I- Tem interesse em agir aquele que tem uma necessidade objectiva e justificada de socorrer-se do processo ou de fazer prosseguir a acção.
II- Tendo as partes, na tentativa de conciliação, aceitado o acordo promovido pelo Ministério Público, que foi homologado pelo Juiz e já transitou em julgado, tal implica que ficaram definitivamente fixados os direitos e obrigações de cada uma, o que impede que o sinistrado, posteriormente, proponha acção a invocar que o acidente ocorreu por culpa exclusiva da empregadora e reclame indemnização por danos não patrimoniais, sem alegar a existência de fundamentos de anulação do acordo ou o conhecimento superveniente dos factos integradores da culpa da empregadora.
Proc. 295/15.5 T8BRR.L1 4ª Secção
Desembargadores: Maria Celina Nóbrega - Seara Paixão - -
Sumário elaborado por Isabel Lima
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Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
Relatório
I – J…, NIF …, cartão de Cidadão n.° …, natural da freguesia de S. Jorge de Arroios, concelho de Lisboa, residente na Rua Padre Gregório B. Rocha, n° 11, freguesia de Lajes, concelho e comarca de Praia da Vitória, 9760-292 Praia da Vitória;
II – S…, NIF …, natural da freguesia de Lajes, concelho de Praia da Vitória, residentes em Rua Padre Gregório B. Rocha, n° 11, freguesia de Lajes, concelho de Praia da Vitória, C.P. 9760-292
III - L…, solteira, menor, NIF …, titular do Cartão de Cidadão n° …, válido até 20-10-2014, natural da freguesia de Lajes, concelho de Praia da Vitória, onde reside na Rua Padre Gregório B. Rocha n° 11, C.P. 9760-262, devidamente representada pelos seus pais identificados em I e II.
IV – L…, solteiro, menor, NIF …, titular do Cartão de Cidadão n° …, válido até 13-01-2017, residente na Rua Padre Gregório B. Rocha, n° 11, freguesia de Lajes, concelho de Praia da Vitória, C.P. 9760 - 292, devidamente representado pelos seus pais identificados em I e II,
intentaram contra
I.A.M.A. – I…, NIPC …, com sede na Rua do Passal, n° 150, 9501-801 Ponta Delgada, a presente acção sob a forma de processo comum, pedindo que esta seja julgada procedente e que, por via dela, seja a Ré condenada a pagar aos autores, a titulo de danos não patrimoniais, a quantia global de 500.000,00€ (quinhentos mil euros) em virtude do acidente de trabalho que vitimou o autor José Teixeira por violação culposa e indesculpável das regras de segurança imputadas à ré, na proporção de 250.000,00€ para o autor José Teixeira, 150.000,00€ para a autora Sandra Vieira, sua mulher e 50.000,00€ para cada um dos autores menores, seus filhos.
Invocaram para tanto, em síntese, que:
- O Autor, J…, foi admitido ao serviço da ré IAMA em 2009, para exercer as funções de operário de manutenção que incluíam pequenas reparações de electricidade, de serralharia e todas as demais de um operário de manutenção geral, para exercer as suas funções no Matadouro Industrial da ré na Zona Industrial da Praia da Vitória;
- No dia 21 de Abril de 2011, um pouco antes das 8 horas, o autor dirigiu-se ao seu local de trabalho, onde vestiu a sua farda e calçou as botas cujas solas estavam molhadas, dado o piso do local de trabalho se encontrar sempre molhado;
- Pelas 9 horas foi preciso substituir uma lâmpada fundida colocada no tecto de uma das salas do matadouro que se situava a mais de 2,6m de altura e como o autor tem uma estatura mediana de cerca de 1,7m de altura, teve de se socorrer de um escadote para aceder à lâmpada e substituí-la;
- Subiu e ao proceder à substituição, por força das características do equipamento disponibilizado pela entidade patronal e do local de trabalho, apesar do cuidado, inadvertida e involuntariamente escorregou e caiu desamparadamente, batendo de costas numa mesa que no local se encontrava e que fazia parte dos equipamentos da ré, provocando-lhe os danos que descreveu e que lhe provocaram paraplegia irreversível;
- O acidente em causa ficou a dever-se única e exclusivamente à violação de regras de segurança no trabalho exclusivamente imputáveis à ré que não assegurou o necessário equipamento com as necessárias regras de segurança para o local em concreto, furtando-se assim aos custos do adequado equipamento, pondo em perigo a segurança dos seus trabalhadores o que efectivamente veio a concretizar-se de forma funesta;
- Em Abril de 2011 foi instaurado processo de acidente de trabalho nos serviços do Ministério Público junto do Tribunal Judicial de Praia da Vitória, que tomou o número 244/12.2TBVPV do Tribunal Judicial de Praia da Vitória, tendo, as partes, na tentativa de conciliação, que se realizou em 5 de Setembro de 2013, aceitado:
Caracterizar o acidente como acidente de trabalho;
Que existe nexo causal entre o acidente e a lesão;
Que à data do acidente auferia o aqui autor o montante anual de 13.001,47€;
Que a data da alta definitiva foi a 31-05-2013;
Que o seguro tem uma cobertura até ao limite de uma remuneração anual de 8.400,00€;
Que a natureza e o grau de incapacidade atribuída pelo perito médico do G.M.L., ou seja, uma incapacidade permanente e absoluta para todo e qualquer tipo de trabalho;
O aqui autor José Teixeira, declarou encontrar-se pago de todas as indemnizações
que tinha direito até à data da alta, bem como do subsídio por situação de elevada
incapacidade permanente;
Aceitou a aqui ré pagar o valor de 315,53E mensais, resultantes da diferença da remuneração que está transferida para a seguradora daquela que era efectivamente paga pela entidade patronal.
Declarou a seguradora aceitar o pagamento da pensão no montante de 576,00E a pagar mensalmente e vitaliciamente e, ainda, o pagamento da prestação suplementar da pensão no montante de 509.25f a pagar mensalmente e vitaliciamente;
- Contudo, encontra-se por pagar o valor resultante aos danos morais e não patrimoniais sofridos pelos Autores em virtude do acidente ocorrido e que mencionam e que, em seu entender, atenta a sua gravidade, merecem a tutela do direito; e
-Quanto à fixação do valor da indemnização há que ter em conta os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Janeiro de 2008 e de 29 de Fevereiro de 2012, pelo que, in casu, é ajustada a quantia peticionada a título de indemnização, tendo em conta a gravidade dos danos sofridos por toda a família.
Realizou-se a audiência de partes não tendo sido possível a sua conciliação.
Notificada a Ré para contestar veio fazê-lo por excepção e por impugnação.
