I- É nula a sentença quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, quer porque não foram suscitadas pelas partes, quer porque não podiam ser conhecidas ex officio.
II- O trabalhador pode resolver o contrato de trabalho com fundamento na falta culposa de pagamento da retribuição que se prolongue por período de 60 dia e não seja razoável exigir-lhe a manutenção da relação laboral.
Proc. 3555/15.1T8FNC.L1 4ª Secção
Desembargadores: Maria Celina Nóbrega - Seara Paixão - -
Sumário elaborado por Isabel Lima
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Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
Relatório
L…, residente habitualmente à Estrada do G…, Edifício Quintas 1, Bloco F - 4.0, Fracção CF, freguesia do C…, concelho de S… veio propor contra C…, Lda, com sede na Avenida A…, freguesia e concelho do F…, a presente acção declarativa condenatória, sob a forma de processo comum, pedindo que esta seja julgada procedente e que, em consequência, seja declarada a cessação do contrato de trabalho entre o Autor e Ré com fundamento em justa causa, com efeitos a partir de 07/07/2014 e condenada a Ré a pagar-lhe o montante global de €15.667,01 €, acrescido da taxa de 4/prct. de juros civis desde a citação até integral pagamento, sendo 773,86 € referente ao ordenado do mês de Abril de 2013; 773,86 € referente ao ordenado do mês de Maio de 2013; 773,86 € referente ao ordenado do mês de Junho de 2013; 773,86 € referente ao ordenado do mês de Julho de 2013; 773,86 € referente ao subsídio de férias do ano de 2012 (vencido em Janeiro de 2013); 773,86 € referente ao direito a férias do ano de 2012 (vencido em Janeiro de 2013); 773,86 € referente ao subsídio de Natal de 2013; 386,93 € (=773,86€: 1/2) referente proporcional de subsídio de férias de 2014 (aferido até 07/07/2014 e que se venceria em Janeiro de 2015); 386,93 (=773,86€:1/2) referente ao proporcional de direito a férias de 2014 (aferido até 07/07/2014 e que se venceria em Janeiro de 2015); 386,93 (=773,86€:1/2) referente ao proporcional do subsídio de Natal de 2014 (aferido até 07/07/20149 e que se venceria em Dezembro de 2014); E 9.109,20 € referente à indemnização/compensação pela resolução do contrato com justa causa aferida a 12 anos e 10 meses de trabalho.
Invocou para tanto, em síntese, que:
- trabalha sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré desde 26/09/2001, tendo sido admitido para exercer funções de Segurança e sendo qualificado profissionalmente como Guarda;
-auferia a quantia de 773,86€ (incluí ordenado de 527,48 €, 133,74 de diuturnidades e 112,64 € de subsídio de alimentação aferido a 22 dias = 5,12E dia);
- sucede que, por falta de pagamento dos salários referente aos meses de Abril, Maio, Junho e Julho de 2013, do subsídio de férias e direito a férias do ano de 2013 e do subsídio de
Natal de 2013, o Autor efectuou a rescisão do contrato de trabalho a 04/07/2014, com efeitos a partir do recebimento da comunicação que ocorreu a 07/07/2014;
- para além do pagamento dos mencionados salários, o Autor ainda tem direito a uma indemnização calculada nos termos do artigo 396° do Código do Trabalho, correspondente a 12 anos e 10 meses de trabalho, no valor de € 9.109,20.
Foi designada a audiência de partes que não se realizou em virtude da Ré não ter comparecido
A Ré não apresentou contestação.
Em 09.10.2015 foi proferida a sentença que finalizou com o seguinte dispositivo:
Nestes termos, julgo a acção parcialmente provada e procedente e, em consequência, condeno a Ré a pagar ao Autor a quantia € 6.577,81 (seis mil e quinhentos e setenta e sete euros e oitenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal desde 21/07/2015 (data da citação), indo a Ré absolvida do demais pedido.
