O empregador deve atribuir ao trabalhador a categoria convencional ou regularmente estabelecida que melhor corresponde às funções concretamente desempenhadas - art. 22 ° da LCT art. 151 ° do CT/2003 e art. 118° do CT/2013.
Proc. 295/15.5 T8BRR.L1 4ª Secção
Desembargadores: Seara Paixão - Maria João Romba - -
Sumário elaborado por Isabel Lima
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Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa:
Relatório:
W…, residente na P…, n.° 1, 1.° B, Almada, NIF …, apresentou o formulário a que alude o artigo 98.°-C e 98.°-D do Código de Trabalho, opondo-se ao despedimento promovido por T…, S.A., NIF …, com sede na Rua …Almada.
Realizada a audiência de partes não se logrou a conciliação.
Pela entidade empregadora foi apresentado o articulado de motivação do despedimento, onde alega que em 09-06-2011 celebrou com o autor um contrato de trabalho pelo qual este se comprometeu a prestar-lhe as funções de motorista de serviço público e que o trabalhador foi sujeito a um procedimento disciplinar que terminou com a aplicação de uma sanção de despedimento, em 21-01-2015.
No processo disciplinar resultou provado que no dia 11 de Novembro de 2014, no exercício das suas funções quando realizava uma carreira Cacilhas - Marisol, foi realizada uma fiscalização por agentes de fiscalização e apurou-se que um cliente não possuía qualquer título de transporte válido para a viagem que efectuava. O aludido utente referiu que quando entrou na viatura tinha procedido ao pagamento do bilhete, sem que o mesmo lhe tivesse sido entregue pelo motorista/trabalhador. Assim, o trabalhador apropriou-se nessa viagem, indevida e ilicitamente da quantia de 1,50 euros, importância que o utente lhe entregou e que o mesmo deveria entregar à sua entidade empregadora.
Acresce que em 25 de Novembro de 2014 o autor não tinha entregado à ré a quantia de 699,86 euros de dinheiro que tinha recebido e devia entregar à mesma por lhe pertencer, o que não fez.
O autor no ano de 2014 foi objecto de outro processo disciplinar, por falta de prestação de contas, sendo-lhe aplicada a sanção de 5 dias de suspensão.
O comportamento do trabalhador, ao actuar de forma culposa, violou os seus deveres profissionais de obediência às ordens da empresa e de lealdade ao empregador, pelo que se quebrou o vínculo de confiança necessário à manutenção do vínculo laboral.
Conclui pela procedência da justa causa do despedimento que efectuou.
Notificado, o trabalhador apresentou o seu articulado de contestação, com pedido reconvencional, onde alega, em síntese, que a nota de culpa é obscura, imprecisa e subjectiva, o que leva a que o processo disciplinar seja nulo. A decisão final não observa as exigências de fundamentação e de ponderação, nos termos do artigo 415.°, n.° 2 e 3, do Código de Trabalho.
Impugna os factos que constam da decisão de despedimento, negando a violação de qualquer dever laboral, e que a situação tal como é descrita não é suficientemente grave para permitir concluir que há uma impossibilidade de subsistência da relação jurídico-laboral.
A conduta da entidade empregadora causou-lhe danos não patrimoniais, que liquidou em 2.000,00 euros.
Conclui que o despedimento deverá ser julgado ilícito e ser a entidade empregadora condenada a reintegrá-lo, sendo condenada a pagar-lhe todas as quantias remuneratórias mensais que este deixou de auferir em consequência do despedimento. Mais requer a condenação da entidade empregadora a pagar-lhe a quantia de 2.000,00 euros de ressarcimento de danos não patrimoniais. Requer, ainda, a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória na quantia de 200,00 euros por cada dia que se abstenha de convocar o autor para retomar o posto de trabalho.
Igualmente requer que a todas as quantias sejam acrescidos juros de mora, desde a data da citação até integral pagamento.
A entidade empregadora apresentou resposta impugnando os factos respeitantes às excepções e ao ressarcimento dos danos não patrimoniais.
Procedeu-se à realização da Audiência de Discussão e Julgamento, com observância do legal formalismo.
Elaborada a sentença, foi proferida a seguinte DECISÃO:
Por tudo quanto se deixa exposto, julgo improcedente a acção e, em consequência:
1) Julgo regular o procedimento disciplinar, improcedendo a excepção de nulidade invocada pelo autor;
2) julgo lícito o despedimento do trabalhador,
3) em consequência absolvo a ré do pedido.
