Constitui justa causa de despedimento o comportamento do trabalhador que se traduziu na exibição do seu pénis, no tempo e local de trabalho, a uma trabalhadora de uma empresa terceira, que procedia, na altura, como era habitual, à limpeza das instalações da entidade empregadora, pois face a esse comportamento grave, voluntário, intencional, culposo e (presumivelmente) causador de prejuízos imediatos de imagem para a empresa, para mais numa ilha como Santa Maria, no arquipélago e região dos Açores, não era exigível à Ré a manutenção do vínculo laboral, sendo perfeitamente adequada e proporcional a aplicação da sanção disciplinar máxima e não conservatória do vínculo laboral.
Proc. 126/15.6T8VPT.L1 4ª Secção
Desembargadores: José Eduardo Sapateiro - - -
Sumário elaborado por Isabel Lima
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RECURSO DE APELAÇÃO N.° 126/ 15.6T8VPT.L1 (4.a Secção)
Apelante: J…
Apelado: M…, SA (Processo n.° 126/ 15.6T8VPT - Comarca dos Açores - Vila do Porto - Instância Local - Secção com Competência Genérica - Juiz 1)
DECISÃO SUMÁRIA NOS TERMOS DO ARTIGO 656.° DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
I - RELATÓRIO
J…, portador do CC n.° …, emitido a 6 de Julho de 2016 e NIF n.° …, residente no Lugar de Santana, sem número, freguesia e concelho de V…, …V… veio através do preenchimento e entrada do formulário próprio, propor, em 12/11/2015, ação especial regulada nos artigos 98.°-B e seguinte do Código do Processo do Trabalho, mediante a qual pretende impugnar a regularidade e licitude do despedimento de que foi alvo pela sua entidade empregadora M…, SA, com o NIPC n.° … e sede na A… Lisboa.
Designada data para audiência de partes, por despacho de fls. 12, que se realizou, com a presença das partes (fls. 19 e 20) - tendo a Ré sido citada para o efeito a fls. 14, por carta registada com Aviso de Receção - não foi possível a conciliação entre as mesmas.
Regularmente notificada para o efeito, a Ré apresentou articulado motivador do despedimento nos moldes constantes de fls. 29 e seguintes e juntou o procedimento disciplinar em papel, tendo naquele alegado, em síntese, quanto ao fundamento do despedimento, que o trabalhador desde o inicio de 2014 vinha a demonstrar frequentes alterações de comportamento, o que contrastava com a sua normal postura, mais calma e introvertida, sendo que nessas ocasiões tecia considerações sobre a gestão da empresa.
Mais alegou que no dia 06/05/2015, no edifício velho da PT, Vila do Porto, encontrava-se a desempenhar trabalhos de limpeza a colaboradora da empresa S..., Sra. Á… e que pelas 10h 15m, enquanto varria o chão do armazém pequeno, antiga cozinha do referido edifício, aquela ouviu bater no vidro da janela sendo que ao olhar deparou-se com o trabalhador a mostrar o pénis e que com tal conduta o Autor revelou de forma consciente, deliberada e reiterada um comportamento desadequado e ofensivo, actuando de forma totalmente contrária às regras da empresa, de urbanidade, civismo e correcção com todos aqueles com quem profissionalmente tenha de contactar, violando de forma dolosa e grave o disposto no artigo 128.° do Código do Trabalho;
- A conduta grave e culposa do trabalhador preenche o disposto no n.° 1 e n.° 2, do art.° 351.° do CT, e, pela sua extrema gravidade e consequências é configurada como justa causa de despedimento por parte da entidade empregadora, por representar violação dolosa das obrigações constantes do contrato de trabalho, uma vez que coloca de forma irremediável em causa o vínculo da relação de confiança da empresa para com o Autor, não podendo a empresa manter ao seu serviço um colaborador de que forma ostensiva ofende a atenta sexualmente contra uma colega que presta serviço à sua entidade patronal, razão pela qual se se justificou o despedimento.
- A decisão final foi proferida considerando que inexistem quaisquer nulidades que afectem o processo disciplinar, pelo que considera que a decisão de o despedir é legítima, fundada, proporcional e adequada à sua gravidade e consequências.
- Termina pugnando seja a oposição ao despedimento manifestada pelo Autor infundada, confirmando-se a sanção de despedimento.
Notificado para o efeito, o Autor contestou a motivação da Ré pela forma expressa no articulado de fls. 139 a 154, alegando que só os factos constantes da nota de culpa podem ser invocados na decisão e que a acusação formulada na mesma é insubsistente, por falta de qualquer prova.
E na presente acção a Ré só pode alegar factos constantes da sua decisão, negando os factos constantes dos n.°s 3 a 5 da nota de culpa.
Mais alegou que foi admitido ao serviço em 16/11/1986 e sempre exerceu as sus funções sem o menor reparo no exercício profissional.
Impugna a generalidade dos factos constantes da nota de culpa e da decisão de despedimento;
A sanção aplicada mostra-se desajustada à situação concreta dos autos; Termina pedindo ao tribunal que declare o despedimento ilícito.
Foi proferido, a fls. 167 a 171 e no quadro da Audiência Prévia designada por despacho de fls. 155, despacho saneador, onde se considerou válida e regular a instância, se relegou para final a fixação do valor da ação, fixou-se o objeto do litígio e enunciou-se os temas da prova, se admitiu os róis de testemunhas, deferiu-se a gravação da prova a produzir na Audiência de Discussão e Julgamento, cuja data foi designada.
Procedeu-se à realização da Audiência de Discussão e Julgamento, com observância das legais formalidades, conforme melhor resulta da respetiva ata (fls.174 a 177), tendo a prova aí produzida sido objeto de registo-áudio.
Foi então proferida a fls. 178 a 197 e com data de 18/03/2016, sentença que, em síntese, decidiu o litígio nos termos seguintes:
Pelo exposto decido:
I - Declarar a licitude do despedimento do trabalhador, J…, efectuado pela empregadora M… S.A.
II - Absolver a empregadora … S.A. do demais peticionado.
Custas pelo trabalhador, sem prejuízo do disposto no artigo 4.° al. h) do RCP.
Fixo à causa o valor global de 2.001,00 C.
Registe e notifique.»
O Autor J…, inconformado com tal sentença, veio, a fls. 205 e seguintes, interpor recurso da mesma, que foi admitido a fls. 232 dos autos, como de Apelação e a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo de acordo com as disposições indicadas em tal despacho.
O Apelante apresentou, a fls. 207 e seguintes, alegações de recurso e formulou as seguintes conclusões:
I. Entende o Apelante que a Sentença aqui objecto de Recurso, enferma de erros de julgamento da matéria de facto, bom como, de erros na interpretação e aplicação das normas jurídicas, pelo que carece, com o devido respeito, de ser revogada e substituída por outra, conforme a Lei e a Justiça.
II. Foi provado que: (...)2 - No dia 6-5-2015, no Edifício da PT SITO EM Vila do porto, ilha de Santa Maria, encontrava-se a desempenhar trabalhos de limpeza a colaboradora da empresa S..., Sra. Á…, portanto prestadora de serviços; 3 - Pelas 10h 15m, enquanto varria o chão do armazém pequeno, antiga cozinha, do referido edifício, a Sra. A… ouviu bater no vidro da janela da referida divisão, a qual se encontrava aberta; 4- Ao olhar para a janela a colaboradora da S... deparou com o autor a mostrar o pénis, 5 - Assustada com a situação a Sra. Á…, fugiu da divisão em causa, em busca de auxílio, tendo alertado o chefe do Autor para a situação ocorrida; 6- Aquele comportamento do Autor levou-a a sair de imediato do Edifício, participando à empresa S... o ocorrido e apresentando a sua recusa de prestar serviço, naquele local, derivado do receio provocado pela conduta do Autor(...).
