Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Laboral
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 - ACRL de 28-09-2016   Ilegalidade da isenção da retirada do horário de trabalho. Despedimento irregular. Obrigação de indemnizar o trabalhador. Litigância de má fé
I- Vigorando entre as partes o regime de Isenção do Congtrato de Trabalho estabelecido no contrato de trabalho escrito que ambas celebraram, não pode tal isenção ser retirada unilateralmente pelo empregador
II- Tendo a entidade patronal negado, em diversas ocasiões, a existência de contrato escrito com o trabalhador, subscrito por uma dos gerentes, o que, não podia ignorar, deve ser condenada como litigante de má fé, em multa e indemnização
III- Sendo lícito o despedimento do trabalhador, por ter sido despedido com justa causa, tal despedimento pode ser ser irregular, em virtude das diligências probatórias por ele requeridas, terem sido indeferidas pela entidade patronal, sem fundamento legal bastante (art.° 356.°n.° 1 do CT).
Proc. 3814/12.5TTLSB 4ª Secção
Desembargadores:  Albertina Pereira - Leopoldo Soares - -
Sumário elaborado por Isabel Lima
_______
Apel. 3814.12.5TTLSB. L1
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
I - RELATÓRIO
J... intentou o presente processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, contra M..., LDA..
Juntou cópia da decisão do seu despedimento pela empregadora, alegando justa causa.

Realizada a audiência de partes e gorada a tentativa de conciliação das mesmas, a empregadora, notificada para o efeito, apresentou o articulado a motivar o despedimento, que consta de fls. 28 a 36 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido, bem como juntou o processo disciplinar.

O trabalhador contestou, pela forma expressa no articulado de fls. 484 a 567 dos autos, que aqui se dá, igualmente, por integralmente reproduzido, no qual deduziu reconvenção e requereu a intervenção da sociedade STA - Saúde, Trabalho e Ambiente, Lda., de R… e de É....
Admitidas as requeridas intervenções e citados os interessados, contestou a sociedade STA - Saúde, Trabalho e Ambiente, Lda., através do articulado de fls. 671 a 676, R..., com os fundamentos que constam do articulado de fls. 680 a 683, e É..., pela forma expressa no articulado de fls. 688 a 691.
Foi proferido despacho saneador, tendo sido dispensada a selecção da matéria de facto.

Procedeu-se a julgamento, com observância do legal formalismo, como se alcança das respectivas actas.

Proferida sentença foi a acção julgada parcialmente procedente, pelo que: Foi declarado lícito o despedimento do trabalhador;
A empregadora condenada a pagar àquele a quantia de €1.502,84, a título de reembolso de despesas de 2011, acrescida de juros à taxa legal, desde o vencimento respectivo;
Absolvida a empregadora, dos demais pedidos contra ela formulados;
Absolvidos os intervenientes S.T.A. - Saúde, Trabalho e Ambiente, Lda., R... e É... dos pedidos.
Inconformado com esta decisão dela recorre o trabalhador, tendo concluído as suas alegações de recurso do seguinte modo:
1. Ficou sobejamente demonstrado que ambas as RR. litigaram de má-fé ao negarem a existência de contratos escritos - quer no processo disciplinar quer, mais tarde, nos articulados iniciais --, isto com o evidente propósito de dificultar o apuramento da verdade material.
2. Sendo certo que nenhuma das empresas podia ignorar a existência de tais contratos escritos - pois até foram assinados pelo mesmo gerente comum - nem podiam desconhecer a relevância dos mesmos.
3. Consequentemente, a sentença deveria ter sindicado se as RR. haviam actuado como litigantes de má fé, e sendo o caso, devia condená-las conforme oportunamente requerido pelo A. (cfr. Art.° 90 da resposta à motivação).
4. Sucede que a sentença não se pronunciou sobre a alegada má-fé das RR. - como devia - incorrendo assim em nulidade por omissão de pronúncia, ex vi do art.° 615.° n.° 1 d) do CPC.
