido pelos três em partes iguais.
9. Em 23.01.1997, foi celebrada a escritura pública de compra e venda do imóvel e mútuo pelo réu.
10. Em 2001, os autores, o réu e os seus pais decidiram contrair um empréstimo bancário, com constituição de hipoteca sobre o referido imóvel, para fazer face a dificuldades económicas da empresa dos pais dos autores e do réu.
11. Mais acordaram que o empréstimo seria contraído em nome do réu, com ,fiança prestada pela 1. autora.
12. Em 17.05.2001 foi formalizado o negócio através de escritura pública, nos termos acordados.
13. A partir dessa data, os autores e o réu acordaram que as prestações bancárias seriam pagas pelos três em partes iguais, dadas as dificuldades económicas dos pais.
14. Os autores e o réu acordaram que o valor mensal a pagar por cada um deles seria de e 124,70, valor fixado tendo em consideração o montante mensal das prestações bancárias, bem como os montantes pagos a título de seguros e impostos.
15. Acordaram, igualmente, na abertura de uma conta bancária onde seriam depositadas as contribuições de cada um, a qual foi aberta em novembro de 2001 em nome do réu, da sua mulher e da sua mãe.
16. Os autores realizaram um depósito inicial das mensalidades devidas desde a data da escritura pública (maio de 2001) até à data da abertura da conta.
17. Após a abertura da referida conta, os autores passaram a depositar aí as suas contribuições, o que fizeram, desde essa data, até ao encerramento da conta em outubro de 2011, depois do falecimento da mãe dos autores e do réu.
18. O pai dos autores e do réu havia falecido em 13.07.2005.
19. A mãe dos autores e do réu vem a falecer em 27.08.2011.
20. Após o encerramento da referida conta, os autores começaram a depositar as suas contribuições noutra conta bancária do réu, mas o mesmo solicitou que não o fizessem.
21. Os autores solicitaram então ao réu que abrisse uma nova conta bancária, a fim de continuarem a depositar as suas contribuições.
22. O réu não procedeu à abertura de uma nova conta bancária e os autores deixaram de pagar as contribuições acordadas.
23. Em 2011 e 2012, foram realizadas diversas reuniões entre os autores e o réu para acompanhamento da situação dos pagamentos das contribuições mensais.
24. Era o réu quem mantinha provisionada a conta onde era debitada a prestação ao banco.
25. Em fevereiro de 2016, o réu informou os autores que tinha um comprador para o imóvel, tendo estes concordado com a sua venda.
26. Foi celebrado um contrato de promessa de compra e venda do imóvel pelo valor de 6193.000.000.
27. Em março de 2016, foi efetuada a venda do imóvel pelo réu.
28. Os autores têm vindo a solicitar ao réu que apresente as contas das despesas com o imóvel, das contribuições de cada um e que distribua o lucro apurado pelos três.
29. Às solicitações dos autores para que dividisse imediatamente o produto da venda pelos três, o réu respondeu com a necessidade de apurar as contas, aguardar a liquidação do IRS devido e dividir os demais bens que faziam parte da herança dos pais.
30. Até ao presente, o réu não apresentou aos autores as contas com as despesas realizadas com amortização dos empréstimos e respetivos juros, impostos, seguros e condomínio pagos.
31. Os autores desconhecem o valor que ainda se encontrava em dívida ao banco na data da venda do imóvel, o montante pago pelo réu de IRS relativo a mais-valias e o montante total das contribuições efetuadas por cada um.

A sentença recorrida considerou como não provada a seguinte matéria de facto:
A) Apenas foram efetuados depósitos na conta bancária aberta para o efeito pela mãe e pela 1. autora, de forma irregular, segundo as suas disponibilidades e possibilidades, durante cerca de dois anos.
B) O réu pagou sozinho cerca de 2/3 das prestações devidas ao banco e as despesas devidas pela propriedade da casa.
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e das que forem de conhecimento oficioso (arts. 635° e 639° do NCPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.° 5°, n°3 do NCPC).
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1. Das nulidades da sentença
2. Impugnação da decisão de facto, concretamente relativamente aos itens da matéria de facto provada sob os n°s 3 a 8, 9, 13, 16 e 17, impugnados pela ora apelante.
3. Da obrigação de prestar contas.
Análise das questões:
1. Das nulidades da sentença
O apelante invoca a violação dos ares 608°, n° 2 e 615°, n° 1, al. d) do novo CPC, por
considerar que o tribunal a quo não conheceu do vício de nulidade por inobservância de forma
legalmente prescrita no tocante aos negócios que deu como provados e de nulidade decorrente de
objeto contrário à lei, vícios de conhecimento oficioso.
Estabelece o art° 615°, n° 1 do C.P.C. que:
É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Este preceito está diretamente relacionado com o disposto no art° 608° do C.P.C., dele resultando que o juiz deve apreciar todas as questões que lhe são colocadas, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão daquelas, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
A nulidade de decisão por omissão de pronúncia apenas ocorre quando o Tribunal deixe por decidir qualquer questão temática principal, para o que relevam as pretensões deduzidas e os elementos integradores do pedido e da causa de pedir.