. Custas por Autor e Ré na proporção do respectivo decaimento.
Valor da acção: €15.687, 01.
Registe e notifique.
Inconformado, o Autor recorreu, sintetizando as alegações nas seguintes conclusões:
a) O prazo de 30 dias previsto no artigo 395°, n° 1, do CT para que o trabalhador comunique a resolução do contrato é de caducidade.
b) Nos termos do disposto no artigo 333° do Código Civil a caducidade só é de conhecimento oficioso quando for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes.
c) A doutrina e jurisprudência são maioritárias no sentido de considerar que, uma vez cessada a relação de trabalho, não há indisponibilidade de direitos por banda do trabalhador (em benefício e protecção do qual o legislador consagrou as conhecidas normas de natureza imperativa, que integrem em geral o ordenamento juslaboral, e as consequentes limitações à sua livre disponibilidade de determinados direitos), dificilmente se sustentaria que, visando o estabelecimento do dito prazo de caducidade a salvaguarda de gerais interesses de segurança e certeza jurídicas, com imediata vantagem cautelar para o empregador, não estivesse na plena disponibilidade deste a faculdade de invocar, ou não, em seu preceito, o eventual decurso de tal prazo, como matéria exceptiva.
d) E assim, nos termos do disposto n° 2 deste artigo e do 303° também do Código Civil, tem que ser invocada por aquela parte a quem aproveita, pelo que a caducidade do direito de rescisão do contrato de trabalho constitui uma excepção peremptória que não é de conhecimento oficioso
e) No caso em apreço, não tendo a Ré invocado a caducidade, não se defendendo por excepção, por força do disposto no artigo 333°, n°. 2 do Código Civil, uma vez que não se trata de matéria excluída da disponibilidade das partes, aplica-se a norma do artigo 303° do mesmo Código.
f) E tendo o Tribunal recorrido conhecido oficiosamente da excepção da caducidade do direito de resolução com justa causa, violou o disposto nos artigos 333° e 303° do Código Civil e 579° do NCPC, sendo, por isso, nula nos termos do artigo 615°, n°. 1, al. d) do NCPC, porquanto é manifesto conheceu de uma questão de que não podia tomar conhecimento.
g) Razão pela qual, declarando-se nula a sentença na parte recorrida, deverá ser dado total procedimento à acção, condenando-se a Ré também na indemnização a quantia global de 9.109,20 € referente à Indemnização/Compensação pela resolução do contrato com justa causa aferida a 12 anos e 10 meses de trabalho.
Termina pedindo que se declare nula a sentença recorrida, por violação dos artigos 333 e 305 do Código Civil Civil e 579° do NCPC e que seja substituída por outra que julgue totalmente procedente o pedido do Autor.
Não foram apresentadas contra alegações.
O recurso foi admitido na forma, com o modo de subida e efeito adequados.
O Mm° Juiz do Tribunal a quo pronunciou-se sobre a arguida nulidade da sentença nos seguintes termos:
No requerimento de interposição do recurso, o recorrente alega a nulidade da sentença, por ter conhecido de questão que ao tribunal estava vedado conhecer.
Decidindo:
Em nosso entendimento, o prazo para resolução do contrato de trabalho com justa causa não consubstancia um prazo de caducidade, mas sim um prazo substantivo de validade da resolução, isto é, um requisito formal para a verificação da licitude do despedimento.
Com efeito, nos termos do n° 3 do art. 394° do CT, a justa causa é apreciada nos termos do n ° 3 do artigo 351°.
E nos termos do n° 1 do art. 351°, Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Assim, o prazo para a resolução do contrato está relacionado com a natureza do imediatismo necessário ao conceito de justa causa.
Na verdade, não pode considerar-se que o facto torna imediatamente impossível a relação laboral se o trabalhador prolonga a mesma relação para além do prazo legalmente estipulado para a resolução.