Por excepção invocou a caducidade do direito dos autores, a ilegitimidade dos Autores S…, L… e L… e a falta de interesse em agir, invocando que, no âmbito do processo n.° 244/12.2 TBVPV, o A, a R e a Companhia de Seguros Açorena, S.A celebraram um acordo aquando da respectiva tentativa de conciliação, tendo o mesmo sido homologado em 30.09.2013, que a definição dos direitos resultantes do acidente ficou ampla e cabalmente estipulada pelas partes e logrou valor definitivo - artigos 111 °, 114° e 115° do CPT, que os responsáveis não tinham qualquer razão para pensar que a vontade do beneficiário (ora autor) era a de garantir a imediata reparação dos danos patrimoniais e a de deixar para futuro a definição dos danos não patrimoniais e sua reparação, sendo pacífico entre as partes que a decisão homologatória do acordo obtido na tentativa de conciliação transitou em julgado - artigo 625° do CPC, aplicável ex vi art. 1°, n°2 a) do CPT - com preclusão do direito de reclamar qualquer outra e diversa responsabilidade, e na afirmação de que, em função da satisfação dos direitos legalmente definidos, cujo cumprimento aliás o beneficiário/autor nem pôs em causa na sua douta petição inicial, não tem o mesmo interesse em agir;
Acrescentou, ainda, que o Autor lesou a confiança depositada pela ora Ré (e da Seguradora), num claro venire contra factum proprium, sendo certo que o sinistrado beneficiou com a celebração do dito acordo e que, ainda que o A tivesse a intenção de reclamar o pagamento de supostos danos não patrimoniais, socorrendo-se do direito de reparação especial, previsto no artigo 18.° da Lei n.° 98/2009, teria sempre de demonstrar (ou, pelo menos, alegar) o direito à efectivação desse pagamento no momento oportuno, ou seja, na Tentativa de Conciliação, sendo certo que, do Auto da Tentativa de Conciliação resulta que as partes pretenderam conciliar-se quanto à totalidade dos aspectos relativos ao acidente de trabalho, e não apenas parcialmente, pelo que os Autores não têm interesse em agir em face do acordado em sede de conciliação.
Ainda impugnou os factos invocados pelo Autor, por entender que uns são falsos, outros por desconhecê-los e outros ainda por estarem em contradição com o descrito na contestação, bem como todos os danos alegados pelo Autor que não se encontram descritos no respectivo relatório médico, concluindo não ter existido violação das regras de segurança por párte da R, não sendo devida ao Autor a compensação derivadas de danos não patrimoniais, além de que é excessiva a indemnização peticionada.
Pediu, a final, que a acção seja julgada improcedente com a sua absolvição dos pedidos.
Os Autores responderam invocando, em resumo, que o processo conciliatório não tem em vista indemnizações por danos morais, que estão excluídas do mesmo, que por maioria de razão os pedidos apresentados pelos autores que não o sinistrado não podiam ser afectados, já que não intervieram no processo de forma alguma e que não há qualquer violação do caso julgado.
As partes declararam prescindir da audiência prévia, tendo a sua realização sido dispensada.
Em 11.10.2015 foi proferido despacho saneador que se transcreve na parte que ao caso importa e com exclusão das notas de rodapé:
O art° 283° do Código do Trabalho preceitua que o trabalhador e seus familiares têm direito à reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho ou doença profissional (n° 1). O n° 4 aduz que a lei estabelece as situações que excluem o dever de reparação ou excluem a responsabilidade. Também com interesse, disciplina o n° 5 que o empregador é obrigado a transferir a responsabilidade pela reparação prevista neste capítulo pelas entidades legalmente autorizadas a realizar este seguro, sendo que a garantia do pagamento das prestações que forem devidas por acidente de trabalho que não possam ser pagas pela entidade responsável, nomeadamente por motivo de incapacidade económica, é assumida pelo Fundo de Acidentes de Trabalho, nos termos da lei (n° 6).
Por seu turno, o art° 18°, n° 1 da LAT2009 determina que: quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar da falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais. O n° 5 prevê uma pensão agravada para estas situações.
O art° 79°, n° 3 do mesmo diploma explicita que verificando-se alguma das situações referidas no art° 18°, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houve actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso.
A resposta à questão em apreciação implica que o Tribunal teça várias considerações, para melhor explanação do raciocínio e posição adoptada.
Desde logo, afigura-se-nos adequado recordar a distinção básica entre responsabilidade objectiva e responsabilidade subjectiva.
Na responsabilidade objectiva a lei prescinde de todo o elemento subjectivo da culpa: o dano não é imputado a um acto ou comportamento especifico, mas feito incidir sobre quem controla um determinado sector ou campo de actividade. Responsável é quem domina de uma maneira geral a fonte do risco, aplicando-se o princípio segundo o qual quem tira proveito de uma actividade que representa riscos para outrem deve suportar os correspondentes encargos (ubi commoda ibi incommoda…)
Na responsabilidade subjectiva, pelo contrário, a ordem jurídica coloca como pressuposto da obrigação de indemnização que o dano seja juridicamente imputável a um acto culposo (ético juridicamente reprovável) do agente. A causa ou fundamento da deslocação do dano da esfera jurídica do prejudicado para a do lesante reside justamente neste juízo de censura que a ideia de culpa exprime. Nas palavras de Antunes Varela agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável quando, pela sua capacidade, e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outra maneira.
O citado art° 18° da LAT2009 consagra, assim, uma responsabilidade por facto ilícito em que há uma imputação subjectiva do facto à entidade patronal (ou seu representante) e não uma responsabilidade objectiva.
Neste sentido pronuncia-se, aliás, a generalidade da doutrina, sendo certo que a epígrafe do actual art° 18° («actuação culposa do empregador») deixou pouco espaço para discussão.
Será, assim, necessário que sobre a entidade empregadora recaia o dever de observar determinadas regras de comportamento cuja observância, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação do evento danoso; que a entidade empregadora falte à observância dessas regras, não tomando por esse motivo o cuidado exigível a um empregador normal; que entre essa sua conduta inadimplente e o acidente intercorre um nexo de causalidade adequada.