No tocante à falta de forma legalmente prescrita (art° 220° do C.C.), depois de discorrer sobre a exigência de forma de diversos atos que tenham por objeto bens imóveis, o apelante não concretiza qual o contrato celebrado que considera ser nulo.
Mais, da sentença sob recurso não consta qualquer qualificação de negócios jurídicos que determinem forma legalmente prescrita e que impusessem o conhecimento oficioso da consequente nulidade.
Com efeito, a sentença considerou que os acordos firmados entre apelante e apelados atinente à administração pelo apelante de bens simultaneamente próprios e alheios, o obriga a prestar contas.
O mencionado acordo não foi qualificado pelo Tribunal como constitutivo ou modificativo do direito de propriedade sobre o imóvel nem como uma alteração à escritura de compra e venda celebrada em 1997, pelo que não estava o tribunal vinculado a conhecer da imputada nulidade por vício de forma.
O mesmo se aplica à nulidade do negócio celebrado por ter objeto contrário à lei. Não se afirma na sentença que os AA. tenham adquirido o imóvel, em violação do disposto nos art°s 1° e 10° do D.L. 114/88, de 22/04, citados pelo apelante.
Em conclusão, improcedem os fundamentos de nulidade da sentença invocados na apelação.
2. Impugnação da decisão de facto
A recorrente impugna os factos provados sob os nos 3 a 8 (considerando-os irrelevantes), 9 (por entender que deve reproduzir as declarações da escritura junta como documento n° 1 com a p.i.), 13 e 16, pugnando para que sejam considerados não provados e 17, parcialmente não provado.
Observado o disposto no art° 640° do C.P.C., relativamente a alguns dos mencionados itens, COMO infra analisaremos, cumpre apreciar, procedendo à ponderação dos elementos de prova produzidos, mormente aqueles que a apelante refere.
Relativamente aos factos n°s 3 a 8 a recorrente entende que constituem estipulações verbais acessórias da compra e venda, que teve lugar em 23.01.1997, as quais são nulas (cfr. artigo 221° do Código Civil), sendo indiferente para a decisão dos autos saber se em momento anterior os pais dos autores e do réu consideraram soluções diferentes da aquisição pelo réu da nua propriedade e pelos seus pais do usufruto sobre o andar dos autos, com empréstimo contraído pelo réu no mesmo ato. Tais factos, anteriores àquela compra e venda, tenham ou não acontecido, foram prejudicados pela celebração posterior da compra e venda.
No tocante ao facto constante do item 9, o apelante defende que deveria referir as declarações negociais documentadas na escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca junta aos autos.
O objetivo da impugnação da matéria de facto é a alteração do que o tribunal a quo considerou provado ou não provado. É o que decorre do disposto no art° 640° do C.P.C. Para o efeito deve a parte cumprir os ónus exigidos nos n° 1 e 2 do citado preceito.
O apelante nada refere quanto à falta de prova de tais factos (apenas considera irrelevantes os elencados de 3 a 8, e por o elencado no item 9 dever reproduzir as declarações negociais constantes da escritura, conforme redação que sugeriu), pelo que nesta parte improcede a impugnação.
O facto elencado no item 13 foi alegado no art° 19° da p.i. foi impugnado no art° 32° da contestação e tem o seguinte teor:
A partir dessa data, os autores e o réu acordaram que as prestações bancárias seriam pagas pelos três em partes iguais, dadas as dificuldades económicas dos pais.
A data a que se refere encontra-se fixada no item 12: 17.05.2001.
No art° 8° da contestação, o ora apelante alegou que em data próxima daquela, os irmãos do R. comprometeram-se a pagar cada um 1/3 do total da prestação devida ao banco.
A data a que se refere é a alegada no art° 6° da contestação: 17/05/2001.
Também no art° 5° da contestação o ora apelante alegou que Em 2001, a empresa familiar da qual os pais de AA. e R. retiravam o seu sustento entrou em crise e deixou de lhes ser possível pagar o empréstimo.
E no art° 6° da mesma peça processual consta o seguinte:
A pedido de seus pais, em 17/05/2001, o R. contraiu novo financiamento, no montante de 6.000.000$00, reforçando nesse montante a hipoteca sobre o andar.
Verifica-se, assim, que, não obstante a referida impugnação, a alegação factual efetuada na contestação e ora descrita, bem como a sequência factual dada por provada e constante dos itens 10 e 11 (que o apelante não impugna), impõem a manutenção do facto dado como provado em 13, por admitido por acordo (com alegação autónoma, praticamente coincidente).
Sublinha-se que o apelante admite que os apelados se tenham comprometido a suportar, cada um, 1/3 do empréstimo. E não diz que esse compromisso surgiu contra a sua vontade. Tendo o empréstimo sido contraído em seu nome, não se tendo desvinculado daquele compromisso, aceitou-o. Isto é, nele acordou: pagamento por cada um dos apelados e apelante de 1/3. É o que consta do item 13, aceite pelo apelante, que tomou posição definida perante o alegado na petição inicial.