O Autor, inconformado, interpôs o presente recuso, cujas alegações termina com as seguintes conclusões:
1ª
O empregador tem de ponderar, na aplicação de sanções, a gravidade da infracção e o grau de culpa do trabalhador, tendo em conta todas as circunstâncias atenuantes do caso concreto, valendo uma regra de proporcionalidade, nos termos do art. 367.° do CT de 2003. Esta regra exige a consideração da prática disciplinar da empresa face à generalidade dos trabalhadores e da política de direcção do pessoal, bem como dos antecedentes disciplinares do trabalhador considerado.
2ª
Nem uma única referência se vislumbra na douta sentença recorrida sobre o cumprimento da obrigação de ficar demonstrado pela entidade empregadora, com
base em factos e não apenas alegando juízos de valor, de que não foi possível proceder à aplicação de qualquer outra das sanções disciplinares menos gravosas tal como decorre do princípio da proporcionalidade.
3ª
Efectivamente, decorre da matéria assente relativa ao cadastro disciplinar que era possível a aplicação de uma sanção inferior ao despedimento visto que a última aplicada respeitava a 7 dias de suspensão e a Entidade Empregadora não logrou demonstrar que não fosse ainda possível proceder à aplicação de uma sanção de suspensão sem remuneração.
4ª
Se entender que a sanção imposta é excessiva ou desproporcionada, o tribunal limita-se a anulá-la, não podendo substituir-se ao empregador na determinação da medida da sanção.
Deste modo, constatado o desrespeito pelo princípio da proporcionalidade, o tribunal limita-se a anular a decisão que tenha aplicado a sanção impugnada, incumbindo à entidade empregadora proferir nova decisão e encontrar aí a sanção adequada.
5ª
O fundamento desta categoria legal de sanções reside no facto de o empregador utilizar o seu poder disciplinar para fins diferentes da punição de infrações laborais, visando prejudicar e perseguir o trabalhador, silenciá-lo ou ver-se livre dele, unicamente pelo facto de o considerar uma pessoa incómoda. Trata-se de manobras intimidativas da entidade empregadora para obstar ao livre exercício de direitos.
6ª
Nem na Nota de Culpa nem na Decisão Final alguma vez se menciona que o Sr. Adelino Carvalho afinal era um cliente mistério, ou seja, alguém que ao entrar no autocarro já ia numa postura de fingimento, de falta de normalidade e apenas com o propósito de despedir o Motorista.
7ª
O Tribunal validou o despedimento apenas por ter ficado provada a factualidade assente na decisão final sem que se tivesse dignado enumerar a factualidade de forma especificada.
8ª
O Tribunal validou o despedimento apenas por ter ficado provado que já resultava dos documentos, nada se adiantando quanto à Motivação no que tem a ver com as testemunhas arroladas pela Ré.
9ª
Perguntar-se-á afinal o que disseram sobre a factualidade imputada na NC? Nada (apesar da expressão, em síntese).
10ª
Perguntar-se-á então qual a prova produzida pela Ré, objectiva, clara e coerente, em si e entre si? Nenhuma.
11ª
Efectivamente, a douta sentença recorrida deveria ter feito alusão e demonstrado uma apreciação crítica designadamente quanto ao princípio da proporcionalidade e, estranhamente, não faz qualquer referência nem análise crítica.
12ª
A fundamentação da douta sentença que se resume no ora alegado afigura-se insuficiente, contraditória e violadora do princípio da proporcionalidade, senão vejamos.
13ª
O cliente mistério ao declarar que estrategicamente ia a fingir que ia ao telemóvel e o sr. motorista perguntou-me para onde e eu disse para o pinheirinho, 1.50 euros e eu coloquei ao lado da máquina de cobrança e sentei-me no segundo banco a ver se fazia algum procedimento, demonstra à saciedade que não deu a mínima possibilidade ao Motorista de lhe entregar o bilhete que manifestamente imprimiu.
14ª
Tal postura dolosa por parte do cliente mistério resulta da alusão de que depois de pagar e lá pôr o dinheiro o que fez? T - esperei 2 ou 3 segundos. Confessa que se recusou a receber o bilhete visto que é isso que se faz quando se entrega o dinheiro e se ausenta em 2 segundos, acto contínuo a colocar o dinheiro e virar as costas.