Recordemos:
- Os presentes autos de acidente de trabalho iniciaram-se com a participação do mesmo;
na fase conciliatória, foram levadas a cabo as diligências instrutórias necessárias e tendentes à averiguação das circunstâncias nas quais ocorreu o acidente lesivo para o sinistrado;
concluídas tais diligências, e não se tendo apurado quaisquer factos tendentes a permitir a formulação de um juízo pela existência de culpa da entidade empregadora (nomeadamente por violação de regras de segurança), foi agendada tentativa de conciliação, na qual intervieram, além do Ministério Público, o próprio sinistrado, a entidade empregadora (aqui ré) e a seguradora;
no âmbito de tal diligência foi alcançada a conciliação, tendo as partes acordado, entre outros aspectos, quanto às circunstâncias nas quais ocorreu o acidente (tal como exigido pelo art° 111 ° do CPT);
nessa sequência, a seguradora obrigou-se a pagar ao sinistrado a competente pensão anual e vitalícia, o subsídio por elevada incapacidade permanente e a prestação suplementar da pensão;
- tal conciliação foi homologada, por sentença já transitada em julgado; - os autos foram arquivados.
Com a actual acção pretende-se, no essencial, um prosseguimento/uma continuação/um complemento dos autos, para a fase contenciosa, por forma a que a entidade patronal seja condenada em montantes peticionados a título de compensação por danos não patrimoniais.
Contudo, s.m.o., tal pretensão não pode ser viabilizada, pelos motivos que passamos a expor (no contexto do já explanado).
O pedido agora deduzido (de condenação no pagamento de danos não patrimoniais quer do sinistrado, quer da família directa) assenta na existência de culpa por parte da entidade empregadora pela ocorrência do acidente. Com efeito, só assim será possível reclamar o pagamento de uma qualquer compensação por danos morais, nos termos do já citado art° 18°
Ora, os autos contêm já decisão a homologar o acordo obtido na tentativa de conciliação, acordo esse assente em responsabilidade objectiva e que já transitou em julgado.
Como defende Leite Ferreira com o trânsito em julgado do despacho de homologação do acordo, a instância extingue-se por auto-composição da lide e, por isso, a fase contenciosa não chega sequer a ter início.
A ser assim - como cremos que não pode deixar de ser - não podem agora o sinistrado e família intentar acção especial assente em responsabilidade subjectiva (culposa).
A entender-se o contrário, discutindo-se agora a responsabilidade da entidade empregadora, estar-se-ia a contrariar o anteriormente decidido, tanto mais que, se assim fosse, as prestações decorrentes do acidente não seriam aquelas que foram atribuídas (prestações normais), mas antes prestações agravadas.
Acresce que, nesta última hipótese, a responsável por tais prestações seria a empregadora e já não a seguradora (entidade que assumiu tais pagamentos aquando da tentativa de conciliação), a qual apenas teria uma responsabilidade subsidiária.
Contudo, aquando da tentativa de conciliação, pelo sinistrado (e família) não foi invocada qualquer actuação culposa por parte da entidade empregadora, não tendo igualmente sido reclamada qualquer indemnização a título de danos morais. Ou seja, aceitou-se que o direito à reparação se fixasse nos termos previstos pelo art. 57° da citada Lei n. ° 98/2009 (afastada tendo ficado, pois, a previsão de reparação agravada do seu art. 18 °).
E, nestes termos, a questão ficou definitivamente decidida, não podendo, neste momento, ser alvo de novo processo.
Na sequência do que se vem de dizer, sempre o autor careceria de interesse em agir para a presente acção já que, em momento anterior, obteve a fixação de reparação pelo acidente de trabalho em apreço, sendo que a falta de interesse em agir, enquanto pressuposto processual, consubstancia uma excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso.
No sentido do acabado de decidir, vejam-se os acórdãos do Tribunal da Relação do
Porto, datados de 8 de Novembro de 2010 e 21 de Outubro de 2013, ambos disponíveis in www.dgsi.pt, podendo ler-se neste último o seguinte: No momento processual institucionalizado para a prestação de declarações com vista a acordo, isto é, na tentativa de conciliação, deve portanto entender-se que as causas do acidente são conhecidas de todos os intervenientes e que as partes as conhecem e ponderam e que, quando chegam a acordo, o fazem porque entendem que todos os direitos e deveres resultantes do acidente ficam garantidos. Deve também entender-se que as declarações que cada parte presta são enquadradas pelo quadro de regulamentação estrita da fase instrutória do processo, e por isso, garantido que foi realizada a fase instrutória e garantido que a intervenção do Ministério Público se tem de conformar com a procura da legalidade concreta, pode uma parte confiar que a declaração que na tentativa de conciliação a outra prestou, foi prestada em plena consciência dos elementos de facto que serviram de base à proposta apresentada pelo Ministério Público, isto é, com plena consciência das circunstâncias em que o acidente ocorreu e que permitiram a caracterização das responsabilidades resultantes da lei (o sublinhado é nosso)
Os direitos resultantes do acidente ficaram definitivamente definidos aquando da tentativa de conciliação, pelo que precludido ficou o direito a reclamar quaisquer outros.
(•)
Com os fundamentos fácticos e legais supra expostos, concluindo-se pela inadmissibilidade legal da propositura da presente acção - dado o acordo anteriormente alcançado e judicialmente homologado no processo especial emergente de acidente de trabalho (ao qual os presentes foram apensados) -, incluindo por falta de interesse em agir dos autores, absolve-se a ré da instância, com as legais consequências.
Custas pelos autores, sem prejuízo do beneficio de apoio judiciário de que gozam. Registe e notifique.
Inconformados, os Autores recorreram, formulando as seguintes conclusões:
O interesse em agir enquanto pressuposto processual em causa deve ser analisado à luz dos princípios constitucionais do acesso ao direito e à justiça, quanto à sua consagração e quanto à sua limitação.
O acesso ao direito e à justiça implica uma visão necessariamente restrita do interesse processual enquanto implica o direito de expor as suas pretensões em sede judicial e de obter apreciação e decisão sobre elas.
É verdade que o mesmo princípio impõe, dada a natureza escassa dos recursos, a delimitação de tal direito pela necessidade de mobilização dos órgãos jurisdicionais já que a mobilização aerifica e sem interesse constitui um desvio de recursos que os fará faltar a quem deles necessita.
Todavia o interesse em agir consiste na necessidade e utilidade da demanda considerado o sistema jurídico aplicável às pretensões invocadas e a sua verificação basta-se com a necessidade razoável do recurso à acção judicial.
Tem interesse em agir as partes que pretendem o ressarcimento do danos morais sofridos como consequência de acidente de trabalho de que foi vítima o autor I, marido e pai respectivamente dos autores II, III e IV;
Tal interesse em agir na presente ação cível não fica impedido nem é eliminado pelo facto de o autor 1 ter tido intervenção (apenas ele) no processo laboral de acidentes de trabalho em que foi estabelecido acordo apenas quanto à caracterização do acidente como de acidente de trabalho e se fixaram as pensões decorrentes apenas de tal acidente enquanto mero acidente de trabalho;
Sendo que por maioria de razão tal interesse em agir se mantém intacto não só em relação ao autor I mas em relação aos autores II, III e IV que nem tiveram intervenção de todo em todo naquele processo de acidente de trabalho que terminou na fase conciliatória a que a presente ação foi apensa.