O apelante entende que o facto constante do item 16 deve ser considerado não provado porquanto apenas resulta das declarações de parte da 1' A., as quais desacompanhadas de outros meios de prova não devem ser valoradas; e o facto constante do item 17, por não ter sido produzida prova quanto ao restante segmento, deve ter a seguinte redação:
Após a abertura da referida conta, os autores passaram a depositar aí as suas contribuições. É a seguinte a matéria factual em causa:
16. Os autores realizaram um depósito inicial das mensalidades devidas desde a data da escritura pública (maio de 2001) até à data da abertura da conta.
17. Após a abertura da referida conta, os autores passaram a depositar aí as suas contribuições, o que fizeram, desde essa data, até ao encerramento da conta em outubro de 2011, depois do falecimento da mãe dos autores e do réu.
O Tribunal a quo fundamentou do seguinte modo os factos provado em causa:
As respostas dadas pelo tribunal aos restantes factos fundamentaram-se na análise, global e pormenorizada, do teor dos documentos que foram juntos aos autos pelas partes, em paralelo com as declarações de parte da 1. autora e com o depoimento das testemunhas: PGS..., casado com a 1. autora de quem se encontra separado de facto há 6 anos; MRB..., JCA..., ambos primos dos autores e do réu; MN... , casada com o réu; e SMS..., vizinho dos autores e do réu na Rua ..., do tempo em que estes ainda viviam em casa dos pais e amigo do réu.
Cumpre assinalar que a autora prestou declarações de forma coerente, objetiva e
segura. As suas declarações foram ainda corroboradas pelo depoimento das demais testemunhas, nomeadamente as testemunhas arroladas pelos autores, mas também pela testemunha arrolada pelo réu, MN..., a qual confirmou, em termos genéricos, a versão dos factos relatada pela autora. O tribunal considerou, por isso, credíveis tais declarações, atribuindo-lhes relevância na prova dos factos.
Por sua vez, a testemunha PGS..., embora se tenha confessado zangado com o réu, acabou por apresentar uma postura serena, com um discurso coerente, lógico e objetivo, demonstrando um conhecimento direto e abrangente dos factos em discussão, tendo o seu depoimento ido ao encontro do depoimento das demais testemunhas e das declarações de parte da 1.0 autora, com suporte na documentação junta aos autos, e, como tal, também foi considerado credível, tendo sido fundamental na prova dos factos.
Para prova dos factos foi, igualmente, decisivo o depoimento da testemunha MN... que, de forma espontânea, natural e coerente, acabou por confirmar, em termos genéricos, o relatado pela 1. autora e pelas demais testemunhas inquiridas, nomeadamente a testemunha PA.... O seu depoimento foi, por isso, fundamental na formação da convicção deste tribunal quanto à matéria de facto provada.
Já as testemunhas MRB..., JCA... e SMS..., tiveram uma menor contribuição para a formação da convicção do tribunal, uma vez que demonstraram ter um conhecimento limitado e indireto dos factos em discussão, por via de conversas mantidas com os pais dos autores e do réu ou através dos próprios autores e réu.
Concretizando:
(...)
- A factualidade descrita nos pontos 16 e 17, 20, 21 e 22 teve por base as declarações de parte da 1.ª autora e da testemunha PA... que afirmaram ter feito os pagamentos nos termos acordados entre 2001 e até ao encerramento da conta bancária em 2011, ou seja, durante cerca de sensivelmente 10 anos, a maior parte das vezes, por transferência bancária feita em multibanco pela testemunha PA.... Também não negaram que houve alguns meses em que não pagaram no prazo a mensalidade acordada, mas referiram que sempre que isso sucedeu a situação foi regularizada nos meses seguintes, com a reposição do montante em falta. Mais esclareceram que, no mesmo período, a prestação que cabia ao 2.° autor foi sempre feita pela mãe deste, mas em nome do 2.° autor, fruto de um acordo entre eles. Referiam, inclusivamente, que para facilitar o controlo dos pagamentos pelo réu, a 1. autora transferia a quantia acordada de e124, 70, enquanto MCB..., em nome do 2. ° autor, transferia a quantia de e125,00.
A testemunha MN..., em termos coincidentes, confirmou os depósitos
feitos, durante este período, pela autora, bem como por MCB..., o que se
revelou fundamental para a prova destes factos, tanto mais que esta testemunha era uma das titulares da conta bancária onde os depósitos eram efetuados. Esta testemunha referiu, porém, que os atrasos verificados no pagamento das prestações nem sempre foram regularizados nos meses seguintes.
A partir do falecimento de MCB... e com o encerramento da conta bancária para onde eram feitas as transferências, tanto a 1. autora como as testemunhas PA... e MN... confirmaram que os autores ainda fizeram mais alguns pagamentos durante um curto período de tempo.
