A proteção do registo da indicação geográfica não se cinge à proibição do uso de designações iguais ou semelhantes, visando, além do mais, proteger sinais distintivos e reputação, ainda que a verdadeira origem dos produtos seja mencionada.
Na aferição do juízo de confundibilidade entre produtos o que importa indagar é se o consumidor medianamente atento deste tipo de produto, ao adquirir o doce da apelante, o associa de imediato às marcas tridimensionais da apelada ou aos produtos que a IGP de que é detentora coloca no mercado, tendo sempre presente que se deve ter em conta uma impressão de conjunto e não de pormenor das marcas ou produtos.
(Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art.° 663°, n° 7, do Novo Código de Processo
Civil)
Proc. 333/18.0YHLSB.L1 8ª Secção
Desembargadores: Teresa Sandiães - Ferreira de Almeida - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Tribunal da Relação de Lisboa
8a Secção
Processo n° 333/18.0YHLSB.L1 — Recurso de Apelação
Tribunal Recorrido: Tribunal da Propriedade Intelectual - 2° Juízo
Recorrente: CIC..., LDA
Recorrida: AMP...
Sumário:
1. A proteção do registo da indicação geográfica não se cinge à proibição do uso de designações iguais ou semelhantes, visando, além do mais, proteger sinais distintivos e reputação, ainda que a verdadeira origem dos produtos seja mencionada.
2. Na aferição do juízo de confundibilidade entre produtos o que importa indagar é se o consumidor medianamente atento deste tipo de produto, ao adquirir o doce da apelante, o associa de imediato às marcas tridimensionais da apelada ou aos produtos que a IGP de que é detentora coloca no mercado, tendo sempre presente que se deve ter em conta uma impressão de conjunto e não de pormenor das marcas ou produtos.
(Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art.° 663°, n° 7, do Novo Código de Processo
Civil)
Acordam os Juizes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa
AMP... intentou o presente procedimento cautelar contra CIC..., LDA., HSB... e LMS..., pedindo que os Requeridos sejam intimados a:
1) Cessarem de imediato o fabrico, comercialização, publicitação ou qualquer outra forma de utilização do doce Sardinhas de Peniche ou Sardinhas Doces de Peniche;
2) Absterem-se de fabricar, comercializar, publicitar ou qualquer outra forma de utilização ou qualquer doce que apresente uma apresentação e/ou formato similar às figuras de hóstia dos Ovos Moles de Aveiro;
3) Removerem imediatamente do estabelecimento dos Requeridos as Sardinhas de Peniche ou Sardinhas Doces de Peniche;
4) Providenciarem a remoção das Sardinhas de Peniche ou Sardinhas Doces de Peniche de outros eventuais estabelecimentos onde os mesmos se encontrem à venda;
5) Removerem todo e qualquer publicidade a este produto, quer física, quer on-line, inclusive, no estabelecimento dos Requeridos (na parte exterior ou interior), na página do Facebook da pastelaria e outras redes sociais;
6) Providenciarem a remoção dos vídeos da TVI24 e da CM TV (DOC. 20 e 21); E ainda:
7) A condenação dos Requeridos a pagar, a título de sanção pecuniária compulsória, nos termos do n.° 4 do art.° 338.°-I do Código de Propriedade Industrial, a quantia de €1000,00 (mil euros), por cada dia de atraso no cumprimento da sentença que vier a ser proferida.
Alegou, em síntese, que é titular da Indicação Geográfica Protegida OVOS MOLES DE AVEIRO e lhe compete, de acordo com os seus Estatutos, representar os interesses coletivos dos produtores de Ovos Moles de Aveiro, autorizar o uso da Indicação Geográfica bem como o controlo quanto ao cumprimento dos requisitos necessários para o efeito e a sua certificação. Trata-se de produto regional que goza de uma elevada reputação e notoriedade em Portugal e no estrangeiro. É titular das marcas de certificação tridimensionais, assinalando doçaria. Os Requeridos desenvolveram e comercializam um produto de doçaria denominado SARDINHAS DE PENICHE ou SARDINHAS DOCES DE PENICHE que é semelhante e confundível com os produtos protegidos pela IGP, e viola as marcas tridimensionais tituladas pela Requerente; consubstanciando também um aproveitamento ilegítimo da imagem e reputação dos OVOS MOLES DE AVEIRO, o que tudo é causador de danos.
Os Requeridos deduziram oposição. Arguiram a ilegitimidade dos requeridos HSB... e LMS.... Mais alegaram, em síntese, que a Requerida não tem um exclusivo sobre o produto ovos moles, sendo o produto protegido pela IGP de que é titular o descrito no respetivo caderno de especificações, não tendo o direito de impedir que terceiros fabriquem e comercializem produtos de doçaria feitos com ovos-moles ou semelhantes. A CCC..., Lda. fabrica um doce artesanal que na sua composição tem doce de ovos denominado SARDINHAS DE PENICHE o que afasta qualquer confusão com um produto de AVEIRO. As marcas tridimensionais tituladas pela Requerente distinguem a forma de um peixe diferente de uma sardinha, que é o ex-libris de Peniche. Invocam ainda a titularidade da marca nacional n.° 560... assinalando produtos de pastelaria, marca essa que a Requerida se encontra a usar para assinalar os produtos em causa. Aceitaram expressamente o alegado nos art°s 1° a 39° do requerimento inicial, bem como o constante nos art°s 40 a 51, 56 e 57 (com exclusão das adjetivações, valorações e conclusões de facto e de direito).
Realizada a audiência final foi proferida decisão, tendo os requeridos HSB... e LMS... sido absolvidos da instância, com fundamento na sua ilegitimidade. Mais se decidiu: 'julgo procedente o procedimento cautelar e intimo a Requerida CIC..., Lda. a:
1) Cessar de imediato o fibrico, comercialização, publicitação ou qualquer outra firma de utilização do doce Sardinhas de Peniche ou Sardinhas Doces de Peniche;
2) Abster-se de fabricar, comercializar, publicitar ou qualquer outra firma de utilização ou qualquer doce que apresente uma apresentação e/ou formato similar às figuras de hóstia dos Ovos Moles de Aveiro;
3) Remover de imediato do(s) seu(s) estabelecimento(s) as Sardinhas de Peniche ou Sardinhas Doces de Peniche;
4) Providenciar• pela remoção das Sardinhas de Peniche ou Sardinhas Doces de Peniche de outros eventuais estabelecimentos onde os mesmos se encontrem à venda:
5) Remover toda e qualquer publicidade a este produto, quer física, quer on-line, inclusive, no estabelecimento dos Requerida (na parte exterior ou interior), na página do Facebook da pastelaria e outras redes sociais:
6) Fixo uma sanção pecuniária compulsória de €1.000 (mil ouros) diários por cada dia de incumprimento do decidido em 1) a 3) a contar da notificação desta decisão e, quanto ao decidido em 4) e .5) no prazo de dez dias a contar dessa notificação.
Foi, ainda, ordenada a notificação da TVI e da CMTV para procederem à remoção dos vídeos referidos nos pontos 13 e 14 da matéria de facto (art. 338.°-I, n.°3 do CPI).
A requerida CIC..., Lda. interpôs recurso desta decisão, o qual foi admitido como apelação, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem (após convite deste Tribunal para proceder à sua síntese):
1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos autos, na firme convicção que a mesma resulta de uma errada e insuficiente apreciação da prova produzida em sede da diligência de inquirição de testemunhas, bem como da prova documental junta aos autos, resultando ainda da errada e insuficiente qualificação jurídica que serviu de base à decisão, a qual vai em sentido bem diferente daquele que Vossas Excelências, elegerão, certamente, como mais acertado, depois da necessária reponderação dos pertinentes pontos da matéria de, facto e de direito, e à luz do meios probatórios disponíveis.
2. O objeto do presente recurso é a impugnação da decisão final proferida de procedência do requerido procedimento cautelas.
1- DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO:
3. Ora, no nosso modesto entendimento, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, uma vez que em relação aos factos tidos como assentes, a prova produzida, quer testemunhal, quer documental, impõe, no nosso entendimento, decisão diversa.
4. OS CONCRETOS PONTOS DE FACTO QUE A RECORRENTE CONS1DER.-1 INCORRETAMENTE JULGADOS (art. 640°, n° 1, alínea a) do C.P.C.) são os seguintes, pelas razões que infra se expõem:
- Itens 8°, mas apenas onde se diz «com revestimento de hóstia esbranquiçada», 9° e 12° dos factos provados;
5. A DECISÃO QUE, NO SEU ENTENDER, DEVE SER PROFERIDA SOBRE AS QUESTÕES DE FACTO IMPUGNADAS (art. 640° n° 1, alínea c) do C.P.C.):
- Os itens 9° e 12° dos factos provados devem ser considerados não provados;
- O item 8°, na parte em que se diz «com revestimento de hóstia esbranquiçada», deve ser considerado não provado;
- ITEM 8° DOS FACTOS PROVADOS:
6. Entende a aqui Recorrente que, da conjugação do depoimento prestado pela testemunha VP..., arrolada pela Apelada, com toda a prova documental que se encontra junta aos autos, não foi possível fazer-se prova de toda a factualidade constante no suprarreferido item 8° dos factos provados, designadamente, não se fez qualquer prova de que as aludidas «SARDINHAS DE PENICHE» têm um «revestimento de hóstia esbranquiçada».
7. Acontece que, ao contrário do que consta no item 8° dos factos provados, a hóstia utilizada no revestimento das «SARDINHAS DE PENICHE», é lisa, espalmada e não tem uma cor esbranquiçada, mas antes, a cor cinzenta, fazendo, assim, alusão e remetendo para a cor de uma verdadeira sardinha, conforme supra melhor se demonstrou.
8. Tal factualidade decorre, aliás, do depoimento da testemunha VP..., arrolada, inclusive, pela aqui Apelada, o qual se encontra gravado em suporte digital, e que referiu, repetidamente, que a hóstia utilizada na confeção da «Sardinha de Peniche» não é branca, mas sim cinzenta, tendo sido referido, repetidamente, tal aspeto diferenciador por comparação aos Ovos Moles de Aveiro.