15ª
Apesar de determinante para a convicção do Julgador recorde-se que a testemunha Euclides Dourado, tal como as demais não tinha conhecimento directo de nada, ao declarar que: Não entrei no autocarro. Não cheguei afalar, não assisti ao que se passou no autocarro, contaram-me.
16ª
E, por sua vez a testemunha Paulo Reis ao declarar que: Fica o passageiro mistério logo nos primeiros bancos. A gente entrou, cumprimentámos o condutor. O Sr. Adelino, assim que entrámos abre a gaveta e tira um bilhete que disse que era do passageiro que tinha saído.
17ª
E ainda, pela experiência que eu tenho se um motorista tem um bilhete na gaveta é para utilizar depois, para revender. Ou esse bilhete está anulado, muitas vezes enganam-se. É dado a esse passageiro, mas não é dele.
18ª
Temos de convir que para além do depoimento da testemunha inquinado de dolo por parte do cliente mistério, todos os demais são indirectos, contraditórios e lamentavelmente resumem-se a manifestos de intenção, sem se explicar como seria possível o arguido adivinhar que ia ser fiscalizado e que iria tirar um bilhete com dinheiro seu, para cliente nenhum e para um turno e trajecto em que era suposto não entrar mais ninguém?
Nestes termos e nos demais de direito doutamente supridos deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se a sentença recorrida e julgando-se a ação totalmente procedente por provada.
A Recorrida contra-alegou invocando a questão prévia da extemporaneidade do recurso em virtude de o recorrente não ter impugnado validamente a decisão da matéria de facto, razão pela qual não podia beneficiar do acréscimo de prazo previsto no n° 3 do art.° 80° do CT.
Quanto ao mais alega que o recurso não merece provimento devendo confirmar-se a decisão da 1a instância.
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir
As questões que importa decidir são as seguintes:
Tempestividade do recurso;
Invalidade do processo disciplinar, em virtude da entidade empregadora, na decisão final, por não ter apreciado a possibilidade de aplicação de outra sanção que não o despedimento.
- Se a sanção aplicada viola o princípio da proporcionalidade.
Fundamentação de Facto
A 1ª Instância considerou assentes os seguintes factos provados:
1) Por contrato de trabalho datado de 2011.06.09 a R. admitiu o A. ao seu serviço para, mediante remuneração, lhe prestar as funções de Motorista de Serviço Público.
2) À data do despedimento o trabalhador auferia:
a) a remuneração base ilíquida de € 629,33, acrescido de:
b) € 7,86, a título de anuidades;
c) € 5,99 de subsídio de refeição por cada dia de trabalho efectivo;
3) No dia 14 de Novembro de 2014, a Entidade Empregadora decidiu instaurar processo disciplinar com intenção de despedimento do A.
4) No dia 09-12-2014 foi entregue pessoalmente ao A. a comunicação dessa intenção e a respectiva nota de culpa, tendo-lhe sido concedido o prazo de 10 (dez) dias úteis para, por escrito, apresentar a sua defesa.
5) A nota de culpa, que consta a fls. 40 e seguintes do processo disciplinar apenso, que se dá como integralmente reproduzido.
6) O trabalhador apresentou defesa escrita no prazo concedido.
7) A entidade empregadora realizou as diligências probatórias requeridas pelo trabalhador na resposta à nota de culpa.
8) Encerrada a instrução do processo disciplinar foi enviada cópia integral à Comissão de Trabalhadores para que sobre o mesmo se pronunciasse.
9) A Comissão de Trabalhadores emitiu o parecer escrito em 05-01-2015 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
10) Por decisão de 14-01-2015 a entidade empregadora proferiu a decisão de despedimento do trabalhador, tal como se mostra a fls. 67 a 83, do auto apenso de processo disciplinar, e que ora se dá por integralmente reproduzida;
11) A decisão de despedimento foi proferida por escrito.
12) Tendo esta mesma decisão sido comunicada ao trabalhador por correio registado, com aviso de recepção, expedida no dia 20-01-2015.
13) A entidade empregadora comunicou e enviou à Comissão de Trabalhadores a decisão final e o respectivo relatório final proferido no âmbito do processo disciplinar.