Relativamente ao item 16, refere o apelante que apenas a I. a A. afirmou tal facto, em sede de declarações de parte, não se mostrando corroborado por nenhum documento ou depoimento de testemunha, nomeadamente das testemunhas PA... e MN....
A testemunha PA... referiu no seu depoimento:
Mandatário dos apelados: Entretanto, ainda em vida deles, houve um novo mútuo. Recorda-se disso?
P.A.: Houve, houve, porque o meu sogro tinha uma empresa que, na altura, estava com dificuldades, e depois resolveu fazer-se, como é que se chama, um acréscimo, um acrescento ao empréstimo, digamos assim...
Mandatário dos apelados: ....Uma segunda hipoteca?
P.A.:... uma segunda hipoteca, uma extensão da hipoteca, não sei como é que isso se chama tecnicamente, para ir buscar mais algum dinheiro, para pagar algumas dívidas da empresa. Mandatário dos apelados: E o Sr. P... voltou a ser fiador... nesse empréstimo?
P.A: Voltamos a ser fiadores, pois.
Mandatário dos apelados: Recorda-se quando é que começaram a pagar, a contribuir para os encargos deste mútuo?
P.A.: Penso que foi mais ou menos nessa altura porque inicialmente, apesar deste acordo ter sido feito desta maneira... portanto, o meu sogro ainda tinha a empresa, ainda trabalhava, ainda estava válido, ele e a minha sogra, iam pagando as custas do empréstimo do Sr. G..., porque a casa era deles, e pronto eles viviam lá, eles iam pagando, mas nessa altura, mais ou menos, começaram a ter dificuldades e foi nessa altura mais ou menos que nós combinámos dividir a prestação e os custas pelos três e cada um pagava um terço.
Mandatário dos apelados: Assistiu a esse acordo, a essa combinação?
P.A.: Sim, sim, houve outra reunião para este segundo empréstimo. E depois...
Mandatário dos apelados: Nessa reunião foi logo acordado que cada um iria participar ...?
P.A.: Sou-lhe sincero, já não me lembro de pormenores, se foi nessa reunião se foi numa
reunião posterior, mas foi uma coisa que ficou logo decidida, quer dizer, quando a minha sogra disse que estavam com dificuldades em pagar, obviamente que aquilo era um negócio, porque a casa um dia era para ser vendida e para ser dividido o dinheiro pelos três irmãos pelo que era natural que os três irmãos pagassem ... cada um 1/3 das despesas, era de todo o interesse deles.
Mandatário dos apelados: Sabe como é que foi encontrado o valor que cada um haveria de pagar?
P.A.: Na altura, fez-se ... portanto, havia a prestação do banco, não é, somou-se a isso os custos dos seguros de vida, do condomínio, também acho que entrou nessas contas,... pronto, eram as despesas que se previam na altura...
Mandatário dos apelados: Foi feito um cálculo e acordaram que este valor era suficiente? P.A.: Foi feito cálculo das despesas inerentes à manutenção da casa, não é, e do empréstimo, e foi dividido por 3, e por 12 meses, pronto...
Mandatário dos apelados: E esse dinheiro era depositado ou era entregue ao Sr. G..., era...?
P.A.: Foi depositado numa conta que o Sr. G... abriu na altura propositadamente para isso, aliás ele teve uma conta com a minha sogra, não é, teve uma conta de que os dois eram titulares, e era nessa conta que eu depositei muitas vezes, eu próprio, e a MFA... também, depositámos aí...
Mandatário dos apelados: Depositava como, já agora, por transferência?
P.A. Muitas vezes era por transferência, era mais simples, transferência multibanco... Fiz alguns depósitos em dinheiro, também, mas a maior parte foi sempre por transferência.
Mandatário dos apelados: Quando a sua sogra vem a falecer, o que é que aconteceu a esta conta, recorda-se?
P.A.: Sim, recordo, porque eu ainda não me tinha separado da MFA..., ainda estava em casa, foi no final de 2011, e uma vez ou outra que fui fazer a transferência e vinha recusada, dizia que não podia. Dizia Contate o banco, transferência é impossível de se realizar, qualquer coisa deste género. Eu depois na altura tentei falar com o sr. G..., e ele disse na altura eh pá, eu fechei essa conta, e não sei quê, a gente depois acerta como é que há-de se fazer, e não sei quê... . Ainda se fez um depósito numa outra conta que ele tinha, penso eu, um mês ou dois, ... não sei, mas ele depois disse que não queria que se fizesse naquela conta. Entretanto, isso foi mais ou menos na altura, no final de 2011, que eu depois em janeiro saí de casa ... e depois a partir daí, penso que foi quando os pagamentos começaram a ser interrompidos, não é, acho que foi nessa altura.
Mandatário dos apelados: Não sabe se o seu cunhado deu instruções para depositaram noutra conta?
P.A.: Penso que não.
Mandatário dos apelados: ... que ele tenha aberto outra conta para este efeito?
P.A.: Não, acho que não deu, que eu saiba não, a mim não deu ...
(gravação 01:10:52 a 01:15:10).
