Proc. 467/22.6YHLSB.L1 PICRS
Desembargadores: Bernardino Tavares - Eleonora Viegas - Armando Manuel da Luz Cordeiro -
Sumário elaborado por Carlos Pereira
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Processo n.º 467/22.6YHLSB.L1- APELAÇÃO
Tribunal Recorrido: Tribunal da Propriedade Intelectual de Lisboa – J2
Recorrente: BBB, S.A.
Recorrido: AAA, Unipessoal, Lda.
Sumário:
- As marcas nominativas “WAO” e “UAO”, que se destinam a
Assinalar os mesmos produtos (ex. gelados), em resultado das
semelhanças que apresentam ao nível da imagem, da fonética e da semântica, são suscetíveis de gerar no consumidor médio desses produtos, quando confrontado apenas com uma delas, confusão, quer quanto às marcas quer quanto à origem dos produtos;
- Os elementos semelhantes, tendo maior impacto ao nível da imagem/ visão e da fonética/ audição, são preponderantes na impressão de conjunto – “a mancha” – que cada marca origina no consumidor;
- Nessa medida, as diferenças existentes entre as marcas, porque eclipsadas por aquelas semelhanças, apenas são suscetíveis de causar no consumidor, medianamente atento, dúvidas quanto à “distinção das marcas”.
Acordam na Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:
I - Relatório
AAA, Unipessoal, Lda, intentou recurso, ao abrigo do disposto nos artigos 38.º e seguintes do Código da Propriedade Industrial, do despacho do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), de 12 de setembro de 2022, que indeferiu o pedido de registo da marca nacional n.º 000000.
UAO
by MÚ
Cumprido o disposto no artigo 42.º do Código da Propriedade Industrial, o INPI remeteu o processo administrativo.
O Tribunal da Propriedade Intelectual proferiu a seguinte decisão:
“Termos em que, vistos os princípios e as normas invocadas, se julga procedente o recurso apresentado, revogando-se o despacho recorrido que recusou o registo da marca nacional n.º 000000, substituindo-se por outro que conceda o registo da marca com o sinal:”
UAO
by MÚ
Inconformada com tal decisão, veio a BBB, S.A. interpor recurso de apelação, apresentando as seguintes conclusões:
“A) A sentença do Tribunal da Propriedade Intelectual que revogou o despacho do INPI que havia recusado o registo de marca nacional n.º 000000 para ““gelo, gelados, iogurtes gelados e sorvetes”, na classe 30, não se deve manter;
B) O Tribunal a quo, erradamente, fez uma dissecção analítica aquando da comparação das marcas, quando o deveria ter feito por intuição sintética.
C) O Tribunal a quo deveria ter centrado o seu juízo nas semelhanças entre as marcas em confronto que não pelas suas dissemelhanças.
D) As marcas em confronto apresentam fortes semelhanças quanto ao seu núcleo distintivo e dominante UAO e WAO;
E) Os elementos nominativos são os mais idóneos a perdurar na memória do consumidor uma vez que é através deles que o consumidor verbaliza e identifica a marca;
F) A marca registanda quanto ao seu elemento nominativo reproduz 66,66/prct. da marca da Apelante;
G) As marcas em confronto, quanto ao seu elemento dominante apenas se distinguem quanto à sua letra inicial;
H) A marca registanda não contém qualquer elemento figurativo, contrariamente ao mencionado na sentença recorrida.
I) A semelhança fonética entre as marcas, reconhecida pelo Tribunal a quo por si só seria suficiente para determinar a imitação da marca da Apelante.
J) A sentença recorrida não considerou a interdependência entre os fatores tomados em conta, nomeadamente a semelhança entre as marcas e dos produtos designados, conforme decorre da jurisprudência aplicável.
K) As marcas em confronto apresentam semelhanças fonéticas e nominativas consideráveis que induzem o consumidor em erro ou confusão ou que compreendem um risco de associação com a marca anterior da Apelante;
L) Os consumidores, ao adquirirem os produtos sob a marca da Apelada serão levados a confundir estes com os produtos comercializados sob a marca da Apelante.
M) A manter-se a decisão do Tribunal a quo seriam possíveis situações de concorrência desleal.