14) O trabalhador foi motorista da Entidade Empregadora com o n.° 37481, adstrito ao Centro Operacional do Laranjeiro.
15) No dia 11 de Novembro de 2014, o A. no exercício das suas funções, conduzia a viatura n.° 126, das 01h20m, entre Cacilhas e Marisol, quando a mesma foi alvo de urna acção de fiscalização, levada a cabo pelos agentes Srs. J… e P….
16) Os agentes de fiscalização encontravam-se na paragem da Rua António Andrade (Artesão), na Charneca de Caparica, local onde entraram no autocarro e iniciaram a acção de fiscalização, sendo que, apesar da mesma se encontrar bem iluminada, os agentes fardados e bem visíveis, e destes terem feito o respectivo sinal de paragem, tiveram que colocar-se em plena faixa de rodagem, para obrigar o motorista a imobilizar a viatura.
17) Logo após a entrada dos agentes de fiscalização, o trabalhador, retirou da gaveta da máquina um bilhete/recibo, com o n.° 163895014005267, emitido nessa carreira, à Olh31m, no valor de € 1,50, válido para o percurso entre a Paragem de Início: B F Fomento (R 3 Vales, 16) e a Paragem de Destino: Ch Caparica (R António Andrade) Paviment, que entregou aos agentes, dizendo que o mesmo pertencia a um cliente que viajava no autocarro, e que não o tinha levado consigo.
18) De facto, no decurso da acção de fiscalização constatou-se que o cliente Sr. Adelino Carvalho, viajava no autocarro sem possuir qualquer título de transporte, tendo, todavia, solicitado o respectivo bilhete, e, para isso, pago ao trabalhador, a importância de € 1,50.
19) O trabalhador recebeu a referida importância do cliente, mas não utilizou a máquina emissora Thales e, logo, não registou na máquina, não emitiu, nem lhe entregou qualquer bilhete, título de transporte necessário para viagem e, ao mesmo tempo, comprovativo do pagamento efectuado.
20)A… entrou na paragem de Palhais, na Charneca de Caparica, portanto já depois da paragem de início constante no bilhete, que o motorista alegava pertencer-lhe, e tinha indicado ao motorista como destino a paragem de Pinheirinho, e não a paragem de destino que constava no mesmo bilhete.
21) A… colocou junto à máquina de bilhetes a importância de € 1,50, valor que lhe foi indicado pelo motorista, como necessário para o percurso pretendido (Palhais-Pinheirinho), e este arrecadou-o, sem que tivesse mexido na máquina, e sem que tivesse emitido e entregado ao mesmo qualquer bilhete.
22) Surpreendido com a inesperada operação de fiscalização, o trabalhador tentou iludir e enganar os agentes, apresentando um bilhete que tinha em seu poder, o que desde logo é contrário às instruções da empresa, emitido em momento anterior à entrada do cliente em causa, para um percurso completamente diferente do solicitado e pretendido por este, o que constituiria, caso o mesmo tivesse sido entregue e aceite pelo mesmo, uma revenda de um bilhete já anteriormente vendido a um outro cliente, ou seja, à recepção, pelo trabalhador, em duplicado, do valor de € 1,50.
23) Ao proceder da forma acima descrita, ou seja, ao não proceder à emissão do bilhete, o trabalhador pretendeu apoderar-se, para seu uso e proveito pessoal, da correspondente importância paga e entregue pelo cliente, uma vez que sabe perfeitamente que, ao não emitir o bilhete na máquina, tal quantia não fica na mesma e não é, portanto, contabilizada na sua conta corrente, e, logo, considerada na sua prestação de contas com a empresa.
24) Com a conduta acima descrita o trabalhador tentou apropriar-se, só nessa viagem, indevida e ilicitamente da quantia pecuniária no valor de € 1,50 (um curo e cinquenta cêntimos), importância que pertence à sua entidade empregadora e que constitui proveito da sua actividade económica.
25) A apropriação daquela importância pelo trabalhador só não se concretizou, definitiva e irreversivelmente, porque os agentes de fiscalização, posteriormente à detecção da fraude, ordenaram ao trabalhador que procedesse à emissão do bilhete em falta, como já se referiu, fazendo assim com que tal importância ficasse registada e gravada na memória da máquina, de modo, que a mesma fosse considerada no próximo acto de prestação das suas contas e, assim, entregue pelo mesmo à empresa, como é devido.