Mandatário do apelante: Qual é que era o valor da prestação mensal?
P.A.: A prestação apurada, com as contas todas que se fizeram na altura, com os encargos,
e com os seguros, e com os IMIs, e com aquilo tudo, eram E 375,00 por mês. Portanto, cada um dos
irmãos tinha que pagar E 125,00.
Mandatário do apelante: Eram E 375,00 por mês e cada um pagava 125,00?
P.A.: Era um valor que até era já um bocadinho assim por excesso. Eu posso lhe dizer, a
título de curiosidade, por exemplo, para distinguir os depósitos eu até combinei que eu depositava
194,90 ou 194,70.... he... E 124,70, por exemplo, tenho muitos depósitos de 124,70 ou E 124,80,
para se distinguir os depósitos que eu fazia, dos depósitos que o J... fazia.
Mandatário do apelante: Na altura, portanto, o sr. fez os depósitos regularmente todos os
meses?
P.A.: Fiz, todos os meses.
Mandatário do apelante: Nunca falhou um?
P.A.: Houve algumas alturas que me atrasei e paguei depois posteriormente, mas tenho
ideia de ter pago todos.
Mandatário do apelante: Ter-se-á atrasado quanto tempo?
P.A.: Não sei, lembro-me que houve uma altura que tive algumas dificuldades e houve ali
uns meses que não paguei, e depois paguei tudo junto, uns 3 meses ou 4 meses ou 5, coisa assim.
Mandatário do apelante: Ter-se-á atrasado quantas vezes?
P.A.: Poucas, muito poucas. Essa vez, e eventualmente ponho a hipótese de me ter atrasado
mais uma. Mas não tenho..., estou a pôr a hipótese de... Assim... Lembro-me de uma vez que
efetivamente me atrasei alguns meses. Mas foi a única vez. De resto...
Mandatário do apelante: Quando é que se iniciou esse acordo?
P.A.: Portanto a casa foi comprada em 97, depois o segundo empréstimo foi em 2001, e
acho que foi em 2001, foi nessa altura é que a gente começou a fazer o pagamento... foi quando o
meu sogro estava com mais dificuldades, aliás esse empréstimo já foi porque já havia dificuldades
com a loja, com a empresa...
Mandatário do apelante: Portanto, em 2001 começaram a fazer o pagamento?
P.A.: Sim.
Mandatário do apelante: E entre 2001 e a data em que faleceu a sua sogra, portanto, em
2011, só se terá atrasado uma ou duas vezes?
P.A.: Sim.
Mandatário do apelante: Fora isso pagou sempre?
P.A.: Paguei sempre. Mesmo que me tenha atrasado mais algumas vezes, paguei sempre.
Mandatário do apelante: Era o sr. que pagava ou a sua mulher?
P.A.: Uma vez ou outra foi a minha mulher, mas a maior parte das vezes era eu que pagava.
Mandatário do apelante: Portanto, regularmente era o sr. é que ordenava a transferência?
P.A.: Sim, fazia o pagamento no MB.
Mandatário do apelante: Mas esse pagamento era feito ...
P.A.: As contas eram comuns, portanto, as contas eram dos dois, de onde saía o dinheiro.
Mandatário do apelante: Está bem, mas para sair o dinheiro, é preciso dar a ordem...
P.A.: Era eu que ia ao MB, era que que ia ao MB, a maior parte das vezes.
Mandatário do apelante: E foi regularmente?
P.A.: Sim.
Mandatário do apelante: Dessas vezes em que não foi, como é que o empréstimo .foi pago?
P.A.: Pois, efetivamente o Sr. G... terá tido que fazer um esforço nessas alturas.
Mandatário do apelante: Olhe, e o seu cunhado, o J..., pagava regularmente também?
P.A.: Sei que o sr. J... teve algumas dificuldades, mas normalmente a minha sogra pagava
por ele. Muitas vezes, pagou por ele.
Mandatário do apelante: Mas quando tinha dificuldades, ou quando...?
P.A.: Isso, pormenores não sei. Não sei pormenores. Sei que no caso do meu cunhado J...,
houve algumas vezes que ele não tinha condições de pagar, e a minha sogra pagava por ele.
Mandatário do apelante: E pagou a que titulo? Pagou...
P.A.: A título... o dinheiro era dela e faz do dinheiro o que quer e dá ao filho que quer...
Mandatário do apelante: Fez uma doação ao filho?
P.A.: É, uma doação ao filho, certamente.
Mandatário do apelante: Resolveu fazer uma doação?
P.A.: Sim, resolveu pagar pelo filho.
Mandatário do apelante: Mas não era para emprestar o dinheiro?
P.A.: Não, não era emprestar-lhe o dinheiro, era dar-lhe o dinheiro.
Mandatário do apelante: ...dar o dinheiro...
P.A.: Era um filho, tem dificuldades e paga-se-lhe as contas. Também já fiz o mesmo com os
meus.
(gravação 01:28:04 a 01:31:52).
