I-Constitui uma das garantias do trabalhador a proibição de o empregador lhe reduzir a retribuição, salvo nos casos previstos no próprio CT ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
II-Não se verificando nenhuma das situações previstas no código que tornam lícita a redução da retribuição (por ex°, redução do tempo de trabalho, suspensão do contrato em situação de crise da empresa, passagem do trabalhador a regime de tempo parcial, descida de categoria, nos casos em que é admitida) e não se referenciando qualquer instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que seja aplicável à relação laboral que o permita, é ilicita a redução da retribuição
Proc. 2898/14.6TTLSB 4ª Secção
Desembargadores: Maria João Romba - Paula Sá Fernandes - -
Sumário elaborado por Isabel Lima
_______
Processo n° 2898/14.6TTLSB.L1
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
B… instaurou a presente acção declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra M…, LDA., pedindo a condenação da Ré no pagamento das seguintes quantias:
- € 33.826,70 (trinta e três mil oitocentos e vinte e seis euros e setenta cêntimos), a titulo de créditos laborais devidos e não pagos, acrescida de € 2.843,51 (dois mil oitocentos e quarenta e três euros e cinquenta e um cêntimos), a título de juros de mora vencidos à data da instauração da acção;
- €1.900,00 (mil e novecentos euros), a título de pagamentos feitos pelo A. por conta e benefício da Ré, tudo acrescido de juros de mora vincendos, calculados à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.
O Autor alegou, em síntese, que em virtude do contrato de trabalho celebrado com a Ré, que veio a cessar por denúncia, cujos efeitos se produziram no dia 7 de Agosto de 2013, ficaram por pagar créditos salariais, decorrentes, quer da redução unilateral e ilícita de parte da sua remuneração por parte da Ré, quer do não pagamento de várias prestações retributivas (salários e subsídios) a partir do ano de 2012. Mais alegou que, em duas ocasiões, procedeu à transferência de € 800,00 e € 1.100,00, da sua conta pessoal para a empresa M..., S.L., por ordem da Ré, quantia que nunca lhe foi devolvida,
A Ré contestou, por excepção (a prescrição dos créditos reclamados pelo Autor) e por impugnação. Embora, reconhecendo ter deixado de pagar algumas prestações reclamadas, põe em causa o valor indicado pelo Autor como correspondendo à sua retribuição, alegando que o invocado prémio de produção mais não era do que o pagamento de ajudas de custo, variáveis consoante os meses. Impugnou ainda a factualidade alegada pelo Autor relativa aos períodos de férias gozados pelo mesmo e à alegada transferência de dinheiro para a empresa espanhola, denominada M…, S.L.. Deduziu pedido reconvencional, que não foi admitido.
Procedeu-se a audiência de partes, foi proferido saneador que relegou para final o conhecimento da excepção de prescrição e realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença que, julgando procedente a excepção peremptória de prescrição dos créditos emergentes do contrato de trabalho, absolveu a R. da totalidade do pedido.
O A. recorreu, tendo este tribunal, pelo acórdão de fls. 345/351 confirmado a sentença.
Interposto pelo A. recurso de revista excepcional, foi o mesmo, por acórdão de 12/5/2016, julgado procedente, tendo o STJ ordenado que os autos voltassem a este tribunal para conhecer dos créditos reclamados pelo A., cujo conhecimento havia ficado prejudicado pela procedência da prescrição
Cumpre pois apreciar se o A. tem direito aos créditos reclamados.
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1. No dia 9 de Julho de 2001, o Autor foi admitido ao serviço da Ré, tendo sido contratado, inicialmente a termo certo, para, sob as ordens, direcção e fiscalização daquela, exercer as funções correspondentes à categoria profissional de Director Financeiro.
2. Na prática, o Autor exercia as funções de director financeiro, Técnico Oficial de Contas e director de recursos humanos da Ré.
3. No dia 9 de Julho de 2013, o Autor comunicou ao Director Geral da Ré, Nuno Costa, que se demitia das suas funções, dizendo que tinha aceitado uma proposta de emprego feita por uma outra sociedade, sita em Moçambique, para onde teria de se mudar no princípio do mês de Agosto.
4. Nesse mesmo dia, o director geral da Ré contactou o Dr. Gonçalo Vicente solicitando que a empresa deste passasse a exercer, de imediato, as funções exercidas pelo Autor, o que aquele aceitou.