26) Por outro lado, contrariando as instruções expressas pela empresa, acresce que o trabalhador, no exercício das suas funções, em dias anteriores procedeu à venda de bilhetes aos clientes, mas também não procedeu, após tais vendas, ao depósito/entrega dos valores correspondentes às mesmas.
27) Em consequência dos atrasos na entrega de valores, praticados pelo trabalhador de forma sistemática e reiterada, o saldo da sua conta corrente apresenta, repetidamente, valores negativos, sendo que, em 25 de Novembro de 2014, a importância em seu poder, e em dívida para com a empresa, ainda continuava por regularizar e atingia o montante de € 699,86 (seiscentos e noventa e nove euros e oitenta e seis cêntimos), e que foram pagos totalmente em 14-12-2014.
28) O trabalhador foi sujeito neste ano, ao procedimento disciplinar 109/2014, por irregularidades na prestação de contas, tendo-lhe sido aplicada a sanção de 5 dias de suspensão.
Factos não provados:
a) O autor passou a ser considerado pelos amigos e colegas de trabalho como se um delinquente se tratasse, passando a ser olhado de soslaio e a terem medo de falar com o mesmo;
b) O autor fechou-se em si mesmo, deixou de sair à rua, deixou de ir às compras, deixou de ir ao café e os amigos já não o visitam;
c) Ficou com stresse, passou a acordar de noite e com pesadelos e sobressaltos, receoso de prover ao sustento ao agregado.
Fundamentação de direito
Quanto à questão prévia da extemporaneidade do recurso suscitada pela Apelada.
Alega a Apelada que não é de conhecer do recurso interposto pelo Apelante em virtude das respectivas alegações terem sido apresentadas fora de prazo legal, dado que não tendo este impugnado validamente a decisão de facto, não podia beneficiar do acréscimo de prazo previsto no n.° 2 do art.° 80.° do CPT.
Vejamos:
O prazo para a interposição do recurso de apelação é de 20 dias, mas se este tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, acrescem 10 dias (n° 1 e 3 do art. 80° do CPT).
No caso vertente, verifica-se que a sentença foi notificada às partes em 17.08.2015, pelo que nos termos do art. 255° do NCPC presume-se a notificação efectuada no 3° dia posterior, ou seja, no dia 20.08.2015. Assim, o prazo de 30 dias (20+10) terminava no dia 19.09.2015, que era sábado, pelo que o termo do prazo se transferiu para o 1° dia útil seguinte, ou seja, dia 21.09.2015.
As alegações de recurso deram entrada em tribunal precisamente no dia 21.09.2015, pelo que são tempestivas.
No entanto, a Apelada alega que em nenhum lugar pelo Apelante é referido, que o respetivo recurso tenha por objeto a reapreciação da prova gravada.
Mas, salvo o devido respeito, verifica-se quer pelas alegações quer pelas conclusões do recurso que o Apelante quis impugnar a decisão da matéria de facto, fazendo até transcrições dos depoimentos das testemunhas A…, E… e P…, e referindo que foram incorrectamente julgados os pontos 16 a 24 da factualidade assente.
Assim sendo, não há dúvidas de que o Apelante quis impugnar a decisão da matéria de facto embora o tenha feito de forma imperfeita, como veremos, pelo que o recurso tinha corno objecto a reapreciação da prova gravada, razão pela qual o recurso é tempestivo, pois as alegações deram entrada dentro do prazo de 30 dias previsto no n° 1 e 3 do art. 80° do CPT.
Alega, ainda, a Apelada que o Apelante nas suas alegações não cumpriu os ónus impostos pelo art.° 640.° do NCPC, nomeadamente, o de indicar os depoimentos em que se finda, mediante referência para o assinalado na acta, assim como não indicou que outra decisão mereciam os pontos concretos da matéria de facto julgada pela la instância.
E quanto a este ponto tem razão a apelada, pois verifica-se que o Apelante não só incumpriu o ónus de impugnação da decisão da matéria de facto, que lhe impõe que indique, com exactidão, as passagens da gravação em que funda o recurso, como nada refere quanto à decisão que mereciam os concretos pontos da matéria de facto que reputa de mal julgada pela 1a Instância.