9. Nesta senda, salvo o devido respeito por opinião contrária, tendo em consideração a prova testemunhal produzida e a prova documental que se encontra junta aos autos, não resultou provado que as «SARDINHAS DE PENICHE» têm um revestimento de hóstia esbranquiçada.
10. Este produto é fabricado artesanalmente, com base num molde, o qual corresponde ao corpo de uma sardinha real, e tem uma inovação: uma espinha crocante, feita à base de amêndoa. - ITEM 9° DOS FACTOS PROVADOS:
11. O Tribunal a quo, na sentença que proferiu e de que ora se recorre, considerou como provado no item 9°, dos factos julgados provados, que o doce «SARDINHAS DE PENICHE», aberto, tinha a apresentação que consta da imagem aposta em tal item.
12. Todavia, não pode a aqui Recorrente conformar-se com semelhante conclusão pois, da conjugação dos depoimentos prestados pelas testemunhas, de toda a prova documental que se encontra junta aos autos, bem como do teor do item 8° dos factos provados, resulta que as «SARDINHAS DE PENICHE» têm como recheio doce de ovos e um crocante de amêndoa, circunstancialismo que não decorre da imagem constante no item 9° dos factos provados.
13. Com efeito, a verdade é que tal imagem não reproduz, com verdade e exatidão, a apresentação do interior das «SARDINHAS DE PENICHE», tendo em consideração que o interior do doce que surge na aludida imagem parece tratar-se de um simples recheio de ovos moles, ao invés do referido recheio de doce de ovos com uma espinha de crocante de amêndoa que se assemelha a um biscoito e que compõe o recheio das «SARDINHAS DE PENICHE», como se da espinha de uma verdadeira sardinha se tratasse.
14. E diga-se que o tal crocante de amêndoa não só é perfeitamente percetível ao paladar, conferindo-lhe um sabor e textura únicos, como é, igualmente, percetível a olho nu, assim que se abre o dito doce,
15. Ante o exposto, temos que concluir que o Tribunal a quo também não deveria ter dado como provado no item 9° dos factos provados que o produto aqui em causa, aberto, tem a apresentação que surge representada naquela imagem, porquanto, como supra se demonstrou, tal imagem não representa, fidedignamente, o interior das «SARDINHAS DE PENICHE».
- ITEM 12° DOS FACTOS PROVADOS:
16. Igualmente, entende a ora Recorrente que da conjugação dos depoimentos prestados pelas testemunhas e da ausência de prova documental junta aos autos, quanto a esses factos, não foi possível produzir prova da factualidade constante no item 12° dos factos provados.
17. É certo que, as «SARDINHAS DE PENICHE», por vezes, podem surgir fora da respetiva caixa todavia, quer no estabelecimento comercial explorado pela aqui Recorrente, quer nos escassos eventos culturais ou gastronómicos em que a Recorrente participa e onde divulga os seus produtos, a caixa das «SARDINHAS DE PENICHE» está sempre presente, havendo, aliás, por parte da aqui Recorrente, um especial cuidado na exposição da dita caixa, de forma a que a mesma seja bem visível e percetível para os consumidores, por interesses, desde logo, comerciais da Recorrente.
18. Desta feita, é, pois, completamente falso que as «SARDINHAS DE PENICHE» sejam divulgadas ou comercializadas, sem que se faça referência à denominação «SARDINHAS DE PENICHE».
19. Com efeito, qualquer consumidor que adquira tal doce, quer no estabelecimento comercial da Recorrente, quer em qualquer evento cultural ou gastronómico em que a mesma participe, sabe que está a comprar as «SARDINHAS DE PENICHE» e não outro produto de doçaria qualquer.
20. É certo que as testemunhas PC..., PB... e VP..., todas elas arroladas pela aqui Recorrida e com interesses comerciais e institucionais no sucesso da demanda, ardilosamente, tentaram convencer o Tribunal que a Recorrente vende o produto sem fazer referência ao nome do mesmo.
21. Não obstante, a verdade é que, mesmo tratando-se de testemunhas interessadas no desfecho dos presentes autos, os depoimentos das mesmas não permitem dar como provada a matéria consignada no aludido item 12°, conforme supra melhor se demonstrou no segmento da motivação do recurso, para onde se remete por uma questão de economia processual.
22. Nestes termos, cumpre concluir que a matéria vertida no aludido item 12° é meramente conclusiva, sem qualquer suporte factual e legal que a fundamente.
23. Isto posto, de igual modo, temos que concluir que o Tribunal a quo deveria ter dado como
não provado o item 12° dos factos provados.
II - ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA:
24. Após uma análise objetiva e rigorosa do caso retratado nos autos, salvo o devido respeito, é possível concluir que a sentença recorrida, fazendo tábua rasa de factos que estão provados e não provados no processo, e que, de todo, ignora como se nele não existissem, labora em clamoroso erro de direito ao considerar, antes de tudo, que as «SARDINHAS DE PENICHE» são confundíveis com as marcas registadas pela Recorrida, induzindo o consumidor a fazer uma associação aos produtos protegidos pela «IGP OVOS MOLES DE AVEIRO».
25. Na verdade, se atentarmos à matéria supra exposta, bem como à matéria vertida nos factos provados elencados na Sentença recorrida, somos a concluir que, efetivamente, as «SARDINHAS DE PENICHE» não têm uma apresentação ou formato similar às figuras dos «Ovos Moles de Aveiro».
26. Com efeito, existe, assim, uma clara divergência entre a matéria de facto, efetivamente, provada e não provada e a decisão proferida, decorrente do erro notório na apreciação da prova, o que se invoca com todas as consequências legais daí decorrentes.
III — ERRADA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DAS REGRAS DE DIREITO:
27. Ora, ao invés do que se encontra vertido na Sentença recorrida, da .factualidade efetivamente provada e não provada resulta, claramente, que não se encontram preenchidos os pressupostos de decretamento da providência cautelar requerida nos presentes autos, de acordo com o previsto no art. 338°4 do Código da Propriedade Industrial.
28. Sucede que, a aqui Recorrida não tem um direito de exclusivo ou monopólio sobre o produto alimentar «ovos moles», uma vez que este produto de doçaria existe em vários países, há centenas de anos, com algumas, mas poucas e indistinguíveis, variações, na sua composição ou receita.
29. Ora, os Ovos Moles de Aveiro - IGP obedecem a uma descrição, método de produção, características particulares e área de produção, que os distingue dos «ovos moles» de outras proveniências geográficas e receitas culinárias.
30. Assim sendo, o produto que é efetivamente protegido pela Indicação Geográfica Protegida «Ovos-Moles de Aveiro» é apenas aquele que vem descrito no respetivo Caderno de Especificações, publicado no Jornal Oficial da União Europeia C 170/10, de 23/05/2015, mutatis mutandis, o mesmo se diga em relação às aludidas marcas de certificação tridimensionais da aqui Recorrida.
31. Porém, o Tribunal recorrido entendeu que o produto aqui em apreço, produzido e comercializado pela Recorrente, é confundível com os «Ovos Moles de Aveiro», o que, salvo o devido respeito, não corresponde, de todo, à verdade.
32. Na verdade, o doce de ovos moles não é um doce exclusivo de Aveiro ou, sequer, de Portugal.
33. Existem muitas variações de receitas de «ovos-moles», que também são utilizados como um ingrediente na doçaria tradicional em vários países, frequentemente combinados com amêndoa.
34. Desde logo, cumpre salientar que a Recorrente não utiliza, nem faz qualquer referência ou alusão à «IGP OVOS MOLES DE AVEIRO».
35. A indicação da proveniência do produto «SARDINHAS DE PENICHE» é clara e inequívoca e remete direta e unicamente para a cidade de Peniche, o que, aliás, resulta da sentença recorrida.
36. Portanto, quer a designação do doce da Recorrente, quer a marca de cujo registo a Recorrente é titular, remetem ambas para Peniche.
37. Com efeito, o consumidor, mesmo o mais desatento, só pela designação «SARDINHAS DE PENICHE», percebe que não está perante um produto de AVEIRO, mas antes perante um produto proveniente de Peniche.
38. Ademais, como supra se demonstrou e decorre da prova testemunhal produzida nos presentes autos, bem como da prova documental carreada para os mesmos, as «SARDINHAS DE PENICHE» quando são comercializadas e/ou expostas ou divulgadas nunca estão desacompanhadas da respetiva caixa.
39. Por sua vez, o próprio doce em si, atento o seu formato, a cor da hóstia e o recheio, não faz qualquer evocação aos «Ovos Moles de Aveiro», remetendo, antes, para Peniche.
40. Portanto, não se vislumbra qualquer confundibilidade entre o produto da Recorrente e as marcas coletivas registadas pela Recorrida.
41. Aliás, as «SARDINHAS DE PENICHE» têm a forma lisa de uma verdadeira sardinha que, por sinal, é bem diferente da forma tridimensional de um peixe, com escamas, protegida pelas marcas tridimensionais da Recorrida.
42. Além do mais, os ingredientes das «SARDINHAS DE PENICHE» - açúcar, ovos, água, farinha trigo tipo 55, amêndoa, limão, canela, óleo vegetal -, são bem diferentes dos ingredientes dos «Ovos Moles de Aveiro», os quais se encontram devidamente consignados no aludido caderno de especificações.
43. Desta feita, o recheio das «SARDINHAS DE PENICHE», composto por doce de ovos e um biscoito crocante de amêndoa, não faz qualquer referência, alusão ou confusão com os «Ovos Moles de Aveiro», que apenas são compostos por um singelo doce de ovos.
44. E como se isso não bastasse, o próprio revestimento das «SARDINHAS DE PENICHE», em hóstia de cor cinzenta, e o seu tamanho, remetendo o consumidor para a cor e dimensão de uma verdadeira sardinha, também não gera qualquer confusão ou induz o consumidor em erro, julgando tratar-se de «Ovos Moles de Aveiro».
45. Por conseguinte, a única referência feita a ovos-moles na composição do referido produto produzido e comercializado pela Recorrente deve-se, tão somente, ao facto das SARDINHAS DE PENICHE terem na sua composição um recheio de doce de ovos, o qual é popularmente tomado e conhecido por ovos-moles, por também serem feitos com gemas de ovos, água e açúcar.