5. Uma vez que o Autor, no âmbito das suas funções de director financeiro, era o responsável pela contabilidade da Ré, o director geral da Ré, Nuno Costa, perguntou então ao Autor se o mesmo podia auxiliar na transição das pastas para o novo contabilista, Dr. Gonçalo Vicente.
6. 0 Autor aceitou ir passando as pastas apenas até ao final desse mês de Julho.
7. Durante alguns dos dias seguintes, o Autor deslocou-se às instalações da Ré, de modo a auxiliar o Dr. G… na transição da contabilidade da Ré.
8. 0 Dr. G… começou a detectar o incumprimento de diversas obrigações fiscais, designadamente a entrega de IES e declarações periódicas de IVA e de desvios contabilísticos, factos de que deu conhecimento a Nuno Costa.
9. Em finais do mês de Julho de 2013, confrontado com as discrepâncias detectadas pelo novo contabilista, o Autor referiu a N… que tinha desviado quantias monetárias, cujo valor não determinou e que queria pagar tais montantes.
10. Por carta datada do dia 5 de Agosto de 2013, enviada pelo Autor à Ré, que a recebeu no dia 7 de Agosto de 2013, aquele informou esta do seguinte: No passado dia 9 de Julho 2013 informei a empresa, nos termos do n.° 1 do artigo 400.° do Código do Trabalho, da intenção de me demitir das funções de Director Financeiro que exerço desde Junho de 2001 na Manuquímica, Lda. Venho por esta via formalizar o pedido de demissão apresentado na referida data, que produzirá os seus efeitos na data de efectiva recepção da presente carta. Ficarei a aguardar a liquidação dos créditos laborais vencidos e vincendos por conta da execução e cessação do meu contrato de trabalho..
11. Na sequência da conversa referida em 9., o Autor procedeu à transferência do montante de € 46.951,83 (quarenta e seis mil novecentos e cinquenta e um euros e oitenta e três cêntimos) para a conta da Ré.
12. A Ré enviou ao Autor, que a recebeu, uma carta datada de 19 de Agosto de 2013, da qual consta, além do mais, o seguinte teor: Serve o presente para acusar a entrada na nossa conta (...) do montante de € 46.951, 83 (...), valor que aceitamos, exclusivamente, como reconhecimento de dívida e princípio de pagamento das responsabilidades que V. Exa. tem para com a nossa empresa, cujo montante global está a ser apurado (...) Por último, nos termos conjugados dos artigos 400.° e 401.° do Código do Trabalho, cumpre-nos transmitir a V. Exa. que não prescindimos do montante referente à indemnização por inobservância do prazo de aviso prévio (60 dias), previsto para a denúncia do contrato de trabalho, levada a cabo por V. Exa, por comunicação datada de 05 de Agosto de 2013..
13. Em data não concretamente apurada, mas situada entre finais do mês de Julho e os primeiros dois dias do mês de Agosto de 2013, o Autor deixou de comparecer nas instalações da Ré.
14.0 salário base do Autor era de € 2.750,00 (dois mil setecentos e cinquenta euros).
15. Nos meses de Agosto, Setembro e Novembro do ano de 2008 e nos meses de Janeiro a Abril, Junho, Julho, Setembro, Outubro e Novembro do ano de 2009, o Autor auferiu ainda um denominado prémio de produção, no valor mensal de € 1.141,50 (mil cento e quarenta e um euros e cinquenta cêntimos).
16. 0 Autor recebia ainda mensalmente ajudas de custo, cujo valor era variável.
17. Em Dezembro de 2010, o valor mensalmente auferido pelo A. foi reduzido em € 200,00 (duzentos euros), situação que se manteve até ao final do contrato.
18. Tal redução não foi objecto de acordo escrito entre as partes, nem foi comunicada à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) nem por esta autorizada.
19. Era o Autor quem era o responsável pelo processamento dos salários e pela comunicação dos vencimentos à Segurança Social,
20. Em 2012, não foi pago ao Autor o valor do subsidio de férias referente ao ano civil de 2011, vencido no dia 1/01/2012.
21. Também no ano de 2012, não foi paga ao Autor a retribuição dos meses de Março, Abril e Outubro, nem o subsídio de Natal.