Com efeito, o Apelante nas suas alegações limitou-se a transcrever alguns excertos dos depoimentos das testemunhas A…, E… e P…, para de forma conclusiva afirmar que foram incorrectamente julgados os pontos 16 a 24 da factualidade assente, e nas conclusões 13a a 18a refere-se, de forma confusa, a passagens dos depoimentos dessas testemunhas, tentando descredibilizá-los, mas nada referindo quanto à decisão de facto que mereciam os pontos impugnados.
Incumpriu, assim, os ónus constantes das al. b) e c) do n° 1 e al. a) do n° 2 do art. 640°, do NCPC, o que implica a imediata rejeição do recurso nesta parte.
Assim, embora se considerem as alegações tempestivas, não se toma conhecimento da pretendida impugnação da matéria de facto.
Quanto ao objecto do recurso
Alega o autor que a decisão final do processo disciplinar não observa as exigências de fundamentação e ponderação legalmente exigidas, nomeadamente a ponderação de outra sanção que não o despedimento.
Vejamos:
O art. 357.°, n.° 4, do Código do Trabalho, na redacção dada pelo Dec-lei 7/2009 de 12 de Fevereiro, (que é o aplicável face à data dos factos relativos ao despedimento) que na decisão são ponderadas as circunstâncias do caso, nomeadamente as referidas no n.°3 o artigo 351.º, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador e os pareceres dos representantes dos trabalhadores, não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade.
Por sua vez, o artigo 382.° n.° 2, alínea d), do CT estabelece que o despedimento é inválido quando a comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento e dos seus fundamentos não for feita por escrito, ou não esteja elaborada nos termos do n.° 4 do artigo 357. °, ou do n.° 2 do artigo 358. °
Analisando a decisão final do processo disciplinar, verifica-se que esta consta de um relatório final exaustivo, de 17 páginas, onde enuncia a resposta do trabalhador e faz uma apreciação crítica dos argumentos apresentados pelo mesmo em contraposição com as provas que julga ter recolhido, após o que fixa os factos provados, aprecia tais factos e faz uma apreciação jurídica do comportamento do trabalhador e da questão jurídica em discussão, concluindo pela aplicação da sanção do despedimento com justa causa do trabalhador.
Esta decisão do processo disciplinar foi feita por escrito, está fundamentada por forma a permitir ao trabalhador conhecer as razões de facto e de direito que justificam a decisão, possibilitando ao trabalhador a sua impugnação em tribunal.
A decisão em causa cumpre as exigências de fundamentação previstas no n° 4 do art. 357° do CT, razão pela qual improcede a invocada invalidade do processo disciplinar.
Quanto à existência de justa causa para o despedimento do trabalhador.
O Apelante alega que a decisão recorrida não fez uma apreciação do princípio da proporcionalidade da sanção aplicada, para justificar a inexistência de justa causa para o despedimento do Autor.
Dispõe o art. 330° do CT que a sanção deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor, sendo que a lista das sanções disciplinares vem referida nas al. a) a f) do n° 1 do art. 327° do mesmo código, podendo ir da simples repreensão até ao despedimento sem indemnização ou compensação.
A sentença recorrida aplicou a sanção do despedimento sem indemnização, por entender que se verifica a justa causa de despedimento.
O conceito de justa causa está definido no art.° 351° n° 1 do Código do Trabalho de 2009 (que é o aplicável, por estar em vigor à data do despedimento) como o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Este conceito compreende três elementos: a) um elemento subjectivo, traduzido num comportamento culposo do trabalhador, por acção ou omissão; b) um elemento objectivo, traduzido na impossibilidade da subsistência da relação de trabalho; c) o nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade.
O n° 2 do art. 351° faz uma indicação exemplificativa de comportamentos susceptíveis de constituírem justa causa de despedimento e o n° 3 dispõe que na apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes .
A noção de justa causa está, assim, estruturada como uma cláusula geral (n° 1 do art. 351°), concretizada por duas vias: por um lado, com a indicação de factores a atender na apreciação da justa causa (n° 3 do mesmo artigo) e, por outro, com uma enumeração exemplificativa de certas situações típicas que podem integrar a justa causa (n° 2 do mesmo artigo) .
Todavia, não basta a simples verificação de uma situação típica indicada no referido n° 2, sendo sempre necessário, para que se verifique a justa causa, que essa conduta integre a noção geral constante do n° 1 do referido artigo, ou seja, que esse comportamento do trabalhador, pela sua gravidade e consequências torne imediata e praticamente impossível da relação de trabalho.