46. Não obstante, a Recorrente não anuncia, não publicita, nem comercializa o seu produto como sendo ovos-moles, mas sim como um doce, denominado de «SARDINHAS DOCES DE PENICHE».
47. Assim sendo, não se vislumbra que o consumidor médio, quando confrontado com o produto «SARDINHA DOCE DE PENICHE» associe aos produtos protegidos pela «IGP Ovos-Moles de Aveiro».
48. E como se isso não bastasse, contrariamente ao que a Recorrida se arroga, a mesma não tem um direito de exclusivo, absoluto, sobre a utilização da forma de um peixe, no domínio da doçaria, mas somente sobre as específicas formas de peixe das suas marcas tridimensionais registadas.
49. Ora, o doce da Recorrente corresponde ao corpo de uma sardinha real, a partir do qual foi adquirido o molde.
50. Não obstante, saliente-se, não existe qualquer possibilidade de confusão entre a forma do doce aqui em apreço, produzido e comercializado pela Recorrente, com a forma das marcas tridimensionais da Recorrida.
51. Aliás, o produto da Recorrente é imediatamente identificado como sendo uma sardinha, enquanto os peixões da Recorrida são peixes indiferenciados.
52. Ademais, o doce da Recorrente tem a natural dimensão e forma do corpo alongado de uma sardinha (real), enquanto o corpo dos peixões da Recorrida tem a forma de uma miniatura, compacta e elíptica.
53. Também os elementos decorativos dos referidos doces apresentam dissemelhanças manifestas.
54. Por conseguinte, não é viável a confusão ou erro entre formas tão distintas.
55. Como se isso não bastasse, a verdade é que à data em que a Requerente pediu o registo das suas marcas tridimensionais (17/10/2016), já estava protegida em Portugal (desde 02/05/1994) a marca do registo internacional n. ° 618..., tridimensional, para assinalar biscoitos (classe 30), que a seguir se reproduz:
56. E as semelhanças que se encontram entre as formas protegidas pelas marcas da Requerente com as formas anteriormente protegidas por essa marca são bem superiores àquelas que se poderão estabelecer com a forma usada pela aqui Recorrente.
57. Desta feita, para além de ser claramente infundada a invocação pela Recorrida de que o produto da Recorrente imita as suas marcas, deverá considerar-se que a Recorrida não tem qualquer legitimidade para invocar a imitação das suas marcas (como se viu, inexistente), pois, quando obteve o registo das suas marcas, já estava anteriormente registada uma outra marca (destinada a assinalar produtos afins: doçaria vs. biscoitos') com a qual as suas marcas tinham bem maiores semelhanças do que as que agora invoca sobre o doce produzido e comercializado pela ora Recorrente.
58. Em suma, no caso sub judice não se verifica a confusão da expressão SARDINHAS DE PENICHE (da marca nacional n. ° 560..., de que a Recorrente é titular) com a IGP «OVOS-MOLES DE AVEIRO», e também não se verifica que o doce fabricado e comercializado pela Recorrente, constitua uma imitação ou evocação das marcas tridimensionais de certificação da Recorrida.
59. Na realidade, qualquer consumidor, mesmo que distraído, NUNCA confundirá um doce artesanal designado por «SARDINHAS DE PENICHE» ou referido por «SARDINHA DOCE DE PENICHE», com os «Ovos-moles de Aveiro».
60. Para isso, falta o essencial: a verdadeira confundibilidade junto do consumidor médio, idónea a parasitar o seu prestígio e a sua distintividade.
61. Ora, o risco de confusão consiste em apresentar produtos ou serviços de maneira tal que
leve o consumidor a atribuir esses produtos ou serviços a um concorrente.
62. Assim, sempre que um empresário se aproprie de elementos de atração de clientela de outro, a quem o consumidor associe tal ou tais elementos, há risco de confusão, sendo que, os critérios para aferir o risco de confusão, para efeitos de concorrência desleal, não diferem dos estabelecidos para efeitos de violação do direito à marca, maxime de imitação da marca.
63. Nesta senda, para que se preencha o conceito jurídico de imitação ou de usurpação, torna-se necessário, para além da existência de um registo anterior, que os produtos e/ou serviços em confronto sejam idênticos ou que se verifique uma relação de afinidade entre os mesmos, nexo que, a não se verificar, à partida afasta as possibilidades de indução do consumidor em erro ou confusão, bem como os riscos de associação à marca prioritariamente protegida (vigora, neste contexto, o denominado princípio da especialidade).
64. Assim, o critério de confundibilidade a ter em conta será, portanto, colocado na perspetiva do consumidor médio dos produtos ou serviços em questão, tomando em conta o estrato ou estratos populacionais a que primordialmente são destinados.
65. Todavia, no caso sob Adice, como supra melhor se demonstrou no segmento da motivação do recurso, é inegável a inexistência deste risco.
66. Não há qualquer possibilidade de confusão junto do consumidor médio, mesmo para o consumidor mais desatento, que facilmente distingue a Sardinha Doce de Peniche da Apelante e os produtos protegidos pela «IGP OVOS-MOLES DE AVEIRO» da Apelada, sem o menor risco de aproveitamento parasitário ou da verificação, entre as respetivas entidades titulares, de situações geradoras de fenómenos de concorrência desleal.
67. Aliás, em face de todo o quadro fáctico que vem sendo exposto, nem a Apelante pretende fazer concorrência desleal, nem, muito menos, se vislumbra tal possibilidade.
68. A aqui Apelante nunca visou sequer imitar as marcas tridimensionais da Apelada.
69. Ao invés, no exercício da sua atividade comercial, a aqui Recorrente sempre se absteve de práticas comerciais enganadoras, suscetíveis de enganar/prejudicar o consumidor ou os fornecedores seus concorrentes.
70. Ante o exposto, da conjugação de todos os factos supra descritos, não poderemos concluir que a Recorrente tenha violado os direitos de propriedade industrial da Recorrida, nem que exista um fundado receio de que a Recorrente lhe venha a causar uma lesão grave e dificilmente reparável, requisitos de que depende o decretamento das providências cautelares previstas no nü 1 do art. 338°¬1 do C.P.I.
71. EM SUMA, não se conforma, de modo algum, a ora Apelante com a douta decisão em crise, por entender que, em face da matéria de facto efetivamente provada e não provada, bem como em .face do direito aplicável, o desfecho certo do pleito, e único desfecho possível, no nosso entendimento, seria a improcedência do presente procedimento cautelar, com todas as consequências legais daí decorrentes, o que se requer.
72. Nesta senda, e ante tudo o que acaba de se expor, não nos resta a menor dúvida em reafirmar que a sentença recorrida deve ser substituída por douto Acórdão proferido por V. Exas. que, nos termos supra expostos, revogue a decisão proferida e que julgue improcedente, por não provado, o presente procedimento cautelar.
A requerente apresentou contra-alegação, em que não formulou conclusões, sustentando a manutenção da decisão recorrida.
A sentença recorrida considerou como provada a seguinte matéria de facto:
1. A AMP... é titular do registo das
seguintes marcas coletivas, de certificação:
- marca n.° 572... (tridimensional) requerido em 26.10.2016 e concedido por despacho de 25.09.2017, assinalando, na classe 30, doçaria, na classe 19.1.5 da classificação de Viena, tonéis ou barris deitados, na classe 19.3.1 pequenos recipientes cilíndricos (p.ex. tubos para pílulas, boiões, caixas para conservas, bocais) e, na classe 8.1.22, quadrados de chocolate, amêndoas torradas e cobertas, confeitos, ou outros bombons;
- marca n.° 5721… (tridimensional) requerido em 26.10.2016 e concedido por despacho de 25.09.2017, assinalando, na classe 30, doçaria e, na classe 3.9.18 da classificação de Viena, mariscos de concha (ostras, mexilhões, bivalves, outras conquilhas);
- marca n.° 5723… (tridimensional) requerido em 27.10.2016 e concedido por despacho de 25.09.2017, assinalando, na classe 30, doçaria e, na classe 19.7.1 da classificação de Viena, garrafas
ou frascos de secção horizontal circular ou elíptica;
- marca n.° 5723… (tridimensional) requerido em 27.10.2016 e concedido por despacho de 25.09.2017, assinalando, na classe 30, doçaria e, na classe 3.9.18 da classificação de Viena, mariscos de concha (ostras, mexilhões, bivalves, outras conquilhas);
- marca n.° 5… (tridimensional) requerido em 27.10.2016 e concedido por despacho de 25.09.2017, assinalando, na classe 30, doçaria e, na classe 3.9.18 da classificação de Viena, mariscos de concha (ostras, mexilhões, bivalves, outras conquilhas);
- marca n.° 57… (tridimensional) requerido em 27.10.2016 e concedido por despacho de 25.09.2017, assinalando, na classe 30, doçaria e, na classe 3.9.18 da classificação de Viena, mariscos de concha (ostras, mexilhões, bivalves, outras conquilhas);
- marca n.° 57… (tridimensional) requerido em 27.10.2016 e concedido por despacho de 25.09.2017, assinalando, na classe 30, doçaria e, na classe 3.9.18 da classificação de Viena, mariscos de concha (ostras, mexilhões, bivalves, outras conquilhas);
- marca n.° 57… (tridimensional) requerido em 27.10.2016 e concedido por despacho de 25.09.2017, assinalando, na classe 30, doçaria e, na classe 3.9.18 da classificação de Viena, mariscos de concha (ostras, mexilhões, bivalves, outras conquilhas);
- marca n.° 572… (tridimensional) requerido em 27.10.2016 e concedido por despacho de 25.09.2017, assinalando, na classe 30, doçaria, na classe 3.9.18 da classificação de Viena, mariscos de concha (ostras, mexilhões, bivalves, outras conquilhas) e, na classe 8.1.3, pães longos, «baguettes»;
- marca n.° 572… (tridimensional) requerido em 27.10.2016 e concedido por despacho de 25.09.2017, assinalando, na classe 30, doçaria e, na classe 5.7.6 da classificação de Viena, frutos com casca (amêndoas, amendoins, cacau, nozes, avelãs, etc.);
- marca n.° 572… (tridimensional) requerido em 27.10.2016 e concedido por despacho de 25.09.2017, assinalando, na classe 30, doçaria e, na classe 3.9.1. da classificação de Viena, peixes, animais tendo a forma de um peixe;
- marca n.° 572… (tridimensional) requerido em 27.10.2016 e concedido por despacho de 25.09.2017, assinalando da classificação internacional de Nice, na classe 30, doçaria e, na classe
3.9.1. da classificação de Viena, peixes, animais tendo a forma de um peixe;
2. A AMP... é titular da Indicação Geográfica Protegida OVOS MOLES DE AVEIRO (n.° CE: PT-PGI-005-0518-03.01.2006 — Regulamento (CE) n.° 510/2006 do Conselho —publicado no Jornal Oficial da EU de 22.07.2008) para produtos de padaria, pastelaria, confeitaria ou da indústria de bolachas e biscoitos);
3. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o Caderno de Especificações e Obrigações de Ovos Moles de Aveiro cuja cópia consta do doc. n.° 1 junto com a petição inicial;
4. A IGP OVOS MOLES DE AVEIRO é reconhecida pela generalidade dos consumidores portugueses;
5. Os produtos com essa denominação são mencionados em clássicos da literatura portuguesa como Os Malas, sendo reconhecidos pelas suas características e formas (cfr. marcas tridimensionais suprarreferidas), gozando de boa reputação também internacional;
6. A CIC..., Lda. dedica-se ao fabrico e comercialização de produtos alimentares e explora um estabelecimento em Peniche denominado CCC..., constando do sítio na
internet em < https://grupo....pt/> o seguinte:
Engradecido por uma nova geração, o Grupo CCC... ampliou a sua oferta de panificação no desenvolvimento de pães inovadores, nomeadamente o Pão do Mar e o Pão d 'Algas e também a nível de confeitaria tradicional, criando doces típicos como as Sardinhas de Peniche, os Biscoitos de Peniche, o Pastel d 'Algas e o Pelicano. ;
SARDINHA DE PENICHE
Sardinha fresca que não vem do mar, é a novidade que temos para si. Ideal para oferecer a
amigos e familiares como lembrança desta terra de sardinha, Peniche.