Tendo concluído que:
“Nestes termos e nos mais de Direito deve ser considerado procedente o presente recurso de apelação, devendo ser revogada a sentença apelada e recusado o registo de marca nacional n.º 000000 como se afigura de Direito e de JUSTIÇA.”
AAA, Unipessoal, Lda, respondeu ao recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:
“A) A sentença do Tribunal da Propriedade Intelectual que revogou o despacho do INPI relativo à marca nacional nº 000.000, da Classe 30 de Nice, deve manter-se.
B) Não existe qualquer confusão entre a marca registada e a marca da Recorrida: quer os sinais distintivos da Recorrida e da registada são imagética, gráfica e foneticamente distintos;
C) A marca da Recorrida é “UAO by Mú”, como pode ler-se na douta sentenaça, e não “WAO” ou “UAO” tout court;
D) Em termos gráficos, as marcas possuem tipos de letra diferente e empregam uma combinação de expressões distintas;
E) A expressão “by Mú” destaca-se na marca da Recorrida, o mesmo não se verificando com a marca prioritária, em que existe uma só expressão e uniformidade em todas as letras da composição gráfica apresentada enquanto sinal distintivo.
F) A confundibilidade entre marcas ainda que se trate de uma marca na mesma classe de Nice depende de “um risco de associação com a marca anteriormente registada de modo a que o consumidor não possa distinguir as duas marcas senão depois de exame atento ou confronto”, sendo o consumidor médio “normalmente informado e razoavelmente atento e advertido” – cfr. o ac. da Relação de Lisboa de 06 de Julho de 2010 (Relator: CRISTINA COELHO) e COUTO GONÇALVES.
G) O consumidor médio não confunde a marca “UAO by Mú ”, com outras marcas, inexistindo a alegada confundibilidade.
H) A grafia, e, inclusive, a fonética das palavras empregues afigura-se distinta, porquanto é dissonante o som da primeira sílaba das palavras “UAO” e “WAO”, pelo que tal não deve ser desconsiderado.
I) A BBB não tem direito à exclusividade de apropriação quer da expressão “wao”, e, menos ainda, da expressão “UAO”.
J) No presente caso verifica-se a introdução de duas palavras completamente distintas “by Mú”, pelo que também por esta via, inexiste qualquer confundibilidade e imitação.
K) Atenta a regra da “impressão de conjunto”, a confusão cuja existência é pretendida pela Recorrente é igualmente afastada, mostrando-se clarividente a inexistência de qualquer risco de confusão entre a marca cujo registo é pretendido pela Recorrida e a marca da titularidade da BBB.
L) A concorrência desleal que a Recorrente pretende verificar-se é puramente ficcional, sendo o produto da Recorrida apresentado como distinto dos demais, e os seus colaboradores especificamente advertidos de que não podem, no âmbito da sua actividade, realizar menções ou comparações com outras marcas e/ou produto.
M) A concorrência desleal, enquanto susceptibilidade de confusão, será aferida “pela impressão de conjunto”, sendo o risco de confusão consubstanciado “na apresentação dos produtos ou serviços de maneira que leve aquele consumidor a poder atribuí-los a um concorrente” – cfr. o ensinamento de OLIVEIRA ASCENSÃO.
N) Não se verifica qualquer confundibilidade no presente Recurso, sendo que é entendimento doutrinário existir “um certo grau, mesmo de confundibilidade, que é socialmente adequado”, e que se reporta à liberdade de concorrência.”
Tendo concluído que:
“Nestes termos, e nos mais de Direito julgados aplicáveis, deve ser considerado improcedente o recurso de apelação da Recorrente, e, concomitantemente, manter-se a sentença apelada, e, bem assim, concedido à Recorrida o registo da marca nacional 000000, “UAO by MÚ”.”
Os autos foram à conferência.
II - Questões a decidir
O objeto do recurso é balizado pelas conclusões do apelante, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito,
conforme resulta dos artigos 5.º, n.º 3, 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1, e 608.º,
todos do CPC.
Assim, importa, no caso, apreciar e decidir:
- se devia ter sido recusado o registo da marca da Recorrida por
verificação de imitação com a marca prioritária da Recorrente;
- se o registo da marca da Recorrida é suscetível de gerar concorrência
desleal.