A culpa deve ser apreciada segundo o critério plasmado no artigo 487.°, n.° 2, do Código Civil, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso, o que, no quadro da relação jurídica laboral, significa um empregador normal, colocado perante o condicionalismo concreto em apreciação e tem de assumir uma tal gravidade objectiva, em si e nos seus efeitos, que, minando irremediavelmente a confiança que deve existir entre as partes no cumprimento de um contrato de trabalho, torne inexigível ao empregador a manutenção da relação laboral.
A inexigibilidade da manutenção da relação de trabalho verificar-se-á, sempre que, face ao comportamento do trabalhador e às circunstâncias do caso, ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre empregador e trabalhador, susceptível de criar no espírito do primeiro a dúvida sobre a idoneidade futura do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral.
No caso vertente, provou-se que no dia 11 de Novembro de 2014, o A. no exercício das suas funções, conduzia a viatura n.° 126, das 01h20m, entre Cacilhas e Marisol, quando a mesma foi alvo de uma acção de fiscalização, levada a cabo pelos agentes Srs. J… e P…. E veio a constatar-se que o cliente Sr. A…, viajava no autocarro sem possuir qualquer título de transporte, tendo, todavia, solicitado o respectivo bilhete, e, para isso, pago ao trabalhador, a importância de € 1,50. O trabalhador recebeu a referida importância do cliente, mas não utilizou a máquina emissora Thales e, logo, não registou na máquina, não emitiu, nem lhe entregou qualquer bilhete, título de transporte necessário para viagem. E logo após a entrada dos agentes de fiscalização, o trabalhador, retirou da gaveta da máquina um bilhete/recibo, com o n,° 163895014005267, emitido nessa carreira, à 01h31m, no valor de € 1,50, válido para o percurso entre a Paragem de Início: B F Fomento (R 3 Vales, 16) e a Paragem de Destino: Ch Caparica (R António Andrade) Paviment, que entregou aos agentes, dizendo que o mesmo pertencia a um cliente que viajava no autocarro, e que não o tinha levado consigo.
Surpreendido com a inesperada operação de fiscalização, o trabalhador tentou iludir e enganar os agentes, apresentando um bilhete que tinha em seu poder, o que desde logo é contrário às instruções da empresa, emitido em momento anterior à entrada do cliente em causa, para um percurso completamente diferente do solicitado e pretendido por este, o que constituiria, caso o mesmo tivesse sido entregue e aceite pelo mesmo, uma revenda de um bilhete já anteriormente vendido a um outro cliente, ou seja, à recepção, pelo trabalhador, em duplicado, do valor de € 1,50.
Ao proceder da forma acima descrita, ou seja, ao não proceder à emissão do bilhete, o trabalhador pretendeu apoderar-se, para seu uso e proveito pessoal, da correspondente importância paga e entregue pelo cliente, uma vez que sabe perfeitamente que, ao não emitir o bilhete na máquina, tal quantia não fica registada na mesma e não é, portanto, contabilizada na sua conta corrente, e, logo, considerada na sua prestação de contas com a empresa. A apropriação daquela importância pelo trabalhador só não se tornou concretizou, definitiva e irreversivelmente, porque os agentes de fiscalização, posteriormente à detecção da fraude, ordenaram ao trabalhador que procedesse à emissão do bilhete em falta.
Acresce que, contrariando as instruções expressas pela empresa, o trabalhador, no exercício das suas funções, em dias anteriores procedeu à venda de bilhetes aos clientes, mas também não procedeu, após tais vendas, ao depósito/entrega dos valores correspondentes às mesmas. Em consequência dos atrasos na entrega de valores, praticados pelo trabalhador de forma sistemática e reiterada, o saldo da sua conta corrente apresenta, repetidamente, valores negativos, sendo que, em 25 de Novembro de 2014, a importância em seu poder, e em dívida para com a empresa, ainda continuava por regularizar e atingia o montante de € 699,86 (seiscentos e noventa e nove euros e oitenta e seis cêntimos), e que foram pagos totalmente em 14-12-2014.
Ora bem, com este comportamento o Recorrente procurou obter para si um benefício económico, em prejuízo da sua entidade empregadora, o que só não conseguiu por ter sido alvo da acção de fiscalização.