5. Mas se não foi omissão de pronúncia, foi pelo menos erro de julgamento.
7. II - RECUSA DE PROVAS: FALTA DE PRONÚNCIA SOBRE VÍCIOS MATERIAIS
8. A sentença entendeu que a recusa das provas não invalidava o processo disciplinar nem o despedimento, usando para tanto, de forma simplista, argumentos meramente formais.
9. Sucede que na sua resposta ao articulado inicial o A. havia refutado esses fundamentos recusatórios como erróneos, falsos e irrelevantes. Ou seja, apontou vícios não tanto de forma, mas, sobretudo, de substância.
10. Ora, a sentença é totalmente omissa sobre os vícios materiais que inquinavam a recusa de prova, oportunamente suscitados pelo A, pois contentou-se em apreciar as exigências constantes da última parte do n.° 1 do art.° 414.° do CT/2003, como se de meras formalidades se tratassem.
11. Assim procedendo, o tribunal fugiu a pronunciar-se sobre os vícios de fundo alegados, a saber, a recusa não se basear numa fundamentação pertinente, verdadeira, congruente, suficiente e materialmente válida.
12. Incorreu assim a sentença em nova nulidade por omissão de pronúncia quanto aos vícios materiais da recusa probatória, ex vi do art.° 615.° n.° 1 d) de CPC.
13. Quando, por absurdo, assim não se entenda, incorreu em erros de julgamento. Mas há mais.

III - FALSIDADE OU SIMULAÇÃO DA BAIXA MÉDICA; PROVA VINCULADA;
CONTRADIÇÃO ENTRE A MATÉRIA PROVADA E A DECISÃO DE DIREITO
14. Contrariamente ao que a sentença pretende, as RR., não conseguiram provar que o estado de doença do arguido fosse falso ou simulado.
15. Note-se que a prova da falsidade do estado de doença incumbe a quem a alega, no caso à entidade patronal - e a prova é vinculada.
16. Tratando-se de falta por doença, tal justificação não é livre, antes vinculada, pois faz-se através de apresentação, pelo trabalhador, de uma declaração de estabelecimento hospitalar, de centro de saúde ou de atestado médico, o que veio a ser expressamente consagrado no art.° 229 °, n.° 2, do CT de 2003 e confirmado no CT de 2009.
17. Se o empregador duvidar da doença invocada e/ou quiser provar que é falsa, deverá recorrer obrigatoriamente aos mecanismos de fiscalização da doença legalmente previstos nos n.°s 3 a 5 do art.° 229.° do CT de 2003, e no artº 254 do CT de 2009.
18. Ora, a arguente não fez a contra-prova nos termos legalmente estabelecidos, o que basta para inviabilizar irremediavelmente, logo à partida, a prova da falsidade pretendida.
19. Tendo falhado a prova de simulação da baixa médica, a sentença recorrida devia ter deixado cair a qualificação dessas faltas como simuladas, e/ou dos certificados justificativos como falsos ou injustificadas.
20. O certo é que a sentença recorrida considerou que os factos trazidos aos autos «integram, além do mais, a previsão do no 1 e da alínea f), do art.° 351.° n.° 2, do CT, constituindo, assim, justa causa de despedimento à luz do critério supra explanado.»
21. Recorde-se que a alínea f) do art.° 351.° n.° 2, do CT sanciona as «falsas declarações relativas à justificação de faltas.
22. Incorreu assim a sentença em nova nulidade ex vi do art.° 615, n.° 1 c) de CPC., desta vez por contradição entre os factos provados em N) relativamente à justificação das faltas, e a qualificação dessa justificação como falsa ex vi da alínea f) do art.° 351.° n.° 2, do CT (sancionando com despedimento as «falsas declarações relativas à justificação de faltas.).
23. Quando, por absurdo, assim não se entenda, incorreu em erro de julgamento na 24. Na cláusula 6.a do contrato de trabalho escrito com a M..., datado de 1 de Dezembro de 2002 (cfr. fls...) foi estipulado que o A. receberia uma retribuição mensal dita de Isenção de Horário de Trabalho (IHT) correspondente a 25/prct. do vencimento de base.