III. O tribunal a quo fundamentou a sua convicção na globalidade da prova documental junta aos autos e no depoimento das testemunhas.
IV. A testemunha Á…, num depoimento, reputado pelo tribunal a quo, como bastante emotivo, sincero e verdadeiro disse no essencial que:
V. Estava a limpar a PT, naquele dia, ali o Sr. J… teve-me ajudando a deitar o lixo fora, estávamos a reciclar o lixo (...) Depois ele foi lá para fora e eu continuei lá a varrer e...donde ele foi para a janela e bateu na janela. Eu olhei para ver o que é que ele queria (...) quando eu vejo deitar a mão à braguilha e tirar o pénis para fora. (...)
VI. Eu fui chamar o Sr. L… e o Sr. R… para ver o que ele estava a fazer, no entanto quando ele me viu, eu a fugir, a ir chamá-los, ele num instante ficou ao pé de mim, do Sr. L… e do Sr. R...(...)
VII. Eu fiquei muito nervosa, porque com a idade que tenho nunca me vi numa situação dessas. (…)”, conforme depoimento da testemunha A…, ficheiro 20160311155842_78355 com início, no que releva, no minuto 02:13 e fim no minuto 03:13, do dia 11/03/2016.
VIII. Sucede que, a valoração de um depoimento pelo julgador tem sempre um certo conteúdo subjectivo.
IX. Neste caso concreto, o depoimento da referida testemunha, não está apoiado nos restantes elementos de prova carreados para os autos, designadamente, na restante prova testemunhal, nem na prova documental, como é o caso do processo disciplinar instaurado contra o trabalhador.
X. Não se pode dizer, obviamente, que a testemunha tenha qualquer interesse na causa, contudo
XI. Foi a testemunha que denunciou o suposto comportamento do ora Apelante.
XII. Que deu origem à nota de culpa adicional ao processo disciplinar instaurado contra o mesmo.
XIII. Que diga-se, já tinha como finalidade o despedimento do ora Apelante.
XIV. Embora a nota de culpa enviada ao trabalhador em 26/06/2014 e os factos constantes da mesma tenham sido considerados caducados pelo tribunal, a verdade é que, é na sequência dos factos novos constantes desta nota de culpa adicional,
XV. Que se chega ao despedimento do Apelante, apesar da referida nota de culpa adicional, também se alicerçar em vários factos, não provados pelo tribunal a quo.
XVI. Acresce ao acima mencionado que, todas as outras testemunhas arroladas, não presenciaram os factos.
XVII. Com se sabe, não basta o diz que disse para sustentar uma acusação, muito menos para dar como provado determinados factos, em sede de audiência de discussão e julgamento.
XVIII. Perante a dúvida instalada, uma vez que o ora Apelante sempre negou ter praticado tais factos, impunha-se decisão diversa da proferida pelo tribunal a quo.
XIX. Não existe mais ninguém que comprove o alegadamente sucedido.
XX. Não basta acusar, tem que se provar que, determinado facto, aconteceu efectivamente.
XXI. Face ao exposto, não devia ter resultado provado que o ora apelante mostrou o pénis à testemunha Á....
XXII. Por outro lado, a sentença recorrida em momento algum refere que o alegado comportamento do Apelante tenha violado a integridade física e moral da mesma, bem como, a sua dignidade.
XXIII. Entende assim o apelante que em momento algum a entidade patronal provou, como lhe cumpria, existirem factos que motivassem a justa causa de despedimento.
XXIV. Face ao exposto, devia o Tribunal a quo, ter considerado não provado que o ora Apelante mostrou o pénis à testemunha Á....
XXV. No essencial e sucintamente, entendeu o Tribunal a quo que: Ora, no caso em apreço, face à matéria de facto dada como provada e supra elencada, não restam dúvidas que os factos que o trabalhador é acusado e referidos na segunda Nota de Culpa datada de 18 de Junho de 2015, em que lhe é comunicada a intenção de a Ré proceder ao seu despedimento com justa causa, resultaram amplamente demonstrados.
Na verdade, ponderando toda a factualidade que se apurou em Juízo, podemos concluir com segurança que, com as suas supra descritas condutas o trabalhador desrespeitou e não tratou com urbanidade e probidade as pessoas que se relacionam com a empresa. A actuação do trabalhador é pois altamente censurável e assim, não se podem ter como falsas as imputações do processo disciplinar que culminou com o seu despedimento. As descritas faltas graves cometidas pelo trabalhador, tomam, em nosso entender, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho e integram por isso o conceito de justa causa de despedimento. Pelo que, face à gravidade do ilícito praticado não é exigível que entidade empregadora tenha de manter um trabalhador, que no seu local de trabalho mostra os seus órgãos genitais. Considero assim que o trabalhador violou o seu dever de respeito, urbanidade e probidade contido no artigo 128.° alínea a) do actual Código do Trabalho, sendo pelas razões expostas, licita a sanção de despedimento aplicada pela entidade empregadora.
XXVI. Salvo o merecido respeito que é muito, não se pode concluir, como na Sentença ora em crise, que o Apelante tenha tido algum comportamento que pela sua gravidade e consequências pudesse justificar a aplicação da sanção disciplinar máxima - o despedimento.
XXVII. Na verdade, nos termos do artigo 351°, n° 1, do C.T. constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
XXVIII. Prevê-se na referida disposição legal, um elenco exemplificativo de comportamentos susceptíveis de constituírem justa causa, desde que reconduzíveis ao conceito consagrado no n.° 1 do referido preceito legal.
XXIX. É entendimento generalizado da doutrina e jurisprudência que são requisitos da existência de justa causa do despedimento: a) um elemento subjetivo, traduzido no comportamento culposo do trabalhador violador dos deveres de conduta decorrentes do contrato de trabalho; b) um elemento objetivo, nos termos do qual esse comportamento deverá ser grave em si e nas suas consequências, de modo a determinar (nexo de causalidade) a impossibilidade de subsistência da relação laboral, reconduzindo-se esta à ideia de inexigibilidade da manutenção vinculística.
XXX. Requisitos esses que, no entendimento do Apelante, não se verificam no caso concreto.
XXXI. Nomeadamente, a impossibilidade de subsistência da relação laboral.
XXXII. Quanto ao comportamento culposo do trabalhador, o mesmo pressupõe um comportamento (por acção ou omissão) imputável ao trabalhador, a título de culpa, que viole algum dos seus deveres decorrentes da relação laboral.
XXXIII. O procedimento do trabalhador tem de ser imputado a título de culpa, embora não necessariamente sob a forma de dolo.
XXXIV. Porém, não basta um qualquer comportamento culposo do trabalhador, mostrando-se necessário que o mesmo, em si e pelas suas consequências, revista gravidade suficiente que, num juízo de adequabilidade e proporcionalidade, determine a impossibilidade da manutenção da relação laboral, justificando a aplicação da sanção mais gravosa.
XXXV. Gravidade essa que no caso concreto, não existe.
XXXVI. Embora a entidade empregadora crie essa aparência numa nota de culpa adicional, ao melhor estilo fato à medida.
XXXVII. Com efeito, necessário é também que a conduta seja de tal modo grave que não permita a subsistência do vínculo laboral, avaliação essa que deverá ser feita, segundo critérios de objectividade e razoabilidade, segundo o entendimento de um bom pai de família, em termos concretos, relativamente à empresa, e não com base naquilo que a entidade patronal considere subjectivamente como tal.
XXXVIII. Impõe o artigo 351°, n° 3, do C.T. que se atenda ao quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que ao caso se mostrem relevantes.