22. Em 2013, não foi pago ao Autor o valor do subsídio de férias referente ao ano civil de 2012, vencido no dia 1/01/2013, nem a retribuição do mês de Julho.
23. O Autor gozou vinte e dois dias de férias no ano de 2012.
24. No ano de 2013, o Autor gozou, pelo menos, uma semana de férias no mês de Junho, data em que foi para Moçambique.
25. No mesmo ano de 2013, o Autor gozou férias nos seguintes dias: 26 de Abril, 18 a 22 de Março e 11 de Fevereiro.
26. No dia 16/05/2011, o Autor transferiu a quantia de € 800,00 (oitocentos euros), da sua conta pessoal junto do Banco Santander para a empresa M…, S.L..
27. No dia 17/05/2011, o Autor transferiu a quantia de €1.100,00 (mil e cem euros) da sua conta pessoal junto do Banco Santander para a empresa M…, S.L..
28. O director geral da Ré era quem, em representação e no interesse da empresa, exercia as funções de gestão e era o responsável pela actividade por esta desenvolvida.
29. Foi o Autor quem, alegando existirem dificuldades financeiras da empresa, propôs ao director geral da Ré, Nuno Costa, a redução dos salários, quem determinou o montante concreto da redução e a que trabalhadores se iria aplicar, o que o director geral da Ré aceitou.
E, como não provados:
A. A retribuição do A. era de € 3.981,50 (três mil novecentos e oitenta e um euros e cinquenta cêntimos) ilíquidos mensais.
B. 0 denominado prémio de produção referido em 15. foi pago todos os meses no montante fixo de €1.141,50 (mil cento e quarenta e um euros e cinquenta cêntimos).
C. E correspondia ao pagamento de ajudas de custo, que o Autor decidiu renomear para prémio de produção.
D. Em Dezembro de 2010, foi a Ré quem transmitiu e impôs ao Autor a decisão de que iria haver uma redução salarial.
E. Com a redução, a retribuição mensal do A. passou a ser de € 3.961,50 (três mil novecentos e sessenta e um euros e cinquenta cêntimos) ilíquidos.
F. 0 Autor não consentiu na referida redução salarial.
G. No ano de 2012, o A. não gozou dois dos dias de férias referentes ao ano civil de 2011.
H. No ano de 2013, o subsídio de férias e de Natal eram pagos em duodécimos juntamente com o salário.
I. Em meados do mês de Maio de 2011, a empresa M…, S.L., tinha uma necessidade urgente de receber € 1.900,00 (mil e novecentos euros) por parte da Ré, tendo em vista o pagamento de leasing de determinados automóveis.
J. Em face da manifesta urgência por parte da referida empresa em receber a quantia indicada, e devido à circunstância de o A. ter a sua conta bancária pessoal junto do Banco Santander, foi pedido ao A., pelo director geral da Ré, que efectuasse o pagamento em causa através da sua conta pessoal, dizendo-lhe que o respectivo montante lhe seria depois devolvido.
Apreciação
Alegou o A. que auferia a retribuição mensal ilíquida de € 3.891,50, sendo processado € 2.750,00 como retribuição base e um complemento salarial de 1.141,50, pago todos os meses, que era denominado prémio de produção.
A R., por sua vez alegou que o denominado prémio de produção, mais não era que as ajudas de custo, que eram efectivamente norma dentro da empresa, e que o próprio A., por sua autorrecreação, decidiu renomear em alguns meses.
0 que ficou assente é que, em três meses do ano de 2008 e nove meses do ano de 2009 foi processado e pago ao A. um denominado prémio de produção de € 1.141,50 e que o A. recebia ainda mensalmente ajudas de custo, de valor variável. Não é despiciendo sublinhar que o A. exercia as funções de Director Financeiro, Técnico Oficial de Contas e de Director de Recursos Humanos, sendo ele o responsável pelo processamento das retribuições.
Não tendo ficado apurado qual a causa específica da atribuição do mencionado prémio de produção, e tendo a relação laborai vigorado no período de 9/7/2001 a 7/8/2013, entendemos que o pagamento do mesmo durante doze meses intercalados ao longo de dois anos - 2008 e 2009 - não são de modo algum suficientes para permitir concluir que se tratasse de uma prestação obrigatória, que fosse devida como contrapartida da prestação de trabalho e que deva, por isso, considerar-se como parcela retributiva. Face à forma esporádica como foi paga, é de crer que se tratasse antes de uma gratificação (como a designação prémio deixa entender), seja pelos bons resultados, seja pelo mérito profissional do A., nada permitindo concluir sequer que estivesse antecipadamente garantida. Trata-se, pois, de prestação que, em conformidade com o preceituado pelo art. 260° n° 1 al. b) ou c) do CT não se considera retribuição
Daí que o valor da retribuição a atender nas prestações reclamadas pelo A. seja apenas de € 2.750,00 mensais.