E a apreciação da existência de justa causa de resolução era o objecto do litigio submetido a juízo, pelo que dele podia e devia o juiz conhecer, sendo que o juiz não está sujeito às alegações de direito formuladas pelas partes e o facto foi alegado pelo autor ora recorrente.
Por conseguinte, considero não ter ocorrido a referida nulidade.
Neste Tribunal, a Exma Srª Procuradora- Geral Adjunta lavrou parecer no sentido do recurso ser julgado procedente.
Notificado o Autor do mencionado parecer não respondeu.
Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir
Objecto do recurso
Sendo pacífico que o âmbito do recurso é limitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. arts. 635° n° 4 e 639° do CPC, ex vi do n° 1 do artigo 87° do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608° n° 2 do CPC), nos presentes autos importa saber:
1ª- Se a sentença recorrida enferma de nulidade por excesso de pronúncia.
2ª- Se ao Autor assiste o direito de ser indemnizado no valor de 9.102,20€ pela resolução do contrato de trabalho, com fundamento em justa causa.
Fundamentação de facto
A sentença recorrida considerou provada a seguinte factualidade:
1°-O Autor foi admitido ao serviço da Ré em 26/09/2001, para trabalhar sob a autoridade, direcção e fiscalização desta.
2°- Mediante a retribuição base mensal que ultimamente era de € 527,48€, acrescida de €133,74 de diuturnidades e do subsídio de refeição de € 112,64.
3°- O contrato de trabalho cessou por iniciativa do trabalhador em 07/07/2014 sob invocação de resolução com justa causa por falta de pagamento dos salários relativos a desde Abril a Julho de 2013 e do subsídio de férias e direito a Férias e do subsídio de Natal de 2013.
Fundamentação de direito
Tendo o Autor observado o disposto no artigo 77° do CPT, apreciemos, então, a primeira questão suscitada no recurso e que consiste em saber se a sentença recorrida enferma de nulidade por excesso de pronúncia.
Dispõe a al. d) do n° 1 do artigo 615° do CPC que a sentença é nula quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Sobre esta causa de nulidade escrevem José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Antotado, pag.670: Não podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de excepções na exclusiva disponibilidade das partes (art. 660°-2) é nula a sentença em que o faça.
Sobre a pronúncia indevida, ensina o Professor Alberto dos Reis, no Código de Processo Civil Anotado, Vol.V, pag. 143: O juiz conheceu na sentença, de questão, de que não podia tomar conhecimento. Quando isso suceder, a sentença é nula.
É evidente que esta nulidade está em correlação com o 2° período da 2ª alínea do art.660° Proíbe-se aqui ao juiz que se ocupe de questões que as partes não tenham suscitado, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso. Portanto a nulidade prevista na 2ª parte do n° 4 do artigo 668° desenha-se assim: A sentença conheceu de questões que nenhuma das partes submeteu à apreciação do juiz. Mas não existe nulidade, se por lei o juiz tinha o poder ou o dever de conhecer ex officio da questão respectiva.
E como se afirma no Acórdão do STJ de 18.10.2012, in www.sgsi.pt I - Há excesso de pronúncia sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não se identifique com o pedido.
Ora, sendo este o alcance e significado da nulidade da sentença a que alude a 2a parte da al. d) do n° 1 do artigo 615° do CPC vejamos se o Mm° Juiz do Tribunal a quo conheceu de questão de que não podia conhecer.
A este propósito invoca o recorrente, em resumo, que o prazo de 30 dias previsto no artigo 395°, n° 1, do CT para que o trabalhador comunique a resolução do contrato é de caducidade e nos termos do disposto no artigo 333° do Código Civil a caducidade só é de conhecimento oficioso quando for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes, o que não sucede no caso.