XXXIX. Diz Maria do Rosário da Palma Ramalho, in TRATADO DE DIREITO DO TRABALHO, PARTE II - Situações Laborais Individuais, 5.a Edição, p. 955, que o comportamento do trabalhador deve ser culposo, podendo corresponder a uma situação de dolo ou de mera negligência. Nos termos gerais, será de qualificar como culposa a actuação do trabalhador que contrarie a diligência normalmente devida, segundo o critério do bom pai de família, mas o grau de exigência exigido ao trabalhador depende também, naturalmente, do seu perfil laboral especifico (assim consoante seja um trabalhador indiferenciado ou especializado, um trabalhador de base ou um técnico superior, o grau de diligência varia).
XL. Como resulta provado, o Apelante é um Técnico de Telecomunicações a exercer funções na Estação de Telecomunicações de Vila do Porto, Ilha de Santa Maria, Açores.
XLI. O grau de exigência da sua actuação é menor, comparando, por exemplo com um técnico superior.
XLII. Quanto à impossibilidade prática de subsistência da relação laboral, a mesma verifica-se por deixar de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento da relação laboral, quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, de tal modo que a subsistência do vínculo laboral representaria uma exigência desproporcionada e injusta, mesmo defronte da necessidade de protecção do emprego, não sendo no caso concreto objectivamente possível aplicar à conduta do trabalhador outras sanções, na escala legal, menos graves que o despedimento.
XLIII. Tal como ensina Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 8.& Edição, Vol. I, p. 461, que se verificará a impossibilidade prática da manutenção do contrato de trabalho sempre que não seja exigível da entidade empregadora a manutenção de tal vínculo por, face às circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações pessoais e patrimoniais que ele implica, representem uma insuportável e injusta imposição ao empregador.
XLIV. E, conforme doutrina e jurisprudência uniforme, tal impossibilidade ocorrerá quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, porquanto a exigência de boa-fé na execução contratual (arts. 126.°, n.° 1, do C.T. e 762.° do C.C.) reveste-se, nesta área, de especial significado, uma vez que se está perante um vínculo que implica relações duradouras e pessoais.
XLV. O apontado nexo de causalidade exige que a impossibilidade da subsistência do contrato de trabalho seja determinada pelo comportamento culposo do trabalhador.
XLVI. Importa, também, ter em conta de entre o leque de sanções disciplinares disponíveis, o despedimento representa a mais gravosa, por determinar a quebra do vínculo contratual, devendo ela mostrar-se adequada e proporcional à gravidade da infracção.
XLVII. Acresce ao acima mencionado que sobre o empregador impende o ónus da prova da justa causa do despedimento.
XLVIII. Prova essa que não foi feita.
XLIX. Sempre se dirá também que, resultou provado que o Apelante foi admitido ao serviço da entidade empregadora em 16/11/1986 e sempre exerceu as suas funções sem o menor reparo no exercício profissional.
L. Só perante comprovada inadequação de medida conservatória ou correctiva - cujo ónus da prova impende sobre a entidade empregadora - que não afecte (antes viabilize) a permanência do vínculo laboral é jurídico-constitucionalmente caucionável uma sanção expulsiva. E,
LI. No caso do Apelante, não existe esta caução jurídico-constitucional.
LII. Seguindo a lição do Prof. Gomes Canotilho [Direito Constitucional, Almedina, 1992, pág. 378 - citado no Parecer n° 71/94 da Procuradoria-Geral da República (in Pareceres da Procuradoria-Geral da República, Vol. W, págs. 439/440)] podemos sustentar que:- O princípio da adequação impõe que a medida (em vistas à realização do interesse público) seja apropriada para a prossecução do fim ou fins a si subjacentes; O princípio da necessidade coloca a tónica na ideia de que o cidadão tem direito à menor desvantagem possível - assim exigir-se-á sempre a prova de que, para a obtenção de determinados fins, não era possível adoptar outro meio menos oneroso para o cidadão; O princípio da proporcionalidade, em sentido restrito, lidima a interrogação sobre se o resultado obtido com a intervenção é proporcional à carga coactiva da mesma.
LIII. A sanção aplicada ao Apelante mostra-se desajustada à situação concreta dos autos.
LIV. O Apelante sempre prestou a sua actividade profissional com brio e zelo profissional exemplares, mesmo com sacrifício pessoal, cumprindo sempre o seu horário de trabalho, até para além do que, legalmente, lhe seria exigível e sempre pautou o seu comportamento profissional e pessoal com honestidade e lealdade.
LV. Acresce que, pela sua idade, e face à grave conjuntura do emprego no país e em particular na região onde vive (Açores), será praticamente impossível ao Apelante conseguir um novo emprego.
LVI. O próprio estigma social de ser despedido com justa causa num meio tão pequeno como aquele em que o Apelante reside, em que toda a gente se conhece e sabe da vida dos seus pares, pode abalar ainda mais, a já de si frágil estabilidade emocional e psíquica do Apelante e dos seus familiares.
LVII. O que na realidade já acontece, desde que o mesmo foi suspenso preventivamente, sendo a sua situação conhecida e comentada em toda a ilha.
LVIII. Facto que o Tribunal a quo, também devia ter ponderado.
LIX. Devia por isso o Tribunal a quo, sopesando todos estes aspectos e face à manifesta possibilidade de manter o vínculo laboral existente, ter-se decidido pela ilicitude do despedimento do ora Apelante.
LX. Pelo exposto e com o douto suprimento de V/Exas. deve ser concedido provimento ao presente recurso, declarando-se a ilicitude do despedimento do trabalhador, efectuado pela empregadora, com o que se fará a tão costumada JUSTIÇAI
A Ré apresentou contra-alegações, dentro do prazo legal, tendo formulado as seguintes conclusões (fls. 220 a 231):
1. Entende a Recorrida que decidiu bem o Tribunal de Primeira Instância ao julgando improcedente a presente acção e declarando lícito do despedimento do Recorrente.
2. Os factos dados como provados demonstram cabalmente a existência de fundamentos e cumprimento de todos os requisitos legais para o despedimento com justa causa.
3. Tendo o despedimento resultado de um processo disciplinar de que foi alvo o Autor, por ter mostrado o seu pénis a uma trabalhadora da empresa prestadora de serviços de limpeza S..., a Sra. Á....
4. O Autor não se conformou com esta decisão, e apresentou recurso de Apelação daquela decisão, pugnando pela sua revogação e prolação de Acórdão que declare o despedimento ilícito, para tanto alegando basicamente que não deveria ter sido dado como provado o facto do Autor mostrou o seu pénis à trabalhadora Á... alegando existir erro de julgamento na apreciação da prova, assim como, inexistiu qualquer comportamento do Recorrente que justificasse a licitude do seu despedimento, pelo existe erro na aplicação do direito.
5. Não tem as alegações do Apelante quaisquer fundamentos de facto ou de direito.
6. Desde logo, alega o Autor a existência de erro de julgamento na apreciação da prova, elencando os factos dados como provados nos pontos 2, 3, 4, 5 e 6, e através da transcrição de um excerto do depoimento da testemunha Á..., conclui que o tribunal de primeira instância deveria ter dado como não provado que o Autor mostrou o pénis à testemunha Á..., assim como invoca a inexistência de quaisquer outros meios probatórios que sustentem tais factos provados.
7. Todavia, o excerto do depoimento transcrito pelo Apelante, não apresenta qualquer contradição com os factos dados como provados, pelo contrário apoiam e suportam-nos.
