(Elaborado pelo relator e da sua inteira responsabilidade – art. 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil)
1. Impõe-se ao julgador da 1.ª instância que indique quais os concretos meios de prova produzidos nos autos que considerou, procedendo, em seguida à sua análise conjugada e critica, para, então, finalmente, concluir no sentido de dar como provados ou não provados os factos relevantes para a decisão da causa.
2. Assim, pois, no respeitante à motivação da decisão da matéria de facto, prova e não provada, deve o julgador especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, indicando os concretos meios de prova e declarando por que razão, sem perda da liberdade de julgamento garantida pela manutenção do princípio da livre apreciação das provas (art. 607º, n.º 5, do CPC), deu mais credibilidade a uns meios de prova do que a outros.
3. Nessa motivação deve o juiz desenvolver uma argumentação justificativa da qual hão-de resultar as boas razões que a fazem aceitar razoavelmente, ou seja, deve demonstrar a consistência dos vários aspetos da decisão.
4. Da motivação da decisão de facto deve resultar inequivocamente que a mesma foi tomada em todos os seus aspetos de maneira racional, à luz de critérios objetivos e controláveis de valoração, e, consequentemente, de forma imparcial.
5. Não estando motivada a decisão proferida sobre cada um dos pontos de facto impugnados, deve a Relação determinar, mesmo oficiosamente, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. d), do C.P.C., a devolução do processo ao tribunal de 1.ª instância, para que aí se proceda a tal motivação, revelando aquele preceito que a falta ou a deficiência da motivação da decisão da matéria de facto não constitui causa de nulidade da sentença, antes dando lugar ao uso, pela Relação, do denominado poder cassatório ou rescisório mitigado.
Proc. 4765/19.8T8LRS.L1 7ª Secção
Desembargadores: José Capacete - Edgar Taborda Lopes - -
Sumário elaborado por Carolina Costa
_______
N.º do processo: 4765/19.8T8LRS.L1
Secção: 7.ª Secção
Data do acórdão: 23.01.2023
Relator: José Capacete
Votação: Unânime
Texto parcial: N
Meio processual: Apelação
Decisão: Devolução à 1.ª instância
Descritores:
Fundamentação de facto
Motivação da decisão
Devolução à 1.ª instância
Poder cassatório ou rescisório mitigado
SUMÁRIO:
(Elaborado pelo relator e da sua inteira responsabilidade – art. 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil)
1. Impõe-se ao julgador da 1.ª instância que indique quais os concretos meios de prova produzidos nos autos que considerou, procedendo, em seguida à sua análise conjugada e critica, para, então, finalmente, concluir no sentido de dar como provados ou não provados os factos relevantes para a decisão da causa.
2. Assim, pois, no respeitante à motivação da decisão da matéria de facto, prova e não provada, deve o julgador especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, indicando os concretos meios de prova e declarando por que razão, sem perda da liberdade de julgamento garantida pela manutenção do princípio da livre apreciação das provas (art. 607º, n.º 5, do CPC), deu mais credibilidade a uns meios de prova do que a outros.
3. Nessa motivação deve o juiz desenvolver uma argumentação justificativa da qual hão-de resultar as boas razões que a fazem aceitar razoavelmente, ou seja, deve demonstrar a consistência dos vários aspetos da decisão.
4. Da motivação da decisão de facto deve resultar inequivocamente que a mesma foi tomada em todos os seus aspetos de maneira racional, à luz de critérios objetivos e controláveis de valoração, e, consequentemente, de forma imparcial.
5. Não estando motivada a decisão proferida sobre cada um dos pontos de facto impugnados, deve a Relação determinar, mesmo oficiosamente, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. d), do C.P.C., a devolução do processo ao tribunal de 1.ª instância, para que aí se proceda a tal motivação, revelando aquele preceito que a falta ou a deficiência da motivação da decisão da matéria de facto não constitui causa de nulidade da sentença, antes dando lugar ao uso, pela Relação, do denominado poder cassatório ou rescisório mitigado.
Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – RELATÓRIO:
H intentou a presente ação declarativa de condenação contra S e marido, N, alegando, em suma, que no dia 10 de outubro de 2005, entre si, na qualidade de empreiteiro da construção civil, e os réus, na qualidade de donos da obra, foi celebrado contrato de empreitada, tendo por objeto demolição de uma habitação existente e na construção de uma nova habitação, sita na Rua L, n.º __, em Lisboa, mediante o preço de € 189.557,43.
Durante a execução da obra os réus solicitaram ao autor realização de trabalhos não previstos e contabilizados no orçamento que este inicialmente lhes apresentou, o que motivou a apresentação, em novembro de 2007, de um orçamento suplementar, no valor de € 3.672,95, por eles igualmente aceite.
Assim, foi de € 193.230,38, o preço total da empreitada acordada entre o autor e os réus, que incluía, além da mão-de-obra, todos os materiais e utensílios necessários à execução da obra.
Até à presente data os réus não pagaram ao autor a quantia de € 92.706,38.
Sucedeu que, quase no final da obra, quando se encontravam praticamente concluídos os acabamentos, os réus solicitaram a execução de alterações na cércea e na fachada de um dos lados da mesma, de modo a ser colocado no sótão uma pequena casa de banho com altura para uma cabine de duche, tendo a ré ao autor que tinha tratado da alteração ao projeto junto da Câmara Municipal de Lisboa.
No entanto, no decurso desses trabalhos, a obra foi embargada pela Câmara Municipal de Lisboa, por falta de legalização da alteração ao projeto.
Os réus, ao procederem da forma descrita, sabiam que colocavam o autor, como colocaram, na situação de impossibilidade de concluir a obra.
O autor conclui assim a petição inicial:
«Nestes termos e nos melhores de Direito, que Vossa Excelência doutamente suprirá, requer-se respeitosamente se digne:
a) Declarar a resolução do contrato de empreitada;
b) Condenar os Réus a pagar ao Autor a quantia de 92.706,38 (Noventa e dois mil setecentos e seis euros e trinta e oito cêntimos) a titulo de valor em dívida pelo preço de execução da obra,
c) condenar os réus a pagar ao A. juros de mora, á taxa legal comercial, vencidos no valor de 42737€ (quarenta e dois mil setecentos e trinta e sete euros),
d)condenar ao Réus a pagar ao A. os juros vincendos desde a citação até integral pagamento;
(...).»
Citados, os réus apresentaram extenso articulado de contestação, começando por invocar a exceção de não cumprimento do contrato de empreitada, alegando, para o efeito, e em síntese, que «o A., por sua iniciativa, decidiu não seguir aquilo que estava projetado e licenciado para a obra do imóvel dos RR., o que acabou por resultar no embargo da mesma, em dezembro de 2006.
(...) o autor não chegou a entregar a obra que lhe fora encomendada pelo RR.»
Por isso, a partir de 2 de fevereiro de 2007, os réus deixaram de pagar qualquer quantia ao autor.
Subsequentemente, os réus defendem-se por impugnação.
Além disso, os réus deduzem reconvenção contra o autor, alegando que foi este quem incumpriu definitivamente o contrato de empreitada, na sequência do que aqueles sofreram danos de natureza patrimonial e não patrimonial, pelos quais pretendem ser indemnizados.
Concluem assim a contestação/reconvenção:
«Termos em que e nos melhores de direito, (...):
1. Deve ser julgada procedente, por que provada, a matéria de exceção deduzida, e, em consequência, serem os RR. absolvidos do pedido, com as legais consequências;
2. Em todo o caso, deve a presente ação ser julgada improcedente, por que não provada, e, em consequência, serem os RR. absolvidas do pedido, com as legais consequências;
3. Deve ser julgada procedente, por provada, a reconvenção aqui deduzida, e, em consequência:
a) Ser declarado o não cumprimento definitivo das obrigações contratualmente assumidas pelo A., sendo este, a final, condenado a pagar aos RR.:
i. A quantia de € 7.500,00 pelas despesas de habitação que os RR. tiveram de suportar por força do embargo de obra provocado pelo A., ao que acrescem juros já vencidos no valor de € 3.612,91 e os vincendos até efetivo e integral pagamento;
ii. A quantia de € 33.040,80 a título de indemnização pelos custos que os RR. terão de suportar com a correção da cércea;
iii. A quantia de € 10.000,00 a título de compensação por conta das rendas que os RR. terão de suportar enquanto decorrerem as obras de correção da cércea;
iv. A quantia de € 20.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos em consequência do não cumprimento, pelo A., das obrigações por si contratualmente assumidas;
b) Ser o A. condenado a pagar aos RR. a quantia de € 20.700,00, por avenças vencidas e não pagas à R. S pelo trabalho que esta prestou enquanto arquiteta, ao que acrescem juros de mora, vencidos no valor de € 10.342,06 e os vincendos até efetivo e integral pagamento;
b) Ser o A. condenado a pagar aos RR. a quantia de € 38.986,25, a título de comissões devidas e pela angariação de clientes não pagas, ao que acrescem juros de mora, vencidos no valor de € 12.543,92 e os vincendos até efetivo e integral pagamento.»
Em réplica:
a) o autor respondeu à matéria de exceção invocada pelos réus, pugnando pela sua improcedência;
b) defendeu-se quanto à matéria da reconvenção, pugnando para que esta seja julgada improcedente, por não provada;
c) pede a condenação dos réus a título de litigância de má-fé, «em indemnização» a arbitrar pelo tribunal.
Conclui assim o articulado de réplica:
«Nestes termos e nos melhores de Direito, deve a presente acção proceder por provada e em consequência, improceder o pedido reconvencional deduzido nos autos pelos RR sendo estes condenados nos termos peticionados pelo Autor e ainda condenados como litigantes de Má Fé.»
Na audiência prévia:
a) foi admitida a reconvenção;
b) fixou-se o valor da causa em € 292.169,32;
c) identificou-se assim o objeto do litígio:
«O objecto do litígio respeita à responsabilidade contratual decorrente de contrato de empreitada»;
d) enunciaram-se assim os temas da prova:
«1 - Tendente a demonstrar que por razões imputáveis aos réus – por terem solicitado ao autor a realização de trabalhos em divergência do projecto, convencendo-o de que essa alteração estava legalizada – a obra veio a ser embargada pela Câmara Municipal de Lisboa quando se encontravam já executados mais de 90/prct. dos trabalhos ajustados, encontrando-se em dívida o valor de € 92.706,38 que os réus ainda não pagaram ao autor, tendo-o ainda impedido de concluir os últimos detalhes da obra.
2 - Tendente a demonstrar que o autor por sua iniciativa executou a zona da cércea do edifício em desconformidade com o projecto que lhe foi dado a executar pelos réus, tendo sido essa circunstância que conduziu ao embargo da obra pela Câmara Municipal de Lisboa; que apesar das diversas diligências dos réus no sentido da legalização das alterações executadas não lograram obtê-la; que o autor se obrigou perante os réus a, na impossibilidade da legalização das alterações, realizar a obra necessária ao cumprimento do projectado, tendo sido por essas razões que os réus se escusaram ao pagamento de mais trabalhos.
3 - Tendente a demonstrar que dos trabalhos programados e incluídos na prestação do autor os réus suportaram a aquisição dos materiais e equipamentos referidos nos artºs 59 e 60 da contestação.
4 - Tendente a demonstrar que a correcção da obra desconformemente executada pelo autor ascenderá a € 33.040,80.
5 - Tendente a demonstrar os demais danos patrimoniais e não patrimoniais invocados pelos réus, incluído os relativos a avença e comissões devidas pelo autor à ré S.».
Após a realização da audiência prévia, foi conhecido nos autos:
a) o falecimento do réu N.