Assim, não tendo a Ré invocado a caducidade, não se defendendo por excepção, por força do disposto no artigo 333°, n°. 2 do Código Civil, uma vez que não se trata de matéria excluída da disponibilidade das partes, aplica-se a norma do artigo 303° do mesmo Código, pelo que tendo o Tribunal recorrido conhecido oficiosamente da excepção da caducidade do direito de resolução com justa causa, violou o disposto nos artigos 333° e 303° do Código Civil e 579° do NCPC, sendo, por isso, nula a sentença, nos termos do artigo 615°, n°. 1, al. d) do CPC porquanto é manifesto que conheceu de uma questão de que não podia tomar conhecimento.
Entendeu o Tribunal a quo que não se verifica a invocada nulidade pelas razões acima citadas.
Vejamos:
Nos presentes autos o Autor, invocando ter resolvido o contrato de trabalho com fundamento em justa causa, pediu a condenação da Ré no pagamento de créditos salariais em atraso no valor de €6.577,81, bem como no pagamento de uma indemnização correspondente a 12 anos e 10 meses de antiguidade.
A Ré não contestou a acção, pelo que o Tribunal a quo, invocando o disposto no artigo 57° n° 1 do CPT, considerou confessados os factos alegados pelo Autor que enunciou e conheceu dos pedidos formulados pelo Autor nos seguintes termos:
São requisitos legais para a licitude da resolução do contrato com justa causa e consequente direito à compensação legal, nos termos dos art. 394°, n° 5 e 395°, n° 1 e 2, do CT, que a mora no pagamento das retribuições se prolongue por mais de 60 dias e menos de 90 dias.
Ora, como se constata dos factos provados, a ultima prestação salarial em mora venceu-se em Novembro de 2013 (subsídio de Natal) e o último salario de Julho de 2013, tendo a resolução do contrato de trabalho ocorrido em 7 de Julho de 2014.
Assim, nessa última data já o Autor não possuía o direito à resolução com justa causa, pelo que esta terá de se considerar ilícita para efeitos indemnizatórios, devendo por isso improceder o respectivo pedido.
E havendo a acção de proceder quanto ao demais, dou por reproduzida, ao abrigo do n° 2 da mesma disposição legal do CPT, a fundamentação constante da petição inicial, à qual adiro integralmente.
Sobre a questão de saber se a caducidade do direito de resolução do contrato de trabalho com fundamento em justa causa é de conhecimento oficioso pronunciou-se o Acórdão deste Tribunal e Secção de 18.05.2016, proferido no Processo n° 320/15.0T8FNC.L1 no qual a ora relatora interveio como 2a adjunta e no qual se afirma:
Como ficou dito, a lei confere ao trabalhador o direito a rescindir o contrato de trabalho caso ocorra justa causa para isso, o que só pode fazer por comunicação escrita dirigida ao empregador, com indicação sucinta dos factos que a justificam, no prazo de 30 dias subsequentes ao conhecimento desses factos.
Quando a lei estabelece que um direito deve ser exercido dentro de certo prazo este considera-se de caducidade, a menos que a mesma refira expressamente que o é de prescrição, uma vez que a lei nada refere acerca da natureza daquele prazo, forçoso é concluir que se trata de um prazo de caducidade e não de prescrição.
Convém ainda à boa solução da questão sub iudicio lembrar que a cessação do contrato de trabalho é um direito disponível (também) para o trabalhador, pois que o mesmo pode acordar com o empregador a sua cessação.
Finalmente, importa referir que a caducidade é apreciada oficiosamente pelo tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo, se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes, pelo que, consequentemente, se for estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes, é aplicável à caducidade o disposto no arte 303. °. Ou seja, o tribunal não pode suprir, de oficio, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público .
Ora, como certeiramente se refere nas conclusões do recurso, a ré não invocou factos que tendessem a demonstrar a caducidade do direito da recorrente rescindir o contrato de trabalho que com ela mantinha e, assim sendo, é pacífico o Tribunal não poderia dela conhecer, como conheceu. Daí que mais adiante cumpra apreciar se à recorrente assistia causa para assim proceder e quais as consequências daí decorrentes.
