Permitindo as alíneas a) e c) do n° 1 do artigo 233° do CIRE que, depois de encerrado o processo de insolvência o insolvente recupere, entre outros, o direito de disposição dos seus bens e a livre gestão dos seus negócios, sem prejuízo dos efeitos da qualificação da insolvência como culposa e que, por seu lado, os credores da insolvência possam exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes de eventual plano de recuperação e do n° 1 do artigo 242°, tal significa que respeitadas tais restrições podem os credores intentar contra o devedor as acções executivas e declarativas necessárias ao exercício dos seus direitos.
Proc. 1313/14.OTTLSB.L1 4ª Secção
Desembargadores: Maria Celina Nóbrega - Seara Paixão - -
Sumário elaborado por Isabel Lima
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Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
Relatório
Nos presentes autos de execução de sentença que R…, residente no B…, n° 22, 3° Esq°, 1100-081 Lisboa, propôs contra G…, Lda, com sede na Rua …, n° 3 –S…, 2800-077 Almada, em 16.03.2016 foi proferida a seguinte decisão:
Comprova-se nos autos que a executada nestes autos, foi declarado insolvente, por sentença transitada em julgado, sendo que o processo em causa por decisão transitada em julgado datada de 18/11/2015 foi declarado encerrado por insuficiência de bens da massa insolvente, nos termos do disposto nos artigos 230°, n° 1 alínea d) e 232° do CIRE.
Decidindo:
Após o encerramento da insolvência não há lugar ao prosseguimento da execução intentada contra o insolvente, de acordo com o disposto no artigo 88°, n° 3 do CIRE, norma essa que estabelece que as acções executivas suspensas, por força da declaração de insolvência, nos termos do n° 1, extinguem-se logo que o processo de insolvência seja encerrado nos termos previstos nas alíneas a) e d) do n° 1 do art°230°, salvo para efeitos do exercício do direito de reversão legalmente previsto.
Em face de quanto ficou exarado, e considerando o que vem disposto no art. °88° n° 3 do C.LR.E., por motivo de impossibilidade superveniente da lide, julgo a execução extinta ponderando que a situação de insolvência do executado impede o prosseguimento da execução contra si - (cfr.artigos 277°, alínea e) e 849° n° 1 alínea 1), do Código de Processo Civil, todos por força do disposto no artigo 98°-A do Código de Processo de Trabalho).
Custas pela massa insolvente do executado (artigo 536°, n° 3 segunda parte do CPC).
Registe e notifique.
Inconformada, a Autora interpôs recurso e juntou três documentos.
A Mina Juiz do tribunal a quo, considerando que, face ao fundamento da extinção da execução, as conclusões eram obscuras e não procediam às especificações previstas no n° 2 do artigo 639° do CPC, convidou a recorrente/exequente a completá-las e a esclarecê-las no prazo de 5 dias.
A recorrente juntou novo requerimento de interposição de recurso e alegações, concluindo nos seguintes termos:
Deve ser revogada a decisão porque o Requerimento Executivo tem um comprovativo, tem uma assinatura digital.
A Secretaria do Tribunal sempre se mostrou alheia, apesar de terem conferido a data do envio do Requerimento Executivo, a própria assinatura, bem como cartão de Inscrição na Ordem dos Advogados. Depois remeteram-se ao silêncio.
- O envio deixou rastro: um comprovativo e um Requerimento Executivo, no dia 18 de Março de 2015.
- Foram questões que o Tribunal a quo deveria ter analisado, após múltiplas deslocações e informações dadas à Secretaria do Tribunal, sem êxito.
- A propositura da acção foi anterior à declaração de insolvência.
Termina pedindo que seja revogada a decisão recorrida.
Não consta dos autos que tenham sido apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido na forma, com o modo de subida e efeito adequados.
Subidos os autos a este Tribunal, a Exm.a Senhora Procuradora-Geral Adjunta, emitiu parecer considerando, em síntese, que, independentemente da data de instauração da execução, 18.03.2015 ou 18.11.2015, face ao disposto no n° 3 do artigo 88° do CIRE, a execução sempre teria de ser declarada extinta por inutilidade superveniente da lide, tal como foi decidido pelo tribunal a quo, pelo que o recurso deverá improceder.
Notificada a parte do referido parecer, não respondeu.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
- Questão prévia da admissibilidade dos documentos juntos com as alegações.
Com as alegações juntou a recorrente três documentos (2 comprovativos de entrega de requerimento executivo e requerimento de execução de decisão judicial condenatória).