Sendo o trabalhador um motorista de passageiros, era perfeitamente conhecedor das regras de emissão e cobrança dos bilhetes de transporte de passageiros, pelo que com aquela atitude violou culposamente os deveres de obediência, honestidade e lealdade a que estava obrigado por força do contrato de trabalho e do disposto nas al. e) e f) do n°1 do art. 128° do CT.
A propósito do dever de lealdade refere-se no Ac. do STJ de 12/02/2001,
www.dgsi.pt, O dever de lealdade - alíneas a) e d) do art. 20 da LCT (correspondentes às al. a) e f) do art. 128 do CT/2009) - tem um lado subjectivo que decorre da sua estreita relação com a permanência da confiança entre as partes, sendo necessário que a conduta do trabalhador não seja, em si mesma, susceptível de abalar ou destruir essa confiança, criando no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura do comportamento do trabalhador. Pelo seu lado objectivo, este dever reconduz-se à necessidade do ajustamento do comportamento do trabalhador ao princípio da boa fé no cumprimento das suas obrigações, dele deriva o imperativo de uma certa adequação funcional da conduta do trabalhador à realidade do interesse do empregador, na medida em que este interesse tenha a sua satisfação dependente do cumprimento da obrigação assumida pelo trabalhador. (..)A diminuição de confiança, resultante da violação do dever de lealdade não está dependente da verificação de prejuízos nem da existência de culpa grave do trabalhador, já que a simples materialidade desse comportamento, aliado a um moderado grau de culpa, pode em determinado contexto levar razoavelmente a um efeito redutor das expectativas de confiança .
O comportamento do Recorrente, acima descrito, era apto a abalar a confiança que a entidade empregadora nele podia depositar, e que era indispensável à subsistência da relação laboral. Tanto mais que a actividade desenvolvida pelo trabalhador desenvolvia-se longe da presença física do empregador, o que impõe essa especial relação de confiança.
A descrita conduta do Recorrente, tendo sido culposa, era apta a suscitar no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura do comportamento do trabalhador.
Também se verifica que o trabalhador continuava com os atrasos na prestação de contas, atingindo valores consideráveis, apesar de por esse motivo já ter sido punido disciplinarmente, o que releva em desfavor do trabalhador, fazendo presumir que as sanção de carácter conservatório da relação laborai foi ineficaz.
Concorda-se com a decisão recorrida quando esta afirma:
O contrato de trabalho funda-se numa relação de confiança que foi quebrada pela actuação do trabalhador, já que a entidade empregadora terá sérias dúvidas sobre comportamentos futuros do trabalhador, sendo essencialmente relevante o facto de o autor não ter registado a venda do bilhete, o que impede a ré de conhecer a existência da mesma, não podendo assim reclamar a entrega de tal quantia.
Acresce que, como é do conhecimento geral, a ré é uma empresa com várias centenas de funcionários, que pelo tipo de serviços que presta tem de ter nos seus funcionários um elevado grau de confiança, quando ao cumprimento das suas funções e, por outro, lado não poderá ser permissiva com comportamentos como os presentes, sob pena de quebras de disciplina graves.
Se fosse permitido que este tipo de comportamento ficasse impune então outros motoristas poderiam entender que a reprodução deste comportamento não seria assim tão gravoso, e uma vez que parte das receitas da ré decorre da venda destes bilhetes em última análise se todos os motoristas fizessem o mesmo poderia estar em causa a subsistência da ré.
Assim se conclui que a entidade empregadora perdeu, licitamente, a necessária confiança no trabalhador e na sua capacidade de cumprir os seus deveres profissionais.
Nestas circunstâncias, não era exigível ao empregador manter a relação laboral com o Recorrente, verificando-se, deste modo, a justa causa de despedimento, nos termos do art. 351° n° 1 do CT/2009.
Assim, a sanção aplicada mostra-se proporcional à gravidade da infracção e à culpa do recorrente, não se justificando, face à quebra de confiança que o comportamento culposo do trabalhador causou, a aplicação de outra sanção de natureza conservatória.
Improcedem, assim, todas as conclusões do recurso, sendo de confirmar a decisão recorrida.
Decisão:
Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas a cargo do Recorrente.
Claudino Seara Paixão
Maria João Romba
Paula Sá Fernandes