Regressando ao caso dos autos constata-se que a Ré não contestou, não tendo, assim, invocado quaisquer factos demonstrativos da caducidade do direito do Autor rescindir o contrato de trabalho, pelo que não podia o Tribunal a quo dela ter conhecido.
Em consequência, é nula a sentença por excesso de pronúncia na medida em que conheceu de questão que não foi invocada pelas partes e que não é de conhecimento oficioso, nulidade que, desde já, se declara.
Contudo, dispõe o n° 1 do artigo 665° do CPC que ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objecto da apelação, o que nos leva à apreciação da segunda questão suscitada no recurso.
Apreciemos, então, se ao Autor assiste o direito de ser indemnizado no valor de 9.102,20€ pela resolução do contrato de trabalho, com fundamento em justa causa, sendo certo que ao caso é aplicável o Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei n° 7/2009, de 12 de Fevereiro.
Dispõe o artigo 394° do CT/2009 sob a epígrafe justa causa de resolução:
1- Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.
2- Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente os seguintes comportamentos do empregador:
a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição;
b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador;
c) Aplicação de sanção abusiva;
d) Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho;
e) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador;
f) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do
trabalhador, punível por lei, praticada pelo empregador ou seu representante.
3- Constituem ainda justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador;
a) Necessidade de cumprimento de obrigação legal incompatível com a continuação do contrato;
b) Alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício lícito de poderes do empregador;
c) Falta não culposa de pagamento pontual da retribuição.
4- A justa causa é apreciada nos termos do n° 3 do artigo 351°, com as necessárias adaptações.
5°- Considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo .
A propósito do artigo 394° do CT/2009 escreve Maria do Rosário Palma Ramalho, in Direito do Trabalho, Parte II - Situações Laborais Individuais, pag.1007: as situações de justa causa, indicadas para efeitos de resolução do contrato de trabalho, no artigo 394° n° 2 e 3 reconduzem-se a duas categorias. as situações de justa causa subjectiva (art.394° n° 2) cujo enunciado é assumidamente exemplificativo e as situações de justa causa objectiva (394° n° 3). As situações de justa causa subjectiva reportam-se a comportamentos do empregador que traduzem uma violação culposa dos seus deveres. Para este efeito relevam entre outros, os seguintes comportamentos:
i) Comportamentos de violação de deveres contratuais, como a falta culposa do pagamento pontual da retribuição ou a violação das garantias convencionais do trabalhador (als.a) e b) do n ° 2 do artigo 394 e ainda n ° 5 do artigo 394°.
ii)Comportamentos de violação de deveres legais, como a violação das garantias legais do trabalhador, a aplicação de sanção abusiva (nos termos do artigo 331 do CT), ou o incumprimento culposo de deveres atinentes à segurança, higiene e saúde no trabalho (als. b) c), e d) do n ° 2 do artigo 394 °
iii) Comportamentos de deveres gerais, como a lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador, as ofensas à integridade física ou moral, à liberdade, à honra ou dignidade do trabalhador, puníveis por lei e que tenham sido praticadas pelo empregador (ais. c)e J) do n ° 2 do artigo 394CT.
E a fls.1010 e 1011 da mesma obra lemos: para aferição concreta da justa causa, a lei manda atender aos critérios de apreciação da justa causa disciplinar (arL 394° n° 4), que são indicados pelo artigo 351 ° n° 3 com as necessárias adaptações (...) A jurisprudência tem acentuado a necessidade da presença de três requisitos para que se configure uma situação de justa causa subjectiva para a resolução do contrato:
i) Um requisito objectivo, que é o comportamento do empregador violador dos direitos ou garantias do trabalhador;
ii) Um requisito subjectivo, que é a atribuição, desse comportamento ao empregador a título de culpa. Contudo, no que se refere ao requisito da culpa é de presumir a sua verificação, uma vez que estamos no âmbito da responsabilidade contratual, ou seja, por aplicação da regra geral do artigo 799° do CC. Desta presunção decorre o ónus da prova do empregador demonstrar que a situação subjectiva de justa causa alegada pelo trabalhador não procedeu de um comportamento culposo.