A testemunha NS.., no seu depoimento, disse o seguinte:
Mandatário do Apelante: Depois fez a compra da casa e os pagamentos das prestações do
empréstimo ao banco?
M.N.: Nos primeiros anos, enquanto a empresa ainda funcionou, foram, não sei alguns aninhos, 4, uns 3 ou 4 anos, era a empresa que pagava a casa.
Mandatário do Apelante: E depois, o que é que aconteceu?
M.N.: A partir do ano 2000 o meu marido começou a trabalhar para uma empresa, saiu da empresa da família, e foi o meu marido que começou a pagar a casa sozinho, a partir de, mais ou menos, setembro de 2000. E foi pagando essa casa, pelo menos, durante um ano, sensivelmente, eu não posso precisar a data, mas pelo menos um ano pagou a casa sozinho. A partir de 2001, a minha sogra falou comigo, o meu marido estava fora do país, e disse que queria abrir uma conta para fazer o depósito de algum dinheiro, uma parcela da casa, uma vez que era usufrutuária e, portanto, considerou que queria pagar a casa também e propôs à .filha também que contribuísse para essa... para pagar a casa também. Portanto, durante uns tempos, alguns anos, a casa foi sendo paga pelos três, sendo que, por vezes, esses pagamentos não eram efetuados, porque ou não podiam, ou a minha sogra depois regularizava sempre, quando ficava alguns meses sem pagar, tentava regularizar o valor que tinham acordado, que depositavam nessa conta.
(• • .)
Mandatário do Apelante: Quando essas prestações falhavam o pagamento quem
providenciava pelo pagamento da prestação ao banco?
M.N.: Era a conta, o dinheiro saia da conta do meu marido.
Mandatário do Apelante: O seu marido alguma vez pediu dinheiro emprestado para
conseguir pagar ao banco ?
M.N.: Sim, muitas vezes.
(• • .)
Mandatário do Apelante: Quem é que fazia depósitos nessa conta? Era a sua sogra?
M.N.: A minha sogra e a minha cunhada MFA....
Mandatário do Apelante: A sua sogra quando fazia esses pagamentos identificava se era por ela que pagava ou se era por quê, qual era o motivo porque os fazia?
M.N.: Não, ela nunca falou... não identificava, depositava o valor que ela..., se acordou na
altura.
Mandatário do Apelante: E o valor era quanto?
M.N.: €125,00.
Mandatário do Apelante: Nessa altura, ... portanto a sua sogra depositava €125,00 e a sua
cunhada?
M.N.: 125,60 ou 40. Era assim um valor, não sei bem qual era, mas era por ai.
Mandatário do Apelante: E qual é que era o valor da prestação?
M.N. Não sei precisar; não sei, porque oscilava... Não sei isso muito bem.
Mandatário do Apelante: Mas tem ideia se seria um terço, seria metade (...)?
M.N.: Penso que seria um terço.
Mandatário do Apelante: Portanto € 125,00 seriam um terço?
M.N.: Sim, penso que sim... Era mais ou menos aproximado, até porque os valores iam
variando, não sei muito bem, conforme a taxa, olhe, eu sinceramente peço desculpa, mas confirme
as taxas Euribor ou sei lá, não sei
(—)
Mandatário do Apelante: Quando faleceram os seus sogros o que é que aconteceu?
M.N. Quando faleceram os meus sogros, a minha sogra, portanto, quando faleceu o meu sogro, o meu sogro faleceu em 2005, portanto, continuou a minha sogra a fazer o que fazia...aliás o meu sogro já estava, não estava a trabalhar na altura (...). Quando faleceu a minha sogra, em 2011, foram feitos alguns pagamentos pela minha cunhada e o meu cunhado também fez um ou dois pagamentos. Não sei bem precisar.
Mandatário do Apelante: E depois disso?
M.N.: Depois disso deixaram de fazer.
(gravação 02:34:45 a 2:39:42)
No item 16 está em causa a efetivação de um depósito inicial, correspondente ao período de maio de 2001 até novembro desse ano.
Apenas a A. MFA..., em declarações de parte, referiu um depósito inicial, reportado aos meses que antecederam a abertura da conta, em novembro de 2001 (cfr. gravação min. 25). Tal facto não foi confirmado por qualquer outro meio de prova, designadamente pelo depoimento das testemunhas PA... e MN... ou por documentos (cfr. passagens acima transcritas), os quais estarão na posse da apelada, como afirmou.
Assim, as declarações de parte da apelada MFA..., relativamente ao depósito inicial, desacompanhadas de meios probatórios fiáveis, como documentos (que até referiu estarem na sua posse), bem como do depoimento de qualquer testemunha, tratando-se de declarações interessadas, parciais e não isentas, por corresponderem ao interesse que tem na ação enquanto parte, não devem ser valoradas para prova de factos relativamente aos quais não foram produzidos outros meios probatórios credíveis de sustentação, sob pena de se desvirtuar na totalidade o ónus probatório. Neste sentido v. Ac.R.P. de 15/09/2014, in www.dgsi.pt.