Vejamos então quais os créditos a que o A. tem direito.
Ficou assente que não foram pagas ao A. as retribuições dos meses de Março, Abril e Outubro de 2012, assim como o subsídio das férias vencidas em Janeiro desse ano (que foram integralmente gozadas), o subsídio de Natal e o subsídio de férias relativo às férias pelo trabalho prestado em 2012, que se venceram em Janeiro de 2013, das quais o A. apenas gozou doze dias e a retribuição de Julho de 2013.
Tem, pois, a haver o pagamento de tais prestações em falta, no valor de 2.750,00x7=19.250 + 1.250,00 (pelos 10 dias de férias não gozadas), o que perfaz 20.500,00.
Reclama também o A. o pagamento de um total de € 6.000 referente à reposição da dedução de € 200,00 efectuada mensalmente desde Dezembro de 2010 e que ficou efectivamente provada. Apesar de tal dedução ter sido proposta pelo próprio A., é entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência que, atenta a situação de subordinação jurídica perante o empregador em que se encontra o trabalhador, durante a vigência do contrato de trabalho a retribuição é irrenunciável, pelo que se entende irrelevante aquela circunstância.
Constitui uma das garantias do trabalhador a proibição de o empregador lhe reduzir a retribuição, salvo nos casos previstos no próprio código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho (art. 129° n° 1 ai. d) do CT). Não se verifica, no caso, nenhuma das situações previstas no código que tornam lícita a redução da retribuição (por ex°, redução do tempo de trabalho, suspensão do contrato em situação de crise da empresa, passagem do trabalhador a regime de tempo parcial, descida de categoria, nos casos em que é admitida) e não vem referenciado qualquer instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que seja aplicável à relação.
A redução efectuada foi, pois, ilícita, pelo que assiste ao A. o direito ao pagamento dos valores indevidamente deduzidos. Entre Dezembro de 2010 e Junho de 2013, contando subsídios de férias e subsídios de Natal e descontados os sete meses considerados integralmente no ponto anterior, temos 30x200=6.000, procedendo pois o pedido quanto a esta parcela.
O mesmo não se pode afirmar relativamente ao pedido referente ao reembolso das transferências efectuadas pelo A. para a sociedade espanhola referida, por não ter logrado provar que tal lhe tivesse sido ordenado ou sequer pedido pelo director-geral da R..
O A. peticiona também proporcionais de férias subsídio de férias e de Natal e, não se tendo provado que lhe tivessem sido pagas tais prestações, são devidas atenta a cessação do contrato (cf. art. 263° n°s 1 e 2 ai. b) e 245° n° 1 ai. b) CT), no valor de 1.658,00x3= € 4.974,00.
Em suma as prestações de capital devidas ao A. perfazem no total € 31.474,00.
A este valor há que (procedendo à compensação) deduzir o do crédito da R. sobre o A., referente a indemnização por incumprimento de aviso prévio, (cf. art. 401°), como o próprio A. reconhece na petição, no valor de € 5.500 (2.750x2) redundando pois em € 25.974,00 o montante total devido ao A., a que acrescem juros de mora à taxa legal desde o vencimento de cada prestação até integral cumprimento, perfazendo os vencidos nesta data € 4.738,49.
Decisão
Pelo que antecede se acorda em julgar procedente a apelação e, consequentemente, julgando parcialmente procedente a acção, condenar a R. a pagar ao A. a quantia global de € 25.947,00, relativa às prestações que ficaram discriminadas, acrescida de juros de mora à taxa supletiva legal sobre cada uma das prestações desde a data do respectivo vencimento até integral pagamento, sendo os vencidos nesta data de € 4.738,49.
Custas do recurso pela recorrida e da acção por ambas as partes, na proporção do decaimento.
Lisboa, 14 de Setembro de 2016
Maria João Romba
Paula Sá Fernandes
Romena Manso