8. Mas, além do depoimento daquela testemunha, depôs ainda o superior hierárquico do trabalhador, o qual se encontrava no edifício no momento em que ocorreram os factos dados como provados, e que a esse respeito afirmou «Adv: E recorda-se dessa situação? T: Recordo-me dessa situação. Adv: Relativamente a essa situação da Sra. Á..., consegue contar com mais pormenor o que é que se passou? T: O que se passou naquele dia... A nossa estação, a nossa estação era uma antiga casa de habitação, que se tornou uma estação, portanto tem quartos de cama e tem uma antiga cozinha que agora é utilizada como uma oficina, né! E eu tava no meu gabinete, o meu colega o Rui Arruda também tava no seu gabinete, e entrou-me pelo meu gabinete adentro a Sra. Á..., que naquele momento disse que o J… tinha batido à, na janela da, dessa cozinha que existe lá, que distancia da gente cerca de 15/20 metros, lhe tinha batido na janela e lhe tinha mostrado o seu pénis. Adv: E a senhora parecia estar exaltada? Parecia estar calma? T: Não. Parecia estar exaltada! Adv: E parecia estar a falar com verdade, ou parecia que isso fosse da imaginação dela? T: Não! Penso que ela estava a dizer aquilo que aconteceu! A verdade!» (cfr. Acta de Julgamento de 11/03/2016, gravado das 14:20h às 14:57h, no ficheiro 20160129142657_7835505_2870257, com início no que releva no minuto 7:43 e fim no minuto 09:00)
9. Portanto, o depoimento desta testemunha apoia e reforça os factos dados como provados pelo tribunal a quo, por se tratar da pessoa que denunciou o comportamento do Autor à recorrida, e a quem a Sra. Á... recorreu de imediato com vista a contar o sucedido!
10. Acresce ainda que, consta como prova documental dos autos todo o Processo Disciplinar (doravante PD), e a fls. 42 deste PD, encontra-se a denúncia do comportamento indecoroso do Autor pela supra mencionada testemunha, José Lopes, cujo teor foi confirmado pela testemunha em sede Audiência de Discussão e Julgamento «Adv: Fls. 87 dos autos, um E-mail do Sr. J… para, novamente, o Sr. J…, e pedia-lhe que lesse também este e-mail e confirmasse a sua autoria. T: Posso ler? Adv: Sim, sim... T: Portanto, venho informar que na passada quarta-feira, dia 06/05/2015, pelas 10 e 15, quando me encontrava no meu gabinete na estação de Vila do Porto, fui abordado pela colaboradora, Sra. Á... da empresa S..., que na altura prestava serviço de limpeza na nossa estação, de que tinha sido alvo por parte do nosso colaborador J…, número mecanográfico …, de práticas menos dignas no contexto erótico/ sedução, mostrando-lhe os seus órgãos genitais, tendo ofendido a moral desta colaboradora, e tendo mesmo transmitido que não prestava mais serviços naquele local se estivesse sozinha com ele. O colaborador R…, número mecanográfico …, encontrava-se também no seu gabinete quando aconteceu esta abordagem.» (cfr. Acta de Julgamento de 11/03/2016, gravado das 14:20h às 14:57h, no ficheiro 20160129142657_7835505_2870257, com início no que releva no minuto 6:26 e fim no minuto 7:41)
11. Portanto, foram produzidas nos autos provas suficientes, testemunhais e documentais, que para gerar no espirito do julgador a convicção de que o comportamento do Autor se verificou sem qualquer margem para dúvida.
12. Pelo que andou bem o tribunal de primeira instância ao dar como provados os factos elencados nos pontos 2 a 6, na medida em que o tribunal a quo decidiu reflectindo o resultado da conjugação dos vários elementos de prova que na Audiência de Discussão e Julgamento, assim como nos articulados, foram sujeitos às regras da contraditoriedade, da imediação e da oralidade, não tendo restado no espírito do julgador, como expressamente o demonstrou, qualquer dúvida acerca da verificação dos factos.
13. Aliás, nem sequer foram alegados pelo Autor, em sede de Apelação, quaisquer meios probatórios constantes do processo que impusessem decisão diversa sobre a matéria de facto provada, pelo que deverão os Factos Provados manter-se na sua globalidade!
14. No que se refere ao alegado erro na aplicação do direito, o Recorrente não faz qualquer ligação entre a doutrina discorrida acerca do objecto e requisitos do despedimento por justa causa e o caso concreto.
15. Pelo contrário, após a transcrição de várias opiniões doutrinárias, alega que sanção aplicada ao Apelante mostra-se desajustada à situação concreta dos autos, sem invocar qualquer argumento jurídico, apenas dirimindo razões de outra natureza, nomeadamente relacionadas com a idade e obtenção de emprego do Recorrente, como se tais considerandos tivessem algo a ver com a verificação da legalidade da sanção disciplinar aplicada.
16. Todavia, o fundamento alegado relativo à região onde habita, assim como a dimensão desse meio social, pode ser alegado também a favor da Recorrida, na medida em que a imagem da Ré ficaria irremediavelmente comprometida no local, pois sendo um meio pequeno em que toda a gente se conhece e sabe a vida dos seus pares, como afirma o Apelante, também o comportamento do trabalhador será do conhecimento geral. Pelo que, não se entende como poderia a Ré manter um trabalhador conhecido pelas suas condutas profissionais escabrosas!
17. E resultando de forma inequívoca do teor global da sentença em crise, que ficou provado de modo contundente, que o trabalhador agiu de forma consciente e voluntária, portanto, com culpa grave, por ter plena noção de que tal comportamento era inadequado em qualquer local, quanto mais, no local de trabalho, nunca a Recorrida poderia aplicar qualquer outra sanção disciplinar!
18. Pelo que, entende a Recorrida, em similitude com a decisão em apreço, que a pena disciplinar aplicada foi proporcional e adequada ao comportamento do trabalhador, pois perante o comportamento do Apelante seria chocante e intolerável impor à entidade empregadora a continuação da relação laboral.
19. E bem andou a douta. Sentença, ao concluir de modo diametralmente oposto ao Apelante, «Na verdade, ponderando toda a factualidade que se apurou em Juízo; podemos concluir com segurança que, com as supra descritas condutas, o trabalhador desrespeitou a não tratou com urbanidade e probidade as pessoas que se relacionam com a empresa. A actuação do Trabalhador é pois altamente censurável e assim, não se podem ter como falsas as imputações constantes do processo disciplinar que culminou com o seu despedimento. As descritas faltas graves cometidas pelo trabalhador, tornam, em nosso entender, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, e integram por isso o conceito de justa causa de despedimento. Pelo que, face à gravidade do ilícito praticado não é exigível que a entidade empregadora tenha de manter um trabalhador, que no seu local de trabalho mostra os seus órgãos genitais. Considero assim que o trabalhador violou o dever de respeito, urbanidade e probidade contido no artigo 128.° alínea a) do actual Código do Trabalho, sendo pelas razões expostas, lícita a sanção de despedimento aplicada pela entidade empregadora.»
20. Pelo exposto, deve o Recurso de Apelação ser julgado improcedente e, consequentemente determinar-se a manutenção da douta Sentença recorrida.»
O ilustre magistrado do Ministério Público deu parecer no sentido da procedência do recurso de Apelação (fls. 239 a 241), não tendo as partes se pronunciado acerca do referido parecer, dentro do prazo de 10 dias, apesar de notificadas para o efeito.
Considerando a simplicidade das questões suscitadas, o relator, fazendo apelo ao disposto nos artigos 87.° do Código do Processo do Trabalho e 656.° do Novo Código de Processo Civil, vai julgar o presente recurso de apelação através de decisão singular e sumária.