IV - DA ISENÇÃO DE HORÁRIO CONTRADIÇÃO DE RESPOSTAS;
OMISSÃO DE PRONÚNCIA E/OU AMBIGUIDADE
24. Na cláusula 6.a do contrato de trabalho escrito com a M..., datado de 1 de Dezembro de 2002 (cfr. fls...) foi estipulado que o A. receberia ma retribuição mensal dita de Isenção de Horário de Trabalho (IHT) correspondente a 25/prct. do vencimento de base.
25. Tal contrato tenha sido assinado em 2004, mas as partes tiveram o cuidado de consignar na cl.a 7.a que o «contrato considera-se em vigor desde 1 de Dezembro de 2002».
26. Ou seja, a vigência da IHT está reportada à data da admissão do A. ao serviço da M....
27. O contrato escrito assinado com a M... justificava a adoção da IGT de outra forma:
«... atentas as características da actividade e a circunstância da sua dependência dos programas de trabalho ajustados com os Clientes da 1ª Contratante».
28. A adoção da IGT para além de vaga e genérica, não obedecia às condições e requisitos da legislação ao tempo vigente para a IHT, pelo que já se tornara irreversível.
29. Ocorre assim nulidade por contradição nas respostas aos factos ex vi do art.° 615, n.° 1 c) de CPC.
30. Sanado tal nulidade, a resposta dada em I) será alterada como se segue I) - Segundo consta do consta escrito, o trabalhador tinha IHT atentas as características da actividade e a circunstância da sua dependência dos programas de trabalho ajustados com os Clientes da 1a Contratante».
31. Dez anos mais tarde a M... enviou ao A. uma carta datada de 22.05.2012 comunicando-lhe o fim da isenção de horário de trabalho a partir de 01.06.2012.
32. O que justificou nos seguintes termos: «Em virtude da necessária organização interna dos serviços, em que a regular actividade de V. ex. irá passar a ser exercida nos estabelecimentos da nossa empresa, com controlo imediato da hierarquia, e apenas pontualmente com deslocação a estabelecimentos dos nossos clientes, deixa de se justificar a isenção do horário de trabalho».
33. O A. opôs-se frontalmente à retirada dessa isenção, pois entendeu que a respectiva retribuição já não podia ser retirada unilateralmente, com os fundamentos aqui dados corno reproduzidos.
34. Na nota de culpa com vista ao despedimento, a R. veio formular as seguintes imputações relativas à IHT:
« (...)13. Com efeito, prestava o arguido o seu trabalho com IHT pois as suas funções eram maioritariamente desempenhadas nos estabelecimentos dos clientes da arguente, sem o controlo imediato desta.
14. No entanto, em 1 de Junho de 2012 procedeu-se ao reajustamento dos serviços, tendo o arguido passado a exercer a sua actividade no consultório sito no edifício da sede da arguente.
15. Pelo que deixou de existir motivação legal - e necessidade - para a arguente manter o arguido com IHT.»
35. Logo, a fundamentação constante do contrato escrito não coincide com a da carta que retirou a IHT nem com a da nota de culpa.
36. Ocorre assim nulidade por contradição nas respostas aos factos ex vi do art.º 615º, nº 1 c), de CPC.
37. Sanado tal nulidade, resposta dada em I) será alterada como se segue 1) - Segundo consta do consta escrito o trabalhador tinha IHT atentas as características da actividade e a circunstância da sua dependência dos programas de trabalho ajustados com os Clientes da 1a Contratante».
38. Sendo assim, seria de esperar que a sentença se pronunciasse de modo expresso, claro, preciso e completo sobre toda esta problemática da IHT e, no final, tomasse posição favorável ao A. O que não fez.