Assim, o facto provado sob o item 16 deverá ser considerado não provado.
Segundo o apelante, no item 17, sugere-se que os AA. realizaram o pagamento das contribuições pontual e regularmente, o que é contrariado por toda a prova produzida.
Todavia, do facto elencado em 17 não consta, nem se retira, tal conclusão. É que nada consta quanto às datas em que foram efetuados. Aliás, na fundamentação da matéria de facto, é mencionado o que tanto a P A. como as testemunhas PA... e MN... referiram quanto à efetivação desses depósitos, no sentido de que não eram pontuais (cfr. declarações de parte min. 18 e passagens dos depoimentos acima transcritos).
Acresce que a redação sugerida nada altera, pois, afirmar-se que Após a abertura da referida conta, os autores passaram a depositar aí as suas contribuições é dar como assente que os autores fizeram depósitos. O demais constante do item 17 apenas baliza o período temporal em que os depósitos foram efetuados, na conta a que alude: com início em novembro de 2001 e termo em outubro de 2011, e não a data concreta a que se procedeu quanto a cada um deles.
Cumpre sublinhar que se trata de questão que apenas assume pertinência na fase subsequente do processo de prestação de contas — e não na fase atual, em que o Tribunal tem, unicamente, que determinar se existe ou não obrigação de prestar contas, para o que é irrelevante saber se existiu depósito inicial, bem como a regularidade dos mencionados depósitos.
Concluindo, procede parcialmente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto quanto ao facto 16, que passa a não provado.
3. Da obrigação de prestar contas
Estabelece o artigo 941° do Código de Processo Civil que a ação de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objeto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se.
A prestação de contas decorre da obrigação geral de informação prescrita no art. 573.° do Código Civil, que pode resultar da lei, de negócio jurídico ou do principio geral da boa fé, e ocorre sempre que o titular de um direito tenha dúvida fundada acerca da sua existência ou do seu conteúdo e outrem esteja em condições de prestar as informações necessárias. A obrigação de prestar contas impende sobre quem administra bens ou interesses (total ou parcialmente) alheios, mesmo que se trate de mera administração de facto. (nesse sentido v. Ac.R.E. de 26-03-2015 e de 20-10-2016, e S.T.J. de 13-11-2003, in www.dgsi.pt).
E como se refere no Ac.R.G. de 18/01/2018, base citada, Abarca, pois, os casos em que, com consequências patrimoniais, alguém trata de negócios alheios ou de negócios, ao mesmo tempo, alheios e próprios, relevando mais a existência factual de atos de gestão de bens e interesses do que a sua fonte.
Para que nasça a obrigação de prestação de contas, não importa tanto se na sua base encontramos um determinado negócio jurídico, mas se efetivamente ocorreram atos de gestão de bens e interesses alheios ou próprios e alheios, uma vez que é da prática destes que emana a obrigação de prestação de constas.
Pode entre as partes ter sido celebrado, um determinado contrato, como o de mandato, sem que exista obrigação de prestação de contas, se nenhum ato de gestão foi praticado; e pode a obrigação de prestação de contas emanar de mera administração de facto, sem que exista um negócio causal, subjacente, obrigação que decorre do princípio geral da boa fé.
Assim, está obrigado a prestar contas aquele que tenha administrado bens alheios, ou próprios e alheios, de que resultem débitos e créditos recíprocos.
Revertendo ao caso dos autos, em face da matéria factual apurada, mormente nos itens 4 a 15, 17 a 20 supra, há que concluir pela existência de obrigação do ora apelante em prestar contas aos apelados, em face dos acordos celebrados quanto ao pagamento dos empréstimos contraídos pelo apelante, relacionados, nomeadamente, com a aquisição de imóvel em seu nome, com vista a futura venda e repartição do respetivo lucro, tendo os apelados efetuado vários depósitos de quantias monetárias em conta titulada pelo apelante, pela sua mulher e mãe, para pagamento das despesas referentes a amortizações do empréstimo, juros, seguro e outras (desde Novembro de 2001 a outubro de 2011, e ainda depois desta data). O apelante recebeu na sua conta os montantes depositados pelos apelados para pagamento das amortizações de empréstimos e outras despesas, e em 2016 recebeu o produto da venda do imóvel, cujo lucro acordara distribuir com os apelados.
É inquestionável que o apelante geriu ao longo de mais de 10 anos dinheiro que não era seu, que lhe foi entregue em cumprimento de um acordo feito com os apelados. Incumbe, ao apelante fornecer aos apelados as informações sobre valores pagos a título de despesas com a aquisição e manutenção do imóvel e respetiva venda a fim de permitir o apuramento do saldo com vista à sua distribuição, como acordado.
O apelante não apresentou as contas com as despesas com amortização dos empréstimos e respetivos juros, impostos, seguros e condomínio, não obstante as insistências dos seus irmãos, ora apelado.
O apelante, nas suas alegações de recurso, veio pugnar pela improcedência da ação uma vez que os negócios constantes dos factos provados, para além dos enunciados nos itens 9 e 12, são nulos por inobservância da forma legal (art° 220° e 286° do Código Civil) e/ou por o seu objeto ser contrário à lei (280° do C.C.).