Com a sua junção pretende a recorrente provar que anteriormente ao requerimento executivo que deu início à presente execução, outro foi entregue no tribunal em 18.3.2015, ou seja, em data anterior à declaração de insolvência da executada.
Ora, de acordo com o n° 1 do artigo 651° do CPC As partes podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425° ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1 ° instância.
De acordo com o artigo 425° do CPC, Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
Regressando ao caso, constata-se que a recorrente não invocou qualquer impossibilidade de apresentação dos documentos em causa em momento anterior à prolação da decisão que julgou extinta a instância, nem nunca anteriormente à decisão proferida nos autos suscitou, no seu âmbito, qualquer questão relativa à entrega de outro requerimento executivo.
Por outro lado, também não vislumbramos que a junção dos documentos em causa se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na Ia instância dado que, tendo já sido declarado o encerramento do processo de insolvência e tendo a presente execução sido instaurada em momento posterior a essa decisão, não releva para a decisão a proferir nestes autos a circunstância de ter existido um outro requerimento executivo com data anterior à declaração de insolvência e de encerramento do processo de insolvência da executada.
Em consequência, por não se revelar pertinente para a decisão, não se admite os documentos juntos com as alegações que deverão ser desentranhados e entregues à parte.
Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso limitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635° n° 4 e 639° do CPC, ex vi do n° 1 do artigo 87° do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608° n° 2 do CPC), nestes autos a única questão a apreciar cinge-se a saber se não devia ter sido declarada extinta a instância executiva.
Fundamentação de facto
Os factos com relevância para a decisão são os que decorrem do relatório que antecede para o qual se remete e, por resultarem dos documentos juntos aos autos, os seguintes:
- Aos 07.07.2015 foi proferida sentença, transitada em julgado em 03.08.2015, de declaração de insolvência da executada (fls.20, 22 e 23 e 27).
- A decisão de encerramento do processo foi determinada por inexistência de bens a apreender, à não oposição de qualquer dos credores e não ter sido usada a faculdade prevista pelo artigo 232° n° 2 do CIRE.(fls.21 e 24).
- A presente execução foi intentada no dia 29 de Novembro de 2015 (fls.5, 13 e 17)
Fundamentação de direito
Apreciemos, então, se deve ser revogada a decisão recorrida, sendo certo que a recorrente estriba-se no facto de ter entregue outro requerimento executivo com data anterior à declaração de insolvência da executada, o que obstaria a que fosse proferido o despacho recorrido que, em seu entender, não se deve manter.
Como já acima dissemos, a entrega de outro requerimento executivo não releva para a decisão desta causa.
Senão vejamos:
Dispõe o artigo 88° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE):
1- A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes.
2 - Tratando-se de execuções que prossigam contra outros executados e não hajam de ser apensadas ao processo nos termos do n.° 2 do artigo 85. 0, é apenas extraído, e remetido para apensação, traslado do processado relativo ao insolvente.
3 - As ações executivas suspensas nos termos do n.° 1 extinguem-se, quanto ao executado insolvente, logo que o processo de insolvência seja encerrado nos termos previstos nas alíneas a) e d) do n.° 1 do artigo 230. 0, salvo para efeitos do exercício do direito de reversão legalmente previsto.
Assim, do n° 1 deste normativo decorre que a declaração de insolvência determina:
- a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente;
- obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência;
- apenas se houver outros executados, a execução prossegue contra estes.
E do n° 3 do mesmo preceito legal resulta que as acções executivas suspensas por virtude da declaração de insolvência extinguem-se quanto ao executado insolvente logo que o processo de insolvência seja encerrado após a realização do rateio final, sem prejuízo do n° 6 do artigo 239°ou quando o administrador da insolvência constate a insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente.
Ora, da análise dos autos logo ressalta que a presente instância executiva nunca foi declarada suspensa pelo que, face ao teor do número 3 do artigo 88° do CIRE, colocar-se-ia a questão de saber se lhe é aplicável, ou não, tal normativo.
Quanto a esta questão perfilhamos o entendimento plasmado no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 03.11.2015, pesquisa em www.dgsi.pt em cujo sumário se escreve: 1.A ausência de prévia declaração de suspensão duma execução nos termos do disposto no artigo 88. 0, n.° 1, do CIRE não obsta a que se decrete a sua extinção, desde que verificados os requisitos a que se alude no seu n.° 3.
2.Assim, apesar de não ter sido declarada a suspensão da instância executiva nos termos do disposto no artigo 88. 0, n.° 1, do CIRE, pode a mesma ser declarada extinta, quanto à executada insolvente, ao abrigo do disposto no seu n.° 3, por o processo de insolvência ter sido encerrado por insuficiência da massa insolvente.
