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 - Sentença de 23-09-2023   Reconhecimento e confirmação de uma sentença proferida em Itália que decretou a adopção de uma pessoa maior de idade - Art.º 978 CPC. O processo está isento de custas nos termos da alínea f) do n.º 2 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais
I – Para que uma decisão de um tribunal estrangeiro sobre direitos privados possa ter eficácia em Portugal, tem de ser revista e confirmada nos termos do processo especial regulado pelos artigos 978.º a 983.º do Código do Processo Civil (com as naturais, específicas e excepcionais situações reguladas em Regulamentos da União Europeia, Leis especiais, Tratados e Convenções de que Portugal faça parte).
II – Verificados os pressupostos do artigo 980.º do Código de Processo Civil deve ser confirmada uma sentença proferida na Itália, que decretou a adopção da primeira Requerente pelo segundo.
III - Pela proximidade de regime jurídicos e pela características evolutivas e culturais do instituto da adopção, não pode considerer-se lesivo dos princípios de ordem pública internacional do Estado Português o reconhecimento e confirmação de uma sentença proferida em Itália que decretou a adopção de uma pessoa maior de idade, pelo cônjuge da sua mãe.
IV – Quando está em causa a revisão e confirmação de uma decisão de adopção, o processo está isento de custas nos termos da alínea f) do n.º 2 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais.
Proc. 1983/23.8YRLSB 7ª Secção
Desembargadores:  Edgar Taborda Lopes - - -
Sumário elaborado por Gabriela Coelho
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Processo n.º 1983/23.8YRLSB
Processo de Revisão e Confirmação de Sentença Estrangeira
(Decisão proferida ao abrigo do preceituado pelo artigo 656.º do Código de Processo Civil)
Requerentes
I…
S…
Sumário
I – Para que uma decisão de um tribunal estrangeiro sobre direitos privados possa ter eficácia em Portugal, tem de ser revista e confirmada nos termos do processo especial regulado pelos artigos 978.º a 983.º do Código do Processo Civil (com as naturais, específicas e excepcionais situações reguladas em Regulamentos da União Europeia, Leis especiais, Tratados e Convenções de que Portugal faça parte).
II – Verificados os pressupostos do artigo 980.º do Código de Processo Civil deve ser confirmada uma sentença proferida na Itália, que decretou a adopção da primeira Requerente pelo segundo.
III - Pela proximidade de regime jurídicos e pela características evolutivas e culturais do instituto da adopção, não pode considerer-se lesivo dos princípios de ordem pública internacional do Estado Português o reconhecimento e confirmação de uma sentença proferida em Itália que decretou a adopção de uma pessoa maior de idade, pelo cônjuge da sua mãe.
IV – Quando está em causa a revisão e confirmação de uma decisão de adopção, o processo está isento de custas nos termos da alínea f) do n.º 2 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais.

Decide-se na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa :
RELATÓRIO
I… e S… intentaram a presente acção de revisão/confirmação de sentença estrangeira, nos termos dos artigos 978.º a 983.º do Código de Processo Civil, , pedindo a revisão e confirmação da Sentença proferida a 08/09/2020, no Processo de Jurisdição Voluntária n.º 4297/2020, do Tribunal Ordinário de Turim, em Itália, na qual foi decretada a adopção da primeira, pelo segundo.
Facultado o exame ao Ministério Público (artigo 982.º, n.º 1, do Código de Processo Civil veio a Exma. Procuradora Geral Adjunta apresentar as suas Alegações, onde concluiu que se encontram reunidos os requisitos legais para ser concedida revisão e confirmação da sentença estrangeira em causa.
Quando a questão em causa nos autos “seja rodeada de simplicidade na resposta, perspetivada pelo confronto com o ordenamento jurídico, pela frequência com que a mesma questão tem sido decidida em determinado sentido, pela resposta uniforme ou reiterada da jurisprudência(…)” , pode o Relator proferir decisão sumária, nos termos do artigo 656.º do Código de Processo Civil.
A situação dos autos (sem oposição e com matéria de Direito linear) permite (e aconselha, por mais célere) o proferimento de decisão sumária, o que se fará de seguida.