O apelante não qualificou os negócios que, no seu entendimento, estariam feridos de nulidade. Dos factos provados não se vislumbra que os acordos entre as partes constituam qualquer negócio jurídico para o qual a lei imponha determinada forma e a sua consequente inobservância, ou qualquer negócio cujo objeto seja contrário à lei. Não resulta de tais factos a aquisição da propriedade do imóvel por apelante e apelados, em compropriedade, ou qualquer alteração ao contrato de compra e venda celebrado pelo apelante, mas de um acordo, entre todos estabelecido com vista à respetiva aquisição em nome do apelante, ao pagamento das despesas com a sua aquisição (mormente amortização do empréstimo contraído para o efeito e encargos inerentes, como seguros, impostos), para o qual todos contribuíram, ainda que em partes não iguais (a apurar em sede da discriminação de receitas e despesas) e à divisão do lucro resultante da posterior venda do imóvel, deduzidas as despesas.
Como acima vimos, é irrelevante a fonte de que emana a obrigação (sociedade irregular, como os apelados alegaram na p.i. ou outro negócio), posto que ficou assente que o apelante exerceu atos de administração de bens, simultaneamente próprios e alheios, existindo créditos e débitos recíprocos: por um lado, quantias monetárias depositadas pelos apelados em conta do apelante, destinados ao pagamento de parte dos encargos com a aquisição e manutenção de imóvel adquirido em nome deste, mormente dos empréstimos contraídos pelo apelante — prestação do empréstimo, juros, seguros de vida, IMI, e empréstimo subsequente, pagamentos efetuados pelo apelante a título das mencionadas despesas; e por outro lado, o lucro obtido com a venda do imóvel, depois de deduzidas as despesas.
Neste sentido Ac. STJ de 09-02-2006, base citada:
Ora, a obrigação de prestação de contas existe, umas vezes, porque a própria lei o impõe (v. g. no Código Civil, os arts. 1161°, al. d) - quanto ao mandatário - e 2093° - relativamente ao cabeça de casal) enquanto noutras o dever de apresentar contas resulta de negócio jurídico ou do princípio geral da boa fé. Por consequência, a fonte da administração que gera a obrigação de prestar contas não releva; o que importa é o facto da administração de bens alheios, seja qual for a sua fonte. (...)
De pouco serve, portanto, a determinação da relação jurídica constituída através da procuração emitida a favor do réu marido pela DD (fls. 44), qualquer que seja o negócio subjacente - se é que algum negócio existiu. (...)
Daí que, em boa verdade, se possa concluir que a prestação de contas só tem interesse para o requerente (mandante) quando haja, em relação às partes, créditos e débitos recíprocos, não sendo de
aplicar este processo quando o ato não tenha tido, nas relações entre mandatário e mandante, reflexos patrimoniais.
Essa administração terá necessariamente de ser suscetível de gerar receitas, podendo também impor a realização de despesas; e do apuramento dessas duas realidades, resultará ou não um saldo que o administrador terá de pagar.
Com efeito, a prestação de contas visa a definição de um quantitativo como saldo e tal finalidade pode sempre alcançar-se por uma conta de receitas e despesas, sempre que esta forneça os elementos que permitam conhecer da origem das primeiras e do destino das segundas.
Também não relevam os fundamentos esgrimidos pelo apelante no recurso, no sentido de que o acordo entre as partes tem apenas reflexos na partilha da herança deixada por óbito dos pais (matéria que já havia alegado na contestação e que não foi considerada na sentença — sublinhe-se que, nesta parte, a decisão da matéria de facto não vem impugnada).
O apelante, aliás, não questiona terem os apelados depositado quantias monetárias em conta bancária por si titulada, apenas refuta a pontualidade e regularidade desses depósitos, concluindo pelo incumprimento do negócio por parte dos apelados; o que, no seu entendimento, imporia decidir nos termos do n° 3 do art° 942° do C.P.C..
Não lhe assiste razão. É que a prestação de contas tem como desideratum o apuramento do saldo a extrair do confronto entre as referidas receitas cobradas e despesas efetuadas pelo apelante, de modo a determinar a situação de crédito ou de débito. Na fase subsequente do processo regulado nos art°s 941° e ss. do C.P.C. incumbe precisamente aferir da realização de despesas e de obtenção de receitas, sede em que poderá ter relevância eventuais atrasos no depósito das quantias acordadas.
O art° 942°, n° 3, 2a parte determina o prosseguimento os autos como processo comum, caso o juiz verifique que a questão não pode ser sumariamente decidida.
Ora, a prova produzida, tal como apurada, com a retificação acima efetuada, não suscita dúvidas quanto à existência da obrigação, não se impondo a observância do citado normativo.
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida. Custas do recurso a cargo do apelante.
Lisboa, 21 de novembro de 2019
Teresa Sandiães
Ferreira de Almeida
António Valente