Por sentença datada de 28 de janeiro de 2021, foram julgados habilitados a ocupar a sua posição processual, os seus herdeiros:
- S, co-ré e viúva do falecido N; e,
- D, DN e M, filhos do falecido N, sendo o habilitado M representado por sua mãe, por ser menor;
b) o falecimento do autor, H.
Por sentença datada de 3 de fevereiro de 2022, foram julgados habilitados a ocupar a sua posição processual, os seus herdeiros, ML e MJ, respetivamente viúva e filha do falecido H.
Na subsequente tramitação dos autos realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
«Nestes termos e com os fundamentos expostos, julga-se parcialmente procedente a presente acção proposta pelo autor H e parcialmente procedente o pedido reconvencional deduzido pelos réus S e N e, em consequência, decide-se:
a. declarar resolvido o contrato de empreitada, celebrado em 10 de Outubro de 2005, entre H e S e N;
b. Condenar a ré S e os sucessores habilitados (sucessores habilitados de N) D, DN e M, no pagamento, a título de indemnização, aos sucessores habilitados (sucessores habilitados de H) ML e MJ, da quantia a liquidar em sede de incidente de liquidação de sentença, correspondente à quantia de € 87.680,30 (oitenta e sete mil, seiscentos e oitenta euros e trinta cêntimos), deduzida dos valores necessários à execução dos trabalhos de acabamentos em madeira na lareira da habitação, no valor máximo de €500,00 e à colocação das portas, tampas nas tomadas e interruptores e da louça sanitária em três casas de banho, na obra construída na Rua L, n.º __, em Lisboa (artigos 358.º e seguintes e 609.º, n.º 2 do Código de Processo Civil), acrescida dos juros de mora, contados nos termos dos artigos 559º e 805º, n.º 3, primeiro segmento, do Código Civil;
c. Condenar os sucessores habilitados (sucessores habilitados de H) ML e MJ no pagamento da quantia de €2.700,00 (dois mil e setecentos euros), à ré S, acrescida dos juros de mora, vencidos desde 27/12/2018, e vincendos até integral pagamento, contados à taxa legal de 4/prct. ao ano, prevista para os juros civis, nos termos do artigo 559º do Código Civil (Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril), sem prejuízo da aplicação de taxa diversa que ulteriormente venha a vigorar;
d. Condenar os sucessores habilitados (sucessores habilitados de H) ML e MJ no pagamento, à ré S, da quantia a que se vier a apurar em sede de liquidação de sentença, nos termos dos artigos 358.º e seguintes e 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, correspondente às comissões de 7/prct. sobre o valor das obras angariadas por esta e executadas por H, no montante máximo de €7.836,25, por referência à obra realizada, entre 2008 e 2009, no prédio, situado na Rua G, n.º __, em Lisboa; no montante máximo de € 19.250,00, por referência à obra de construção de moradia familiar, em ____, para E; no montante máximo de € 9.800,00, por referência à obra de remodelação e construção, na Herdade ____, sita em ____; acrescida dos juros de mora, à taxa legal prevista para os juros civis, nos termos dos artigos 559º e 805º, n.º 3, primeira parte, do Código Civil;
e. Absolver os sucessores habilitados (sucessores habilitados de H) ML e MJ dos demais pedidos deduzidos pela ré S e sucessores habilitados (sucessores habilitados de N) D, DN e M;
f) Absolver a ré S e sucessores habilitados (sucessores habilitados de N) D, DN e M do restante pedido deduzido pelos sucessores habilitados (sucessores habilitados de H) ML e MJ;
g) Absolver a ré S e sucessores habilitados D, DN e M, do pedido de condenação como litigante de má fé.»
ML e MJ, herdeiras habilitadas do falecido autor H, recorreram dessa sentença, concluindo assim as respetivas alegações:
«1. há contradição entre os factos considerados provados nos pontos 54, 55 aliena b) 56 e 57, e os não provados nos pontos W, X e Y, pelo que está preenchido o disposto no artigo 615.º n.º 1 aliena C do CPC quanto à nulidade da sentença recorrida, que é assim nula por ininteligibilidade da decisão no que a estes pontos diz respeito.
2. por outro lado, resulta da prova documental (livro de obra e processo de embargo) e das testemunhas O e G, que a obra estava concluída quando foi embarga,a pelo que a sentença recorrida não poderia dar como provado que faltava da parte do A colocar loiças sanitárias, portas,
3. Em outubro de 2007, deu a sentença como provado no ponto 31 dos factos assentos o agregado familiar da Ré mudou-se para aquela habitação, pelo que forçoso é conluir que a casa estava acabada.
4. Nesse sentido não poderia a sentença recorrida dar como porvado que falatavm colocar portas, tampas de interruptores e loiças sanitarias, apenas com base no que foi escrito pelo eng. da Ré no licro de obra,
5. tanto mais que as testemunhas ouvidas referem que deixaram a obra acabada.
6. esta contradição conduz igualmente à nulidade da sentença recorrida ao abrigo do disposto no artigo 615.º n.º 1 alínea c) do CPC.
7. a nulidade da sentença recorrida por ininteligibilidade da decisão resulta ainda da contradição entre os factos dados como provados e não provados quanto as comissões.
8. ora a sentença dá como provado nos pontos que são devidas comissões à Ré porque terá acordado nelas com o A. numa reunião ocorrida no “Vela Latina“ em Lisboa, dando a sentença por verdade o que a Ré refere na carta que apenas em 2018 escreve ao A.
9. Porém, a sentença recorrida dá como não provado os pontos rr, ss, tt, e uu, no que se refere a que o A tenha realizado tais obras e por aquele valor.
10. As testemunhas inquiridas em julgamento nada sabem de concreto sobre se havia ou não acordo e de que percentagem estaria em causa, Luis Oneil diz que era normal nestes casos haver comissões, Ernesto brito diz que pediu ao A que desse algum montante a ganhar à Ré su a filha… Em suma: nenhuma das testemunhas soube ao certo o que estava acordado entre o A. e a Ré sobre este assunto, se é que alguma coisa definiram de facto!!
11. Do próprio senso comum não faz sentido que a Ré e o marido, devedores que eram do A. de cerca de metade da empreitada, ainda lhe fizessem exigências quanto a comissões, e mais que estivesse a ré dez anos para as cobrar, esperando as diligências extrajudiciais do A para a cobrança, em 2018, para então enviar a carta a liquidar o valor das comissões-
12. então as comissões eram devidas e nunca haviam sido liquidadas e apresentadas a pagamento pela ré, que esperou anos para as liquidar e pedir ao A que as pagasse em sede de reconvenção??
13. é questão que não se coaduna com a realidade dos factos e com o que decorre do senso comum.
14. daqui se pode concluir que os RR sempre litigaram de má-fé, sabiam que eram devedores ao A. e ainda assim inventaram um conjunto de factos para neles se escudarem a pagar, fazendo-o interpor acçao judicial, e com isso continuar a protelar o pagamento.
15. A sentença recorrida, e bem, entendeu que não há confiança da Ré a tutelar e que portanto não há danos morais ou patrimoniais a pagar-lhe pelo A na medida em que deu origem a todos os factos que conduziram a este proceder.
16. Com efeito, ordenou a alteração da cércea, correndo o risco do embargo, e quando ele ocorre recusa-se a pagar o que deve ao A, alegando que a culpa dessa alteração era dele.
17. Não é sem culpa que a Ré alega ser da responsabilidade do A e de sua lavra o aumento da altura da cércea, fá-lo para se eximir a pagamento,
18. Pois era a autora do projecto, ia à obra semanalmente, detetou o erro na desconfragem, deixou seguir a obra, para ela se mudou sem pagar o que devida…
19. Todavia, a sentença recorrida teve pejo em ir mais longe na Justiça que fez, e não condenou a ré como litigante de má-fé como se impunha, dado que traz a tribunal factos que sabe serem falsos, defende pretensão cuja falta de razão não ignora,
20. devendo portanto ser condenada a indemnizar o A. e a pagar multa ao tribunal de acordo com o plasmado no artigo 542 n.º2 alínea a) e b) do CPC.
21. a liquidação em execução de sentença não poderia ter sido decidia nos termos em que foi pois torna o A refém da ré e dos documentos que vier a apresentar, se é que virá algum dia a fazê-lo.
22. o A era empresário, são-lhe devidos juros comerciais desde o envio da carta em 2012, data em que resolveu o contrato de empreitada.»
Conforme refere RUI PINTO, «depois de formular conclusões, o recorrente termina deduzindo um pedido de revogação, total ou parcial, de uma decisão judicial.».
Neste recurso, após a formulação das conclusões, é deduzido o seguinte pedido revogatório:
«Nestes termos e nos melhores de Direito, requer-se a Vossa Excelências se dignem considerar procedente o presente recurso, substituindo a sentença recorrida por outra que:
a) absolva o A. do pedido reconvencional deduzido pela Autora quanto a comissão alegadamente devidas,
b) o absolva de deduzir ao valor da empreitada que lhe deve a Ré os alegados valores de bens que esta comprou para completar a obra,
c) condene a Ré como litigante de má-fé em indemnização ao A e multa ao tribunal em valores a doutamente arbitrados por Vossas Excelências.
Assim se fazendo Justiça!»
A ré S, e os demais herdeiros habilitados do falecido co-réu N, M, D e DN, contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso e, consequentemente, pela manutenção da sentença na parte em que foi objeto de recurso pelas habilitadas herdeiras do falecido autor, H, ML e MJ.
A ré S, e os demais herdeiros habilitados do falecido corréu N, M, D e DN, recorreram, também eles, a título principal, daquela sentença, concluindo assim as respetivas alegações:
«A) O presente recurso é interposto ao abrigo dos artigos 629.º, n.º 1, 638.º, n.º 1 e 7 e 644.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil (doravante CPC), sendo requerida a reapreciação da prova gravada.
B) O presente recurso é interposto da Douta Sentença que:
f. declarou resolvido o contrato de empreitada, celebrado em 10 de Outubro de 2005, entre H e S e N;
g. condenou os Réus ao pagamento, a título de indemnização, da “quantia a liquidar em sede de incidente de liquidação de sentença, correspondente à quantia de €87.680,30 (oitenta e sete mil, seiscentos e oitenta euros e trinta cêntimos), deduzida dos valores necessários à execução dos trabalhos de acabamentos em madeira na lareira da habitação, no valor máximo de €500,00 e à colocação das portas, tampas nas tomadas e interruptores e da louça sanitária em três casas de banho, na obra construída na Rua L, n.º __, em Lisboa (artigos 358.º e seguintes e 609.º, n.º 2 do Código de Processo Civil), acrescida dos juros de mora, contados nos termos dos artigos 559º e 805º, n.º3, primeiro segmento, do Código Civil”;
h. condenou os Autores no pagamento da “quantia de €2.700,00 (dois mil e setecentos euros), à ré S, acrescida dos juros de mora, vencidos desde 27/12/2018, e vincendos até integral pagamento, contados à taxa legal de 4/prct. ao ano, prevista para os juros civis, nos termos do artigo 559º do Código Civil(Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril), sem prejuízo da aplicação de taxa diversa que ulteriormente venha a vigora”;
i. condenou os Autores no pagamento da “da quantia a que se vier a apurar em sede de liquidação de sentença, nos termos dos artigos 358.º e seguintes e 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, correspondente às comissões de 7/prct. sobre o valor das obras angariadas por esta e executadas por H, no montante máximo de €7.836,25, por referência à obra realizada, entre 2008 e 2009, no prédio, situado na Rua G, n.º __, em Lisboa; no montante máximo de € 19.250,00, por referência à obra de construção de moradia familiar em ____, para E; no montante máximo de € 9.800,00, por referência à obra de remodelação e construção, na Herdade ____, sita em ____; acrescida dos juros de mora, à taxa legal prevista para os juros civis, nos termos dos artigos 559º e 805º, n.º 3, primeira parte, do Código Civil”;
j. absolveu os Autores “dos demais pedidos deduzidos pela ré S e sucessores habilitados (sucessores habilitados de N) D, DN e M”;
k. absolveu os Réus “do restante pedido deduzido” pelos Autores; e
l. absolveu os Réus do pedido de condenação como litigantes de má-fé.