39. Mais grave ainda, a sentença nem sequer faz qualquer referência particular e específica â IGT. Limita-se a discorrer sobre o ónus da prova relativamente a créditos salariais ou retribuições. Mas nunca especifica, em concreto, a quais se refere.
40. Com podemos observar, a sentença limita-se a tecer considerações de forma genéricas e assaz ambíguas.
41. E não se pronunciou sobre as diversas questões fácticas e jurídicas suscitadas pelo A. relativamente ao seu direito à IGT, nomeadamente a sua alegada irreversibilidade.
42. Fica assim a dúvida se pretende referir-se ao subsídio de IHT - que a decisão nunca se refere explicitamente -- e/ou a quaisquer outras retribuições, e quais.
43. Incorreu assim a sentença em novas nulidades:
A) Ou por omissão de pronúncia relativamente à IHT ex vi do art. 615, n.° 1 d) de
B) E, ou por ambiguidade ou obscuridade, ex vi do art.° 615.° n. ° 1 c) de CPC.
44. Quando, por absurdo, assim não se entenda, incorreu em erro de julgamento na apreciação da prova.
CPC.,;

RECURSO DAS RESPOSTAS À MATÉRIA DE FACTO
45. Segundo a acusação disciplinar, o A. teria dado consultas na Misericórdia de Lisboa não obstante se encontrar de baixa médica, sendo por isso a doença simulada e a justificação falsa.
46. Tal matéria acusatória foi expressamente impugnada logo na defesa escrita.
47. Ora as RR. não conseguiram provar as imputações com incidência disciplinar.
48. No que concerne aos factos causais do despedimento, o tribunal deu como provados o seguinte:
O) - No dia 11 de Julho de 2012, o trabalhador assistiu o Sr. J... numa consulta de oftalmologia na Santa Casa da Misericórdia de Oeiras.
P) - Contactada telefonicamente, em Julho de 2012, a Santa Casa da Misericórdia de Oeiras, foi informado que o trabalhador dava lá consultas.
Q) - A ausência do trabalhador ao trabalho, no período referido em N), obrigou à reformulação da distribuição do serviço pelos médicos que trabalhavam na empregadora.
49.0 tribunal justificou com que base chegou a tais respostas como se segue:
«Os factos constantes da alínea O) assentaram na análise crítica do depoimento da testemunha J..., depoimento que foi corroborado pelo teor dos documentos de fls. 19 a 21 do processo disciplinar apenso, não impugnados.
Os factos constantes da alínea P) assentaram na análise crítica do depoimento da já referida testemunha F....
Os factos constantes da alínea Q) assentaram na análise crítica do depoimento da já referida testemunha F... e do depoimento da testemunha ..., que trabalha para a empregadora (M...) desde 2007, como enfermeiro»
50. Sucede que os depoimentos das referidas testemunhas e os documentos aludidos não permitiam ao tribunal dar como provada a matéria das alíneas O), P) e Q), que por isso deverá ser eliminada ou alterada.
51. Analisando o depoimento da testemunha J..., nada existe no seu depoimento que permita afirmar que a referida consulta teve lugar precisamente naquele dia 11 de Julho.
52. A razão é simples: quando interrogada pela Sra. Advogada das RR., a testemunha João Sousa não conseguiu precisar quando a alegada consulta terá tido lugar.
53. Só se recorda que terá sido em 2012, mas sem especificar o mês (Junho ou Julho ?) nem sequer o dia.
54. Manteve a mesma imprecisão quando interrogada pelo Advogado do trabalhador.
55. Dado o exposto, a alegada consulta, a ter tido lugar no Verão de 2012 - o que não se admite -- poderá ter ocorrido entre 1 de Junho e 31 de Julho.
56. Sendo que a primeira baixa médica do A. só teve início em 6 de junho.
57. Mas nem isso é certo. Com efeito, além de imprecisa, a testemunha revelou-se pouco isenta e credível, dada a sua especial proximidade -- quer familiar quer de amizade - com um gerente de ambas as RR., R…
58. Por outro lado, a explicação estapafúrdia que a testemunha deu para justificar a marcação de tal consulta de oftalmologia na Santa Casa da Misericórdia de Oeiras não é plausível
59. Porque precisou a testemunha de se deslocar a Oiras, e logo à Santa Casa, e exatamente numa quarta feira à tarde, ainda por cima tendo-lhe calhado na rifa o A.?