II - OS FACTOS
Foram considerados provados e não provados os seguintes factos pelo tribunal da 1.a instância:
«a) Factos Provados:
1 - No exercício da sua prestação laboral para a Ré, o Autor em maio de 2015, era técnico de telecomunicações na Estação de Telecomunicações de Vila do Porto; -
2 _ No dia 6-5-2015, no Edifício da PT sito em Vila do Porto, ilha de Santa Maria, encontrava-se a desempenhar trabalhos de limpeza a colaboradora da empresa S..., Sra. Á..., portanto prestadora de serviços;
3 - Pelas l Oh 15m, enquanto varria o chão do armazém pequeno, antiga cozinha, do referido edificio, a Sra. Á... ouviu bater no vidro da janela da referida divisão, a qual se encontrava aberta;
4 - Ao olhar para a janela a colaboradora da S... deparou com o Autor a mostrar o pénis,
5 - Assustada com a situação a Sra. Á..., fugiu da divisão em causa, em busca de auxílio, tendo alertado o chefe do Autor para a situação ocorrida;
6 - Aquele comportamento do Autor levou-a a sair de imediato do Edifício, participando à empresa S... o ocorrido e apresentando a sua recusa de prestar serviço, naquele local, derivado do receio provocado pela conduta do Autor;
7 - A senhora Á... recusou-se a prestar a sua actividade sempre que o Autor lá se encontrasse;
8 - Com data de 18 de Junho de 2015 a Ré/empregadora deduz aditamento à nota de culpa por alegados novos factos conhecidos após a elaboração da 1 a, mantendo-se a intenção da ré de despedimento do A. com justa causa, constante de fls. 89 a 91 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais.
9 - Com data de 19 de Junho de 2015, J…, subscreveu a carta de fls. 92 dos autos - a qual foi entregue em mão ao A. - comunicando-lhe que a Ré pretende instaurar contra o mesmo procedimento disciplinar, e que foi determinada a sua suspensão preventiva; [cfr. carta de fls. 92 do Procedimento Disciplinar, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais].
10 - O Autor respondeu à nota de culpa adicional nos termos constantes de fls. 96 a 99 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais.
11 - Com data de 28 de Setembro de 2015, foi elaborado pelo instrutor do processo disciplinar relatório final. [cfr. documento de fls.119 a 124 do Procedimento Disciplinar, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais].
12 - Com data de 12 de Outubro 2015, foi determinada aplicar ao trabalhador sanção disciplinar de despedimento, documento assinado por João Zúquete da Silva, [cfr. documento de fls. 125 a 126 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais].
b) - Factos não provados:
1 - Que a Sra. Á..., assustada com a situação começou aos gritos.
2 - Que no dia 17/06/2015 a Sra. Á..., ao chegar ao Edifício da PT de Vila do Porto, encontrou novamente o A. o qual, sentando-se numa cadeira em frente ao local em que esta se encontrava, começou a efectuar gesto de carácter sexual, de pernas abertas e olhando ostensivamente para si».
III - OS FACTOS E O DIREITO
É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.° do Código do Processo do Trabalho e 639.° e 635.° n.° 4, ambos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.° n.° 2 do NCPC).
A - REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS
Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos presentes autos, atendendo à circunstância da presente ação ter dado entrada em tribunal em 19/02/2015, ou seja, depois da entrada em vigor das alterações introduzidas no Código do Processo do Trabalho pelo Decreto-Lei n.° 295/2009, de 13/10, que segundo o seu artigo 6.°, só se aplicam às ações que se iniciem após a sua entrada em vigor, tendo tal acontecido, de acordo com o artigo 9.° do mesmo diploma legal, em 1/01/2010.
Esta ação, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjetivo comum, foi instaurada depois da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, que ocorreu no dia 1/9/2013.
Será, portanto e essencialmente, com os regimes legais decorrentes da atual redação do Código do Processo do Trabalho e do Novo Código de Processo Civil como pano de fundo adjetivo, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de Apelação.
Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais -- aprovado pelo Decreto-Lei n.° 34/2008, de 26/02, retificado pela Declaração de Retificação n.° 22/2008, de 24 de Abril e alterado pelas Lei n.° 43/2008, de 27-08, Decreto-Lei n.° 181/2008, de 28-08, Lei n.° 64-A/2008, de 31-12, Lei n.° 3-B/2010, de 28 de Abril, Decreto-Lei n.° 52/2011, de 13 de Abril com início de vigência a 13 de Maio de 2011, Lei n.° 7/2012, de 13 Fevereiro, retificada pela Declaração de Retificação n.° 16/2012, de 26 de Março, Lei n.° 66-B/2012, de 31 de Dezembro, com início de vigência a 1 de Janeiro de 2013, Decreto-Lei n.° 126/2013, de 30 de Agosto, com início de vigência a 1 de Setembro de 2013 e Lei n.° 72/2014, de 2 de Setembro, com início de vigência a 2 de Outubro de 2014 -, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data.
Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos terem ocorrido na vigência do Código do Trabalho de 2009, que entrou em vigor em 17/02/2009, sendo, portanto, o regime do mesmo derivado que aqui irá ser chamado à colação em função da factualidade em julgamento.
B - DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
Vem o Apelante interpor recurso da decisão da Matéria de Facto, com referência aos factos descritos nas suas conclusões e que, na opinião do Requerente, deveriam ter sido julgados de forma diversa pelo tribunal recorrido, sendo tal impugnação feita nos termos e para os efeitos dos artigos 80.°, número 3, 87.°, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 640.° do Novo Código de Processo Civil, importando, nessa medida, ter presente o seu número 1, alíneas a) a c), quando estatui que 1 – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, dizendo por seu turno o seu número 2 que 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder ã transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes., ao passo que o artigo 622.°, números 1 e 2, alíneas a) a d) do NCPC determina a este propósito e na parte que nos interessa o seguinte:
«Artigo 662.°
Modificabilidade da decisão de facto
1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.a instãncia, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontas determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1. instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
3 (…)»
O recorrente, nesta matéria, dá cumprimento suficiente às exigências de natureza material e processual que se mostram elencadas nas normas acabadas de transcrever, o que permite conhecer o recurso, nesta primeira vertente da impugnação da matéria de facto dada como provada pelo tribunal recorrido.
Impõe-se realçar que, conforme ressalta do Relatório desta Decisão Sumária, a prova testemunhal produzida em Audiência de Discussão e Julgamento foi objeto de gravação, tendo este Tribunal da Relação de Lisboa procedido à sua integral audição, bem como à leitura, interpretação e conjugação dos documentos juntos aos autos e ao seu confronto com tais depoimentos e com os factos assentes que resultaram da confissão ou acordo das partes.
Passemos então a abordar as questões de facto suscitadas pela Ré, começando por transcrever a fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto, conforme consta de fls. 182 e 183 e reproduzindo-se depois e para esse efeito, o teor dos pontos de facto que, na perspetiva do Apelante, foram objeto de um incorreto julgamento pelo tribunal da 1.a instância e que, nessa medida, merecem a sua contestação:
«O tribunal fundamentou a sua convicção na globalidade da prova documental junta aos autos, designadamente, no processo disciplinar, instaurado contra o trabalhador, tudo junto com os articulados e, ainda no depoimento das seguintes testemunhas:
J…, técnico de telecomunicações, coordenador da PT.
Quanto aos factos aqui em apreço, a testemunha num depoimento sincero e credível, pese embora não os tenha presenciado, atestou ao tribunal que no dia 6/5/2015, a Senhora Á... entrou pelo seu gabinete, bastante agitada relatando-lhe o que havia sucedido com o senhor J….
Mais atestou a testemunha que a Senhora Á..., lhe transmitiu que se recusava a prestar serviço nas instalações da PT se estivesse sozinha com o J….
A testemunha Á..., num depoimento bastante emotivo, sincero e verdadeiro, referiu ao tribunal que no dia 6/5/2015 estava a limpar a P7', quando o Senhor Jorge que a tinha ajudado a apanhar uns sacos do lixo, entrou dentro das instalações continuando ela a varrer da parte de fora.
Em acto contínuo, Á... explicou que ouviu bater no vidro e imediatamente olhou, quando viu o senhor Jorge colocar a mão na braguilha e tirar uma parte do pénis para fora.
Mais atestou ao tribunal que tal situação a deixou receosa e bastante nervosa, recusando-se a ficar nas mesmas instalações sozinha com o Senhor Jorge.
A testemunha C…, num depoimento credível e coerente com a demais prova produzida relatou ao tribunal que Á... lhe relatou a situação ocorrida no dia 6/5/2015, ligando para ela muito nervosa.