C) O dissídio dos Recorrentes prende-se, sobretudo, com a aplicação das normas legais e convencionais aplicáveis à factualidade dada como provada e que, no seu entender, sempre determinariam outro desfecho, mas também com o acervo de matéria de facto considerado provado, que, no seu entendimento, desconsidera a prova produzida – o que, a final, imporá decisões diversas das vertidas na decisão aqui em causa.
D) Para decidir nos termos acima expostos, o Douto Tribunal a quo deu como provados, para além dos demais, os seguintes factos:
(...);
E) Por outro lado, o Douto Tribunal a quo deu como não provados, entre os demais, os seguintes factos:
(...);
F) a L) (...).
M) (...) ainda que se possa discutir quão perto do final da obra se estaria quando os Réus, supostamente, pediram a alteração na cércea e fachada de um dos lados da mesma, certo será que o alegado pedido dos Réus teria de ter surgido após o início da execução da obra – o que sempre significaria que a construção de uma cércea superior à inicialmente projetada implicaria um aumento dos custos previamente orçamentados e configuraria, em rigor, um pedido de trabalhos a mais.
N) Porém, não consta dos presentes autos qualquer indício, quanto mais evidência, de ter sido apresentado um orçamento para a execução da obra com uma das fachadas mais altas do que inicialmente projetado, nem consta dos autos qualquer orçamento adicional ou retificativo que leve em linha de conta o tamanho aumentado da cércea, supostamente pedido pelos Réus.
O) a R) (...).
S) (...) não houve qualquer pedido de trabalhos a mais por parte dos Réus – nem “quase no final da obra”, conforme alegado pelo Autor no art.º 14.º da Douta Petição Inicial, nem em momento anterior ou posterior – nem esses trabalhos a mais foram alguma vez prestados.
T) O que houve foi, isso sim, uma situação de incumprimento por parte do Autor, sucedido nesta lide pelos aqui Recorridos, o qual procurou eximir-se da correção da cércea por conta do atraso nos trabalhos e do acréscimo de custos que teria de suportar.
U) Perante a reticência do Autor em corrigir a cércea, os Réus acederam a tentar legalizar a obra erroneamente executada junto da Câmara Municipal de Lisboa, sob condição de que, caso tal se revelasse inviável, a desconformidade na cércea seria corrigida pelo Autor a expensas próprias, como foi abundantemente atestado pela testemunha V.
V) Porém, a circunstância de os Réus terem acedido à sugestão do Autor não ilude a circunstância deter sido este a dar causa ao embargo da obra DA casa de morada de família daqueles nem o exime do cumprimento com a obrigação de correção da cércea, para além da responsabilidade pelos demais danos causados na esfera jurídica dos Réus / Recorrentes.
W) Assim, em cumprimento do ónus estabelecido pelo art.º 640.º, n.º 1 do CPC, entendem os aqui Recorrentes que a decisão sobre a matéria de facto deve ser alterada do seguinte modo:
f) O ponto 14. dos factos provados deve ser alterado, dando-se como provado que “a ultrapassagem medida da cércea em cerca de 70 cm face à que consta do projeto aprovado se deveu a erro de execução do Autor”;
g) O ponto 15. dos factos provados deve ser aditado, acrescentando-se “na condição de que não sendo aceites as alterações ao projecto inicial, o autor corrigiria, a expensas próprias, a cércea do edifício e que pelo autor tenha sido aceite esta condição”;
h) Os pontos 16., 18. e 36. dos factos provados devem ser eliminados, por não terem qualquer correspondência com a realidade nem com a prova carreada nos presentes autos, em particular, aquela produzida em sede de Audiência Final;
i) Devem ser aditados os seguintes pontos ao acervo dos factos provados:
i. “Os Réus entregaram ao Autor o projeto da obra, para que este o executasse nos seus precisos termos”;
ii. “Os Réus e o Senhor Engenheiro V detetaram que a obra não se encontrava a ser construída em conformidade com o projeto aquando da descofragem da estrutura do prédio”;
iii. “O Autor não corrigiu o defeito na cércea após a falta de licenciamento pela Câmara Municipal de Lisboa, contrariamente ao estipulado com os Réus”;
iv. “O Autor nunca entregou a obra que lhe fora encomendada pelos Réus”.
j) Deve ser aditado o seguinte ponto ao acervo dos factos não provados: “Que os Réus tenham solicitado, em algum momento, que o projeto entregue ao Autor fosse desrespeitado, designadamente, no que respeita à altura da cércea do edifício em construção”.
X) Assim, têm os Réus / Reconvintes o direito a serem ressarcidos dos danos apurados pela Douta Sentença, respeitantes, designadamente:
a) Aos custos que terão de suportar com a correção da cércea, orçamentados em € 33.040,80, conforme atestado pelo Documento 21 junto com a Contestação (cfr. ponto 64 dos factos provados);
b) Às rendas que deverão suportar enquanto as obras de correção da cércea estiverem a decorrer, por conta da impossibilidade de o agregado familiar não poder permanecer na habitação durante as mesmas (cfr. ponto 66 dos factos provados), pelo período de 8 semanas (aproximadamente 2 meses) (cfr. ponto 65 dos factos provados), num valor nunca inferior a € 5.000,00 (cfr. ponto 68 dos factos provados);
c) A uma indemnização por danos não patrimoniais (cfr. pontos 69 a 79 dos factos provados) sofridos em consequência do não cumprimento, pelo Autor, das obrigações contratualmente assumidas, no valor de € 20.000,00.»
Neste recurso, após a formulação das conclusões, é deduzido o seguinte pedido revogatório:
«Nestes termos, e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, e, em consequência, ser a decisão recorrida revogada e substituída por outra que:
a) Altere a decisão sobre a matéria de facto nos termos indicados na Conclusão W) e, em consequência;
b) Revogue a alínea e) da Decisão constante da Douta Sentença ora em crise e:
i. Declare resolvido o contrato de empreitada, celebrado em 10 de Outubro de 2005, entre H e S e N, por incumprimento definitivo do Autor;
ii. Condene os Recorridos no pagamento da quantia de € 20.700,00 (vinte mil e setecentos euros), à Recorrente S, acrescida dos juros de mora, vencidos desde 27/12/2018, e vincendos até integral pagamento, contados à taxa legal de 4/prct. ao ano, prevista para os juros civis, nos termos do artigo 559º do Código Civil (Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril), sem prejuízo da aplicação de taxa diversa que ulteriormente venha a vigorar;
iii. Condene os Recorridos no pagamento de € 33.040,80 aos Recorrentes, a título de indemnização pelos custos que estes terão de suportar com a correção da cércea;
iv. Condene os Recorridos no pagamento de um valor nunca inferior a € 5.000,00 aos Recorrentes, a título de compensação por conta das rendas que terão de suportar enquanto decorrerem as obras de correção da cércea;
v. Condene os Recorridos no pagamento de € 20.000,00 aos Recorrentes, a título de indemnização por danos não patrimoniais resultantes do incumprimento definitivo do Autor das obrigações por si assumidas, Mantendo, no mais, a Decisão nos seus precisos termos.
II – ÂMBITO DO(S) RECURSO(S):
Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639.º, n.º 1), que se determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso.
Efetivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635.º, n.º 3), esse objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo art. 635.º).
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso, ainda que, eventualmente, hajam sido suscitadas nas alegações propriamente ditas.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo (cfr. os arts. 627.º, n.º 1, 631.º, n.º 1 e 639.º).
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, n.º 3) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 608.º, n.º 2, ex vi do art. 663.º, n.º 2).
À luz destes considerandos, no caso concreto, este tribunal ad quem vai determinar a devolução do processo à 1.ª instância para devida motivação da decisão sobre a matéria de facto, nos termos na al. d) do n.º 2 do art. 662.º
III – FUNDAMENTOS:
3.1 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
3.1.1 – A sentença recorrida considerou provado que:
«1. O autor H exerceu a actividade de construtor civil, como empresário em nome individual com o contribuinte fiscal n.º ____, certificado n.º ____, com sede e domicílio fiscal na Rua ____, n.º __, ____.
2. S e N, proprietários do prédio, sito na Rua L, n.º __, na freguesia ____, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º __, eram casados entre si, sendo a ré arquitecta de profissão.
3. No dia 30 de Dezembro de 2004, foi emitido parecer no sentido da aprovação de um projecto de construção nova para o lote sito na Rua L, n.º __, na freguesia ____, em Lisboa, sendo a ré a autora do projecto.
4. H, em 10 de Outubro de 2005, apresentou a S e N o orçamento, no valor de € 156.659,04 (cento e cinquenta e seis mil e seiscentos e cinquenta e nove euros e quatro cêntimos), acrescido de 21/prct. de IVA, correspondente a €32.898,39 (trinta e dois mil oitocentos e noventa e oito euros e trinta e nove cêntimos), perfazendo a quantia total de €189.557,43 (cento e oitenta e nove mil e cinquenta e sete euros e quarenta e três cêntimos) referente à obra consistente na demolição de uma habitação existente, propriedade destes, e construção de nova habitação, na Rua L, n.º __, em Lisboa.
5. Esse orçamento foi aceite por S e N.
6. Em 10 de Outubro de 2005, S e N adjudicaram, a H, a referida obra, na Rua L, n.º __, na freguesia ____, em Lisboa, que foi objecto de licenciamento pela Direção Municipal de Gestão Urbanística da Câmara Municipal de Lisboa e emitido o Alvará de Licença de Obras de Construção n.º ____.
7. Foi convencionado entre as partes que as obras adjudicadas teriam início em Janeiro de 2006 e estariam concluídas em Agosto do mesmo ano, tendo sido estabelecido o plano de execução da obra constante do documento junto com a contestação sob o n.º 4.
8. Durante a execução da obra, os réus S e N solicitaram a H, a execução de trabalhos não contabilizados no orçamento inicial.
9. Em 30 de Novembro de 2007, H apresentou orçamento suplementar aos réus, com os “Pedidos a Mais”, no valor total de quantia de € 3.672,95 (com taxa de 21/prct. de IVA incluído), que também foi aceite pelos réus.
10. Todos os materiais e utensílios necessários à execução da obra, bem como a mão-de-obra foram incluídos nos orçamentos apresentados por H e aceites pelos réus.
11. Até à presente data, os réus emitiram onze cheques por conta da dívida, perfazendo o montante total de € 100.524,00 (cem mil quinhentos e vinte e quatro euros).
12. Não foi entregue, pelos réus, a H, qualquer valor para pagamento da quantia de € 92.706,38 (noventa e dois mil setecentos e seis euros e trinta e oito cêntimos), correspondente à diferença entre o valor total dos dois orçamentos (€ 193.230,38) e o valor dos onze cheques.
13. O autor emitiu facturas, n.ºs ____, no valor total de € 90.750,00 (noventa mil, setecentos e cinquenta euros).
14. Pelos réus foi solicitado a H que na execução da obra, fosse ultrapassada em cerca de 70 cm a medida da cércea de 6,70 m que consta do projecto aprovado, sendo o objectivo criar melhores condições de habitabilidade do sótão e maior volume de construção desse piso, conferindo 2,40m de altura, em toda a extensão das instalações sanitárias existentes no sótão.