II – Fundamentação
A – Factos provados
A decisão recorrida declarou como provados os seguintes factos:
“1. Em 25.02.2022, a Recorrente solicitou o registo da marca nacional n.º
000000:
UAO
by MÚ
2. O pedido destinava-se a abranger os seguintes produtos da classe 30, da classificação de Nice: gelo, gelados, iogurtes gelados e sorvetes.
3. Encontra-se registada a marca da União Europeia n.º 17917841
WAO
, concedida em 29.09.2018, da titularidade da Recorrida, abrangendo os
seguintes produtos da classe 30 da classificação internacional de Nice: gelados
alimentares.
4. O INPI indeferiu o pedido de registo da marca identificada em 1 por decisão do Director da Direcção de Marcas e Patentes de 12 de Setembro de 2022.
5. Encontra-se registada a marca nacional n.º 000000, concedida em 30.09.2014, da titularidade da Recorrente, abrangendo os seguintes produtos da classe 30 da classificação internacional de Nice: gelados
[sorvetes]; gelados alimentares.”
B - Factos não apurados
A decisão recorrida não os declarou.
III - Do mérito do recurso
Como referido supra, os presentes autos reportam-se a um pedido de registo de marca nacional, no caso, o n.º 000000, cujo regime legal se mostra previsto no Código de Propriedade Industrial (CPI).
Vejamos as questões suscitadas.
Da imitação da marca.
O presente recurso vem interposto da sentença que revogou o despacho do INPI que indeferiu o pedido de registo da marca nacional n.º 000000
UAO
by MÚ
A sentença proferida pelo tribunal a quo identifica convenientemente a questão sub judice.
Também, em resumo, qualifica as marcas como mista e nominativa; declara como prioritária a marca da titularidade da Recorrida; atesta que os produtos/ serviços incluídos em ambas as marcas são idênticos ou afins; reconhece a similitude fonética das marcas, mas salienta as diferenças ao nível nominativo que, no seu entender, permitem ao consumidor distinguir as marcas sem que exista perigo de confusão; conclui ainda que inexistem os requisitos legais para a possibilidade de prática de atos de concorrência desleal.
Assinale-se que não foi posto em causa que a marca, titulada pela BBB, S.A. é prioritária e que as marcas em análise se destinam a assinalar produtos (gelados alimentares, no caso da prioritária, e gelo, gelados, iogurtes gelados e sorvetes, no caso da segunda) idênticos ou afins, sendo, no caso, indicados na classe 30 da Classificação Internacional de Nice.
O tribunal a quo, por reporte à temática da imitação da marca «WAO» pela marca
«UAO by MÚ», concluiu que “atendendo à visão de conjunto dos sinais em confronto a mesma mostra-se totalmente distinta, o que permite ao consumidor distinguir os produtos das diferentes marcas.”
Para o efeito, teve em consideração a existência de “identidade parcial a nível nominativo no que diz respeito à sua fonética e a duas das letras utilizadas, uma vez que a marca registada contém o vocábulo WAO e a marca registanda contém o vocábulo UAO, que são os elementos distintivos das marcas, sendo que em ordem diversa.”
Mais considerou que “a nível nominativo existem duas diferenças que, ..., permitem ao consumidor distinguir as marcas em apreço sem que exista o perigo de confusão. ... a marca registada WAO tem o caracter W, o qual não existe na língua portuguesa sendo claramente um sinal fantasioso, tal como a marca registanda UAO, o qual não reproduz de forma correcta em escrita a expressão portuguesa de admiração “UAU”.
No entanto, apesar de as duas últimas letras serem iguais, a primeira letra serem iguais, a primeira letra é completamente diferente (um U em vez de um W) e a marca registanda ainda apresenta o escrito “by MÚ”, o qual nada tem a ver com a Recorrida e tem relação com a Recorrente por se tratar de marca da sua titularidade.
Finalmente, considerou ainda que “tal diferença entre as marcas é susceptível de criar distintividade na marca registanda face à marca registada da Recorrida, existindo uma maior probabilidade de associação da marca da
Recorrente à marca nacional n.º 000000 do que à marca registada da titularidade da Recorrida.
Com efeito, o sinal figurativo da marca registanda assegura distintividade relativamente ao sinal da marca registada o qual apresenta um sinal nominativo.”
A Recorrente, por reporte à imitação, refere que “o Tribunal a quo, erradamente, fez uma dissecação analítica aquando da comparação das marcas, quando o deveria ter feito por intuição sintética.”