A testemunha explicou ainda que a Á... lhe transmitiu que se queria despedir recusando a realizar a limpeza nas instalações da PT, pois tinha medo de ficar sozinha com o Senhor J….
A testemunha R…, quanto aos factos nada adiantou ao tribunal razão pela qual o tribunal não levou em boa conta o seu depoimento.
R…, atestou ao tribunal que no dia dos factos aqui em discussão não se encontrava na empresa, nada mais adiantando com interesse ou relevância para a boa decisão da causa, motivo pelo qual o tribunal não levou em boa conta o seu depoimento.
Os factos não provados em 1) e 2) resultaram da ausência de prova que os sustentassem.
A restante matéria alegada é irrelevante para a decisão da causa, repetida, conclusiva ou de direito, pelo que não foi objecto de consideração probatória.»»
O recorrente sustenta que o Ponto de Facto n.° 4.° deve ser dado como não provado, face à inexistência de prova suficiente para o dar como demonstrado, tendo tal ponto de facto o seguinte teor:
«4 - Ao olhar para a janela a colaboradora da S... deparou com o Autor a mostrar o pénis».
C - PONDERAÇÃO GLOBAL DA PROVA PRODUZIDA
Tendo compulsado os documentos juntos aos autos bem como ouvidos os depoimentos testemunhais e depois de fazer a devida ponderação de cada um desses meios de prova, quer em si como entre si, sem perder de vista os demais factos dados como assentes por acordo das partes, confissão ou por força dos aludidos meios probatórios, diremos que, no essencial a nossa convicção é idêntica à formada pelo tribunal da 1.° instância, sendo de destacar a fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto, onde a juíza do processo explica e justifica, de uma forma circunstanciada e pormenorizada, o valor probatório maior ou menor que atribuiu aos referidos meios de prova.
O confronto e conjugação entre esses diversos meios de prova apontam, globalmente, para um cenário coincidente ou, pelo menos, muito próximo daquele que foi vertido na Factualidade dada como Provada em sede da Decisão sobre a Matéria de Facto.
Diremos, como a juíza do tribunal da 1.a instância, que a prova testemunhal produzida em Audiência Final é, no seu conjunto e apesar do esforço feito pelo Autor no sentido de a desconsiderar, minimizar ou descredibilizar, mais do que suficiente para fundar a factualidade dada como assente no acima transcrito Ponto 4.1', não tendo nós dúvidas nenhumas de que o trabalhador, propositadamente e depois de bater no vidro da janela da antiga cozinha, exibiu o seu pénis, até onde conseguiu, ou seja, até à reacção e fuga da trabalhadora ofendida, a esta última.
O historial anterior do recorrente - designadamente, de alcoolismo e de uma situação de quase inatividade profissional - explicam, até porque a potenciam, uma atitude daquelas.
Logo, vai o recurso de Apelação do Autor julgado improcedente nesta sua primeira vertente de índole fáctica.
D - OBJECTO DO RECURSO - ILICITUDE DO DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA
Abordemos agora a única questão de direito que o Apelante levanta nas suas conclusões e que se centra na existência de justa causa para o despedimento de que foi objeto por parte da Apelada e que se traduziu na exibição voluntária do seu pénis a uma trabalhadora da limpeza de empresa terceira com quem a Ré havia celebrado um contrato de prestação dos correspondentes serviços.
E - FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA
A sentença proferida pelo Tribunal do Trabalho foi no sentido seguinte:
«Ora, o artigo 351.° do actual Código de Trabalho dispõe no seu n.° 1, que constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, tome imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
No seu n.° 2, é referido um elenco não taxativo de situações que constituem justa causa de despedimento.
Como salienta Leal Amado in Contrato de Trabalho à luz do novo Código do Trabalho, Coimbra Editora, pág. 371 as diversas condutas descritas nas várias alíneas do n.° 2 do artigo 351.° possibilitam uma certa concretização ou densificação da justa causa de despedimento, muito embora deva sublinhar-se que a verificação de alguma dessas condutas não é condição necessária (dado que a enumeração é meramente exemplificativa), nem é condição suficiente (visto que tais alíneas constituem `preposições jurídicas incompletas contendo uma referência implícita à cláusula geral do n.° 1).
Na apreciação do conceito de justa causa de despedimento, o legislador no n.° 3, desse artigo, prevê que o juiz deva ter em consideração, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.
Temos deste modo que no conceito de justa causa de despedimento concorrem um elemento subjectivo: o comportamento (acção ou omissão) imputável ao trabalhador a título de culpa; e outro elemento objectivo, que consiste no desvalor desse comportamento na relação laboral, afectando-a e comprometendo de forma irremediável a manutenção desta relação.
Relativamente à materialidade da acção praticada pelo trabalhador traduziu-se no facto de em 6/5/2015, no Edifício da PT sito em Vila do Porto, ilha de Santa Maria, local onde se encontrava a desempenhar trabalhos de limpeza a colaboradora da empresa S..., Sra. Á..., pelas 10h1 5m, enquanto aquela varria o chão do armazém pequeno, antiga cozinha, do referido edificio, ouviu bater no vidro da janela da referida divisão, a qual se encontrava aberta, sendo que ao olhar para a janela a colaboradora da S... deparou com o trabalhador a mostrar o seu pénis.
Deste modo, com tal comportamento pelo trabalhador, não podemos exigir à entidade empregadora a manutenção do contrato de trabalho, pois a materialidade do comportamento, aliado a um grave grau de culpa, conduz necessariamente a uma quebra de confiança do vínculo laboral.
Tanto a gravidade como a culpa hão-de ser apreciados em termos objectivos e concretos, de acordo com o entendimento de um bonus pater familia ou de um empregador normal, em face do caso concreto e segundo critérios de objectividade e razoabilidade.
O comportamento culposo assim aferido constituirá justa causa de despedimento quando se conclua que determina a impossibilidade prática da subsistência da relação juslaboral.
O que sucederá sempre que a crise aberta na relação seja irremediável, isto é, sempre que se conclua que nenhuma outra sanção se apresente como susceptível de a sanar.
Aquela impossibilidade prática, não sendo fisica ou legal, transporta-nos para o campo da inexigibilidade, determinável através do balanço dos interesses conflituantes em presença: o da urgência da desvinculação, por um lado, e o da conservação do contrato de trabalho, por outro.
Por isso, só poderá concluir-se pela existência de justa causa quando, comparando-se em concreto a diferença dos interesses contrários das partes, o estado de premência do despedimento seja de julgar prevalecente/mais ponderoso que o interesse oposto da permanência do contrato, tornando inexigível ao empregador o respeito das garantias de estabilidade do vinculo laboral.
A inexigibilidade de permanência do contrato de trabalho envolve um juízo de prognose sobre a viabilidade da relação laboral, a realizar segundo um padrão essencialmente psicológico - o das condições mínimas de suporte de uma vinculação duradoura que implica frequentes e intensos contactos entre os sujeitos.
Assim, existirá impossibilidade prática de subsistência da relação laboral sempre que, nas circunstâncias concretas, a permanência do contrato, com a subsistência das relações pessoais e patrimoniais que isso implica, venha a ferir, de modo exagerado e violento (e por isso injusto), a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do empregador, ou seja, sempre que a continuidade do vínculo represente uma insuportável e injusta imposição ao empregador.
Neste sentido ensina Pedro Romano Martinez no seu artigo Incumprimento contratual e justa causa de despedimento, in estudos do Instituto de Direito do Trabalho, vol. III, pág. 97 o contrato de trabalho assenta numa relação fiduciária em que a confiança recíproca tem um papel de relevo, adiantando ainda este Autor que dificilmente se concebe a mútua colaboração se as partes não confiarem pessoalmente uma na outra. O empregador pretende certas qualidades de trabalho, de honestidade, etc.