iii) Um terceiro requisito que relaciona aquele comportamento com o vínculo laboral, no sentido de tornar imediata e praticamente impossível para o trabalhador, a subsistência desse vínculo (ou seja, em termos comparáveis aos da justa causa subjacente ao despedimento disciplinar). Este requisito retira-se da exigência legal de que a resolução do contrato seja promovida num lapso de tempo muito curto (30 dias sobre o conhecimento desses factos pelo trabalhador, nos termos do artigo 395° n° 1) mas não pode deixar de ser reconduzido à ideia de simples inexigibilidade da manutenção do vínculo laboral.
Assim, como se afirma no Acórdão do STJ de 1.10.2015, in www.dgsi.pt Os requisitos da resolução contratual pelo trabalhador, em caso de violação culposa dos deveres do empregador são: (i) Um comportamento (ilícito) do empregador violador dos seus direitos ou garantias; (ii) Imputação desse comportamento a título de culpa, a qual se presume, nos termos do art. 799. °, n.° 1, do C. Civil; (iii) Inexigibilidade da manutenção do vínculo laboral, o que equivale a impor que a conduta do empregador, pela sua gravidade e à luz das regras de boa fé, torne imediata, prática e definitivamente impossível a subsistência do vínculo laboral.
Também elucida o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02.03.2011, in www.dgsi.pt, que o trabalhador pode resolver o contrato de trabalho, sem observância de pré-aviso, e com direito a indemnização, se se verificar um comportamento que seja imputável à entidade empregadora, a título de culpa, e que esse comportamento, pela sua gravidade e consequências, torne inexigível a manutenção do vínculo laboral.
(...) Embora os dois conceitos de justa causa (a invocada pelo empregador e a invocada pelo trabalhador) não devam considerar-se absolutamente simétricos ou idênticos, embora o trabalhador não disponha das formas de reacção alternativas de que dispõe o empregador, entendemos que não basta verificar-se um incumprimento qualquer ou qualquer falta imputável ao empregador, a título de culpa, para o trabalhador poder resolver com justa causa o seu contrato de trabalho, com direito a indemnização. Para existir justa causa é necessário que se verifique uma infracção grave em si mesma ou nas suas consequências, imputável ao empregador, a título de culpa, que torne inexigível para o trabalhador a manutenção da sua relação contratual, embora o limiar da gravidade do incumprimento do empregador (na resolução do contrato) se possa situar abaixo do limiar do incumprimento do trabalhador (no despedimento com justa causa) .
Por outro lado, apenas as situações qualificadas como justa causa subjectiva (as referidas nas alíneas do n° 2 do artigo 394° do CT) conferem ao trabalhador o direito a uma indemnização a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades, sendo que no caso de fracção de ano de antiguidade, o valor da indemnização é calculado proporcionalmente (art.396° n°s 1 e 2 do CT).
Ora, regressando ao caso dos autos impõe-se afirmar que estamos perante um caso de resolução previsto no n° 2 do artigo 394° do CT- falta culposa de pagamento pontual de retribuição al.a) do n° 2).
Com efeito, de acordo com o n° 5 do artigo 394° do CT considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue pelo período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo .
Como se sabe este preceito consagra uma presunção de culpa de juris et de jure, não admitindo, por isso, prova em contrário.
Também no sentido de que o n° 5 do artigo 394° consagra uma presunção juris et de jure pronuncia-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21.02.2011, in www.dgsi.p.t, em cujo sumário lemos:
I. No âmbito de vigência do Código do Trabalho de 2009 (CT/2009), o direito à resolução do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador com justa causa sustentada na falta de pagamento da retribuição, seja ela inferior ou superior a 60 dias, tem por fundamento legal, apenas, o art. 394° do mencionado diploma.