O doce apresenta-se em forma de sardinha. E é recheado com doce d'ovos e uma espinha
crocante de amêndoa.
7. A CIC..., Lda. é titular do registo da marca nacional n.° 560..., pedido em 20.02.2016 e concedido em 2.02.2017 e assinalando, na classe 30 da classificação internacional de Nice, produtos de pastelaria e produtos de pastelaria de amêndoa;
8. A Requerida fabrica e comercializa um produto de pastelaria (que inclui, no site suprarreferido, na categoria de bolos/especialidades) que denomina SARDINHAS DE PENICHE, por vezes também designado de SARDINHAS DOCES DE PENICHE, constituído pela forma de um peixe alongado, com revestimento de hóstia esbranquiçada e recheio de doce de ovos e um crocante de amêndoa:
9. O produto aberto tem a seguinte apresentação:
10. Estes doces são comercializados na pastelaria da Requerida em avulso e em caixas de 6 unidades - como a que foi junta aos autos e que aqui se dá por reproduzida, de cuja tampa consta a marca nacional n.° 560...;
11. E são nomeadamente divulgados on-line no site da Comunidade Intermunicipal do Oeste, no site e na página do Facebook da Requerida e no Tripadvisor;
12. Nessas divulgações, bem como em eventos culturais e gastronómicos, surgem por vezes fora da caixa e sem referência à denominação SARDINHAS DE PENICHE;
13. O produto foi apresentado no programa Manhã CM no canal da CM TV:
(Disponível em:https://www.cmjornal.pt/multimedia/………);
14. Bem como no canal de televisão TVI24 (disponível no link: NANKkzFy…);
15. Sendo apresentado como um produto regional;
16. No seu modo de elaboração, à semelhança dos OVOS MOLES DE AVEIRO, são utilizadas prensas metálicas e folhas de hóstia, sendo depois as figuras recortadas com uma tesoura:
17. No artigo do Jornal Gazeta das Caldas (versão on-line) sobre as sardinhas doces produzidas pela Requerida é referido que: A Sardinha Doce de Peniche é parecida com os ovos moles, mas feita num molde de uma sardinha real;
18. No programa suprarreferido da CMTV foi colocada a legenda ovos moles com espinha crocante de amêndoa:
19. Ao minuto 00.35 o jornalista a afirmou: lá dentro estão os ovos moles;
20. No site da Tripadvisor o produto surge legendado como tendo ovos moles;
21. Num artigo de 30.08.2018 do Jornal das Caldas (https://gazetacaldas.com/sociedade/ja-imaginou-as-sardinhas-e-os-carapaus-doces-pois-.....) escreveu-se:
O grupo G... tem inovado nos últimos anos, tornando-se famoso pela criação do pão de algas, pão do mar, pastéis pelicanos e bolachas com renda de bilros comestível. Mas os seus responsáveis — o casal LMS... e HSB... — não ,ficaram por aqui e continuaram a criar doces. Já lançaram a sardinha e o carapau doce, que hoje apresentamos, e na calha estão, entre muitos outros, o jaquinzinho e a petinga. (...)
A Sardinha Doce de Peniche é parecida com os ovos moles, mas feita num molde de uma sardinha real. No interior tem um doce de ovos (com redução de açúcar) e uma espinha feita de crocante de amêndoa que suaviza o doce. (...)
Por fim, veio o Carapau Doce da Nazaré, que nasceu de uma parceria com a Escola Profissional da Nazaré e que é vendido num quiosque, bem junto ao museu-vivo onde as peixeiras vendem o carapau seco e enjoado.
Mas desengane-se o leitor se pensa que o Carapau Doce é igual à sardinha, mas num molde diferente. Apesar das semelhanças — ambos são inspirados em peixes e ambos feitos em moldes reais — também têm muitas diferenças e a maior é o sabor.
É que os Carapaus Doces da Nazaré são uma criação que surge em parceria com a Escola Profissional da Nazaré, que queria um doce que remetesse para a praia.
O recheio é de doce de ovos (para lembrar a Bola de Berlim), doce de morango (que remete para o gelado Perna de Pau) e crumble (para dar uma ideia de areia). Tudo isto envolvido numa hóstia cinzenta da cor do carapau.
Para o futuro estão previstos novos lançamentos de doces. Nas Caldas a empresa já patenteou alguns e irá apresentar novidades ainda este ano. Em Peniche será lançada a Petinga (sardinha em ponto pequeno) e o SuperTubos. E na Nazaré também será lançado o Jaquinzinho (um carapau doce mais pequeno) e um outro doce que irá simbolizar algo típico daquela vila.
22. Os cremes feitos à base de ovos e açúcar (ovos moles/doce de ovos) integram a receita de vários doces regionais portugueses e estrangeiros;
23. As folhas de hóstia são usadas na confeção de vários doces;
24. A sardinha e a sua pesca têm grande relevância na economia local de Peniche, realizando-se aí anualmente o festival da sardinha de Peniche;
25. Mostram-se registadas as seguintes marcas assinalando nomeadamente pastelaria e confeitaria:
. marca nacional n.° 389… SARDINHAS DOCES DE TRANCOSO;
. marca nacional n.° 539… SARDINHA D'OFIR DA CONFEITARIA PÁ-PÁ;
. marca nacional n.° 575… assinalando, na classe 30, alimentos à base de cacau; alimentos que contêm cacau [como elemento principal]; aperitivos à base de confeitarias; aroma de alcaçuz para confeitaria; artigos de confeitaria cobertos de chocolate; biscoitos aromatizados; bolachas de farinha de trigo integral [graham]; bolachas de confeitaria para cozer; bolinhos doces com uma suave cobertura à base de feijão açucarado [nerikiri]; bolinhos doces de arroz triturado (mochi-gashi); bombons [doçaria]; bombons de chocolate com recheio tipo creme; coberturas para bolos; cremes à base de cacau sob a forma de pastas para barrar; decorações de confeitaria para bolos; decorações para bolos feitas de guloseimas; glacés para confeitaria; sucedâneo de leite-creme; alimentos de massa seca; bolas de massa recheadas de fruta ou carne; bolinhos à base de farinha; bolinhos de massa à base de farinha; massa alimentar contendo ovos; massa alimentar contendo recheios; massa alimentar em forma de conchas;
26. O doce SARDINHAS DE PENICHE da Requerida contém na sua composição os seguintes ingredientes: açúcar, ovos, água, farinha trigo tipo 55, amêndoa, limão, canela e óleo vegetal;
27. Mostra-se registada desde 2.05.1994 a marca de registo internacional n.° 618..., e protegida em Portugal, para assinalar, na classe 30, biscoitos:
A sentença recorrida considerou como não provada a seguinte matéria de facto:
O fornecedor de prensas, ferros e folhas de hóstias da Requerida seja um produtor certificado
de OVOS MOLES DE AVEIRO.
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e das que forem de conhecimento oficioso (arts. 635° e 639° do NCPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.' 5°, n°3 do NCPC).
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1. Inadmissibilidade de impugnação do único facto considerado como não provado, constante das contra-alegações.
2. Admissibilidade dos documentos juntos pela recorrente e pela recorrida com as respetivas alegações de recurso.
3. Impugnação da decisão de facto, concretamente relativamente aos itens da matéria de facto provada sob os nos 8, 9 e 12, impugnados pela ora apelante.
4. Da imitação ou evocação da IGP Ovos Moles de Aveiro e da imitação das marcas tridimensionais da apelada.
Análise das questões:
1— Inadmissibilidade de impugnação do único facto considerado como não provado, constante das contra-alegações.
A apelada, nas suas contra-alegações (cfr. pontos 37 a 42), veio argumentar que se deve considerar provado que o fornecedor de prensas, ferros e folhas de hóstias da Requerida seja um produtor certificado de OVOS MOLES DE AVEIRO, em face do documento n° 1 junto com as alegações da apelante, bem como em resultado do documento que juntou com as contra-alegações sob o 11° 25.