15. A ré S transmitiu a H que ia diligenciar junto da Câmara Municipal de Lisboa, pela aprovação dessa alteração ao projecto que se encontrava aprovado e licenciado.
16. H procedeu à execução da obra com a alteração ao projecto aprovado, em conformidade com o pedido que lhe foi dirigido pelos réus.
17. Em 30 de Dezembro de 2006, foi embargada a obra dos réus, constando do auto de embargo da Câmara Municipal de Lisboa que a “vivenda composta por rés-do-chão , 1º e 2º andar (…) se encontra praticamente concluída” e “para conclusão dos trabalhos falta: colocar as portas das divisões, colocação das tampas nas tomadas e interruptores, colocação de sanitários em 3 casas de banho, pintura das paredes (…) 3 m2 na fachada municipal”, sendo o motivo do embargo “obras em desconformidade com o projecto aprovado”.
18. Após o embargo da obra, H questionou a ré quanto à aprovação, pela Câmara Municipal de Lisboa, da alteração do projecto.
19. Na data do embargo da obra, a ré ainda não havia diligenciado junto da Câmara Municipal de Lisboa com vista a obter a aprovação da alteração do projecto, traduzida no aumento da cércea em cerca de 70 cm.
20. O prazo do embargo de obra foi de doze meses.
21. No momento do embargo da obra pela Câmara Municipal de Lisboa, em 30 Dezembro de 2006, encontrava-se “praticamente concluída” faltando “para conclusão dos trabalhos”, “colocar as portas das divisões, colocação das tampas nas tomadas e interruptores, colocação de sanitários em três casas de banho, pintura das paredes (…) em 3 m2 na fachada municipal”.
22. O autor estabeleceu contactos com a ré com o objectivo de ser ressarcido do valor correspondente à diferença entre o valor dos dois orçamentos e o valor constante dos onze cheques (cem mil quinhentos e vinte e quatro euros).
23. Por carta de 22/11/2012, enviada à ré, H comunicou que “no dia 3 de Dezembro de 2012, pelas 9 horas, irei deslocar-me à sua residência para obter as medidas dos radiadores (que fazem parte do aquecimento central) e as medidas das madeiras para finalizar a guarnição da lareira”, “pretendo dar por terminado os trabalhos de construção que me foram solicitados e de acordo com os orçamentos”.
24. Em resposta a essa carta, os réus enviaram a carta, datada de 5 de Dezembro de 2012, de cujo teor consta:
“Vimos pela presente, em resposta à V/ carta (Anexo) e na qualidade de proprietários/Dono de Obra do imóvel em assunto, transmitir-lhe o seguinte:
Como será do V/ conhecimento, o imóvel do qual somos proprietários foi objecto de uma ordem de embargo de obra, em 29 de Dezembro de 2006, após deliberação camarária, aquando decorria a empreitada de construção, cujo empreiteiro geral era, na altura, a H, titulado com Alvará n.º ____ e, cujo representante é V. pessoa.
Subjacente a essa situação, o Empreiteiro Geral H, é o único responsável pelos trabalhos executados no local, enquanto legítimo titular do respectivo Alvará (INCI), havendo para tal, as garantias daí provenientes, inerentes ao exercício profissional, reguladas de acordo com a legislação aplicável ao desempenho da actividade.
Os prejuízos decorrentes da imperfeição da obra em causa e, consequente embargo lesam fortemente o Dono de Obra que até hoje não possui a licença de utilização da habitação, pois, o resultado da obra pronta, no seu aspecto exterior, não é legalizável de acordo com a entidade Iicenciadora, a Câmara Municipal de Lisboa, até correcção da fachada, por não estar a mesma em conformidade com o projecto e normas urbanísticas aplicáveis ao local, como seja a altura da cércea máxima permitida para o imóvel em questão, inserido na frente edificada da rua.
Agora, passados quase seis anos do sucedido embargo, e com as despesas que para nós daí advieram, tais como encargos extraordinários de duas habitações - empréstimo e locação, entendemos que há lugar a indeminização ao Dono de Obra, pelos prejuízos causados, pelas imperfeições da obra e resultado final do construído: opus consumatum et perfectum.
Pelas razões aqui explanadas, deverá H apresentar ao Dono de Obra o orçamento dos trabalhos de correcção da fachada principal, com vista a apreciação do mesmo, constituindo-se os valores apresentados, como base de negociação ao valor efectivo de indeminização a pagar ao Dono de Obra, por parte do Empreiteiro. Ficando-se, pois, aguardar o V. deferimento…”
25. A esta carta não se seguiu qualquer resposta por parte do autor ou qualquer contacto entre este e os réus.
26. Até ao momento, os réus não conseguiram a aprovação da alteração ao projecto, nem efectuaram qualquer outro pagamento, ao autor, além da entrega dos onze cheques.
27. No decurso da obra, H propôs à ré que assumisse as funções de arquitecta, nas suas obras.
28. A ré aceitou e desempenhou essas funções entre meados de 2007 e 2012.
29. Foi acordado entre autor e ré S que esta seria remunerada com uma avença mensal, no valor de € 300,00 (trezentos euros), em contrapartida dos serviços por si prestados como arquitecta.
30. Como o pagamento do preço da obra estava atrasado e se instalou o diferendo entre autor e réus, após o embargo da obra, relacionado com a alteração do projecto e a não aprovação dessa alteração, aquele atrasou também o pagamento das avenças.
31. O agregado familiar dos réus instalou-se na casa em Outubro de 2007 e nela habita, desde então.
32. Em Março/Abril de 2006, a obra encontrava-se na fase da descofragem.
33. A execução da obra torna-se mais simplificada nos termos em que foi efectuada comparativamente com a obra projectada.
34. A alteração ao projectou beneficiou os réus S e N, donos da obra, permitindo a movimentação deste, em condições de conforto, na divisão das águas furtadas.
35. O projecto foi desenhado pela ré S e entregue pelos réus a H.
36. Após o embargo da obra, H questionou a ré se já havia diligenciado junto da Câmara Municipal de Lisboa, pela legalização da alteração do projecto.
37. Após o embargo de obra, os réus tentaram regularizar a obra junto da Câmara Municipal de Lisboa.
38. Nesse sentido, em 19 de Janeiro de 2007, os réus entregaram o pedido de legalização das alterações, na Câmara Municipal de Lisboa, tendo motivado o processo n.º ____.
39. Em 07 de Fevereiro de 2007, foi feita a remessa do projecto para consulta no IGESPAR - Instituto de Gestão do Património Arquitetónico e Arqueológico.
40. A ré foi notificada do despacho de 16 de Março de 2007, proferido pelo Director Regional do IPPAR, no qual foi decidido não aprovar o projecto de alterações da obra realizada na Rua L, n.º __, em Lisboa, constando da informação n.º ____:
“Caracterização da proposta …
É avançada uma funcionalidade alternativa que mantém a tipologia habitacional e um reperfilamento diferente na cobertura, unicamente em termos de alçado principal, que aponta para uma solução do tipo mansarda.
O projecto prevê ainda uma ampliação da cota da cércea num arruamento denominado por edifícios de dois pisos.
Análise e mérito do projecto
Considera-se que as alterações já efectuadas (ver fotografias) são inaceitáveis quer ao nível da intervenção efectuada (de raiz) bem como do ponto de vista da arquitectura de acompanhamento viabilizada pelo IPPAR. A proposta apresenta uma testa sem proporção e de dimensões exageradas entre o segundo piso e a mansarda.
Por outro lado, o resultado subverte, de forma inequívoca, a construção e a generalidade das volumetrias existentes sendo o desenho de cobertura proposto híbrido e injustificável tratando-se de um edifício recente e de um projecto que veio no seguimento de algumas reuniões efectuadas neste Instituto.
Conclusões
Julga-se de não viabilizar as alterações, com base nas peças escritas e desenhadas apresentadas e analisadas, no âmbito da salvaguarda dos valores patrimoniais em presença.
41. Em 04 de Abril de 2007, foi apresentado por parte da ré, uma nova exposição junto do Gabinete do Presidente da Câmara Municipal, solicitando “a melhor compreensão dos serviços competentes e apresentando uma série de exemplos na zona que em sua opinião eram bastante mais comprometedoras para a subversão da composição volumétrica existente no bairro”.
42. Foi agendada uma reunião com o IPPAR e após essa reunião, a ré apresentou um pedido de revogação do despacho, em 26/04/2007.
43. Em 15/05/2007, foi indeferido o pedido de revogação do despacho de não aprovação, apresentado em 26 de Abril de 2007.
44. Em 23/8/2007 e 18/09/2007, foram realizadas reuniões de trabalho com a ré.
45. Em 20 de Setembro de 2007, a ré apresentou nova proposta, no IPPAR, visando ultrapassar o parecer de não aprovação que havia sido emitido por esse instituto e apresentou, na Câmara Municipal de Lisboa, o pedido de “suspensão da apreciação” do processo.
46. Em 17/10/2007, foi a ré notificada da informação datada de 26/9/2022, com a proposta de indeferimento do requerimento apresentado no sentido da “suspensão da apreciação do processo ____”, constando dessa informação:
“Este processo refere-se a um projecto de legalização de alterações feitas em obra, em desrespeito total pelo projecto licenciado, e que resultaram no embargo da mesma (situação que se mantém).
O processo mereceu proposta de indeferimento e em sede de audiência aos interessados foi entregue uma exposição que não alterou o sentido da apreciação. Encontra-se actualmente em fase final de apreciação, com proposta de indeferimento final no Director Municipal.
Esta proposta possui fundamentação de facto no parecer do IPPAR, incumprimento do artº 5º do RGEU e dos art.°s 24.º, 29.º e n.º 1 do artº 31.º, todos do RPDML e fundamentação de direito na aI. a) e c) do n.º 1 do art. 24º do RJUE. A actual proposta apresentada no IPPAR visa ultrapassar o seu parecer de Não Aprovação, tendo apenas dado entrada naquele instituto em 20-09-2007. No entanto, esta solução alternativa de correcção resume-se apenas a uma situação pontual no alçado principal que não ultrapassa todas as questões levantadas, nomeadamente incumprimento da média da cércea, morfologia da cobertura e integração arquitectónica.
A suspensão da marcha procedimental, enquadrável ao abrigo do art. 31º do CPA, julga-se possível em fase de audiência dos interessados ( ... ) se a decisão final depender da resolução de uma questão da competência de outro órgão administrativo ( ... ) o que, para além de não ser o caso por existirem outras questões em causa, não se julga oportuno a sua aplicação na presente fase de apreciação.
Assim, propõe-se o indeferimento da pretensão podendo a requerente solicitar em qualquer momento a desistência do processo, ao abrigo do art.º 110º do CPA, para dar entrada de novo licenciamento que, além das questões que se prendem com o parecer do IPPAR respondam às questões urbanísticas presentes na apreciação técnica….”.
47. Por despacho do IGESPAR, datado de 27/9/2007, o projecto de alterações para a obra na Rua L, n.º __, em Lisboa, foi aprovado, tendo esse despacho subjacente a informação de 20/9/2007, prestada pela Direcção Regional de Cultura de Lisboa e Vale do Tejo, e de cujo teor consta:
“1. assunto/servidão administrativa Projecto de alteração para a Rua L, n.º __, Lisboa zona especial de protecção do Palácio ____, monumento nacional
2.Enquadramento legal …
3. Antecedentes
3.1 Em 30/01/2014 (data da homologação) foi emitido um parecer de APROVAÇÃO relativo a um projecto de construção nova para o lote em epígrafe.