60. Curiosamente, a seria a primeira consulta, sem a testemunha jamais ter antes ouvido falar no A.
61. E, ainda mais estranho, tudo isto apenas dois dias antes de jantar em casa do primo e gerente das RR., ele próprio médico. É difícil imaginar maior pontaria! Convenhamos que tantas coincidências são pouco plausíveis.
62. Culminando esta triste ficção, a testemunha admite ter saído da consulta em Oeiras sem ter sequer perguntado o nome do médico que a atendera.
63. Estranhamente, dois dias mais tarde, durante o jantar em casa do primo R..., a testemunha já mostra saber o nome do oftalmologista que a havia atendido.
As estranhas voltas que a memória dá!
64. É evidente que a história está mal contada e que a testemunha mentiu.
65. O mais plausível seria a testemunha ter solicitado ao primo R... que lhe indicasse um médico oftalmologista e que ele lhe tenha recomendado o Dr. João Gomes Ferreira, precisamente por saber que o A. lá dava consultas há vários anos e sempre à quarta-feira à tarde.
66. Os documentos fotocopiados, juntos pela arguente a fls. 19 a 21 do processo disciplinar, também deixam as maiores dúvidas, sobretudo se confrontados atentamente com o depoimento e minuciosamente analisados.
67. Em primeiro lugar, os respetivos autores ou emitentes nunca foram chamados a depor em julgamento por forma confirmarem a respetiva autoria.
68. Em segundo lugar, própria testemunha Sr. João Sousa não consegue reconhecer os documentos de forma plena e precisa, e nega ter recebido qualquer receita.
69. Sendo assim, algo não bate certo com esta receita, tanto mais que nenhuma outra testemunha mostrou conhecer tal receita e/ou a respectiva data ou autoria.
70. Assim sendo, não se entende - salvo por erro manifesto de análise crítica da prova - que o tribunal tenha fundamentado a sua resposta com base no «depoimento de J...», mesmo se conjugado com a receita de fls 19.
71. Os documentos de fls. 20 a 21 do processo disciplinar não afastam as dúvidas deixadas pela testemunha José Moura quanto à prescrição da receita ao A. no dia 11 de Julho de 2012.
72. Começando pelo recibo de fls. 20, o depoimento da testemunha é impreciso. Afinal, e vendo bem, apenas alude ao preço de uma consulta, e mesmo isso sem rigor.
73. O próprio aspeto do recibo é duvidoso, já que é uma fotocópia parcialmente ilegível e nem sequer debita IVA pelo serviço alegadamente prestado.
74. E não identifica quem foi atendido nem quando. Apenas identifica quem pagou.
75. Sendo certo que na data de emissão de um recibo nem sempre coincide com a data da prestação do serviço, nem com a data do efetivo pagamento.
76. Quanto à justificação de presença fotocopiada a fls. 21, no seu depoimento a testemunha já não faz ideia se se trata do mesmo documento ou não.
77. A própria justificação apresentada pela testemunha para solicitar tal declaração de comparência raia o absurdo.
78. Na melhor hipótese a declaração refere a comparência da testemunha na Santa Casa no dia 11.07.12, entre as 13h15 e as 14h30, para uma consulta de oftalmologia.
79. Mas não indica se a consulta se concretizou, quem foi o médico que atendeu o paciente, se é que foi mesmo atendido por um médico.
80. Seja como for, dificilmente será o mesmo médico que passou a receita de fls. 119 (lentes e gotas oftálmicas), dado que a própria testemunha negou ter recebido a alegada receita de fls. 19.
81. Tudo isto deixa as mais fundadas dúvidas não só sobre a prescrição e/ou reei mas também sobre a referida consulta pelo A. naquela data.