II. Sendo inferior a 60 dias, a falta presume-se culposa (art. 799° n° 1, do Cód. Civil), presunção essa ilidível.
III. Prolongando-se por 60 dias ou mais, a falta considera-se culposa (art. 394° n° 5, do CT/2009), no que consiste uma presunção de culpa inilidível
Assim, considerando que a Ré confessou a falta de pagamento dos salários do Autor desde Abril a Julho de 2013, do subsídio de férias e direito a férias e do subsídio de Natal de 2013 e sendo certo que o contrato de trabalho cessou por iniciativa do trabalhador em 07/07/2014, dúvidas não existem de que estamos perante uma falta culposa de pagamento pontual da retribuição, causa de resolução do contrato pelo trabalhador, conforme dispõe a al.a) do n° 2 do artigo 394° do CT.
Contudo e como escreve Pedro Furtado Martins, in Cessação do Contrato de Trabalho, 3a Edição, pag.537: Mas, por outro lado, também nos parece que não basta o mero atraso no pagamento de qualquer prestação retributiva, mesmo que por mais de 60 dias, para concluir que o comportamento do empregador-sendo embora culposo, dada a presunção decorrente do artigo 394° 5 constitui necessariamente justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador. (...)
Na verdade, para que haja lugar à resolução do contrato com justa causa é necessário, ainda, que se torne inexigível ao trabalhador a manutenção da sua relação contratual (art.394° n° 4 do CT), requisito que se extrai dos autos, considerando o lapso de tempo em que se manteve o incumprimento da Ré e as consequências que tal falta de pagamento acarreta para qualquer trabalhador e respectivo agregado familiar.
Assim, perante tais circunstâncias entendemos não ser razoável exigir ao Autor que mantivesse a relação laboral com a Ré, tanto mais que esta nem contestou a acção, não pondo em causa a verificação deste requisito.
Assim sendo, assiste ao Autor o direito à indemnização a que alude o artigo 396° n° 1 do CT.
E para a determinação do quantum da indemnização importa considerar que não ficaram apuradas as razões que levaram ao incumprimento da Ré, pelo que o grau de ilicitude do seu comportamento deverá considerar-se médio e que, atento o valor da retribuição auferida pelo Autor, esta deve ser tida como média, motivos pelos quais deverão ser considerados 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano de antiguidade.
Assim, tendo ficado provado que o Autor foi admitido ao serviço da Ré em 26/09/2001 e que o contrato de trabalho cessou em 07/07/2014, ao Autor é devido a título de indemnização o valor de €8.648,65 apurado do seguinte modo: € 661,22 x 12 anos + (661,22 x 10:12).
Em consequência, procede parcialmente o recurso impondo-se a alteração da sentença recorrida na parte em que não declarou a cessação do contrato de trabalho existente entre Autor e Ré com fundamento em justa causa e absolveu a Ré do pagamento da indemnização.
Considerando o disposto no artigo 527° n°s 1 e 2 do CPC, as custas do recurso são da responsabilidade de ambas as partes na proporção do respectivo decaimento.
Decisão
Em face do exposto, acordam os Juízes deste Tribunal e Secção em julgar parcialmente procedente o recurso e, em consequência, alteram a sentença recorrida e:
- declaram a resolução com fundamento em justa causa do contrato de trabalho existente entre Autor e Ré, com efeitos a partir de 7.7.2014;
-condenam a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 8.648,65 a título de indemnização, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação e até integral pagamento.
-No mais, mantêm a sentença recorrida.
Custas por ambas as partes na proporção do decaimento.
Lisboa, 1 de Junho de 2016
Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Paula de Jesus Jorge dos Santos
Claudino Seara Paixão