3.2 A obra foi embargada pela Autarquia há cerca de 9 meses.
3.3 Em 16.03.2007 (data da homologação) foi emitido um parecer de NÃO APROVAÇÃO relativo a um projecto de alteração ao projecto anteriormente aprovado para o lote em epígrafe, nos seguintes termos: Consideramos que as alterações já efectuadas (ver fotografias) são inaceitáveis quer ao nível da intervenção efectuada (de raiz) bem como do ponto de vista da arquitectura de acompanhamento viabilizada pelo IPPAR. A proposta apresenta uma testa sem proporção e de dimensões exageradas entre o segundo piso e a mansarda. Por outro lado, o resultado subverte, de forma inequívoca, a construção e a generalidade das volumetrias existentes sendo o desenho de cobertura proposto híbrido e injustificável tratando-se de um edifício recente e de um projecto que veio no seguimento de algumas reuniões efectuadas neste Instituto.
3.4 Em 15.05.2007 (data da homologação) é indeferido o pedido de revogação do despacho de não aprovação referido em 3.2.
3.5 Em 23.8.2007 e 18.09.2007, foram realizadas reuniões de trabalho com a projectista.
4. CARACTERIZAÇÃO DA PROPOSTA
Correcção da composição da fachada principal, ao nível do último piso, com a abolição das mansardas (substituídas por duas janelas tipo velux ) e prolongamento em friso do plano da fachada
5. Análise e mérito do projecto
Apesar da manutenção da geometria híbrida da cobertura não ser um elemento valorativo, a nova solução encontrada, de remate superior da fachada e de eliminação das mansardas (elementos de forte impacto negativo) levam-nos a admitir a solução encontrada por conseguir uma integração aceitável na envolvente construída ao imóvel classificado.
6. CONCLUSÕES
Pelo exposto, no âmbito da salvaguarda e valorização da envolvente ao imóvel classificado parece ser de APROVAR o projecto de alteração apresentado”.
48. Em 11 de Outubro de 2007, a ré comunicou ao Departamento de Urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa, a obtenção do parecer favorável do IGESPAR e solicitou uma reunião com o objectivo de “procurar resolver o embargo da obra”, invocando ter sido informada que estava “em curso mais uma proposta de indeferimento da exposição apresentada”.
49. Por despacho de 18/10/2007, notificado à ré, em 19/10/2007, a Câmara Municipal de Lisboa indeferiu a exposição apresentada por aquela, tendo essa decisão sido fundamentada na informação datada de 18/6/2007 e de cujo teor consta:
“Informação
Na sequência da proposta de indeferimento, apresentou a requerente uma exposição, proc. 3188/OTR/2007 ….
A proposta de indeferimento encontra-se fundamentada na informação técnica a fls. 142 a 144, nomeadamente pelo parecer de Não Aprovação do IPPAR, incumprimento do artº 5° do RGEU (falta de informação sobre o tratamento do pátio), incumprimento dos artºs 24° e 29° do RPDML (falta de tratamento e preservação da imagem e ambiente urbano bem como falta de preservação das características morfológicas, arquitectónicas e ambientais) e incumprimento do n.º 1 do art.º 31.° do RPDML (não cumprimento da média da cércea da frente edificada).
A exposição entregue refere-se principalmente ao parecer do IPPAR e artºs 24° e 29° do RPDML, não respondendo à questão do artº 5.° do RGEU (situação de menor relevância e fácil mente sanável) e n.º 1 do art. 31° do RPDML (situação efectivamente gravosa do ponto de vista urbanístico, tendo em atenção que não é respeitada a média da cércea, ultrapassando-a em cerca de 70 cm).
Relativamente à questão do parecer do IPPAR, com o qual se concorda, trata-se de um parecer vinculativo e como tal deverá ser ultrapassado directamente com aquele instituto. Além do mais, a requerente solicitou a revogação do parecer do IPPAR, tendo sido o mesmo indeferido e revalidado o parecer de Não Aprovação...
Em relação às questões relacionada com as suas necessidades de habitação, bem como as questões económicas e sociais invocadas, embora relevantes, julga-se não caberem nesta apreciação técnica.
Quanto à discricionariedade referida na apreciação do presente processo, estando principalmente em causa, além da cércea, questões de integração arquitectónica, morfológica e ambiental, há necessariamente uma dose de discricionariedade inerente a estas questões, baseadas no entanto na legislação em vigor, apreciação técnica (a vários níveis) e bom senso.
Verificando-se um consenso neste facto entre serviços da câmara municipal e do IPPAR, julga-se não haver motivo para rever ou reapreciar esta questão.
No ponto 6 a requerente refere uma alegada aceitação das alterações em curso na obra por parte dos serviços competentes pelo facto de não ter havido uma fiscalização da obra. Ora, essa fiscalização, mais atempada, não foi possível por questões técnicas e humanas dos serviços, pelo que, assim que possível averiguar tais discrepâncias com o licenciado, foi de imediato iniciado o processo de embargo e contra-ordenação que levou ao presente licenciamento (legalização).
Quanto à demora na apreciação do presente processo julga-se de referir: - A obra foi embargada a 30 de Dezembro de 2006.
- O processo deu entrada nos serviços no dia 19-1-2007, tendo sido notificado em sede de apreciação liminar para correcção de questões de legitimidade, termo de responsabilidade bem como de todos os elementos desenhados.
- O processo deu então entrada nos nossos serviços no dia 5-2-2007 tendo sido feitas as consultas ao RSB e IPPAR no dia 7-2-2007.
- O IPPAR respondeu em 19-3-2007, desfavoravelmente.
- A requerente, sabendo antecipadamente da resposta do IPPAR e da opinião dos serviços por atendimento técnico, junta uma exposição a 04-04-2007 nestes serviços e directamente no Gabinete do Sr. Presidente, solicitando 'a melhor compreensão dos serviços competentes e apresentando uma série de exemplos na zona que em sua opinião eram bastante mais comprometedoras para a subversão da composição volumétrica existente no bairro, que, para completa análise do processo, foram solicitados ao arquivo, dia 12-04-2007, cujo resultado consta da informação técnica.
- A requerente informa telefonicamente que se encontra agendada uma reunião com o IPPAR pelo que solicita a demora da apreciação do seu processo.
- Após reunião com o IPPAR, entrega naqueles serviços um pedido de revogação do despacho a 26-04-2007, que veio a ser indeferido a 15-05-2007.
- Na sequência deste facto, solicita telefonicamente à minha pessoa novamente que não informe já o seu processo de modo a ter tempo para receber a resposta daquele instituto.
- Em boa-fé o processo foi apenas informado no dia 02-05-2007, ainda sem resposta da exposição ao IPPAR, tendo sido notificado da proposta de indeferimento a 11-05-2007.
Julga-se portanto, face ao exposto, injustas as acusações de demora na apreciação do presente processo, devendo-se a mesma em parte à própria requerente.
Em relação ao ponto 19, para efeitos de aplicação do RPDML, o número de pisos ou cércea é contabilizada ao beirado ou platibanda (como é o caso). As águas furtadas, normalmente a um nível recuado do alinhamento da fachada, são ocupações complementares da habitação no desvão da cobertura que mantém a sua configuração de duas águas. Ora a presente proposta prolonga os vãos no alinhamento do edifício, aumenta a platibanda para a altura dos vãos e altera a forma da cobertura de modo a criar melhores condições de habitabilidade do sótão que, deste modo, passa a configurar como uma mansarda e, como tal, contabilizável como piso.
A exposição, no seu ponto 20 refere ainda questões de alinhamento do edificado (n.º 4 al a) do art. 31° do RPOML), que nada tem a ver com a cércea (altura) mas sim alinhamentos da construção na frente de rua.
Face ao exposto, julga-se que a presente exposição não tem fundamento pelo que se reitera a proposta de indeferimento com fundamentação de facto no parecer do IPPAR, incumprimento do artº 5.° do RGEU e dos art.os 24.°, 29.° e n.º 1 do art.º 31.°, todos do RPDML. Fundamentação de direito na aI. a) e c) do n.º 1 do art.° 24° do RJUE”.
50. Por decisão de 6/8/2008, proferida no âmbito do processo ____ – “Operação urbanística: EDI - Licenciamento - Alteração, Ampliação, Alteração durante execução de obra” foi “indeferido o processo”, sendo a mesma antecedida da proposta com o seguinte teor “não tendo os requerentes apresentado resposta em sede de audiência de interessados, proponho o indeferimento” que foi precedida do parecer datado de 5/6/2008, com o seguinte teor:
1.1 Trata-se de um pedido de licenciamento de obras de alteração para o edifício sito na Rua L, com os números __, para o qual existe o Projecto de Decisão de Indeferimento, de 09.05.2008.
1.2 Os requerentes foram notificados para Audiência do Interessados com prazo de resposta. Foi realizada uma reunião com os requerentes onde esclarecemos as razões que motivaram a proposta de indeferimento. Desta reunião não resultaram novos elementos.
2. CONCLUSÃO
2.1 Terminado o prazo e não tendo sido dada resposta à Audiência dos Interessados, reitera-se a proposta de indeferimento de 09.05.2008.
Os requerentes foram notificados para a audiência de interessados com prazo de resposta. Foi realizada uma reunião com os requerentes onde esclarecemos as razões que motivaram a proposta de indeferimento. Desta reunião não resultaram elementos novos”.
51. No livro de obra foram feitos registos com as datas de 13/1/2006, 23/01/2006, 30/01/2006, 9/2/2006, 9/3/2006, 18/4/2006, 26/5/2006, 26/6/2006, 2/8/2006, 3/9/2006, 21/11/2006, 21/12/2006, 7/1/2007 e 2/2/2007, não constando de qualquer desses registos a menção da existência de desconformidade entre a obra executada e o projecto aprovado.
52. No livro de obra, com data de 7/1/2007, consta “A obra foi embargada por decisão da CML. Os trabalhos encontram-se interrompidos” e no registo de 2/2/2007, consta “obra parada por decisão da CML”.
53. Com data de 2 de Março de 2007, consta o registo com o seguinte teor:
“Obra continua parada. Quando o erro de execução da laje de cobertura foi detetado (no momento da descofragem foi verificado que a cércea não corresponde ao definido no projeto), ficou decidido:
(i) o D. O. Vai entregar um projeto de alteração à CML para legalização da solução construída;
(ii) Se as alterações não ficarem aceites pela CML, o Empreiteiro repõe a cobertura conforme previsto no projeto. Os custos destas alterações ficam a cargo do empreiteiro, uma vez que o erro na construção é da sua responsabilidade.”
54. Após o embargo de obra, o autor não colocou as portas das divisões, as tampas nas tomadas e interruptores e louças sanitárias em três casas de banho, nem corrigiu a cércea do prédio.
55. Na sequência do embargo de obra, em 30 de Dezembro de 2006, o autor também não concluiu os seguintes trabalhos:
a. acabamentos em madeira na lareira da habitação, trabalhos cujo valor não foi concretamente apurado;
b. fornecimento e instalação de um sistema de aquecimento central, cujo custo implica a quantia de €4.421,34 (IVA incluído).
56. Os réus adquiriram, para a obra que haviam adjudicado ao autor, um recuperador de lareira, à sociedade “Arte e Fogo”, pelo preço de €604,74, em 24/10/2006.
57. Os réus adquiriram uma bancada para a cozinha, em 5/11/2007, no valor de €701,80. 58. Os réus deixaram de efectuar pagamentos ao autor, após o cheque de 2 de Fevereiro de 2007.
59. Após o embargo de obra, os réus, através da carta enviada em 5 de Dezembro de 2012, interpelaram o autor para “pelas razões explanadas, (…) apresentar ao Dono de Obra o orçamento dos trabalhos de correcção da fachada principal, com vista a apreciação do mesmo, constituindo-se os valores apresentados, como base de negociação ao valor efectivo de indeminização a pagar ao Dono de Obra, por parte do Empreiteiro”.