Mais referiu que “o Tribunal a quo deveria ter centrado o seu juízo nas semelhanças entre as marcas em confronto que não pelas suas dissemelhanças”; sendo que as marcas “apresentam fortes semelhanças quanto ao núcleo distintivo e dominante UAO e WAO”.
Referiu ainda que a “marca registanda não contém qualquer elemento figurativo, contrariamente ao mencionado na sentença recorrida”; e que “a sentença recorrida não considerou a interdependência entre os fatores tomados em conta, nomeadamente a semelhança entre as marcas e dos produtos designados.”
Finalmente, que as marcas “apresentam semelhanças fonéticas e nominativas consideráveis que induzem o consumidor em erro ou confusão ou que compreendem um risco de associação com a marca anterior da Apelante” e
que “os consumidores, ao adquirirem os produtos sob a marca da Apelada serão levados a confundir estes com os produtos comercializados sob a marca da Apelante.”
Por sua vez, a Recorrida, sobre esta temática, referiu que “não existe qualquer confusão entre a marca registada e a marca da Recorrida: quer os sinais distintivos da Recorrida e da registada são imagética, gráfica e foneticamente distintos”; que “a marca da Recorrida é “UAO by Mú”, como pode ler-se na douta sentença, e não “WAO” ou “UAO” tout court”.
Mais referiu que “em termos gráficos, as marcas possuem tipos de letra diferente e empregam uma combinação de expressões distintas”; e que “A expressão “by Mú” destaca-se na marca da Recorrida, o mesmo não se verificando com a marca prioritária, em que existe uma só expressão e uniformidade em todas as letras da composição gráfica apresentada enquanto sinal distintivo.”
Referiu ainda que “O consumidor médio não confunde a marca “UAO by Mú”, com outras marcas, inexistindo a alegada confundibilidade”; e que “A grafia, e, inclusive, a fonética das palavras empregues afigura-se distinta, porquanto é dissonante o som da primeira sílaba das palavras “UAO” e “WAO”, pelo que tal não deve ser desconsiderado.”
Finalmente, que “A BBB não tem direito à exclusividade de apropriação quer da expressão “wao”, e, menos ainda, da expressão “UAO” e que “verifica-se a introdução de duas palavras completamente distintas “by Mú”, pelo que também por esta via, inexiste qualquer confundibilidade e imitação”.
Estabelece o artigo 208.º do CPI, aprovado pelo DL n.º 110/2018, de 10 de dezembro, sob a epígrafe “Constituição de marca”, que:
“A marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais suscetíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, cor, a forma do produto ou da respetiva embalagem, ou por um sinal ou conjunto de sinais que possam ser representados de forma que permita determinar, de modo claro e preciso, o objeto da proteção conferida ao seu titular, desde que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.
Dispõe o artigo 232.° do CPI, sob a epígrafe “Outros fundamentos de recusa”, que:
“1 - Constitui ainda fundamento de recusa do registo de marca: ...
b) a reprodução de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços afins ou a imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor ou que compreenda o risco de associação com a marca registada;”
Por seu turno, estabelece o art. 238.° do CPI, sob a epígrafe “Conceito de imitação ou de usurpação”, que:
“1 - A marca registada considera-se imitada ou usurpada por outra, no todo ou em parte, quando, cumulativamente:
a) A marca registada tiver prioridade;
b) Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins;
c) Tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.”
2 - Para os efeitos da alínea b) do n.º 1:
a) Produtos e serviços que estejam inseridos na mesma classe da classificação de Nice podem não ser considerados afins;
b) Produtos e serviços que não estejam inseridos na mesma classe da classificação de Nice podem ser considerados afins.”
Resulta, assim, da conjugação dos dois preceitos legais em análise constituir fundamento de recusa do registo de marca a reprodução, ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem, se ambas se destinarem a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins, quando ambas tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada.
Vejamos então.
Importa ter presente que, como refere o STJ, “a marca é o primeiro e mais importante dos sinais distintivos do comércio, funcionando, de um lado, como identificação de um produto ou serviço proposto ao consumidor e permitindo, por outro, distingui-lo e diferenciá-lo de outros idênticos ou afins.” (Ac. de 12 de julho de 2018, proc. N.º 346/15.3YHLSB.L1.S1).