O facto em causa foi alegado no art° 54° do requerimento inicial pela Apelada.
A apelada limitou-se a apresentar resposta ao recurso, não requereu a ampliação do seu objeto, nos termos do disposto no art° 636° do C.P.C., não formulou conclusões, terminando a alegação do seguinte modo:
deve o presente recurso ser julgado improcedente, por provado, confirmando-se a decisão recorrida com todas as consequências legais, com o que se fará JUSTIÇA!
Como refere Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5' edição, p. 126:
Neste caso, à semelhança do que ocorre quanto ao recurso principal, em sede de ampliação do objeto do recurso cumprirá ao recorrido impugnar, nas contra-alegações, a decisão da matéria de facto, nos termos do art° 638°, n° 5, dando ao Tribunal da Relação a possibilidade de introduzir as pretendidas modificações.
No exercício dessa faculdade deve a parte observar os requisitos legais previstos para a impugnação da decisão da matéria de facto que estão previstos no art° 640°, incluindo a formulação de conclusões, pois são estas que delimitam o objeto da pretendida ampliação.
Não só a recorrida não observou os mencionados requisitos como nenhuma crítica aponta à valoração da prova produzida em 1a instância. Com efeito, a recorrida pretende socorrer-se de documentos juntos nas alegações de recurso e na respetiva resposta, para que seja considerado provado um facto que já havia alegado no requerimento inicial e sobre o qual lhe competia o ónus de prova, que não logrou alcançar (veja-se fundamentação da decisão de facto da sentença, quanto a este aspeto).
É, pois, inadmissível a pretendida alteração da matéria de facto.
2. Admissibilidade dos documentos junto pela recorrente e pela recorrida com as respetivas
alegações de recurso.
A recorrente juntou com as suas alegações de recurso (e por requerimento datado de
26/08/2019, que havia protestado juntar naquelas) os seguintes documentos:
— cópia dos balancetes relativos aos anos de 2017 e 2018 (doc. n°s 1 e 3) — fls. 369 e ss. e 591.
— cópia dos comprovativos de IES relativos aos anos de 2017 e 2018 (doc. nos 2 e 4 - fls. 375v° e ss. e 524 e ss.
- cópia de dois contratos de trabalho (doc. n° 5 a fls. 408 a 410)
- cópia de faturas (doc. n°s 6 a 8, a fls. 410v° a 416).
Por sua vez, a recorrida juntou com as suas alegações os seguintes documentos:
— cópia de escritura de constituição da associação, ora apelada, datada de 04/10/2000 (sob o n° 25) — fls. 478 e ss..
— cópia de acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, datado de 02/05/2019 (sob o n° 26) — fls. 485 e ss..
Nos termos do artigo 651° do Código de Processo Civil: as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425° ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instância. E o 425° do CPC estabelece que: Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento.
Os documentos juntos pela recorrente destinaram-se a sustentar o efeito suspensivo do recurso, que requereu, e que foi indeferido. Não obstante a junção dos documentos n°s 3 e 4, a convite deste Tribunal, não vislumbramos que dos mesmos resulte qualquer alteração da factualidade já considerada pelo tribunal a quo, mantendo-se, pois, o efeito atribuído ao recurso.
Em face das normas supracitadas, são os mesmos admissíveis.
A recorrida veio pugnar pela inadmissibilidade dos documentos/fotografias que a recorrente introduziu, como ilustrações das suas alegações, pugnando pelo desentranhamento da peça processual e sua substituição.
Efetivamente a recorrida usou fotografias, inserindo-as juntamente com o texto das alegações, não juntas aos presentes autos anteriormente, nem é feita qualquer referência à sua origem (cfr. fls. 420 e 421 v° dos autos e fls. 109 e 112 da peça processual).
A sua inserção/junção na peça processual não respeita os citados preceitos legais, pois não foram apresentadas no momento processual próprio, nem foi justificada a impossibilidade da sua apresentação anterior (antes do encerramento da discussão da causa em 1a instância), pelo que, na impossibilidade de se ordenar o seu desentranhamento, o seu teor não será considerado para qualquer efeito.
Relativamente ao documento junto pela recorrida sob o n° 25 com as suas contra-alegações, a sua não apresentação no momento processual próprio e não alegação da impossibilidade de apresentação anterior, determinam a inadmissibilidade do mesmo.
Assim, determina-se o desentranhamento e devolução à apresentante do doc. n° 25.
Por seu turno, atenta a data do acórdão que constitui o doc. junto sob o n° 26, admite-se a sua junção.
3. Impugnação da decisão de facto
A recorrente impugna os factos provados sob os n°s 8 (parcialmente), 9 e 12, pugnando para que sejam considerados não provados.
Observado o disposto no are 640° do C.P.C., cumpre apreciar, procedendo à ponderação dos elementos de prova produzidos, mormente aqueles que a apelante refere, bem como aqueles que a apelada contrapõe.
Procedeu-se à audição integral dos depoimentos prestados pela totalidade das testemunhas,
bem como à visualização do programa Manhã CM mencionado no item 13 dos factos provados e junto aos autos como doc. no 20, anexo ao requerimento inicial.
No tocante ao facto constante do item 8, pretende a recorrente que seja considerado não provado o seguinte segmento com revestimento de hóstia esbranquiçada.
O item 8 dos factos provados tem a seguinte redação:
A Requerida fabrica e comercializa um produto de pastelaria (que inclui, no site suprarreferido, na categoria de bolos/especialidades) que denomina SARDINHAS DE PENICHE, por vezes também designado de SARDINHAS DOCES DE PENICHE, constituído pela forma de um peixe alongado, com revestimento de hóstia esbranquiçada e recheio de doce de ovos e um crocante de amêndoa:
Entende a recorrente que da conjugação do depoimento da testemunha VP... com toda a prova documental junta aos autos não foi possível fazer prova de que as Sardinhas de Peniche têm um revestimento de hóstia esbranquiçada.
A testemunha VP... referiu no seu depoimento (passagens da gravação indicadas e/ou transcritas pela recorrente):
V.P.: (...) realmente quando chego à mesa para o nosso cafezinho, p'ra água, para o sumo de laranja, e por aí )(Ora, e pró docinho, efetivamente deparo-me com aquilo que pra mim era Ovos moles, a única coisa é que a hóstia era cinzenta.
Naquele dia a informação, que depois acho que tenho (...) E, portanto, peguei no telefone e liguei para a diretora, a gestora ao .fim e ao cabo da AMP... a Dra. P... e perguntei-lhe: Oh Dra., estou aqui em Sesimbra, tem conhecimento disto...? Portanto, é aí que é despoletado, ela transmite-me que efetivamente havia já (...) da parte jurídica da Associação para proceder em conformidade, digamos assim. Eu enquanto consumidor, efetivamente, olhando para um e para outro só a cor é que realmente os distingue.
Juiz: A cor é diferente da sua hóstia...
V.P.: A nossa hóstia é tradicional, branca, de farinha de trigo
(gravação min. 02:14 a 03:18).
Por sua vez, a apelada entende que a cor esbranquiçada da hóstia resulta designadamente dos
documentos juntos sob os n°s 13, 15, 18, 19 a 21, bem como do depoimento da testemunha PC...
Castanheira.
Eis a parte transcrita pela recorrida do depoimento desta testemunha:
Mandatária da recorrida: o que achou quando viu aquele produto, fez-lhe lembrar algo?
P.C. Fez-me lembrar os Ovos Moles de Aveiro porque é tão igual
Mandatária da recorrida: igual em que sentido? Com base em quê?
P.C.: A parte de fora, a hóstia branca e depois por dentro os Ovos Moles.
(gravação min. 04:12 a 04:34).
O vocábulo esbranquiçado tem os seguintes significados:
- quase branco; pálido; descorado; alvacento (in infopédia, Dicionários Porto Editora).
A testemunha PC... (cfr. gravação min 04:12 a 05:35), afirmou ter adquirido duas Sardinhas de Peniche no estabelecimento da requerida CCC..., aquelas que fotografou e constam do documento n° 15, o que confirmou em audiência (cfr. min 3:00).
E dos documentos juntos com o requerimento inicial sob os n°s 13, 15, 18, 19, 20 e 21 (não impugnados pela apelante) resulta que a hóstia das Sardinhas de Peniche apresenta uma cor que não é perfeitamente branca (umas vezes quase branca, outras vezes creme ou acinzentada).
Em suma a cor esbranquiçada da hóstia das Sardinhas de Peniche corresponde ao que consta desses documentos e que se visualiza com melhor acuidade no documento n° 20 (vídeo do programa Manhã CM no canal da CM TV, que recolheu imagens, quer da zona de fabrico do doce, quer da loja onde o mesmo se encontra em exposição, assim como exibe os doces no estúdio da TV onde se realizou o programa).
A menção feita pela testemunha VP... quanto à cor da hóstia, em confronto com os demais meios de prova assinalados, é manifestamente insuficiente para fundar a alteração da matéria de facto neste aspeto.
Improcede, pois, a impugnação.
No tocante ao item 9 a recorrente veio alegar que a imagem não reproduz com exatidão e verdade o interior do doce Sardinhas de Peniche, uma vez que este contém um crocante em amêndoa, o que não é visível nessa imagem, o que decorre de todos os depoimentos e prova documental, destacando os prints screens extraídos do doc. n° 20 anexo ao requerimento inicial.
A apelada contrapôs a aceitação pela apelante do teor do documento n° 21 e do facto por si alegado.
Atentemos no seguinte: o item 9 reproduz o facto alegado pela recorrida no requerimento inicial sob o art° 44° (e print screen que o ilustra, extraído do vídeo junto como documento n° 21). Na oposição que apresentou, a ora apelante, admitiu expressamente o teor do art° 44° (cfr. art° 40°) e não impugnou o aludido documento n° 21.
Tal facto está, pois, admitido por acordo.
E ao abrigo do disposto no art° 607°, n° 4 do C.P.C. (ex vi do art° 663°, n° 2) devia/deve, como tal, ser considerado provado.