60. Até à presente data, o autor não procedeu à correcção da cércea e da fachada.
61. Não tendo sido aprovadas as alterações ao projecto e não se mostrando corrigida a obra relativamente à medida da cércea, não se mostra possível aos réus, a obtenção de licença de habitação.
62. Sem a licença de habitação, os réus não puderam celebrar contrato de fornecimento de água.
63. Sem a licença de utilização, os réus estão impedidos de transacionar o prédio construído e de registar a propriedade sobre o imóvel construído.
64. Os réus diligenciaram no sentido de obterem um orçamento para a correção da cércea, de molde a que a obra construída passe a estar conforme ao projecto aprovado e seja atribuída a correspondente licença de habitação, tendo obtido o orçamento, elaborado por “Retratar – Sociedade de Construções, Lda.”, no valor de € 33.040,80.
65. A realização das obras para a correcção da cércea terão uma duração não superior a oito semanas.
66. Durante a execução de tais obras, a ré e o seu agregado familiar não poderão permanecer na habitação.
67. O agregado familiar da ré é composto por si e pelos seus três filhos, um dos quais menor de idade.
68. No presente, a renda de habitação com a tipologia T4, em Lisboa, situa-se entre €2.000/€3.000, não sendo inferior a €2.500, na zona onde se localiza o prédio da ré.
69. O embargo da obra causou aos réus consternação e preocupação e impôs-lhes gastos de tempo e de recursos, durante cerca de um ano e meio.
70. O embargo da obra, em Dezembro de 2006, e as diligências efectuadas com vista à obtenção da aprovação da alteração, gerou aos réus angústia, ansiedade e desgaste emocional e continua a gerar.
71. Os réus fizeram a mudança no mês de Outubro de 2007, às escondidas e à pressa para não serem detectados.
72. A ré foi citada, por carta datada de 3/4/2008, no âmbito de procedimento cautelar comum, proposto pelo Município de Lisboa, para emissão de mandado judicial contra os requeridos, constando do requerimento inicial que:
“…a Polícia Municipal deslocou-se ao local no dia 15 de Novembro de 2007, com o propósito de fiscalização das obras embargadas (…).
Confrontada com as legítimas intenções dos agentes da Polícia Municipal, a Requerida S afirmou que “não facultava o acesso ao interior da sua habitação”.
…
Com o propósito de se proceder à fiscalização das obras que os Requeridos levaram a cabo no imóvel de que são proprietários, toma-se indispensável o acesso ao imóvel supra mencionado.
Porém, tratando-se de propriedade privada, fechada, e realizadas que foram as diligências para proceder à fiscalização das obras ilegais, independentemente do embargo, as quais foram obstaculizadas por parte da Requerida S, o acesso ao imóvel só pode efectivar-se com o deferimento do presente processo.
…
Solicita-se assim, por via da presente acção, autorização para introdução no supra identificado imóvel para que os funcionários municipais possam fiscalizar e fazer o ponto de situação das operações urbanísticas ilegais ali realizadas.
Termos em que (…) deve o presente pedido ser julgado procedente e, em consequência, ser ordenada a emissão de mandado que permita aos agentes de fiscalização do Requerente a entrada no imóvel identificado nos autos, com vista a fiscalizar, em defesa do interesse público, as referidas obras”.
73. A situação referida no ponto anterior causou transtorno ao agregado familiar dos réus.
74. Os réus têm vivido com receio de, por força de uma ordem administrativa de reposição da legalidade urbanística, serem impedidos de habitar o prédio construído, situação que afecta o bem-estar e o dia-a-dia dos mesmos.
75. O facto de a obra ter sido embargada por falta de conformidade com o projecto aprovado impediu os réus de celebrarem um contrato de fornecimento de água, face à não titularidade de uma licença de habitação para o imóvel do qual são proprietários e no qual habitam.
76. Uma vizinha dos réus autorizou que fosse feita uma ligação da sua rede de água à rede daqueles, de modo a que os mesmos pudessem ter água em casa.
77. A circunstância de terem pedido a ligação à rede de água da vizinha foi vexatória para os réus.
78. Os réus encontram-se, neste momento, impedidos de negociar sobre o seu imóvel, também em consequência de não conseguirem obter uma licença de habitação para o mesmo.
79. O mercado imobiliário encontra-se numa fase de grande valorização.
80. Ficou acordado entre H e a ré S que, além da remuneração mediante a avença mensal, no valor de € 300,00, esta recebia uma comissão de 7/prct. sobre a facturação nos contratos de empreitada, celebrados entre clientes angariados por si e pelo autor.
81. Encontram-se por liquidar, a título de avenças devidas a esta última, o total de € 20.700,00.
82. Encontram-se ainda por liquidar as comissões devidas à ré, de montante não concretamente apurado, pela angariação, por esta, de trabalhos para o autor, nas seguintes obras:
i. obra no prédio, situado na Rua G, n.º __, Lisboa, entre os anos de 2006 e 2007, para L, não tendo sido apurado o valor da intervenção;
ii. obra de construção de moradia familiar, em ____, em 2008 e 2010, de valor não concretamente apurado, sendo o dono da obra E;
iii. obra de remodelação e construção, na Herdade ____, sita em ____, em data posterior a Janeiro de 2007, para LF, no valor não concretamente apurado.
83. Apesar do estipulado entre H e a ré S, nenhuma das comissões por referência às obras supra referidas, foi liquidada por aquele.
84. A ré e o seu agregado familiar habitam no prédio, de forma ininterrupta, desde Outubro de 2007.
85. A ré enviou, em 27/12/2018, para morada a Rua HC, n.º __, em ____, uma carta dirigida a H, com o seguinte teor:
“Assunto: Pagamento de Avenças e assinatura de recibos Exmo. Senhor,
Como é do vosso conhecimento, em 2006 na necessidade da obtenção do vosso Alvará de Construção, propôs-me a mim, na qualidade de Arquitecta a fazer parte do quadro técnico da vossa empresa pelo valor mensal de €300,00 (Trezentos Euros), com efeito de Janeiro de 2007.
A verdade é que desde o início do nosso acordo, através do qual foi possível ao Sr. H obter o Alvará de Construção, nunca chegou até à data de hoje a transferir as referidas avenças que somam o valor de €20.700,00 (Vinte mil e Setecentos Euros).
No entanto, os referidos valores foram sempre declarados por Vª Ex.ª às Finanças sem nunca me ter enviado a declaração para efeitos de IRS e os respectivos recibos para eu validar e juntar à minha documentação. Os valores que se encontram em falta, foram contabilizados nas minhas declarações de IRS e sobre as quais paguei o respectivo imposto.
Pelo exposto venho por este meio solicitar que regularize esta situação e que se necessário entre em contacto comigo de forma a combinarmos a melhor forma de o fazer. Sem outro assunto de momento, despeço-me com o meu obrigado”
“Nota de Cobrança de Encargos
2º AVISO
Lisboa, 26 de Dezembro de 2018
Ex Senhor
H
Venho por este meio, e pela 2ª vez, por Carta Registada, enviar a Vª Ex.ª a minha Nota de Cobrança de Encargos, conforme o nosso acordo de Janeiro de 2007, confirmado na nossa última reunião ocorrida em Setembro de 2012.
Relembro-lhe, que ficou acordado, entre nós os dois, que em todas as obras que indicasse o Sr. H e a sua empresa como construtor, eu receberia pelo acompanhamento da obra e pela referida indicação 7/prct. sobre os valores que viesse a faturar aos donos de obra.
Uma vez que as diversas obras já foram concluídas, e relativamente a todas elas já terem passado o período de garantia, sobre o qual os Donos de Obra poderiam reclamar, solicitei aos meus clientes as cópias das facturas, entretanto já pagas ao Sr. H, para o cálculo dos 7/prct. sobre os referidos valores.
Sendo assim e de acordo com as cópias das facturas que tenho em minha posse e com conhecimento dos diversos Donos de Obra, venho discriminar os valores dos encargos que se encontram a pagamento:
Obra do Prédio situado em:
Rua G, n.º __, Lisboa
Anos 2008 a 2011
Donos de Obra: LC e IA
Valor da Intervenção: 28.275,00€
Comissão de 7/prct. 7.836,28€
Descrição das facturas apresentadas
- Data 12.12.2008, no valor de 9.000,00€
- Data 12.12.2008, no valor de9.000,00€
- Data 30.03.2011, no valor de 3.075,00€
- Data 15.04.2009, no valor de 3.600,00€
- Data 22.04.2009, no valor de 3600,00€
Obra de Telhado e remodelação da Casa ___, em Sintra:
Ano: 2010
Dono de Obra: Sociedade Q, Lda.
Valor da intervenção: €30;000,00
Comissão de 7/prct.: €2.100,00
Construção de moradia familiar em ____.
Anos 2009, 2010 e 2011
Dono de Obra: E
Valor da Intervenção: 275.000,00€ (IVA incluído)
Comissão de 7/prct.: 19.250,00€
Obra de Remodelação/ Construção Local: Herdade ____
Dono da Obra: TP
Valor da Intervenção: 140.000,00€
Comissão de 7/prct.: 9.800,00€
Pelo exposto, venho informar que à data de hoje os valores de comissão de 7/prct., acordados entre nós, para a indicação da vossa empresa e do Senhor, para a intervenção nos projectos nos quais eu estava profissionalmente ligada, somam o valor de 38.986,25€ (Trinta e Oito Mil, Novecentos e Oitenta e Seis Euros e Vinte e Cinco cêntimos).
Vinha então solicitar, pela 2ª vez, que regularize os valores em atraso o mais breve possível.
Agradeço que me informe a que identidade quer que seja passada a respectiva factura e a forma pela qual pretende resolver a presente questão.