Sendo também inequívoco que no presente processo não se verifica de todo em todo qualquer excepção de caso julgado.
Autores sofreram danos de natureza patrimonial e não patrimonial, em consequência do acontecimento lesivo e culposo da Ré, pelo que estão preenchidos os pressupostos da obrigação de indemnizar decorrente do artigo 483° do Código Civil e ainda por aplicação, numa interpretação actualística do artigo 496 do Código Civil já que se deve entender que merecem a tutela do direito e consequente indemnização os danos morais quer do conjuge quer dos filhos do sinistrado mesmo no caso em que não ocorre a morte deste.
O n.°2 do art. 18° da Lei dos Acidentes de Trabalho (Lei n.° 100/97, de 13/09) na sua actual redação prevê a indemnização por danos não patrimoniais emergentes de acidente de trabalho provocado pele entidade empregadora ou seu representante, ou resultante da falta de observância das regras de segurança, higiene e saúde no trabalho devendo tal tal indemnização ser determinada nos termos da lei geral.
1) Os tribunais de trabalho são os competentes, em razão da matéria, para conhecer dessa indemnização e de acordo com a actual reforma judiciária, e como acertadamente referido na sentença recorrida, a Instância Local Secção de Competência Cível de Praia da Vitória onde foi originariamente intentada a ação e onde decorre actualmente.
O processo conciliatório no âmbito do processo de acidente de trabalho não tem nem teve em vista indemnizações por danos morais, que estão excluídas do mesmo;
E por maioria de razão os pedidos apresentados pelos autores que não o sinistrado não podiam ser afectados, já que não intervieram no processo de forma alguma;
Ora, a homologação do acordo apenas obriga as partes a cumprir o acordado, quanto ao que foi acordado, nos seus precisos termos.
Não formou caso julgado desde logo sobre as questões aqui discutidas - questões que não foram ainda nem discutidas, nem apreciadas, nem decididas judicialmente.
O dever de reparação dos danos não patrimoniais, em casos de acidentes resultantes da falta de observação das regras de segurança, higiene e saúde no trabalho, nos termos da lei geral - art° 18°, n° 2, da LAT -, concretiza-se numa indemnização de danos que não vem especificamente prevista na Lei n° 100/97, mas antes noutras fontes normativas gerais, designadamente nos art°s 483°, n° 1, e , 496° e 562° do C.Civ. não se verifica pois qualquer excepção dilatória e os autores tem interesse em agir;
O Tribunal a quo ao decidir como decidiu violou os artigos 283° do Código do Trabalho, artigo 18°, 57°, do LAT (Lei n° 98/2009 de 4 de Setembro), artigo 111 do Código do Processo de Trabalho, artigos 483°, 395 e 496 e 562 do Código Civil e ainda artigo 2°, n° 2, 535 e 557 do Código do Processo Civil e artigo 20° da Constituição da República Portuguesa.
Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente e revogada a sentença recorrida por não verificadas as excepções do caso julgado e falta de interesse em agir por parte dos autores, devendo o tribunal recorrido seguir a tramitação subsequente, nomeadamente para efeitos de submissão da causa a julgamento, julgando-se a causa de acordo com os factos que se provarem e o Direito aplicável,
A Ré contra-alegou e formulou as seguintes conclusões:
a) Em suma, nas suas conclusões (e são estas que definem o objeto do recurso apresentado), alegam os AA que o seu interesse nestes autos não fica impedido nem é delimitado pelo facto de o autor I ter tido intervenção (apenas ele) no processo laboral de acidentes de trabalho em que foi estabelecido acordo apenas quanto à caraterização do acidente como acidente de trabalho e se fixaram as pensões decorrentes apenas de tal acidente enquanto mero acidente de trabalho, pelo que O processo conciliatório no âmbito do processo de acidente de trabalho não tem nem teve em vista indemnizações por danos morais, que estão excluídos do mesmo, e que Não formou caso julgado desde logo sobre as questões aqui discutidas - questões que não foram ainda discutidas, nem apreciadas, nem decididas judicialmente;
Os processos emergentes de acidente de trabalho têm a sua estrutura organizada do seguinte modo: Iniciam-se necessariamente por uma fase conciliatória, como resulta do artigo 99° n° 1 conjugado com o artigo 117° n° 1 al. a) e 119° n° 1; Esta fase conciliatória é dirigida pelo Ministério Público a quem incumbe, no cumprimento da sua missão estatutária definida pelos artigos 1° e 3° n° 1 al. d) da Lei 47/86 de 15 de Outubro, com as suas sucessivas alterações, velar pela legalidade; O Ministério Público deve instruir o processo, pelos necessários meios de investigação, de modo a assegurar-se da veracidade dos elementos dele constantes e das declarações das partes, condição para a realização de acordo de harmonia com os direitos consignados na lei - artigos 104° e 109°; Nesta instrução, o Ministério Público pode - e trata-se dum poder-dever - ordenar a realização de inquérito, até ao início da fase contenciosa, para apurar as circunstâncias em que ocorreu o acidente no caso de haver motivos para presumir que o acidente resultou da falta de observância das condições de segurança no trabalho - artigo 104° n° 1 e 2° alínea c); A fase conciliatória prevê, por natureza, digamos, uma tentativa de conciliação - artigo 108° - à qual todos os interessados são chamados e na qual o Ministério Público, que dirige a fase e em função do que tiver apurado nessa direção, promove o acordo de harmonia com os direito consignados na lei, tomando por base os elementos fornecidos pelo processo - artigo 109°; Dos autos de acordo hão-de constar a identificação completa dos intervenientes, a indicação precisa dos direitos e obrigações que lhes são atribuídos e ainda a descrição pormenorizada do acidente e dos factos que servem de fundamento aos referidos direitos e obrigações - artigo 111°; Se não houver acordo, são consignados os factos sobre os quais houve acordo, referindo-se expressamente o acordo acerca da entidade responsável - artigo 112°; Realizado o acordo, é imediatamente submetido ao juiz que o homologa, se verificar a sua conformidade com os elementos fornecidos pelo processo e com as normas legais, regulamentares e convencionais - artigo 114° n° 1; Finalmente, homologado o acordo, ele produz efeitos desde a data da sua realização - artigo 115°;
Concluídas que foram as diligências instrutórias necessárias, foi agendada a tentativa de conciliação que veio, efetivamente, a ocorrer e com a presente do Digno Magistrado do Ministério Público, do sinistrado - devidamente representado por advogado -, da entidade empregadora (ora R) e a da respetiva Companhia de Seguros. Assim, no âmbito dos presentes autos, todas as partes celebraram um acordo que foi homologado por sentença em 30.09.2013, transitada em julgado. Nunca, em momento algum nesse acordo, se formulam juízos de culpa relativamente à ora R (nomeadamente por violação de regras de segurança);
O artigo 18°, da lei n.° 98/2009, de 4 de setembro, (que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho), estabelece que Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais. Este preceito legal consagra uma responsabilidade por facto ilícito em que há, necessariamente, uma imputação subjetiva do facto à entidade patronal, onde o principal fundamento reside num juízo de censura plasmado na ideia de culpa, sendo por isso mesmo que o legislador descreveu na epígrafe daquele artigo 18° actuação culposa do empregador;
Analisado o teor do acordo celebrado (e homologado por sentença) no âmbito da respetiva conciliação, constata-se que o A sinistrado (devidamente patrocinado) nunca, em momento algum, descreve, refere, relaciona ou equaciona qualquer juízo de censura relativamente à conduta da sua entidade patronal, tendo-se limitado a aceitar expressamente a descrição do acidente como acidente de trabalho. O nexo causal entre a lesão e o acidente. (...) e que se encontrava (...) pago de todas as indemnizações até à data da alta, bem como do subsídio por situação de elevada incapacidade permanente, conforme documento junto aos autos a fls. 234. (...) Reclama da entidade patronal e da seguradora as importâncias propostas no acordo apresentado pelo Ministério Público... tout court!