SANEAMENTO DA ACÇÃO
O tribunal é competente (artigo 979.º do Código de Processo Civil), as partes têm legitimidade (artigos 980.º e 981.º do mesmo diploma) e não se verificam excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento da causa.
ENQUADRAMENTO FÁCTICO
Com relevo para a decisão da causa e em face da prova documental junta (registo de nascimento da Requerente adoptada; certidão da sentença e do seu trânsito), resulta provada, com relevo para a decisão, a seguinte factualidade:
1 - Por Sentença proferida a 08 de Outubro de 2020 (transitada na mesma data), no Processo de Jurisdição Voluntária n.º 4297/2020, do Tribunal Ordinário de Turim, em Itália, foi decretada a adopção de I… (nascida a 02 de Novembro de 1993) por S…(cônjuge da mãe), determinando que acrescentasse ao seu nome o apelido deste último.
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
Para que uma decisão de um tribunal estrangeiro sobre direitos privados possa ter eficácia em Portugal, tem de ser revista e confirmada nos termos do processo especial regulado pelos artigos 978.º a 983.º do Código do Processo Civil (com as naturais, específicas e excepcionais situações reguladas em Regulamentos da União Europeia, Leis especiais, Tratados e Convenções de que Portugal faça parte).
“A decisão é considerada ‘estrangeira’ quando for proferida por tribunal ou (…) por autoridade no exercício de competências atribuídas por uma ordem jurídica estrangeira”, devendo entender-se por decisão “qualquer ato público que segundo o Direito do Estado de origem tenha força de caso julgado” , ou, se se preferir - nas palavras do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Junho de 2013 (Processo n.º 623/12.5YRLSB.S1-Granja da Fonseca) – “basta que se trate de um acto caucionado administrativamente pela ordem jurídica em que foi produzido” .
“No reconhecimento está em causa a produção de efeitos e a exequibilidade de uma decisão estrangeira na ordem jurídica interna. Por isso, (…) o reconhecimento deve estar sujeito a garantias mínimas de justiça substantiva e processual” : é o que os artigos do Título XIV do Código de Processo Civil procuram assegurar.
A revisão de sentença estrangeira ou acto equiparado com vista a operar efeitos jurisdicionais na ordem jurídica nacional é um processo de natureza formal, que envolve apenas a verificação da regularidade formal ou extrínseca da sentença/decisão revidenda (“ainda que atenuado por um caso de revisão de mérito” , o do artigo 983.º, n.º 2, do Código de Processo Civil): trata-se do sistema dito de delibação, de acordo como o qual o tribunal, em princípio, se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma, não conhecendo do fundo ou mérito da causa .
Para o efeito, o artigo 980.º do Código de Processo Civil define com minúcia o que constituem os requisitos da revisão:
1 – que não haja dúvidas sobre a autenticidade e sobre a inteligibilidade do documento de que conste a sentença (alínea a));
2 – que tenha ocorrido o trânsito em julgado da sentença (alínea b));
3 – que a sentença/decisão provenha do tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada com fraude à lei e que não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses (alínea c));
4 - que não possam invocar-se as excepções de litispendência ou caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal português, excepto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição (alínea d));
5 – que a citação do réu tenha tido lugar nos termos da lei do país de origem e tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes (alínea e));
6 – que a sentença/decisão não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado português (alínea f)).
Feita a aferição de, na situação em apreço, se verificarem todas as condições exigidas pela lei para a revisão e confirmação da sentença estrangeira, poderá ser feita a confirmação.
Entrando a decidir.
Está em causa uma Sentença de um Tribunal italiano que decretou a adopção de uma cidadã portuguesa (maior) por um cidadão italiano (também maior).
O quadro geral da conformação jurídica da adopção e as linhas em que se traçou a sua evolução histórica permitem dizer, com Nuno Gonçalo da Ascensão Silva, que “mais do que em qualquer outra matéria jurídico-familiar, pela forte componente emotiva de que se reveste e, sobretudo, pela complexidade e gravidade das valorações que uma adoção impõe, a regulamentação jurídica neste domínio, adquiriu uma forte valência social, diríamos mesmo publicista” , e que são de assinalar “dúvidas e descontinuidades espácio-temporais no adquirir de tal configuração do instituto adoptivo” .