86. Esta carta, dirigida à morada do autor, foi devolvida com a menção “não reclamada”.»
3.1.2 – (...) e não provado que:
«a. Tenha sido quase no final da obra, encontrando-se praticamente concluídos os acabamentos, que os réus pediram ao autor que efectuasse alterações na cércea e fachada de um dos lados da mesma, no sentido de colocar no sótão uma pequena casa de banho com altura para uma cabine de duche;
b. Em momento anterior ao embargo da obra, H tenha questionado a ré se já tinha tratado da alteração ao projecto junto da Câmara Municipal de Lisboa e que a mesma lhe tenha respondido que estava tudo tratado;
c. Após o embargo da obra, a ré tenha dito a H que tinha ocorrido um atraso no licenciamento da alteração, mas que estava a tratar de tudo e que assim que tivesse a licença, dar-lhe-ia informação para o mesmo concluir os trabalhos;
d. Após o embargo da obra, H tenha confrontado a ré com o sucedido e esta tenha-lhe dito que houve um atraso no licenciamento da alteração, mas que estava a tratar de tudo e que assim que tivesse a licença informaria o autor para este concluir os trabalhos;
e. O autor tenha estabelecido contactos por telefone ou por escrito com vista a obter o pagamento do valor em dívida;
f. Tenha sido acordado entre autor e ré a retribuição mensal de €200(duzentos euros), pela prestação de serviços por esta como arquitecta;
g. O autor tenha procurado o encontro de contas com os réus, descontando o valor das avenças em dívida no valor em dívida pela execução da obra e que os réus não tenham aceitado;
h. A ré tenha detectado, em Março de 2006, que a obra não se encontrava a ser construída em conformidade com o projecto;
i. Em Março de 2006, a ré S e o Senhor Engenheiro V, responsável pela fiscalização da obra, tenham tomado conhecimento que a cércea da construção não estava conforme ao projecto entregue pelos réus a H;
j. Nessa data, a ré S tenha questionado H sobre a referida divergência na cércea do edifício, face ao projetado;
k. H tenha respondido a S ou a V que, por sua iniciativa, optou por não seguir o que estava projetado por entender que, desse modo, a execução seria mais fácil e mais económica;
l. H tenha dito também a S ou a V que a alteração beneficiaria a movimentação de N na divisão das águas furtadas;
m. O projecto tenha sido entregue pelos réus a H, ao autor, para que este o executasse nos seus precisos termos;
n. Os réus tenham solicitado, ao autor, repetidamente, que este procedesse à correção da cércea e que tenham apresentado os respetivos desenhos à escala real;
o. Perante as recorrentes interpelações dos réus, o autor tenha afirmado sempre que tais correções implicariam um atraso considerável nos trabalhos e um acrescer dos custos que o próprio teria de suportar e que se tenha mostrado sempre muito reticente em realizar os trabalhos necessários para que a obra ficasse de acordo com o projetado e licenciado;
p. O autor tenha recusado corrigir o defeito, na obra;
q. Em consequência do embargo camarário, H e os réus tenham discutido como seria ultrapassada essa situação e tenham decidido a antecipação da legalização da alteração do projecto por forma a que a obra pudesse ser integralmente concluída e subsequentemente, emitida a licença de habitação;
r. Os réus tenham aceitado regularizar a obra junto da Câmara Municipal de Lisboa, na condição de que não sendo aceites as alterações ao projecto inicial, o autor corrigiria, a expensas próprias, a cércea do edifício e que pelo autor tenha sido aceite esta condição;
s. Os réus tenham aceitado regularizar a obra junto da Câmara Municipal de Lisboa, mas advertido o autor de que seria muito difícil que a referida edilidade viesse a aceitar as alterações que teriam de ser propostas;
t. Tenha sido na sequência do acordo com o autor que os réus tentaram regularizar a obra junto da Câmara Municipal de Lisboa;
u. Os réus tudo tenham feito para que a obra fosse realizada de acordo com o que estava projetado e licenciado;
v. Por sua própria iniciativa, H tenha decidido não seguir o que estava projetado e licenciado para a obra no imóvel dos réus;
w. Os réus tenham adquirido, para a obra que contrataram a H, a bancada de mármore da cozinha, no valor de € 701,80;
x. Os réus tenham adquirido, para a obra que contrataram a H, a caldeira de água quente, à empresa CS, no valor de €1.201,00;
y. Os acabamentos em madeira na lareira da habitação, tenham um custo de estimado em €500,00;
z. O autor não tenha se disponibilizado a executar os acabamentos em madeira na lareira da habitação;
aa. O autor não tenha se disponibilizado a fornecer e instalar um sistema de aquecimento central;
bb. O autor tenha sido interpelado, pelos réus, mais do que uma vez, para cumprir com as prestações que se encontram em falta;
cc. Os réus para terem um alojamento onde ficar até que a casa na Rua L ficasse pronta a habitar, tenham celebrado um contrato com a Senhora IS através do qual esta lhes permitiu habitar, temporariamente, numa fração de que é proprietária, no prédio sito na Rua DV, n.º __, em Lisboa;
dd. Em contrapartida pelo uso do referido imóvel, os réus tenham-se comprometido a pagar, mensalmente, o valor de € 750,00, entre Agosto de 2004 e Agosto de 2006, data prevista para a conclusão da execução da obra;
ee. Tenha sido intenção dos réus e proprietário que findo o prazo do acordo denominado pelas partes de “contrato promessa”, os primeiros não cumpririam o aí estipulado e perderiam o direito ao sinal;
ff. Face ao atraso na execução das obras que se veio a verificar, os réus tenham solicitado à proprietária do imóvel que fosse prorrogado o prazo de vigência do acordo denominado pelas partes de “contrato-promessa”, e que esta tenha acedido;
gg. Entre os réus e a proprietária do imóvel tivesse sido acordada a prorrogação do prazo de vigência do acordo denominado pelas partes de “contrato-promessa”, pelo período de quatro meses, entre Setembro e Dezembro de 2006;
hh. Por causa do embargo da obra, os réus tenham sido obrigados a negociar uma nova extensão da vigência do aludido acordo denominado pelas partes de “contrato-promessa” e que tenham acordado com a proprietária da supra referida fração uma renovação por todo o ano de 2007;
ii. Os respectivos proprietários tivessem precisado da fracção para a sua própria habitação;
jj. Os proprietários dessa fracção tenham precisado da mesma para a sua própria habitação e, por esse motivo, os réus tenham ficado naquele imóvel apenas até Outubro de 2007;
kk. Entre o embargo de obra e Outubro de 2007, os réus tenham pago rendas no valor total de € 7.500,00;
ll. Para a correcção da cércea seja necessária a realização de obras com uma duração de cerca de seis meses;
mm. Os réus tenham procedido à entrega do imóvel no qual se encontravam a residir, por os respectivos proprietários terem necessidade de usar esse imóvel para a sua própria habitação;
nn. Nessa situação, os réus não tivessem para onde ir, a não ser para o imóvel que havia sido alvo de um embargo, determinado pela Câmara Municipal de Lisboa;
oo.Em consequência da violação do embargo, os réus tenham sido confrontados com autos de contraordenação e coimas que tiveram que pagar;
pp. Os réus aceitaram suportar os custos do consumo de água da sua vizinha D em troca da ligação da sua rede de água à rede dos réus;
qq. A ré tenha aceite assumir as funções de arquiteta responsável pelas obras executadas pelo autor, dado o risco que representava para os réus que a obra estivesse a ser realizada por um empreiteiro sem alvará;
rr. pelo autor tenha sido realizada uma obra no telhado e remodelação da Casa ____, n.º __, Sintra, no ano de 2010, para a sociedade Q, Lda., que essa obra tenha sido angariada pela autora e que o valor da intervenção tenha sido €30.000,00 e o valor da comissão de 7/prct., € 2.100,00;
ss. a obra no prédio, situado na Rua G, n.º __, Lisboa, tenha sido realizada pelo autor entre os anos de 2008 e 2009, e que o valor dessa intervenção tivesse sido € 111.946,50 e o valor da comissão de 7/prct., € 7.836,25;
tt. O valor da obra de construção de moradia familiar, em ____, para E, tenha sido de € 275.000,00 (IVA incluído) e o valor da comissão de 7/prct. tenha sido € 19.250,00;
uu. O valor da obra de remodelação e construção, na Herdade ____, sita em ____, adjudicada ao autor, tenha sido no valor de € 140.000,00 e a comissão de 7/prct., de € 9.800,00;
vv. O autor não tivesse apresentado orçamento relativamente aos trabalhos não incluídos no orçamento inicial, referentes à alteração ao projecto, por assim ter sido acordado com os réus que ainda não tinham licenciado a alteração junto da Câmara Municipal de Lisboa.»
3.2 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
3.2.1.1 – Nota preliminar:
As alegações e conclusões recursivas apresentadas num tribunal superior devem ser estruturadas com um mínimo de correção sintática e propriedade terminológica e semântica, mediante a utilização, pelas partes recorrentes, de uma escrita minimamente rigorosa e cuidada.
Não é, salvo o devido respeito, o que ocorre no caso do recurso interposto por ML e MJ, herdeiras habilitadas do falecido autor H.
3.2.1.2 – Da necessidade de devida fundamentação, pelo tribunal de primeira instância, da decisão proferida sobre factualidade essencial para o julgamento da causa:
Nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. d), a Relação deve, mesmo oficiosamente, «determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.»
Nos recursos ora em apreciação:
- vem invocada a contradição entre vários enunciados da matéria de facto prova e vários enunciados da matéria de facto não provada;
- vem impugnada a decisão sobre vários pontos da matéria de facto não provada.
Nos termos da 1ª parte do n.º 5 do art. 607º do CPC, «o juiz aprecia livre as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; (…)».
A regra é, portanto, a da motivação facto a facto.
Nada impede, no entanto, antes pelo contrário, que a motivação possa incidir sobre um conjunto ou bloco de factos, provados e/ou não provados, sempre que tal o justifique ou aconselhe.
Assim poderá ocorrer, por exemplo, quando um bloco de factos respeite a um determinado tema de prova e o seu encadeamento ou sequência lógica seja tal que se justifique a sua motivação conjunta e simultânea, em vez de fragmentada.
Dispõe, por sua vez, o n.º 4 do mesmo artigo que «na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.»
O tribunal a quo não cumpriu, relativamente à matéria de facto não provada, o estipulado no transcrito preceito legal, pois não procedeu, relativamente àquela matéria, à análise crítica e conjugada dos meios de prova, limitando-se, em sede de motivação da decisão sobre a matéria de provada, a proferir afirmações como:
- «Pelo exposto, o tribunal carreou para a matéria de facto não provada que os réus tenham advertido o autor de que seria muito difícil que a CML aceitasse as alterações.»;
- «Diversamente, a prova não se mostra bastante para o custo dos acabamentos da lareira que se cinge às declarações da ré sem qualquer sustentação, razão pela qual o tribunal carreou essa matéria para a matéria de facto não provada.»;
- «Sendo esta a prova, o tribunal carreou para a matéria de facto não provada que a retribuição mensal era no valor de €200 (duzentos euros).»;
- «Convocando as declarações da ré, não se encontra demonstrado que tenha aceite assumir as funções de arquiteta responsável pelas obras executadas pelo autor dado o risco que representava para os réus que a obra estivesse a ser realizada por um empreiteiro sem alvará, pelo que o tribunal carreou para a matéria de facto não provada tal factualidade.»;
- «O facto ínsito no ponto 30 da matéria de facto assente mostra-se admitido por acordo entre as partes (cfr. artigo 55º da contestação). Por ausência de prova o tribunal carreou para os factos não provados a tentativa do autor de ser efectuado o acerto de contas com os réus e da recusa destes.»;
- «Não consta dos autos qualquer documento comprovativo do pagamento da quantia de €750,00. O mesmo sucede com a alegada negociação de uma extensão da vigência do aludido acordo denominado pelas partes de “contrato-promessa”. Em suma, a prova cinge às declarações da ré que se limitou a reafirmar o que alegara no articulado apresentado, pelo que o tribunal carreou toda essa factualidade para a matéria de facto não provada.»;
- «Não existe qualquer documento comprovativo de qualquer contraordenação, bem como de coima, que os réus tivessem pago, cingindo-se a prova às declarações prestadas pela ré o que é manifestamente insuficiente, pelo que o tribunal carreou tal matéria de facto não provada.»;
- «Sendo esta a prova, encontra-se demonstrada a angariação, pela ré, das três obras e o pagamento de uma comissão, no montante de 7/prct. sobre o valor da obra. Contudo, a prova mostra-se vaga e pouco consistente quanto ao valor das obras. Nenhuma das testemunhas revelou, com um mínimo de certeza, o valor das obras adjudicadas, não constando dos autos qualquer das facturas mencionadas na carta de 27/12/2018.
Pelo exposto, o tribunal carreou para a matéria de facto não provada o valor da adjudicação das obras e, consequentemente, o valor das comissões.»;
- «O autor logrou demonstrar que os donos da obra solicitaram tais alterações – cfr. artigos 342º, n.º 2, e 799º do C. Civil – tendo ficado impedido de cumprir a sua prestação, por facto imputável aos réus que ordenaram a construção da cércea com medida superior à que consta do projecto aprovado. Não provaram os réus a verificação da situação invocada, designadamente, a deficiente execução da obra.».