Como refere, e bem, o tribunal a quo, aquando da tentativa de conciliação, pelo sinistrado (e família) não foi invocada qualquer actuação culposa por parte da entidade empregadora, não tendo igualmente sido reclamada qualquer indemnização a título de danos morais. Ou seja, aceitou-se que o direito à reparação se fixasse nos termos previstos pelo art. 57° da citada Lei n.° 98/2009 (afastada tendo ficado, pois, a previsão de reparação agravada do seu art. 18°);
Entramos assim na afirmação de caso julgado, sendo pacífico entre as partes que a decisão homologatória do acordo obtido na tentativa de conciliação transitou em julgado - artigo 625° do CPC, aplicável ex vi art. 1°, n°2 a) do CPT - com preclusão do direito de reclamar qualquer outra e diversa responsabilidade, e na afirmação de que, em função da satisfação dos direitos legalmente definidos, cujo cumprimento aliás o beneficiário/autor nem pôs em causa na sua douta petição inicial, não tem o mesmo interesse em agir [vide, a este propósito, As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, Lex, 1995, pág. 97];
Na esteira do Acórdão da Relação do Porto de 08.11.2010, cumpre referir que os AA. Beneficiários legais, não alegaram na tentativa de conciliação a culpa da entidade empregadora, nem reclamaram qualquer verba a título de indemnização por danos morais. E não o tendo feito, ocorre a preclusão do eventual direito à reparação de danos morais, já que, depois do trânsito em julgado do despacho homologatório do acordo, a questão não pode ser mais suscitada (sublinhado nosso);
A ação judicial proposta pelos Autores é exatamente oposta e prejudica a confiança e a segurança jurídicas que têm necessariamente de estar subjacentes a uma transação judicial, como aquela que se verificou. Pelo contrário, ainda que o A tivesse a intenção de reclamar o pagamento de supostos danos não patrimoniais, socorrendo-se do direito de reparação especial, previsto no artigo 18.° da Lei n.° 98/2009, teria sempre de demonstrar (ou, pelo menos, alegar) o direito à efetivação desse pagamento no momento oportuno, ou seja, na Tentativa de Conciliação. Da análise do Auto da Tentativa de Conciliação resulta que as partes pretenderam conciliar-se quanto à totalidade dos aspetos relativos ao acidente de trabalho, e não apenas parcialmente;
Não está em causa discutir o alegado e eventual direito dos restantes autores, que não o próprio sinistrado, pelo ressarcimento de danos não patrimoniais (que, como ficou expresso em sede de contestação, não se reconhece, argumentando-se nesse sentido com o carácter excecional do n° 2 do artigo 496°, do CC, que só permite a ressarcibilidade de danos de carácter não patrimonial de terceiros, e num círculo relativamente restrito relativamente à pessoa do ofendido, quando da lesão corporal deste viesse a sobrevir a sua morte... o que não sucedeu in causu), mas antes o trânsito em julgado dos factos descritivos do acidente de trabalho em sede de acordo homologado por sentença na respetiva conciliação, que afastam qualquer juízo de censura ou culpabilidade por parte da entidade patronal;
Andou bem a douta sentença recorrida que concluiu pela inadmissibilidade legal da propositura da ação - dado o acordo anteriormente alcançado e judicialmente homologado no âmbito do processo especial emergente de acidente de trabalho (apenso aos presentes autos), incluindo por falta de interesse em agir -, absolvendo, em consequência, o R da respetiva instância, pelo que mantendo a mesma farão V. Exas. a habitual e costumada Justiça.
O recurso foi admitido na forma, com o modo de subida e efeito adequados.
Neste Tribunal, o Exm°. Sr. Procurador-Geral Adjunto lavrou parecer no sentido do recurso ser julgado improcedente.
Notificadas as partes do teor do mencionado parecer, responderam os Autores referindo que não concordam com o mesmo e reafirmando o invocado nas alegações. Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.
Objecto do recurso
Sendo pacífico que o âmbito do recurso é limitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635° n° 4 e 639° do CPC, ex vi do n° 1 do artigo 87° do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608° n° 2 do CPC), nos presentes autos importa saber se os Autores têm interesse em agir na presente acção e se não se verifica a excepção do caso julgado, estando verificados os pressupostos da obrigação de indemnizar decorrente do artigo 483° do Código Civil,
Fundamentação de facto
Com interesse para a decisão relevam os factos constantes do relatório supra e a que alude a decisão recorrida que não foram postos em causa pelas partes.
Fundamentação de direito
Apreciemos, então, se os Autores têm interesse em agir na presente acção e se não se verifica a excepção do caso julgado, estando verificados os pressupostos da obrigação de indemnizar decorrente do artigo 483° do Código Civil.