Neste sentido v. Abrantes Geraldes, obra citada, pág. 289:
Com efeito, nos termos do art° 663°, n° 2, aplicam-sc ao acórdão da Relação as regras prescritas para a elaboração da sentença, entre as quais se insere o art° 607°, n° 4, norma segundo a qual o juiz deve tomar em consideração na fundamentação da sentença (que agora integra também a decisão sobre os temas da prova) os factos admitidos por acordo e os plenamente provados por documento ou por confissão reduzida a escrito.
Sempre se dirá que a composição do doce se encontra descrita no item 8, quer quanto ao aspeto exterior, quer quanto ao recheio, concretamente, doce de ovos e crocante de amêndoa, o que também é visível na fotografia que ilustra tal item. É certo que o crocante não se vislumbra na fotografia do item 9 (o que pode resultar de diversas circunstâncias, como por exemplo do corte em concreto), mas não o exclui.
Improcede a impugnação.
Relativamente à factualidade constante do item 12 alega a recorrente que não foi produzida prova testemunhal ou documental, sendo puramente conclusiva, sem suporte factual ou legal, estando vedado ao Tribunal considerar na matéria factual meras conclusões, uma vez que as testemunhas indicadas neste segmento da decisão da matéria de facto não estiveram presentes em evento onde constatassem a exposição dos doces da recorrente, como decorre dos seus depoimentos, que a apelante transcreveu, como segue:
MANDATÁRIA DA RECORRIDA: E o quê que sabe sobre esses produtos?
PC...: Isto são, são produtos de ovos-moles com hóstia em forma de sardinha.
MANDATÁRIA DA RECORRIDA: Mas viu pessoalmente?
PC...: Sim, vi pessoalmente, comprei para provar na pastelaria juntamente com um café e comprei duas sardinhas que foi posta numa caixa branca e que das quais também depois tirei fotografia e que enviei para o Engenheiro RA... que é da AMP... também.
MANDATÁRIA DA RECORRIDA: Ok. E diga-me uma coisa: como é que esses produtos estavam à venda? Como é que estavam expostos quando entrou na pastelaria?
PC...: Estavam num balcão, uma daquelas vitrines expositoras num prato salvo erro branco, onde tinha várias sardinhas.
MANDATÁRIA DA RECORRIDA: E tinha alguma referência ao nome do produto?
PC...: No balcão expositor não.
MANDATÁRIA DA RECORRIDA: Então essa caixa que viu aí no documento 13 que faz
referência às sardinhas de Peniche não foi a caixa que lhe .foi entregue?
PC...: Não, a caixa que me foi entregue foi uma caixa daquelas habituais
de pastelaria de quando pedimos bolos para levar para casa, branca. Normalmente entre nós
chamamos caixa de pasteleiro.»
(gravação min 02:20 a 04:08)
JUIZ — Sabe, portanto, o quê que está aqui em causa? Já conhece a G..., Lda.? Já conhecia ou conhece-a por causa, enfim, só desse processo, deste litígio?
PB... — Exatamente, sim... e é assim, inicialmente, eu soube digamos assim, não quem era a empresa mas, sim a primeira situação que nós tivemos conhecimento e, normalmente, o contacto é sempre feito para mim, foi dois associados que estavam numa... dois produtores de ovos-moles que estavam numa feira de âmbito nacional de gastronomia em Santarém, onde levam os ovos-moles de Aveiro para comercializar e promover, também é uma das funções da AMP..., mas neste caso foram dois associados, ligaram-me porque... portanto, eles levam sempre os ovos-moles em diferentes formas de apresentação e uma das formas de apresentação é pôr os ovos-moles na canastra, as diferentes figuras, mas como temos uma figura maior de um peixe que pesa mais, portanto, colocam-no numa canastra, de verga característica, portanto, a parte do pescar precisamente e que nós aqui em Aveiro utilizamos muito para apresentar o produto, em que põem as figuras desses peixes maiores e vendem à unidade e, portanto, começaram-se a defrontar com as pessoas a questionar(...) que toda a imagem do stand é sempre ovos moles de Aveiro, figura típica que se nos apresenta, as pessoas questionarem se aquele produto que ali estava exposto eram as sardinhas, e se eram as sardinhas de Peniche, porque pelos vistos tinha saído na semana anterior ou uns dias antes, isso também já não sei precisar, uma reportagem sobre esse novo produto no mercado e, portanto, eles recorreram logo à associação para saber o que se estava a passar e que havia uma confusão nas pessoas e que eles explicavam que aquilo eram os ovos-moles de Aveiro e que aquilo era uma figura característica desde sempre dos ovos-moles, e, portanto, a partir daí, nós — a associação, fomos ver o que se passava e, portanto, fomos ver os vídeos que deram nos canais de televisão e, portanto, começamos depois, efetivamente, a ver o quê que se estava a passar no mercado e a ver de que forma é que nos prejudicava enquanto produtor tradicional .
(gravação min 01:58 a 04:36)
JUIZ: Muito bem... Sabe o quê que estamos a tratar aqui? O quê que está aqui em causa? VP...: — Sim, portanto, fui eu inclusivamente, penso que já estava despoletado
o assunto, numa minha deslocação a Sesimbra,... num evento ligado aos fundos do mar 2020... em que vieram representantes do país todo, e, neste caso, quem me convidou porque tinha metido um projeto foi o grupo da ação local da CIRA de Aveiro, que é a Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro,
e, convidou portanto, para estar presente, para apresentar o meu projeto, e sugeriu que ia haver
um lanche partilhado, para todos levarmos alguma coisa da região, eu enquanto produtor peguei os meus ovos-moles e, ... portanto, ao pegar os ovos-moles, chegamos e fizemos a entrega deles, desenrolou-se os trabalhos com as apresentações dos diversos projetos do país e, realmente quando chega a mesa para o nosso cafezinho, p'ra água, para o sumo de laranja, e por aí fora, e pró docinho, efetivamente, deparo-me com aquilo que pra mim eram ovos-moles, a única coisa é que a hóstia era cinzenta. Naquele dia a informação, que depois acho que tenho (...) E, portanto, peguei no telefone e liguei para a diretora, a gestora ao fim e ao cabo da AMP... a Dra. P... e perguntei-lhe: Oh Dra., estou aqui em Sesimbra, tem conhecimento disto...? Portanto, é aí que é despoletado, ela transmite-me que efetivamente havia já (...) da parte jurídica da Associação para proceder em conformidade, digamos assim. Eu enquanto consumidor, efetivamente, olhando para um e para outro só a cor é que realmente os distingue.
(gravação min. 01:10 a 03:12)
(...)
MANDATÁRIA DA RECORRIDA: O Sr. VP... já respondeu aqui à maior parte das questões que, no fundo, sabemos como é que tinha tido conhecimento do produto, só queria aqui um esclarecimento: quando lhe apresentaram esse produto referiu que nunca tinha visto aquela caixa, como é que o produto foi apresentado?
VP...: O produto estava como os nossos ovos-moles, como os bolinhos e uma bola de carne, como todos os produtos estavam, portanto, sem embalagens, as nossas próprias embalagens.
Juiz: Os seus também estavam sem embalagem?
VP...: Exatamente. Nenhum estava com embalagem, portanto, Sra. Dra., é o primeiro contacto que estou a ter com essa caixa, ok? Não tinha conhecimento. Portanto os produtos estavam dentro de pratos, expostos em cima da mesa.
(min. 04:04 a 04:47).
A apelada sustentando a manutenção do decidido, indica os depoimentos das testemunhas PC... (gravação min. 2:58 a 04:01), VP... (gravação min. 1:15, 04:47, -passagens que transcreveu, coincidentes com as transcritas pela apelante e acima reproduzidas) documentos juntos com o requerimento inicial sob os n°s 15, 18, 19 e 20.
É a seguinte a fundamentação da matéria de facto constante da decisão recorrida:
O Tribunal formou a sua convicção sobre a matéria de facto com base na análise global e ponderada dos documentos juntos aos autos, na consulta dos sites na internet referidos na matéria de facto e da base de dados do INPI (https://inpijustica.gov.pe) e nos depoimentos das testemunhas ouvidas na audiência de julgamento: PC..., comercial da Fabridoce (com sede em Aveiro), VMP..., produtor de ovos-moles e membro da Requerente, P…, secretária geral da Requerente, e ARP…, Vereadora da Câmara Municipal de Peniche.
Em especial quanto ao ponto 12 foi relevante o depoimento da testemunha PC..., que comprou doces na pastelaria CCC... e referiu que no balcão expositor não havia qualquer referência ao nome do doce e que os que comprou lhe foram entregues numa caixa de pastelaria de papel normal; e ainda o depoimento de PB..., que esteve presente numa feira onde o doce em questão estava colocado em canastas sem qualquer menção ao nome; o que ainda foi corroborado pela testemunha VP..., referindo-se a uma feira que teve lugar em Sesimbra.
Relembremos o teor do item 12:
Nessas divulgações, bem como em eventos culturais e gastronómicos, surgem por vezes fora da caixa e sem referência à denominação SARDINHAS DE PENICHE.
Importa, antes de mais, contextualizar, convocando o teor dos itens 10 e 11:
10. Estes doces são comercializados na pastelaria da Requerida em avulso e em caixas de 6 unidades - como a que foi junta aos autos e que aqui se aqui se dá por reproduzida
11. E são nomeadamente divulgados on-line no site da Comunidade Intermunicipal do Oeste, no site e na página do Facebook da Requerida e no Tripadvisor.
Está, pois, em causa verificar se foram produzidos meios de prova no sentido de que as Sardinhas de Peniche surgem, por vezes, fora da caixa e sem referência à denominação SARDINHAS DE PENICHE nas divulgações mencionadas no item 11, bem como em eventos culturais e gastronómicos. A apelante alega que nenhum elemento de prova foi produzido.
Sublinhe-se que a apelante não impugnou os factos constantes dos itens 10 e 11.
Há que sublinhar que o facto considerado provado circunscreve a ocorrência a por vezes — ou seja, não é sempre.
Ao invés da posição defendida pela apelante, quanto às divulgações, resulta dos documentos n°s 18 e 19 anexos ao requerimento inicial, (prints das páginas de Facebook da apelante e do Tripadvisor — não impugnados pela apelante) que as Sardinhas de Peniche surgem fora da caixa e sem referência à denominação.