Impunha-se que o tribunal a quo indicasse quais os concretos meios de prova produzidos nos autos que considerou, e que, em seguida, procedesse à sua análise conjugada e critica, para, então, finalmente, concluir no sentido de dar como não provados cada um dos factos, ou blocos de factos, descritos em a. a vv. da matéria de facto não provada.
Como é sabido, numa sentença, a motivação da decisão de facto visa, desde logo, tornar eficaz o sistema de justiça, através do convencimento dos destinatários, da comunidade jurídica em geral e da própria sociedade.
Ora, a sentença recorrida não permite, quanto à decisão sobre os enunciados de factos não provados, tal desiderato!
A motivação da decisão de facto tem em vista, ainda, permitir que as partes e os tribunais de recurso procedam ao reexame lógico e racional acerca das razões pelas quais o juiz decidiu num sentido e não noutro, assim se possibilitando a reconstituição do percurso lógico seguido pelo julgador, apoiado nos elementos de prova previamente indicados e devidamente explicados no texto da sentença; em suma, o juiz deve mostrar às partes, aos tribunais de recurso e, sobretudo, aos cidadãos, o raciocínio lógico em que apoiou a decisão sobre a matéria de facto.
Finalmente, a motivação da decisão da matéria de facto constitui o principal fator de legitimação do poder jurisdicional, contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre a qual repousa o dever de dizer o direito no caso concreto (iuris dicere). Nesta medida, a motivação da decisão sobre a matéria de facto é garantia máxima do respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões .
Conforme refere ANTUNES VARELA, «além do mínimo traduzido na menção especificada (relativamente a cada facto provado) dos meios concretos de prova geradores da convicção do julgador, deve este ainda para plena consecução do fim almejado pela lei referir, na medida do possível, as razões de credibilidade ou da força decisiva reconhecida a esses meios de prova», acrescentando que os objetivos da motivação da decisão de facto requerem «a identificação precisa dos meios probatórios concretos em que se alicerçou a convicção do julgador», alertando para a necessidade da «menção das razões justificativas da opção feita pelo julgador entre os meios probatórios de sinal oposto relativos ao mesmo facto.».
No Ac. do STJ de 10.07.2008, Proc. n.º 08A2179 (SEBASTIÃO PÓVOAS), in www.dgsi.pt, pode ler-se que «da motivação deve constar o elenco da prova geradora da resposta acompanhado de uma sucinta explicação justificativa da sua aceitação, não tendo de, como explicação, se verterem motivos psicológicos causais da convicção alcançada por se situarem na intimidade de processo insindicável por natureza, mais não havendo que explicar às partes».
LEBRE DE FREITAS/ISABEL ALEXANDRE depois de salientarem que a fundamentação é um imperativo constitucional consagrado no art. 205.º, n.º 1, da CRP (cfr. também o art. 154.º do CPC, para a decisões judiciais em geral), afirmam que a fundamentação da decisão de facto exerce «a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo tribunal superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da Justiça, inerente ao ato jurisdicional» .
Para MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, «na decisão sobre a matéria de facto devem ser especificados os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador sobre a prova (ou falta de prova) dos factos (…). Como, em geral, as provas produzidas na audiência final estão sujeitas à livre apreciação (…), o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através dessa fundamentação, o juiz deve passar de convencido a convincente.
A fundamentação da apreciação da prova deve ser realizada separadamente para cada facto. A apreciação de cada meio de prova pressupõe conhecer o seu conteúdo (por exemplo, o depoimento da testemunha), determinar a sua relevância (que não é nenhuma quando, por exemplo, a testemunha afirmou desconhecer o facto) e proceder à sua valoração (por exemplo, através da credibilidade da testemunha ou do relatório pericial). Se o facto for considerado provado, o tribunal deve começar por referir os meios de prova que formaram a sua convicção, indicar seguidamente aqueles que se mostraram inconclusivos e terminar com a referência àqueles que, apesar de conduzirem a uma distinta decisão, não foram suficientes para infirmar a sua convicção. Se o facto for julgado não provado, a ordem preferível é a seguinte: primeiramente devem ser indicados os meios de prova que conduzem à demonstração do facto; depois devem ser expostos os meios que formaram a convicção do tribunal sobre a não veracidade do facto ou que impedem uma convicção sobre a sua veracidade; finalmente, devem ser referidos os meios inconclusivos.» .
Segundo LOPES DO REGO, a opção é «claramente por uma maior exigência do dever de motivação da decisão proferida acerca da matéria de facto (…) não bastando a simples indicação dos concretos meios de prova que o julgador teve em conta para formar a sua convicção: a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, provada e não provada, deverá fazer-se por indicação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, o que compreenderá não só a especificação dos concretos meios de prova, mas também a enunciação das razões ou motivos substanciais por que eles relevaram ou obtiveram credibilidade no espírito do julgador - só assim se realizando verdadeiramente uma análise crítica das provas.» .
TOMÉ GOMES refere que «já no campo da motivação da decisão de facto, importa ter presente que a reapreciação dessa decisão, em sede de recurso, não se traduz propriamente num novo julgamento da causa, mas sim numa sindicância sobre o invocado erro de julgamento da 1ª instância, no sentido de que compete ao tribunal de recurso formar a sua própria convicção sobre a prova produzida com vista a concluir pela existência ou não desse erro. O juiz da 1ª instância não é um mero instrutor da prova, mas um julgador em primeira linha. Em tal medida, a motivação da decisão de facto deve fornecer os argumentos probatórios ou os fatores que foram decisivos para a convicção do julgador em 1ª instância.
Não satisfaz essa exigência o tipo de motivação meramente conclusiva como aquela em que se consigna pura e simplesmente que os factos provados resultaram da análise crítica e conjugada das testemunhas em referência. Uma motivação deste género apenas indica que se procedeu à dita análise, mas nada diz sobre o seu conteúdo.
Outro erro a evitar é o que consiste em consignar apenas que dos depoimentos das testemunhas indicadas nada se provou, importando antes explicitar as razões essenciais pelas quais tais depoimentos, tendo versado sobre a matéria em questão, não convencerem o tribunal.
Também ocorrem, por vezes, situações em que se consigna, na motivação da decisão de facto, que nada há a pronunciar sobre “a restante matéria alegada” por se tratar de matéria conclusiva ou de direito, quando não se mostra claro qual a matéria que assim foi considerada, sabido como é que a natureza conclusiva de determinada alegação é, por vezes, problemática. Nestes casos, é conveniente, desde logo, que as partes sejam, oportunamente, alertadas pelo tribunal, na audiência prévia ou mesmo no decurso da instrução, sobre o carácter conclusivo ou normativo de certos enunciados, de modo a não gerar falsas expectativas sobre a sua pretensa factualidade e a evitar uma decisão-surpresa.».
ABRANTES GERALDES salienta que «a exigência legal impõe que se estabeleça o fio condutor entre a decisão sobre os factos provados e não provados e os meios de prova usados na aquisição da convicção, fazendo a respetiva apreciação crítica nos seus aspetos mais relevantes. Por conseguinte, quer relativamente aos factos provados, quer quanto aos factos não provados, o juiz deve justificar os motivos da sua decisão, declarando por que razão, sem perda da liberdade de julgamento garantida pela manutenção do princípio da livre apreciação das provas (art. 607º, n.º 5), deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos e achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos.».
MARIA JOÃO DIAS, na sua tese de mestrado intitulada A sindicância do juízo probatório, outubro de 2003, pp. 123-124, citada por ABRANTES GERALDES, afirma que «a fundamentação assume capital importância para, por um lado, as partes mais facilmente circunscreverem o âmbito do recurso, impugnando os factos e especificando os meios de prova em que sustentam em que sustentam a sua discrepância, e, por outro lado, para o tribunal ad quem, através dela, “reconstruir” a relação que se quer directa e pessoal entre o julgado e a prova, e que só existe verdadeiramente em 1ª instância, funcionando a fundamentação como um relatório de imediação.».
Assim, pois, no respeitante à motivação da decisão da matéria de facto, prova e não provada, deve o julgador especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, indicando os concretos meios de prova e declarando por que razão, sem perda da liberdade de julgamento garantida pela manutenção do princípio da livre apreciação das provas (art. 607º, n.º 5, do CPC ), deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros.
Na motivação da decisão de facto o juiz deve desenvolver uma argumentação justificativa da qual hão-de resultar as boas razões que a fazem aceitar razoavelmente, ou seja, deve demonstrar a consistência dos vários aspetos da decisão.
Da motivação da decisão de facto deve resultar inequivocamente que a mesma foi tomada em todos os seus aspetos de maneira racional, à luz de critérios objetivos e controláveis de valoração, e, consequentemente, de forma imparcial.
Assim, uma decisão de facto justa, legal e razoável em si mesma, não é suficiente, pois o juiz está vinculado à demonstração de que o seu raciocínio é justo, legal e razoável.
Ora, o juiz só consegue alcançar um tal desiderato emitindo opiniões racionais reveladoras das premissas e inferências que podem ser aduzidas como bons e aceitáveis fundamentos da decisão .
Em conclusão:
Na decisão da matéria de facto, o dever de motivação cumpre-se através da exposição dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz sobre a prova - ou sobre a falta dela - dos factos provados - e não provados.
Uma vez que as provas produzidas na audiência estão, em regra, sujeitas à livre, mas prudente convicção do juiz, este está vinculado ao dever de expor os fundamentos da sua convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado, para que, por aplicação das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção.
A motivação deve, por isso, objetivar as razões da convicção do juiz - assente nas regras da ciência, da lógica ou da experiência - de modo a que essa convicção seja capaz de se impor aos outros e, por conseguinte, de os convencer do bom fundamento da decisão.
A medida da fundamentação é, portanto, aquela que for necessária para permitir o controlo da racionalidade da decisão pelas partes e, em caso de recurso, pelo tribunal ad quem a que seja lícito conhecer da questão de facto.
Não estando motivada a decisão sobre cada um dos enunciados descritos em a. a vv. da matéria de facto considerada não provada, impõe-se que este tribunal ad quem determine, mesmo oficiosamente, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. d), do C.P.C., a devolução do processo ao tribunal de 1.ª instância, para que aí se proceda a tal motivação, devendo ainda aquele tribunal esclarecer devidamente, a evidente contradição entre:
- o enunciado descrito sob o ponto 57. dos factos provados («Os réus adquiriram uma bancada para a cozinha, em 5/11/2007, no valor de € 701,80); e,
- o enunciado descrito sob a al. w) dos factos não provados («Os réus tenham adquirido, para a obra que contrataram a H, a bancada de mármore da cozinha, no valor de € 701,80)».
A mencionada al. d) do n.º 2 do art. 662.º, do C.P.C., revela que a falta ou a deficiência da motivação da decisão da matéria de facto não constitui causa de nulidade da sentença, antes dando lugar ao uso, pela Relação, do denominado poder cassatório ou rescisório mitigado.
IV – DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os juízes que integram esta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa:
4.1 – Em não conhecer imediatamente do objeto do presente recurso;
4.2 – Em determinar a devolução dos autos ao tribunal de 1.ª instância, para que aí seja devidamente motivada a decisão sobre cada um dos enunciados ou blocos de factos descritos em a. a vv. dos factos considerados não provados, nos termos que acima ficaram expostos, devendo ainda ser prestado o esclarecimento quanto à contradição entre o enunciado descrito sob o ponto 57. dos factos provados e o enunciado descrito sob a al. w) dos factos não provados.
Custas conforme vencimento a final.
Lisboa, 23 de janeiro de 2024
(Acórdão assinado eletronicamente)
Relator
José Capacete
Adjuntos
Edgar Taborda Lopes
Luís Filipe Sousa