Defendem os Autores, em resumo, que o interesse em agir na presente acção cível não fica impedido nem é eliminado pelo facto de o autor I ter tido intervenção (apenas ele) no processo laborai de acidentes de trabalho em que foi estabelecido acordo apenas quanto à caracterização do acidente como acidente de trabalho e se fixaram as pensões decorrentes apenas de tal acidente enquanto mero acidente de trabalho, sendo que, por maioria de razão, tal interesse em agir se mantém intacto não só em relação ao autor 1 mas em relação aos autores II, III e IV que nem tiveram intervenção de todo em todo naquele processo de acidente de trabalho que terminou na fase conciliatória a que a presente acção foi apensa e que é inequívoco que no presente processo não se verifica qualquer excepção de caso julgado.
Acrescenta que, tendo os Autores sofrido danos de natureza patrimonial e não patrimonial em consequência do acontecimento lesivo e culposo da Ré, estão preenchidos os pressupostos da obrigação de indemnizar decorrentes do artigo 483° do Código Civil e ainda por aplicação, numa interpretação actualista do artigo 496° do Código Civil já que se deve entender que merecem a tutela do direito e consequente indemnização os danos morais quer do cônjuge quer dos filhos do sinistrado mesmo no caso em que não ocorre a morte deste. Vejamos:
Sobre o interesse em agir escreve Manuel A. Domingues de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, pags.80 e 82: consiste em o direito do demandante estar carecido de tutela judicial. É o interesse em utilizar a arma judiciária - em recorrer ao processo. Não se trata de uma necessidade estrita, nem tão-pouco de um qualquer interesse por vago e remoto que seja; trata-se de algo de intermédio: de um estado de coisas reputado bastante grave para o demandante, por isso tornando legítima a sua pretensão a conseguir por via judiciária o bem que a ordem jurídica lhe reconhece (...). A falta do interesse processual significa não ter o demandante razão para solicitar e conseguir a tutela judicial pretendida .
Também com interesse, lemos no Manual de Processo Civil de Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, pags.179 a 181 que o interesse processual consiste na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção (...) O autor tem interesse processual quando a situação de carência, em que se encontre, necessite da intervenção dos tribunais (...) Relativamente ao autor, tem-se entendido que a necessidade de recorrer às vias judiciais, como substractum do interesse processual, não tem de ser uma necessidade absoluta, a única ou a última via aberta para a realização da pretensão formulada. Mas também não bastará para o efeito a necessidade de satisfazer um mero capricho de vindicta sobre o réu) ou o puro interesse subjectivo (moral, científico ou académico). O interesse processual constitui um requisito a meio termo entre os dois tipos de situações. Exige-se, por força dele, uma necessidade justificada, razoável, fundada, de lançar mão do processo ou de fazer prosseguir a acção- mas não mais do que isso.
Ainda sobre o pressuposto processual interesse em agir, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 17.03.2011, segundo o qual enquanto pressuposto processual, o interesse em agir (que se não confunde com a legitimidade, conforme bem se salienta no despacho recorrido) consiste na necessidade de se usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção .
Em suma, podemos afirmar que tem interesse em agir aquele que tem uma necessidade objectiva e justificada de socorrer-se do processo ou de fazer prosseguir a acção.
No caso em apreço, no auto de tentativa de conciliação de fls. 235 a 240 dos autos emergentes de acidente de trabalho, a que estes foram apensados, consta que na diligência estiveram presentes o sinistrado, José Manuel Soares Teixeira, a entidade seguradora, Companhia de Seguros A…, S.A. e a entidade patronal, IRMA- I… e que perante o acordo promovido pelo Ministério Público declararam os presentes:
- O Sinistrado:
Aceita:
- A existência e caracterização do acidente como acidente de trabalho.
O nexo causal entre a lesão e o acidente.
- Que à data do acidente auferia a retribuição anual de e 13.001, 47.
- Que a data da alta definitiva é 31.05.2013.
- Que o seguro tem uma cobertura até ao limite de uma remuneração anual de € 8.400.
A natureza e o grau de incapacidade atribuída pelo perito médico do GML ou seja, uma incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho.
- Encontra-se pago de todas as indemnizações até à data da alta, bem como do subsídio por situação de elevada incapacidade permanente, conforme documento junto a fls. 234.
- Quanto aos subsídios de férias e de Natal dos anos de 2011 e 2012 a situação encontra-se regularizada.
Reclama da entidade patronal e da seguradora as importâncias propostas no acordo apresentado pelo Ministério Público.
O legal representante da entidade patronal:
Aceita:
- A existência e caracterização do acidente como acidente de trabalho.
O nexo causal entre a lesão e o acidente.
- Que à data do acidente auferia a retribuição anual de e 13, 001, 47
Que a data da alta definitiva é 31.05.2013
Que o seguro tem uma cobertura até ao limite de uma remuneração anual de e 5.400
A natureza e o grau de incapacidade atribuída pelo perito médico do CML, ou seja, uma incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho.
O pagamento da pensão vitalícia de 314,53 euros mensais, resultantes da diferença da remuneração que está transferida para a seguradora e daquela que era efectivamente paga pela entidade patronal.
- Em suma, concorda com o acordo proposto pelo Ministério Público nos seus precisos termos.
O legal representante da entidade seguradora:
Aceita:
- A existência e caracterização do acidente como acidente de trabalho.
O nexo causal entre a lesão e o acidente.
Que à data do acidente auferia a retribuição anual de €13.001, 47.
Que a data da alta definitiva é 31.05.2013, conforme fls. 157 dos autos. - Que o seguro tem uma cobertura até ao limite de uma remuneração anual de €8400. - A natureza e o grau de incapacidade atribuída pelo perito médico do GML, ou seja,
uma incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho.
Que o sinistrado se encontra pago de todas as indemnizações até à data da alta, bem como do subsídio por situação de elevada incapacidade permanente, conforme documento junto aos autos a fls.234.
Quanto aos subsídios de férias e de natal dos anos de 2011 e 2012 a situação encontra-se regularizada.
- O pagamento da pensão no montante de 576 euros a pagar mensal e vitaliciamente.
O pagamento da prestação suplementar da pensão no montante de 509 euros, a pagar mensal e vitaliciamente.
- Em suma concorda com o acordo proposto pelo Ministério Público nos seus precisos termos.
Face às declarações do sinistrado, da entidade seguradora e da entidade empregadora, o Ministério Público deu as partes por conciliadas e determinou a ida dos autos ao Mm° Juiz para efeitos do disposto no n° 1 do artigo 114° do CPT.
Em 30.09.2013 a Mma Juiz proferiu a seguinte decisão:
Atendendo ao objecto da causa e a qualidade dos intervenientes, julgo válido e juridicamente relevante o acordo efectuado pelas partes, pelo que homologo pelo presente despacho nos termos dispostos pelo artigo 114°, n° 1 do CPT.