Salienta ainda Pedro Romano Martinez, artigo citado, pág.115 que perante o comportamento culposo do trabalhador impõe-se uma ponderação de interesses; é necessário que, objectivamente, não seja razoável exigir do empregador a subsistência da relação contratual. Em particular, estará em causa a quebra de relação de confiança movida pelo comportamento culposo. Nesta ponderação dever-se-á ter em conta que se está perante uma relação jurídica duradoura, cuja prossecução indefinida pode causar um prejuízo sério ao empregador no futuro. Por isso, não interessa só o efectivo dano que o comportamento culposo do trabalhador causou ao empregador, sendo também necessário averiguar da existência de um potencial prejuízo que a subsistência do vínculo lhe pode causar.
Ora, no caso em apreço, face à matéria de facto dada como provada e supra elencada, não restam dúvidas que os factos de que trabalhador é acusado e referidos na segunda Nota de Culpa datada de 18 de Junho de 20I5, em que lhe é comunicada a intenção de a Ré proceder ao seu despedimento com justa causa, resultaram amplamente demonstrados.
Na verdade, ponderando toda a factualidade que se apurou em Juízo, podemos concluir com segurança que, com as suas supra descritas condutas, o trabalhador desrespeitou e não tratou com urbanidade e probidade as pessoa que se relacionam com a empresa.
A actuação do Trabalhador é pois altamente censurável e assim, não se podem ter como falsas as imputações constantes do processo disciplinar que culminou com o seu despedimento.
As descritas faltas graves cometidas pelo trabalhador, tornam, em nosso entender, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, e integram por isso o conceito de justa causa de despedimento.
Pelo que, face à gravidade do ilícito praticado não é exigível que a entidade empregadora tenha de manter um trabalhador, que no seu local de trabalho mostra os seus órgãos genitais.
Considero assim que o trabalhador violou o dever de respeito, urbanidade e probidade contido no artigo 128.°, alínea a) do actual Código do Trabalho, sendo pelas razões expostas, lícita a sanção de despedimento aplicada pela entidade empregadora »
F - DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA - REGIME LEGAL APLICÁVEL
Abordemos então esta outra problemática do presente recurso, chamando, desde logo, à colação o estatuído nos artigos 126.°, 128.°, 328.°, 351.° e 357.° do Código do Trabalho de 2009, na parte que para aqui releva (em função das imputações jurídicas efetuadas pela Ré na Nota de Culpa e na Decisão de Despedimento, por referência ao Relatório Final do instrutor do procedimento disciplinar e, finalmente, na Motivação de Despedimento, muito embora algumas das alíneas aqui referidas não se achem mencionadas naquelas peças do procedimento disciplinar):
«Artigo 126.°
Deveres gerais das partes
1 - O empregador e o trabalhador devem proceder de boa-fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respetivas obrigações.
2-(..)
Artigo 128.°
Deveres do trabalhador
1 - Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve:
Respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as
pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade;
(...)
2 - (..)
Artigo 328.° Sanções disciplinares
1 - No exercício do poder disciplinar, o empregador pode aplicar as seguintes sanções:
Repreensão;
Repreensão registada;
Sanção pecuniária;
Perda de dias de férias;
Suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade;
Despedimento sem indemnização ou compensação. 2-(..)
Artigo 330.°
Critério de decisão e aplicação de sanção disciplinar
1 - A sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator, não podendo aplicar-se mais de urna pela mesma infração.
2-(...)
Artigo 351.°
Noção de justa causa de despedimento
1 - Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
a) (...)
3 - Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.
Artigo 357.°
Decisão de despedimento por facto imputável ao trabalhador
1-(..)
4 - Na decisão são ponderadas as circunstâncias do caso, nomeadamente as referidas no n° 3 do artigo 351.°, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador e os pareceres dos representantes dos trabalhadores, não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade.
5-(..)»
Será, portanto, com tais normas jurídicas de índole legal que iremos partir para a abordagem da justa causa de despedimento do Autor e para a sua licitude, face ao teor das mesmas e aos factos que foram dados como assentes e que podem ser assacados ao trabalhador.
G - FACTOS RELEVANTES
Os factos dados como provados e não provados, com relevância para a apreciação da justa causa de despedimento, são os seguintes (negrito e sublinhados nossos):
«Factos provados:
1 - No exercício da sua prestação laboral para a Ré, o Autor em maio de 2015, era técnico de telecomunicações na Estação de Telecomunicações de Vila do Porto;
2 - No dia 6-5-2015, no Edifício da PT sito em Vila do Porto, ilha de Santa Maria, encontrava-se a desempenhar trabalhos de limpeza a colaboradora da empresa S..., Sra. Á..., portanto prestadora de serviços;
3 - Pelas 10h 15m, enquanto varria o chão do armazém pequeno, antiga cozinha, do referido edifício, a Sra. Á... ouviu bater no vidro da janela da referida divisão, a qual se encontrava aberta;
4 - Ao olhar para a janela a colaboradora da S... deparou com o Autor a mostrar o pénis,
5 - Assustada com a situação a Sra. Á..., fugiu da divisão em causa, em busca de auxílio, tendo alertado o chefe do Autor para a situação ocorrida;
6 - Aquele comportamento do Autor levou-a a sair de imediato do Edifício, participando à empresa S... o ocorrido e apresentando a sua recusa de prestar serviço, naquele local, derivado do receio provocado pela conduta do Autor;
7 - A senhora Á... recusou-se a prestar a sua actividade sempre que o Autor lá se encontrasse;
b) - Factos não provados:
1 - Que a Sra. Á..., assustada com a situação começou aos gritos.
2 - Que no dia 17/06/2015 a Sra. Á..., ao chegar ao Edifício da PT de Vila do Porto, encontrou novamente o A. o qual, sentando-se numa cadeira em frente ao local em que esta se encontrava, começou a efectuar gesto de carácter sexual, de pernas abertas e olhando ostensivamente para si».
H - NOÇÃO JURÍDICA DE JUSTA CAUSA
Professor João Leal Amado, a partir da noção geral de justa causa contida no número 1 do artigo 351.° acima transcrito, refere que a justa causa de despedimento assume, portanto, um carácter de infração disciplinar, de incumprimento contratual particularmente grave, de tal modo grave que determine uma perturbação relacional insuperável, isto é, insuscetível de ser sanada com recurso a medidas disciplinares não extintivas (...)
As diversas condutas descritas nas várias alíneas do número 2 do artigo 351.° possibilitam uma certa concretização ou densificação da justa causa de despedimento, muito embora deva sublinhar-se que a verificação de alguma dessas condutas não é condição necessária (dado que a enumeração é meramente exemplificativa), nem é condição suficiente (visto que tais alíneas constituem «proposições jurídicas incompletas», contendo uma referência implícita à cláusula geral do n.° 1 para a existência de justa causa. Esta traduz-se, afinal, num comportamento censurável do trabalhador, numa qualquer ação ou omissão que lhe seja imputável a título de culpa (não se exige o dolo, ainda que, parece, a negligência deva ser grosseira) e que viole deveres de natureza laboral, quando esse comportamento seja de tal modo grave, em si mesmo e nos seus efeitos, que torne a situação insustentável, sendo inexigível ao empregador (a um empregador normal, razoável) que lhe responda de modo menos drástico.