Por sua vez, a respeito das marcas mistas, o Tribunal Geral da União Europeia no Acórdão de 14.07.2005 (SELENIUM – ACE, T-312/03, parágrafos 37 a 40 ECLI:EU:T:2005:289) entendeu que quando o sinal é composto de elementos nominativos e figurativos, o componente nominativo tem, em princípio, um impacto mais forte no consumidor do que a componente figurativa, pois o público não tem tendência a analisar sinais e fará mais facilmente referência ao sinal em causa citando o seu elemento nominativo do que descrevendo os seus elementos figurativos.
Refere Pedro Sousa e Silva que “A abordagem correcta no exame da confundibilidade das marcas é aquela que - no respeito do princípio da interdependência - coloca, num dos “pratos da balança” os factores de semelhança dos sinais, ao nível fonético, visual e conceptual e, no outro “prato”, os factores de diferenciação desses sinais, podendo a grande semelhança no contexto de um desses níveis ser compensada pela elevada dissemelhança no contexto dos demais.” (in Direito Industrial, 2.ª Ed., pág. 286).
Como referido supra, desde logo porque não foi posto em causa, temos por assente que a marca titulada pela BBB, S.A., é prioritária e que as marcas em análise se destinam a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins.
Importa, como bem refere a decisão em crise, referir que estamos perante um sinal nominativo e um misto.
Dito isto, reportando-nos aos sinais sub judice, passemos então a considerar os elementos assinalados.
Os elementos nominativos em análise são «WAO» e «UAO by Mú».
Entendemos que os primeiros vocábulos, não sendo absolutamente comuns, são graficamente próximos.
Na verdade, estes são compostos pelo «AO» variando apenas a primeira letra, entre o «W» e o «U», letras diversas, (sendo que a primeira ainda não é de uso comum na nossa língua), mas visualmente semelhantes.
Por sua vez, no que respeita ao segundo sinal, os vocábulos «by Mú» são efetivamente distintos e, em circunstâncias normais, dariam origem a uma denominação diversa.
Porém, a imagem que transmitem os dois sinais são francamente próximas.
Em termos fonéticos, comparando os vocábulos dominantes, ou seja «WAO» e «UAO», não temos a menor dúvida em referir que são absolutamente iguais; o «W» e o «U», nestas expressões, lêem-se da mesma forma ou, dito de outra forma, apresentam a mesma sonoridade.
Finalmente, em termos conceptuais ou semânticos, o vocábulo comum é suscetível de corresponder ao «UAU» utilizado na língua portuguesa e que significa ou exprime espanto, admiração ou contentamento, satisfação, aprovação, aplauso, o que, associado ao contexto em que se inserem as marcas (ex. gelados) é suscetível de transmitir, de forma fantasiosa, a ideia de os seus produtos têm aquelas caraterísticas/ qualidades/ apetências.
Por sua vez, aquele associado a «by Mú» pode significar que aquelas características são proporcionadas pela «Mú».
Dito isto, temos de concordar que as diferenças existentes são exponencialmente eclipsadas por aquelas semelhanças, ou seja, a imagem, a fonética e a conceptual; sendo por isso suscetível de causar no consumidor, medianamente atento, dúvidas quanto à “distinção das marcas”.
Efetivamente, entendemos que estes três últimos elementos de comparação, tendo em consideração o consumidor tipo a que se destinam, assumem maior preponderância que as diferenças assinaladas, desde logo por serem mais facilmente retidos na memória do consumidor médio de produtos assinalados pelas marcas aqui em análise, porquanto apreendidos pela visão e audição.
Circunstância que também se reflete quando temos de considerar a impressão de conjunto produzida pelos seus elementos distintivos.
Na verdade, a referida impressão acaba por ser a “pedra de toque” a que se impõe recorrer para aquilatar da possibilidade de existência, ou não, de erro ou confusão entre marcas, ou mesmo do risco de imputação dos produtos de uma empresa à outra.
Este último risco abrange as situações em que o consumidor, apesar de não confundir os sinais, os imputa à mesma empresa ou supõe que entre as diferentes empresas existam especiais relações jurídicas, económicas ou comerciais.