No tocante aos eventos culturais e gastronómicos não foi junta qualquer prova documental.
É certo que a testemunha PC... mencionou como constatou o doce Sardinhas de Peniche no estabelecimento da apelante. Todavia, tal local está fora do âmbito do facto em apreciação, reportando-se, outrossim, ao facto constante do item 10. Por seu turno, a testemunha PB... limitou-se a relatar o que dois associados da apelada lhe mencionaram ter ocorrido num evento gastronómico em Santarém, quando foram interpelados por pessoas que indagavam se estavam a apresentar as Sardinhas de Peniche, os quais terão manifestado uma certa confusão.
Em suma, não podemos aqui seguir a fundamentação de facto, neste particular aspeto, porquanto nenhuma destas duas testemunhas afirmou ter estado presente em evento cultural ou gastronómico em que tenha constatado o facto em causa (nem tal ocorreu com os dois associados que reportaram a PB...).
Já a testemunha VP... esclareceu que esteve presente num evento ligado aos Fundos do Mar 2020, em Sesimbra, e que aquando do convite que lhe foi dirigido, foi-lhe dito que todos levassem alguma coisa da região para um lanche partilhado. Aquando do lanche o depoente deparou-se com aquilo que para si eram ovos moles (...). o produto estava como os nossos ovos moles, como os bolinhos e uma bola de carne, como todos os produtos estavam, portanto, sem embalagens, as nossas próprias embalagens.
Não obstante tratar-se de um momento mais informal, o mesmo insere-se num evento daquela natureza, não deixando de dele fazer parte.
E, assim, há que concluir que foi produzida prova indiciária bastante quanto ao facto elencado em 12 — o qual em nada releva de conclusivo.
Sublinhe-se que a distinção entre facto e conclusão/direito no Novo Código de Processo Civil se mostra mais atenuada.
Como refere Abrantes Geraldes, obra cit., pág. 304:
Assim, devem ser admitidas com mais naturalidade asserções que, não correspondendo, no contexto da concreta ação, a puras questões de direito, sejam algo mais do que puras questões de facto no sentido tradicional.
Por último, o depoimento da testemunha ARP..., designadamente nos passagens da gravação assinaladas pela apelante, mostra-se irrelevante para infirmar os elementos de prova citados
e, concretamente, os factos provados sob os itens 8, 9 e 12, pois nada refere quanto à cor da hóstia; não mencionou como são expostos os doces Sardinhas de Peniche em eventos e/ou divulgações, nem foi confrontada com o teor da imagem constante do item 9, visando a recorrente com o depoimento desta testemunha afastar considerações tecidas na fundamentação de direito.
A apelante pugna pela descredibilização das testemunhas arroladas pela apelada, por terem interesses comerciais e institucionais no sucesso da demanda.
As testemunhas arroladas pela apelada mencionaram as suas ligações a esta: PC..., vendedor de empresa produtora de ovos moles de Aveiro; PB..., Secretária Geral da recorrida e bioquímica alimentar; VP..., gestor, produtor de ovos moles de Aveiro. Tais ligações por si só não afetam a sua credibilidade. E esta não se revela comprometida atenta a forma espontânea como depuseram (a maior parte dos factos com relevo foram mencionados, logo de início, ao responderem aos costumes, sem a formulação de qualquer pergunta concreta), sem direcionarem o seu depoimento apenas para o que potencialmente corresponderia aos interesses da apelada (v.g. depoimento de VP... que admitiu que todos os produtos estavam expostos fora das caixas, incluindo os que levou, de ovos moles de Aveiro), o detalhe na exposição dos factos de que tinham conhecimento, a sustentação do depoimento com outros meios de prova (v.g. a testemunha PC... não se limitou a referir ter adquirido duas Sardinhas de Peniche no estabelecimento da requerida, tendo fotografado as mesmas no interior da caixa que ali lhe foi facultada, bem como entregue a respetiva fatura — cfr. documentos n's. 14 e 15).
Mantém-se, pois, nos seus precisos termos o julgamento da matéria de facto, ainda que com fundamentação não inteiramente coincidente.
4. Da imitação ou evocação da IGP Ovos Moles de Aveiro e da imitação das marcas tridimensionais da apelada
O art. 338°-I do C.P.I., aprovado pelo DL 36/2003, de 5 de março (versão que seguiremos, atenta a data da entrada em vigor do novo C.P.I., aprovado pelo D.L. 110/2018, de 10/12, em 01/07/2019, data posterior à decisão sob recurso, e atentas as suas normas transitórias):
1 — Sempre que haja violação ou fundado receio de que outrem calesão grave e dificilmente reparável do direito de propriedade industrial, pode o tribunal, a pedido do interessado, decretar as providências adequadas a:
a) Inibir qualquer violação iminente; ou
b) Proibir a continuação da violação.
2 — O tribunal exige que o requerente forneça os elementos de prova para demonstrar que é titular do direito de propriedade industrial, ou que está autorizado a utilizá-lo, e que se verifica ou está iminente uma violação.
(• • •).
O preceito consagra uma solução diferente da estabelecida no procedimento cautelar comum previsto no C.P.C..
Como refere Abrantes Geraldes, in TUTELA CAUTELAR da PROPRIEDADE INTELECTUAL (Propriedade Industrial # Direitos de Autor e Direitos Conexos), Centro de Estudos Judiciários, pág. 7, 8 e 15:
Outra é a solução que resulta dos referidos arts. 338°-I do CPI e 210°-G do CDADC, cuja redação deixa claro que o legislador tutelou, como seria de esperar, situações caracterizadas pelo fundado receio de que outrem calesão grave e dificilmente reparável nos direitos de propriedade intelectual (violações iminentes), a par das situações em que já tenha ocorrido violação e em que,
continuando essa violação, se prescindiu da gravidade ou das dificuldades de reparação da lesão. (...)
Em conclusão, o deferimento das providências cautelares ao abrigo do art. 338°-C do CPI e do art. 210°-G do CDADC, quando incidam sobre situações em que já tenha havido violação de direitos de propriedade intelectual, persistindo essa situação, prescinde do requisito da gravidade da lesão ou da sua irreparabilidade ou difícil reparabilidade.
Ficou demonstrado que a apelada é titular da Indicação Geográfica Protegida OVOS MOLES DE AVEIRO (n.° CE: PT-PGI-005-….-03.01.2006 — Regulamento (CE) n.° 510/2006 do Conselho — publicado no Jornal Oficial da EU de 22.07.2008) para produtos de padaria, pastelaria, confeitaria ou da indústria de bolachas e biscoitos, bem como é titular do registo das marcas coletivas de certificação tridimensional mencionadas no item 1 dos factos provados.
Por seu turno a apelante CIC..., Lda. é titular do registo da marca nacional n.° 560..., assinalando, na classe 30 da classificação internacional de Nice, produtos de pastelaria e produtos de pastelaria de amêndoa
Estabelece o art° 305° do C.P.I. que:
1 - Entende-se por denominação de origem o nome de uma região, de um local determinado
ou, em casos excecionais, de um país que serve para designar ou identificar um produto:
a) Originário dessa região, desse local determinado ou desse país:
b) Cuja qualidade ou características se devem, essencial ou exclusivamente, ao meio geográfico. incluindo os fatores naturais e humanos, e cuja produção, transformação e elaboração
ocorrem na área geográfica delimitada.
2 - São igualmente consideradas denominações de origem certas denominações tradicionais, geográficas ou não, que designem um produto originário de uma região, ou local determinado, e que satisfaçam as condições previstas na alínea b) do número anterior.
3 - Entende-se por indicação geográfica o nome de uma região, de um local determinado ou, em casos excecionais, de um país que serve para designar ou identificar um produto:
a) Originário dessa região, desse local determinado ou desse país;
b) Cuja reputação, determinada qualidade ou outra característica podem ser atribuídas a essa origem geográfica e cuja produção, transformação ou elaboração ocorrem na área geográfica delimitada.
4 - As denominações de origem e as indicações geográficas, quando registadas, constituem propriedade comum dos residentes ou estabelecidos na localidade, região ou território, de modo efetivo e sério e podem ser usadas indistintamente por aqueles que, na respetiva área, exploram qualquer ramo de produção característica, quando autorizados pelo titular do registo.
5 - O exercício deste direito não depende da importância da exploração nem da natureza dos produtos, podendo, consequentemente, a denominação de origem ou a indicação geográfica aplicar-se a quaisquer produtos característicos e originários da localidade, região ou território, nas condições tradicionais e usuais, ou devidamente regulamentadas.
E nos termos do art. 312.° do CPI:
1 - O registo das denominações de origem ou das indicações geográficas confere o direito
de impedir:
a) A utilização, por terceiros, na designação ou na apresentação de um produto, de qualquer meio que indique, ou sugira, que o produto em questão é originário de uma região geográfica diferente do verdadeiro lugar de origem;
b) A utilização que constitua um ato de concorrência desleal, no sentido do artigo 10-bis da Convenção de Paris tal como resulta da Revisão de Estocolmo, de 14 de julho de 1967;
c) O uso por quem, para tal, não esteja autorizado pelo titular do registo.
2 - As palavras constitutivas de uma denominação de origem ou de uma indicação geográfica legalmente definida, protegida e fiscalizada não podem figurar, de forma alguma, em designações, etiquetas, rótulos, publicidade ou quaisquer documentos relativos a produtos não provenientes das respetivas regiões delimitadas.
3 - Esta proibição subsiste ainda quando a verdadeira origem dos produtos seja mencionada, ou as palavras pertencentes àquelas denominações ou indicações venham acompanhadas de corretivos, tais como «género», «tipo», «qualidade» ou outros similares, e é extensiva ao emprego de qualquer expressão, apresentação ou combinação gráfica suscetíveis de induzir o consumidor em erro ou confusão.
4 - É igualmente proibido o uso de denominação de origem ou de indicação geográfica com prestígio em Portugal, ou na Comunidade Europeia, para produtos sem identidade ou afinidade sempre que o uso das mesmas procure, sem justo motivo, tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da denominação de origem ou da indicação geográfica anteriormente registada, ou possa prejudicá-las.