Consequentemente, apesar da presente execução não ter sido declarada suspensa tal não obstava, em abstracto, a que pudesse ser declarada extinta ao abrigo do n° 3 do artigo 88° do CIRE, caso se verificassem os restantes pressupostos aí referidos.
Contudo, tendo o requerimento executivo que instruiu a execução dado entrada no tribunal a quo em 29.11.2015, ou seja, em data posterior à declaração de insolvência e do encerramento do processo, jamais aquela poderia ter sido declarada suspensa.
Sucede, ainda, que um dos pressupostos de aplicação do n° 3 do artigo 88° do CIRE é que a execução tenha sido intentada antes de declarado encerrado o processo de insolvência, o que não acontece no caso em apreço.
Assim, tendo a execução sido intentada depois de declarado o encerramento do processo de insolvência, entendemos que ao caso não é aplicável o n° 3 do artigo 88° do CIRE, mas sim o disposto no seu artigo 233°, norma que rege os efeitos do encerramento do processo de insolvência.
Assim, de acordo com esta norma:
1 - Encerrado o processo:
a) Cessam todos os efeitos que resultam da declaração de insolvência, recuperando designadamente o devedor o direito de disposição dos seus bens e a livre gestão dos seus negócios, sem prejuízo dos efeitos da qualificação da insolvência como culposa e do disposto no artigo seguinte;
b) Cessam as atribuições da comissão de credores e do administrador da insolvência, com excepção das referentes à apresentação de contas e das conferidas, se for o caso, pelo plano de insolvência;
c) Os credores da insolvência poderão exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamentos e do n.' 1 do artigo 242. 0, constituindo para o efeito título executivo a sentença homologatória do plano de pagamentos, bem como a sentença de verificação de créditos ou a decisão proferida em acção de verificação ulterior, em conjugação, se for o caso, com a sentença homologatória do plano de insolvência.
E como se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19.12.2012, in www.dgsi.pt I- Com o encerramento do processo o devedor recupera o direito de disposição dos seus bens e a livre gestão dos seus negócios - cfr. art. 233° n°1 a).
II - Encerrado o processo de insolvência cessam todos os efeitos que resultam da declaração de insolvência, podendo os credores exercer os seus direitos contra o devedor sem restrições, excepto as constantes do plano de insolvência aprovado e plano de pagamentos e do art. 242° n°I do mesmo diploma legal - art. 233°, als. a), e c), e os credores da massa podem reclamar do devedor os seus direitos não satisfeitos (cfr. alínea d) do n°I do art. 233 °).
III - Tal significa que, na grande maioria dos casos, as execuções poderão retomar o seu rumo, podendo ser instauradas novas execuções contra o insolvente, assim como novas acções declarativas.
No mesmo sentido pronuncia-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 8.7.2015, igual pesquisa, em cujo sumário se afirma: 1- Encerrado o processo de insolvência, todos os credores da massa insolvente, sem restrição, podem exercer os seus direitos contra o devedor e reclamar os seus direitos não satisfeitos.
II - Não se verifica a inutilidade da lide na execução interposta contra a executada, após o encerramento do processo de insolvência.
Em conclusão, permitindo as alíneas a) e c) do n° 1 do artigo 233° do CIRE que, depois de encerrado o processo de insolvência o insolvente recupere, entre outros, o direito de disposição dos seus bens e a livre gestão dos seus negócios, sem prejuízo dos efeitos da qualificação da insolvência como culposa e que, por seu lado, os credores da insolvência possam exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes de eventual plano de recuperação e do n° 1 do artigo 242°, tal significa que respeitadas tais restrições podem os credores intentar contra o devedor as acções executivas e declarativas necessárias ao exercício dos seus direitos.
Assim, tendo a presente execução sido instaurada em 29.11.2015, isto é, após a declaração de encerramento do processo de insolvência da executada e não resultando dos autos que tenha sido aprovado plano de recuperação não se verifica, pois, uma situação de inutilidade superveniente da lide que fundamente a extinção da presente instância executiva.
Consequentemente, deverá ser julgado procedente o recurso e revogada a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que determine o prosseguimento dos ulteriores termos do processo.
Decisão
Em face do exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso e revoga-se a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que determine o prosseguimento dos ulteriores termos do processo.
Sem custas.
Lisboa, 12 de Outubro de 2016
Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Paula de Jesus Jorge dos Santos
Claudino Seara Paixão