Notifique.
Ora, como é sabido, os processos emergentes de acidente de trabalho regulados no Código de Processo do Trabalho são constituídos por duas fases: a fase conciliatória e a contenciosa.
A fase conciliatória tem por base a participação do acidente e é dirigida pelo Ministério Público (art.99°), devendo este assegurar-se, pelos necessários meios de investigação, da veracidade dos elementos constantes do processo e das declarações das partes, para os efeitos dos artigos 109° e 114° (art.104°), nela se contemplando a realização da perícia médica que é secreta e na qual pode o Ministério Público, em qualquer caso, propor questões sempre que o seu resultado lhe ofereça dúvidas (art.105° n° 4) e devendo o relatório pericial obedecer ao formalismo a que alude o artigo 106°, após o que se segue a tentativa de conciliação.
À tentativa de conciliação são chamados, além do sinistrado ou dos seus beneficiários legais, as entidades empregadoras ou seguradoras, conforme os elementos constantes da participação e se das declarações prestadas na tentativa de conciliação resultar a necessidade de convocação de outras entidades, o Ministério Público designa nova tentativa. (art.108°).
Na tentativa de conciliação, o Ministério Público promove o acordo de harmonia com os direitos consignados na lei, tomando por base os elementos fornecidos pelo processo, designadamente o resultado da perícia médica e as circunstâncias que possam influir na capacidade geral de ganho do sinistrado (art.109°).
E quando o grau de incapacidade fixado tiver carácter provisório ou temporário, o acordo tem também, na parte que se lhe refere, validade provisória ou temporária e o Ministério Público rectifica as pensões ou indemnizações segundo o resultado das perícias ulteriores, notificando dessas rectificações as entidades responsáveis, sendo que as rectificações consideram-se como fazendo parte do acordo. (art.110°).
Assim e como escreve Abílo Neto no Código de Processo do Trabalho Anotado, 5ª Edição actualizada e ampliada, pag.302 a tentativa de conciliação, que é presidida pelo magistrado do Ministério Público, visa alcançar o acordo global final (art.109°) ou o acordo provisório (art.110), como ocorrerá por ex. nos casos previstos no n° 1 do art.102° e nela deverão comparecer, de acordo com as circunstâncias, o sinistrado, ou os beneficiários legais, e as entidades responsáveis (seguradora, entidade patronal, FAT).
E dos autos de acordo constam, além da identificação completa dos intervenientes, a indicação precisa dos direitos e obrigações que lhes são atribuídos e ainda a descrição pormenorizada do acidente e dos factos que servem de fundamento aos referidos direitos e obrigações (art. l 11°).
Realizado o acordo, é imediatamente submetido ao juiz, que o homologa por simples despacho exarado no próprio auto e seus duplicados, se verificar a sua conformidade com os elementos fornecidos pelo processo e com as normas legais, regulamentares ou convencionais (art.114° n° 1).
O acordo produz efeitos desde a data da sua realização (art.115°).
E se tiver sido junto acordo judicial e o Ministério Público o considerar em conformidade com o resultado das perícias médicas, com os restantes elementos fornecidos pelo processo e com as informações complementares que repute necessárias submete-o, com o seu parecer, a homologação do juiz e se essa conformidade não se verificar o Ministério Público promove tentativa de conciliação nos termos dos artigos anteriores.
Mas se se frustrar a tentativa de conciliação, no respectivo auto são consignados os factos sobre os quais tenha havido acordo, referindo-se expressamente se houve ou não acordo acerca da existência e caracterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, da retribuição do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau de incapacidade atribuída. (art.112° n° 1).
E não havendo acordo na fase conciliatória, nos termos do artigo 117°, inicia-se a fase contenciosa que corre nos autos em que se processou a fase conciliatória e tem por base:
petição inicial, em que o sinistrado, doente ou respectivos beneficiários formulam o pedido, expondo os seus fundamentos;
Requerimento, a que se refere o n° 2 do artigo 138°, do interessado por se não conformar com o resultado da perícia médica realizada na fase conciliatória do processo, para efeitos de fixação de incapacidade para o trabalho.
Nesta fase do processo, se estiverem em discussão outras questões, para além da incapacidade do sinistrado, como a natureza do acidente, a entidade responsável, o nexo causal entre o acidente e as lesões, a responsabilidade agravada do empregador, então, o juiz determina o desdobramento do processo, determinando a abertura de um apenso onde se apreciará a incapacidade do sinistrado, conhecendo-se das restantes questões no processo principal (arts.126° e 132°)
O processo principal segue a tramitação prevista nos artigos 119°, 128°, 129°, 130°, 131°, 133°,134° e 135°do CPT.
Revertendo ao caso, constata-se que, na tentativa de conciliação, as partes acordaram sobre a existência e caracterização do acidente como de trabalho, o nexo causal entre a lesão e o acidente, a retribuição, a entidade responsável, a data da alta e a natureza e grau de incapacidade atribuída ao sinistrado, nada tendo sido dito no sentido de que o acidente dos autos teria sido provocado pela empregadora ou por inobservância das regras de segurança no local de trabalho, ou seja, que o acidente ocorreu por culpa exclusiva da entidade empregadora, como pretendem os Autores com a presente acção.
E repare-se que a fls.125 a 134 dos autos, o sinistrado juntou um requerimento onde invoca a responsabilidade da Ré por danos não patrimoniais que sofreu por entender que a falta de condições de segurança no trabalho que descreveu (arts.34 a 48 do requerimento) contribuiu, decisivamente, para a ocorrência do acidente, escrevendo no artigo 32 o seguinte:
Ora, como já adiantei supra o IAMA é responsável por indemnizar-me também a título de danos extrapatrimoniais por mim sofridos, que, atendendo à paraplegia irreversível a que fiquei sujeito, à minha idade, e a todos os demais factores já referidos nos autos e que V.Ex° enquanto minha representante enquanto trabalhador sinistrado, coligirá, reunindo, sob a sua direcção, todos os elementos necessário para o bom sucesso da acção judicial que por si vier a ser intentada no caso de não se conseguir acordo satisfatório quer com a seguradora quer com o IAMA, e que no caso dos danos extrapatrimoniais, só quanto a estes, se deverá exigir do IAMA, judicialmente, se necessário, em montante que, na minha opinião, adianto já que deverá ser em montante nunca inferior a 350.000,00E' (trezentos e cinquenta mil euros).