Porém, invariavelmente, o risco que se pretende evitar é o risco de indução dos consumidores em erro ou confusão sobre a origem dos produtos ou serviços, uma vez que a marca é um sinal que se destina a distinguir os produtos/serviços de uma determinada empresa dos de outras empresas.
Volvendo a nossa atenção para a impressão de conjunto, o TJUE (C-251/95, SABEL, C-39/97, CANON) decidiu que “a comparação entre sinais deve fazer-se, essencialmente, através de uma impressão de conjunto, sem dissecação de pormenores, pois o consumidor médio apreende normalmente uma marca como um todo, não procedendo a uma análise das suas diferentes particularidades ou detalhes.” (Ac RL de 20-12-2017, Proc. Nº 271/17.3YHLSB.L1-7, www.dgsi.pt e Pedro Sousa e Silva, Direito Industrial, p. 253).
Acresce ainda a circunstância de habitualmente o consumidor não ser confrontado em simultâneo com as duas marcas para as poder comparar, pelo que, quando se vê confrontado com uma das marcas, tendo reminiscências na memória da outra marca, importa aquilatar se conseguirá, no imediato, distingui-las.
Nessa medida, também se verifica a imitação de uma marca quando “tendo-se à vista apenas a marca a constituir, se deva concluir que ela é susceptível de ser tomada por outra de que se tenha conhecimento.” (cfr. Ac. RL de 24 de junho de 2014, proc. N.º 1021/08.0TYLSB.L1-7, in www.dgsi.pt).
Entendemos, pois, que apesar das diferenças assinaladas às duas marcas, existem elementos semelhantes de maior impacto ao nível da “audição” e mesmo da “visão” que, em termos globais, originam uma proximidade entre elas, suscetíveis de transmitir uma impressão idêntica que, mesmo um consumidor médio normalmente distraído em relação aos pormenores, possibilita a associação da marca da Recorrente com a marca da Recorrida.
Efetivamente, as semelhanças dos sinais que compõe a marca registanda, analisada no seu conjunto, são suscetíveis de induzir facilmente o consumidor em confusão, designadamente por associação com os produtos da Apelante que, recorde-se, são idênticos/afins.
Dito de outra forma, os sinais das marcas em análise não são suficientemente diversos, em termos de apreciação de conjunto, que possibilitem ao consumidor médio a que se destinam os produtos, mesmo quando na presença de apenas um deles, distingui-los, existindo, pois, o risco de associação destas.
Entendemos, pois, que o dito consumidor, perante qualquer uma das marcas em análise, mesmo com as grafias diversas, retenha a ideia do “UAU” e, assim, associe os produtos de uma à outra.
Da concorrência desleal.
No que diz respeito à segunda questão, saber se o registo da marca da Recorrida é suscetível de gerar concorrência desleal, importa chamar à colação o disposto no artigo 232.º do CPI.
Estabelece o citado artigo, sob a epígrafe “Outros fundamentos de recusa”, que (n.º 1) “constitui ainda fundamento de recursa do registo de marca” (h) “o reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal ou de que esta é possível independentemente da sua intenção.”
A respeito da concorrência desleal importa ainda fazer apelo ao disposto no artigo 311.º do referido diploma legal.
Dispõe o aludido artigo, sob a epígrafe “Concorrência desleal”, que (1) “constitui concorrência desleal todo o ato de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de atividade económica, nomeadamente” (a) “os atos suscetíveis de criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue.”
No caso, como vimos, mesmo que sem intenção, por induzir facilmente o consumidor em confusão/ risco de associação, existe, por isso, a possibilidade de desvios de clientela.
Efetivamente, o consumidor é suscetível de poder comprar os produtos da “UAO” a pensar que está a comprar da “WAO” ou de pensar que esta “tem a ver” com aquela.
Por todo o exposto, ao abrigo dos artigos 208.º, 232.º e 238.º, todos do CPI, entendemos que não deve ser concedido o registo da marca nacional n.º 000000, revogando-se a decisão do tribunal a quo.
IV - Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso, revogando-se a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, substituindo-a por decisão de recusa de registo da marca nacional n.º 000000.
UAO
by MÚ
Custas pela Recorrida (artigo 527.º do CPC).
Lisboa, 20 de dezembro de 2023
Bernardino Tavares
Eleonora Viegas
Armando Manuel da Luz Cordeiro