5 - O disposto nos números anteriores não obsta a que o vendedor aponha o seu nome, endereço ou marca sobre os produtos provenientes de uma região ou país diferente daquele onde os mesmos produtos são vendidos, não podendo, neste caso, suprimir a marca do produtor ou fabricante.
E o art. 13° n°1 do Regulamento (UE) n.° 1151/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de novembro de 2012, relativo aos regimes de qualidade dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios, sob a epígrafe Proteção, dispõe que as denominações registadas são protegidas contra:
a) Qualquer utilização comercial direta ou indireta de uma denominação registada para produtos não abrangidos pelo registo, quando esses produtos forem comparáveis aos produtos registados com essa denominação, ou quando tal utilização explorar a reputação da denominação protegida, inclusive se os produtos forem utilizados como ingredientes;
b) Qualquer utilização abusiva, imitação ou evocação, ainda que a verdadeira origem dos produtos ou serviços seja indicada, ou que a denominação protegida seja traduzida ou acompanhada por termos como «género», «tipo», «método», «estilo» ou «imitação», ou similares, inclusive se os produtos forem utilizados como ingredientes,.
c) Qualquer outra indicação falsa ou falaciosa quanto à proveniência, origem, natureza ou qualidades essenciais do produto, que conste do acondicionamento ou da embalagem, da publicidade ou dos documentos relativos ao produto em causa, bem como contra o acondicionamento do produto em recipientes suscetíveis de dar uma impressão errada sobre a origem do produto;
d) Qualquer outra prática suscetível de induzir o consumidor em erro quanto à verdadeira origem do produto.
A apelante não usa no seu produto, Sardinhas Doces de Peniche, falsa referência quanto à sua origem, tal como afirmado na decisão recorrida.
Mas como decorre dos dispositivos supracitados a proteção do registo da indicação geográfica não se cinge à proibição do uso de designações iguais ou semelhantes, visando, além do mais, proteger sinais distintivos e reputação, ainda que a verdadeira origem dos produtos seja mencionada.
Os produtos da apelante e da apelada, em causa nos autos, são assinalados na classe 30 da classificação internacional de Nice.
O produto da apelante, SARDINHAS DOCES DE PENICHE, é constituído pela forma de um peixe alongado, com revestimento de hóstia esbranquiçada e recheio de doce de ovos e um crocante de amêndoa. No seu modo de elaboração, à semelhança dos OVOS MOLES DE AVEIRO, são utilizadas prensas metálicas e folhas de hóstia, sendo depois as figuras recortadas com uma tesoura. Os cremes que constituem o recheio de ambos os produtos são feitos à base de ovos e açúcar (ovos moles/doce de ovos) e integram a receita de vários doces regionais portugueses e estrangeiros.
O produto da apelada, com recheio de ovos moles, pode revestir as formas constantes do item 1 dos factos provados, de que se destacam as marcas de certificação tridimensionais n.°s 572… e n.° 572….
A marca de certificação é um sinal determinado pertencente a uma pessoa coletiva que controla os produtos ou os serviços ou estabelece normas a que estes devem obedecer e serve para ser utilizado nos produtos ou serviços submetidos àquele controlo ou para os quais as normas foram estabelecidas (art. 230.° do CPI).
A IGP OVOS MOLES DE AVEIRO é reconhecida pela generalidade dos consumidores portugueses; os produtos com essa denominação são mencionados em clássicos da literatura portuguesa como Os Maias, sendo reconhecidos pelas suas características e formas (cfr. marcas tridimensionais), gozando de boa reputação também internacional.
Estabelece o art° 245° do CPI que:
1 - A marca registada considera-se imitada ou usurpada por outra, no todo ou em parte,
quando, cumulativamente:
a) A marca registada tiver prioridade;
b) Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins;
c) Tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.
2 - Para os efeitos da alínea b) do n.° 1:
a) Produtos e serviços que estejam inseridos na mesma classe da classificação de Nice podem não ser considerados afins;
b) Produtos e serviços que não estejam inseridos na mesma classe da classificação de Nice podem ser considerados afins.
3 - Considera-se imitação ou usurpação parcial de marca o uso de certa denominação de fantasia que faça parte de marca alheia anteriormente registada.
E como se refere no Ac. desta Relação de 20-12-2017, in www.dgsi.pt:
Na formulação do juízo de confundibilidade entre produtos e/ou serviços, devem ter-se em conta os seguintes princípios ou regras:
- O juízo comparativo deve ser objetivo, apurando-se se existe risco de confusão tomando em conta o consumidor ou utilizador final medianamente atento, sendo certo que geralmente se entende que o consumidor a que há que atender, no juízo a formular sobre a existência ou não de risco de confusão entre duas marcas, não é um consumidor concreto, mas um consumidor abstrato, não de todo e qualquer produto ou serviço, mas sim daquele a que a marca se destina;
- para a formulação desse juízo, relevam menos as dissemelhanças que ofereçam os diversos pormenores isoladamente do que a semelhança que resulta do conjunto dos elementos componentes, devendo ainda tornar-se em conta a interligação entre os produtos e serviços, por um lado, e, por outro, os sinais que os diferenciam.
A comparação entre sinais deve fazer-se, essencialmente, através de uma impressão de conjunto, sem dissecação de pormenores, pois o consumidor médio apreende normalmente uma marca como um todo, não procedendo a uma análise das suas diferentes particularidades.
V. ainda Carlos Olavo, Propriedade Industrial, p. 51 e ss.: A comparação que define a semelhança verifica-se entre um sinal e a memória que se possa ter doutro. É que o consumidor médio quase nunca se defronta com os dois sinais, um perante o outro, no mesmo momento; a comparação que entre eles pode fazer não é assim simultânea, mas sucessiva. (...).
Revertendo ao caso dos autos, o que importa indagar é, pois, se um comprador do doce Sardinhas de Peniche, o associa de imediato às marcas tridimensionais da apelada ou aos produtos que a IGP coloca no mercado, tendo sempre presente que se deve ter em conta uma impressão de conjunto e não de pormenor das marcas ou produtos.
Um consumidor medianamente atento deste tipo de produto, perante o doce da apelante (Sardinhas de Peniche) deteta semelhanças no conjunto dos seus componentes, sobretudo no aspeto exterior, em forma de peixe, em formato 3D, com o mesmo tipo de recorte, efetuado com tesoura, com revestimento em hóstia esbranquiçada, mas também quanto ao seu interior, ambos com doce de cor laranja, à base de ovos — doce de ovos/ovos moles - semelhanças que são suscetíveis de gerar confusão com os Ovos Moles de Aveiro, concretamente nas formas tridimensionais n°s 572… e 572… (cfr. documentos n°s 13, 15, 17, 18 a 20 e 22 anexos ao requerimento inicial).
O doce da apelante, em forma de sardinha, mais alongada do que as formas de peixe (indiferenciadas) da apelada, assim como a existência na Sardinha de Peniche de um crocante de amêndoa, no interior, não assumem relevo enquanto dissemelhanças distintivas dos produtos.
Sublinhe-se que conforme o caderno de especificações dos Ovos Moles de Aveiro a hóstia tem cor homogénea, experimentando várias tonalidades entre o branco e o creme, opaca (cfr. doc. n° 1 anexo ao requerimento inicial).
Não está em causa qualquer confusão entre marcas registadas da apelante e apelada, outrossim, entre os produtos de cada uma. O conceito de confundibilidade opera na comparação entre os produtos assinalados pelas marcas, sendo de realçar que o doce SARDINHAS DE PENICHE é, por vezes, vendido em avulso no estabelecimento da apelante e divulgado fora da caixa que tem a marca registada e de que consta aquele elemento nominativo, na página do Facebook da apelante e do Tripadvisor, bem como, por vezes, em eventos culturais e gastronómicos.
Por outro lado, a proteção da IGP não se traduz na instituição de um exclusivo ou monopólio do doce de ovos moles a Aveiro, como o comprova a existência de outros doces compostos por cremes à base de ovos e açúcar (ovos moles/doce de ovos) quer em Portugal quer noutros países, conforme referido pela apelante nas suas alegações (e dado corno provado no item 22 da decisão recorrida).
Repete-se que a confundibilidade se verifica ao nível do conjunto de componentes (formato do peixe, em 3D, com recheio de doce de ovos/ovos moles, revestimento em hóstia esbranquiçada) e não especificamente ou exclusivamente do doce que constitui o recheio, ou de qualquer outro isoladamente considerado.
A notoriedade e reputação dos Ovos Moles de Aveiro reforça o risco de confusão entre as marcas tridimensionais da apelada e os doces da apelante, pois o consumidor tenderá a identificar o doce da apelante como sendo proveniente da IGP da apelada.
Por último, o registo da marca internacional n° 618..., em data anterior ao registo das marcas da apelada, não afasta o entendimento sufragado, uma vez que a confundibilidade, como assinalado acima, se reporta ao conjunto de componentes e não apenas ao aspeto figurativo (forma de peixe).
A identidade dos produtos e as acima descritas semelhanças permitem concluir que o doce
Sardinhas de Peniche evoca os Ovos Moles de Aveiro — IGP, e como se salienta na decisão recorrida, induzindo o consumidor a fazer uma associação com os produtos protegidos pela IGP OVOS MOLES DE AVEIRO, sem que cumpra as especificações desta ou seja submetido a outro controlo que não o da Requerida (...), o que se afigura suscetível de prejudicar a IG e a sua excecional distintividade.
Assim, face à violação do direito de propriedade industrial da apelada, e à possibilidade de a
manutenção da situação de facto existente possibilitar a prática de atos de concorrência desleal, nos
termos sobreditos, há que manter as providências decretadas (art° 338-1 do C.P.I.).
Em suma, a decisão recorrida fez correta apreciação da prova (com a ressalva acima
mencionada no tocante à fundamentação), bem como correta aplicação e interpretação das regras de
direito.
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas do recurso a cargo da apelante.
Lisboa, 7 de novembro de 2019
Teresa Sandiães
Ferreira de Almeida
António Valente