Acresce que a fls. 171 dos autos o Ministério Público proferiu o seguinte despacho:
Tendo em consideração que há indícios de violação de regras de construção que estiveram na origem do acidente objecto de análise, ordeno seja extraída certidão de todo o processo, seja a mesma registada, distribuída e autuada como inquérito a fim de se averiguar da existência ou não de crime previsto no artigo 277°, n° 1 alínea a) do Código Penal.
Contudo, não obstante o que se acabou de referir, a verdade é que na tentativa de conciliação as partes chegaram a acordo, foram dadas por conciliadas, vindo o acordo em causa a ser homologado por despacho do juiz que já transitou em julgado.
Ora, a decisão do juiz que homologa um acordo das partes conseguido perante o M° Público, na tentativa de conciliação, a que alude o artigo 111° do anterior CPT desfruta da autoridade de caso julgado material- (Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 5.4.2000, Col. Jur.,2000, 2°-170, citado na obra acima citada, pag. 314).
E corno elucida o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19.06.2007, in www.dgsi.pt 1 - O caso julgado material, enquanto efeito de um pronunciamento judicial que se projecta para além do processo concreto em que se forma, traduz-se na inadmissibilidade da substituição ou modificação da decisão por qualquer tribunal, em consequência da insusceptibilidade da sua impugnação por reclamação ou recurso ordinário.
II - A projecção do caso julgado vai, porém, mais longe que a evitação de uma subsequente decisão conflituante, indo ao ponto de, ocorrendo novo caso julgado contraditório, retirar a este último, fazendo subsistir o primitivo pronunciamento, a natureza de caso julgado - art° 675° CPC
Ora, é certo que o n° 1 do artigo 18° da Lei n° 98/2009 de 4 de Setembro, aplicável ao caso dado que o acidente ocorreu a 21.04.2011, determina que Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles das regras sobre saúde e segurança no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.
E como elucida o sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26.02.2014, in www.dgsi.pt, No âmbito da actual Lei dos Acidentes de Trabalho (Lei n.° 98/2009 de 04.09) como já acontecia nas anteriores, não há lugar à reparação por danos morais, com excepção das situações previstas no art. 18° n° 1 da mesma Lei, ou seja, quando o acidente for devido a culpa da entidade empregadora ou quando resultar da falta de observância por aquela de regras sobre segurança e saúde no trabalho.
Sucede, porém, que aquando da tentativa de conciliação, o sinistrado e a família não invocaram que o acidente foi provocado pela actuação culposa da empregadora ou que esta não observou as regras de segurança no local de trabalho, nem reclamaram qualquer indemnização por danos não patrimoniais, como reclamam na presente acção, tendo o sinistrado aceitado que o direito à reparação se fixasse nos termos previstos no artigo 48° da Lei 98/2009 e não nos termos do artigo 18° da mesma Lei que prevê uma responsabilidade agravada por parte da empregadora.
E como se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21.10.2013, também citado no despacho saneador/sentença: É assim que chegamos a um ponto em que podemos fazer duas afirmações: - a definição dos direitos resultantes do acidente ficou ampla e cabalmente estipulada pelas partes e logrou valor definitivo - artigos 111°, 114° e 11 5° do CPT, já reféridos - e as responsáveis não tinham qualquer razão para pensar que a vontade da beneficiária era a de garantir a imediata reparação dos danos patrimoniais e a deixar para futuro a definição dos danos não patrimoniais e sua reparação.
Entramos assim na afirmação de caso julgado, sendo pacífico entre as partes que a decisão homologatória do acordo obtido na tentativa de conciliação transitou em julgado - artigo 675° do CPC[3], aplicável ex vi art. 1°, n°2 a) do CPT - com preclusão do direito de reclamar qualquer outra e diversa responsabilidade, e na afirmação de que, em função da satisfação dos direitos legalmente definidos, cujo cumprimento aliás a beneficiária nem pôs em causa na petição inicial, não tem a mesma interesse em agir, tal como se afirmou na decisão recorrida, sufragando-se os fundamentos doutrinários ali expendidos.
Na verdade, tal como se refere no acórdão desta Relação citado na decisão recorrida, solução diversa só seria legalmente possível com a obtenção de anulação judicial do acordo alcançado na tentativa de conciliação e com a revisão da decisão homologatória do mesmo, nos termos do artigo 301 ° n° 2 do Código de Processo Civil, na versão em vigor ao tempo da entrada da petição inicial. De resto, na petição inicial, a ali autora nem sequer alegou qualquer causa de discordância quanto aos termos concretos do acordo, nem alegou qualquer erro ou vício de vontade seu, nem alegou que o conhecimento das circunstâncias referidas no artigo 18° da LAT só se tornou possível após a realização do acordo.
Ora, também no caso em apreço, os Autores não invocam qualquer causa de anulação judicial do acordo obtido na tentativa de conciliação, qualquer erro ou vício da vontade, nem que o conhecimento dos factos que, em seu entender, fundamentam a alegada culpa da empregadora, lhes adveio após a obtenção do acordo.
Assim e como refere a decisão recorrida, a admitir-se agora a discussão da responsabilidade da empregadora estar-se-ia a contrariar o anteriormente decidido, tanto mais que se assim fosse, as prestações decorrentes do acidente não seriam aquelas que foram atribuídas (prestações normais), mas antes prestações agravadas, sendo que a responsável por tais prestações seria a empregadora e já não a seguradora (entidade que assumiu tais pagamentos aquando da tentativa de conciliação), a qual apenas teria uma responsabilidade subsidiária.
Por conseguinte, tendo as partes, na tentativa de conciliação, aceitado o acordo promovido pelo Ministério Público, que foi homologado pelo Juiz e já transitou em julgado, tal implica que ficaram definitivamente fixados os direitos e obrigações de cada uma, o que impede que o sinistrado, posteriormente, proponha acção a invocar que o acidente ocorreu por culpa exclusiva da empregadora e reclame indemnização por danos não patrimoniais, sem alegar a existência de fundamentos de anulação do acordo ou o conhecimento superveniente dos factos integradores da culpa da empregadora.
Em consequência, impõe-se acompanhar a decisão recorrida quando refere que a questão ficou definitivamente decidida e que os Autores não têm interesse em agir, não podendo, neste momento, interpor nova acção para apreciação dos danos não patrimoniais, improcedendo, assim, o recurso.
Considerando o disposto nos n°s 1 e 2 do artigo 527° do CPC, as custas do recurso são da responsabilidade dos recorrentes, sem prejuízo do beneficio de apoio judiciário que lhes foi concedido.
Decisão
Em face do exposto acordam os Juízes deste Tribunal e Secção em julgar improcedente o recurso e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário que lhes foi concedido.
Lisboa, 13 de Julho de 2016
Paula de Jesus Jorge dos Santos
Claudino Seara Paixão