Professor Monteiro Fernandes, defende que a cessação do contrato, imputada a falta disciplinar, só é legítima quando tal falta gere urna situação de imediata impossibilidade de subsistência da relação laboral, ou seja, quando a crise disciplinar determine uma crise contratual irremediável, não havendo espaço para o uso de providência de índole conservatória, ao passo que o Professor Jorge Leite sustenta que a gravidade do comportamento (do trabalhador) deve entender-se como um conceito objectivo-normativo e não subjetivo-normativo, isto é, a resposta à questão de saber se um determinado comportamento é ou não grave em si e nas suas consequências não pode obter-se através do recurso a critérios de valoração subjetiva mas a critérios de razoabilidade (ingrediente objetivo), tendo em conta a natureza da relação de trabalho, as circunstâncias do caso e os interesses da empresa e ainda que uma vez mais, não é pelo critério do empregador, com a sua particular sensibilidade ou a sua ordem de valores próprios, que se deve pautar o aplicador do direito na apreciação deste elemento, mas pelo critério do empregador razoável, isto quanto ao requisito legal da impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho.
Finalmente, a Professora Maria Rosário da Palma Ramalho, acerca do «conceito geral de justa causa disciplinar», afirma o seguinte:
«A lei é particularmente exigente na configuração da justa causa para des-pedimento. Assim, para que surja uma situação de justa causa para este efeito, é necessário que estejam preenchidos os requisitos do art.° 351. °, n.° 1 do CT. Estes requisitos, de verificarão cumulativa, são os seguintes:
- Um comportamento ilícito, grave, em si mesmo ou pelas suas consequências, e culposo do trabalhador (é o elemento subjetivo da justa causa);
- A impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral (é o elemento objetivo da justa causa);
- A verificação de um nexo de causalidade entre os dois elementos anteriores, no sentido em que a impossibilidade de subsistência do contrato tem que decorrer, efetivamente, do comportamento do trabalhador (...)
Assim, relativamente ao elemento subjetivo da justa causa é exigido que o comportamento do trabalhador seja ilícito, grave e culposo. Estes requisitos justificam as seguintes observações:
i) A exigência da ilicitude do comportamento do trabalhador não resulta expressamente do art.° 351. °, n. ° 1, mas constitui um pressuposto geral do conceito de justa causa para despedimento, uma vez que, se a atuação do trabalhador for lícita, ele não incorre em infração que possa justificar o despedimento. Contudo, a ilicitude deve ser apreciada do ponto de vista dos deveres laborais afetados pelo comportamento do trabalhador (...)
ii) O comportamento do trabalhador deve ser culposo, podendo corresponder a uma situação de dolo ou de mera negligência. Nos termos gerais, será de qualificar como culposa a atuação do trabalhador que contrarie a diligência normalmente devida, segundo o critério do bom pai de família, mas o grau de diligência exigido ao trabalhador depende também, naturalmente, do seu perfil laboral específico (assim, consoante seja um trabalhador indiferenciado ou especializado, um trabalhador de base ou um técnico superior, o grau de diligência varia). Relevam e devem ainda ser valoradas, no contexto da apreciação da infração do trabalhador, as circunstâncias atenuantes e as causas de exculpação que, eventualmente, caibam ao caso.
iii) O comportamento do trabalhador deve ser grave, podendo a gravidade ser reportada ao comportamento em si mesmo ou as consequências que dele decorram para o vínculo laboral (...) A exigência da gravidade do comportamento decorre ainda do princípio geral da proporcionalidade das sanções disciplinares, enunciado no art.° 330. °, n.° 1 do CT e oportunamente apresentado: sendo o despedimento a sanção disciplinar mais forte, ela terá que corresponder a uma infração grave; se o comportamento do trabalhador, apesar de ilícito e culposo, não revestir particular gravidade, a sanção a aplicar deverá ser uma sanção conservatória do vínculo laboral.
(...) Para além destes elementos subjetivos, só se configura uma situação de justa causa de despedimento se do comportamento do trabalhador decorrer a impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral - é o denominado requisito objetivo da justa causa. Fica assim claro que o comportamento do trabalhador, ainda que constitutivo de infração disciplinar, não e, por si só, justa causa para despedimento; para que esta surja, é necessário que concorram os dois outros elementos integrativos.
Em interpretação da componente objetiva da justa causa, a jurisprudência tem chamado a atenção para três aspetos essenciais:
i) O requisito da impossibilidade de subsistência do vínculo laboral deve ser reconduzido à ideia de inexigibilidade, para a outra parte, da manutenção do contrato, e não apreciado como uma impossibilidade objetiva. (...)
ii) A impossibilidade de subsistência do contrato de trabalho tem que ser uma impossibilidade prática, no sentido em que deve relacionar-se com o vínculo laboral em concreto. (...)
iii) A impossibilidade de subsistência do vínculo tem que ser imediata: este requisito exige que o comportamento do trabalhador seja de molde a comprometer, de imediato, o futuro do vínculo laboral. Assim, se, apesar de grave, ilícita e culposa, a infração do trabalhador não tiver, na prática, obstado à execução normal do contrato, após o conhecimento da situação pelo empregador, tal execução demonstra que a infração não comprometeu definitivamente o futuro do vínculo contratual. (...)
IV. Por fim, a lei exige que se verifique um nexo de causalidade entre o compor¬tamento ilícito, grave e culposo do trabalhador e a impossibilidade prática e imediata de subsistência do contrato de trabalho. (cf., também, António Menezes Cordeiro, Manual do Direito do Trabalho, Almedina, 1997, página 820).
I - APRECIAÇÃO DA JUSTA CAUSA DOS AUTOS
Ora, face ao descrito quadro legal e à interpretação que a transcrita doutrina faz do mesmo, importa averiguar se a conduta dada como assente e imputada ao Apelado integra ou não o conceito legal de justa causa.
A sentença recorrida, como sabemos, decidiu em sentido positivo, com a argumentação jurídica que já tivemos oportunidade de reproduzir noutra parte desta Decisão Sumária.
Concordamos, em absoluto, com tal posição, quer assumida pela empregadora, quer pelo tribunal recorrido, no que respeita à ilicitude do despedimento com justa causa de que o Apelante foi alvo, por se nos afigurar proporcionada e razoável a aplicação ao trabalhador arguido no procedimento disciplinar da sanção máxima e não conservadora do vínculo laboral, nas circunstâncias muito concretas que foram dadas como assentes.
Não é aceitável, em termos jurídico-laborais e independentemente da perspetiva que se assuma em tal matéria, não encarar como voluntária, ilícita, culposa e muito grave a conduta sexualmente exibicionista assumida pelo Autor no seu tempo e local de trabalho e perante uma empregada de limpeza de empresa terceira, que ali se deslocava duas vezes por semana (actualmente, três vezes por semana).
Estando nós face a um trabalhador com cerca de dezoito anos de casa, sem passado disciplinar formalmente comprovado nos autos e sem grande desempenho profissional no seio da empresa, será de considerar irrazoável e desproporcionada a medida última de despedimento com justa causa aplicada pela Ré ao Autor?
A nossa resposta, como já antes avançámos, é negativa, pois afigura-se-nos que face a esse comportamento grave, voluntário, intencional, culposo e (presumivelmente) causador de prejuízos imediatos de imagem para a PT/MEO, para mais numa ilha como Santa Maria, no arquipélago e região dos Açores, não era exigível à Ré a manutenção do vinculo laboral, sendo perfeitamente adequada e proporcional a aplicação da sanção disciplinar máxima e não conservatória do vínculo laboral.
Logo, pelos fundamentos expostos, julgamos lícito o despedimento com invocação de justa causa de que o Autor foi destinatário, sendo assim inevitável a improcedência da Apelação, com a consequente confirmação da sentença recorrida.
IV – DECISÃO
Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.° do Código do Processo do Trabalho e 656.°, 612.° e 613.° do Novo Código de Processo Civil, mediante Decisão Sumária, neste Tribunal da Relação de Lisboa, julga-se improcedente o presente recurso de apelação interposto por JORGE ALBERTO CABRAL, confirmando-se, nessa medida, a sentença recorrida.
Custas do presente recurso a cargo do Autor - artigo 527.°, número 1 do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.
Lisboa, 01 de Setembro de 2016
José Eduardo Sapateiro