Não pode esquecer-se que, tradicionalmente, a adopção era destinada a pessoas que já tinham atingido a sua maioridade, tendo – progressivamente – evoluído para uma “concepção assistencial”, que permite aos menores a possibilidade da sua inserção numa família .
“Assim, na polarização das duas finalidades que ainda hoje poderiam servir de base ao instituto – por um lado, assegurar a continuidade familiar e permitir a concretizção de uma paternidade ou maternidade desejadas e, por outro, garantir aos menores uma assistência -, prevaleceu inequivocamente a segunda.
Todavia, tal evolução não ocorreu de um modo sincrónico no seio dos diversos ordenamentos jurídicos. Sobretudo nos Estados que antes desconheciam a adoção, ela assumiu aí desde o início um carácter claramente publicístico e protectivo, ou seja um nítido cariz familiar-assistencial.
Já nos Estados onde a tradição romanista era mais marcada e onde a adopção já existia, a finalidade privatística de assegurar a continuidade familiar permaneceu ainda muito forte durante largos anos do nosso século embora tabém aqui o “modelo filantrópico” tenha acabado por triunfar” , sendo este o “modelo dominante de adopção consagrado na generalidade dos sistemas jurídicos”, ainda que, mesmo “assim, os ordenamentos jurídicos não petrificaram bastando paravcomprová-lo attender às reformas sucessivas que se vão fazendo sentir nesta matéria por todo o lado”
Deste modo, como se escreve de forma assertiva no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Maio de 2015 (Processo n.º 657/13.2YRLSB.S1-Gabriel Catarino), o “regime de adopção depende das opções socio-institucionais, culturais e histórico-societários de cada Estado, não atingindo a ordem constitucional, que se limita a remeter para a legislação ordinária e para as opções do legislador as formas, as condições/pressupostos e requisitos formais e de integração social-familiar que devem ser observadas para que uma pessoa possa vir a ser adoptada por outra.
Estas opções legislativas, de feição e natureza histórico-social e endógeno a um estádio de convivência societária e de evolução de uma comunidade, não se apresentam como determinantes para aferir da conformidade de um marco legislativo de um Estado com aqueloutro de um outro Estado, para efeitos de conotar e taxar de ofensivo um acto de reconhecimento de uma sentença prolatada por um Estado da ordem pública internacional de um [outro] Estado.
Não possui a virtualidade de infringir regras e princípios basilares e fundamentais de um Estado de Direito no seu relacionamento com a ordem pública internacional o facto de nesse Estado a legislação ordinário não prever a adopção de uma pessoa maior.(…)
Constituindo a adopção uma forma de modelar e prosseguir relações formada, queridas e geridas por elementos conviventes num concreto tecido societário – em si mesma mutável, elástico e plástico quanto a valores, acepções vivenciais e de mundividências prevalentes num determinado momento histórico – as suas barreiras e limites legislativos, num determinado momento, não podem contravir, exponencialmente e de forma definitiva, taxante e exclusiva, com ordens internacionais, elas próprias sujeitas ao mesmo estado de transformação e mutabilidade que as concepções sociais e históricas de um Estado.
Afigura-se que a adopção não se constitui como um eixo ou pilar essencial em que a legislação do Estado português esteja em antagonismo inderrogável relativamente à ordem jurídica internacional.
Historicamente poderá a legislação não admitir um determinado pressuposto para que uma pessoa possa ser adoptada por outrem, mas a carência de um pressuposto não fere de tal modo a ordem jurídica interna - sujeita, como se procurou demonstrar supra a uma plasticidade e volubilidade momentânea - que uma inflacção desse género seja susceptível de afrontar ou colocar o Estado português em distonia irremível com os demais Estados que formam a comunidade jurídica internacional.
A falta de um pressuposto - como seja a idade para a adopção - não configura uma distorção tão patente, manifesta e odienta da valoração prevalente e axial da ordem jurídica interna que se tome ilaqueadora da confirmação de uma sentença estrangeira proferida num Estado de Direito integrante de uma comunidade jurídica que se pauta por valores de respeito pela dignidade da pessoa humana”.
Prova desta “plasticidade e volubilidade” temos até, recentemente, a alteração que o legislador nacional produziu com a Lei n.º 46/2023, de 17 de Agosto , que modificou a idade máxima do adoptando (para menos de 18 anos e não se encontrar emancipado à data do requerimento de adopção ) e a idade mínima do adoptante (para os 25 anos , sem mais), alterando o Código Civil (artigos 1979.º, n.º 2 e 1980.º, n.º 2 e revogação do n.º 3) e o Regime Jurídico do Processo de Adopção (artigo 2.º, alínea d)).
O Estado italiano permite a adopção de maiores.
Relativamente aos requisitos do ordenamento jurídico português o único que não se preenche é o da idade da adoptanda.
Pelo tipo de matéria em causa, pela proximidade de regime jurídicos e pelas suas características evolutivas e culturais , tal não pode considerer-se lesivo dos princípios de ordem pública internacional do Estado Português.
Neste contexto, não tendo ocorrido oposição e sabendo-se que se impõe ao Tribunal o conhecimento oficioso da verificação dos pressupostos a que se referem as alíneas a) a f) do citado artigo 980.º, na situação dos presentes autos:
- não se suscitam dúvidas quer quanto à autenticidade, quer quanto à inteligência dos documentos juntos pelos Requerentes;
- a decisão do tribunal estrangeiro não conduz a resultado incompatível com os princípios de ordem pública internacional do Estado Português: como se sumaria no citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Maio de 2015, “Não lesa de forma indelével e manifesta a ordem pública internacional a confirmação, pelo Estado do foro (português), de uma sentença proferida por um tribunal estrangeiro (reino da Bélgica) que decreta a adopção de um individuo maior de idade, por um dos cônjuges de um casal em que um deles é mãe do adoptando, e em que no dispositivo não se concretiza ou especifica a modalidade de adopção decretada, sendo que a legislação do Estado de origem apenas permite a adopção de pessoas de maior de idade na modalidade de adopção simples ou restrita”;
- mostram-se cumpridos os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
- inexiste qualquer situação de litispendência ou de caso julgado, com fundamento em causa afecta a um tribunal português;
- a decisão revidenda mostra-se (há muito) transitada em julgado;
- nada indicia ou faz suspeitar que a competência do tribunal tenha sido determinada em fraude à lei.
Mostram-se, pois, verificados os pressupostos legais de revisão e de confirmação da sentença em análise, através da qual se estabeleceu o vínculo de adopção entre a primeira Requerente e o Segundo Requerente, pelo que a acção se julgará procedente.

No que à responsabilidade tributária se refere, as custas do processo ficariam a cargo dos Requerentes, nos termos da parte final do n.º 1 do artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Todavia, uma vez que por via dos presentes autos decorre uma adopção, nos termos da alínea f) do n.º 2 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais, o presente processo de confirmação e revisão de sentença, está também isento de custas: para este efeito, e considerando o objectivo da acção, assume a natureza de “processo de natureza análoga” e cabe na dita previsão legal.
DECISÃO
Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e nos termos dos artigos 663.º, 656.º, 979.º, 980.º e 982.º do Código de Processo Civil, decide-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, face à argumentação expendida, às disposições legais citadas, julgar procedente a acção e, em conformidade:
1 – confirmar a Sentença proferida a 08 de Outubro de 2020 (transitada na mesma data), no Processo de Jurisdição Voluntária n.º 4297/2020, do Tribunal Ordinário de Turim, em Itália, na qual foi decretada a adopção de I… (nascida a 02 de Novembro de 1993) por S… (cônjuge da mãe) e determinado que se acrescentasse ao seu nome o apelido deste último.

Sem Custas.

Registe e notifique.

Lisboa, 23 de Setembro de 2023

Edgar Taborda Lopes