82. Logo a resposta O) deve ser eliminada, por não provada.
83. Ou, quando muito, alterada passando a ler-se apenas:
O) - Em Junho ou Julho de 2012, o Sr. J... compareceu na Santa Casa da Misericórdia de Oeiras para numa consulta de oftalmologia» marcada para as 13h15»

I) ELIMINAÇÃO OU ALTERAÇÃO DA RESPOSTA REFERIDA EM P)
84. Segundo o tribunal, os factos da alínea P) apenas «assentaram na análise crítica do depoimento da já referida testemunha F...»
85. Ora a alínea P) não espelha fielmente o que disse a testemunha.
86. Como se pode ver, a testemunha começa por admitir já saber que o A. dava consultas na Santa Casa.
87.0 que revela que tais consultas não eram desconhecidas no seio das RR, como aliás o A. sempre disse.
88. Mais refere que essa tentativa abortada de marcação de uma consulta durante o mês de Julho foi feita a pedido da gerência das RR.
89. O que só por si revela que a gerência também sabia dessas consultas.
90. Nem podia ignorar, pois o A. nunca tal ocultou.
91. Precisamente por isso todos os mapas de distribuição de serviço juntos aos autos deixam a tarde de 4a feira sempre livre.
92. Acresce que a testemunha não soube indicar o dia nem sequer o ano em que tal telefonema ocorreu.
93. Ora, o apuramento do ano em que tal telefonema foi feito é essencial para efeitos disciplinares, nomeadamente em sede de caducidade.
94. Também não identifica o n.° de telefone usado, nem quem foi a senhora que forneceu tal informação, pelo que tal informação é insusceptível de confirmação.
95. Logo, a resposta deve ser não provado.
96. Ou, subsidariamente, alterada como se segue:
P) - «Tendo contactado telefonicamente a Santa Casa da Misericórdia de Oeiras, a pedido da gerência da R., durante o mês de Julho mas em dia e ano não apurados, para o efeito de se marcar uma consulta, o Sr. F... foi informado, por pessoa não apurada, que o Sr. Dr. dava lá consultas, tendo os serviços da Santa Casa respondido: Ah, mas ligue para a semana, que o Sr. Dr. vai estar aqui uns dias, e depois marca-se o dia que lhe der mais jeito:

J) ELIMINAÇÃO OU ALTERAÇÃO DA RESPOSTA REFERIDA EM Q)
97. Passando ao facto Q), o Tribunal deu como provado que «a ausência do trabalhador ao trabalho, no período referido em N), obrigou à reformulação da distribuição do serviço pelos médicos que trabalhavam na empregadora.
98. Tal resposta deve ser eliminada, pois pretende responder a matéria genérica e conclusiva.
99. Note-se que já na acusação não é minimamente especificado, em concreto, (nem na motivação) qual foi a distribuição de serviço que foi implementada pela empresa, por forma a ocorrer exactamente à baixa do arguido, nem quantos médicos estiveram envolvidos na substituição, nem quantas horas a mais foram gastas e quando, ou a que preço, etc.
100. Logo, a resposta dada em Q) é ela própria inadmissível -- na medida em que não lhe cabe dar respostas vagas, genéricas e conclusivas - devendo portanto ser eliminada.
Resposta não provada
101. Subsidiariamente - se por absurdo não for eliminada -- deverá ser pelo menos ser alterada, por erro de julgamento da prova efectivamente produzida. Com efeito.
102. Justifica o tribunal que tais factos «assentaram na análise crítica do depoimento da já referida testemunha F... e do depoimento da testemunha ..., que trabalha para a empregadora (M...) desde 2007, como enfermeiro»,
103. Ora, não é isso que resulta do depoimento dessas testemunhas.
104. Esta testemunha nada disse no que respeita às alterações internas alegadamente ditadas pela baixa médica.
105. Quanto à testemunha L..., quando interrogada pela Senhora Advogada da Ré de forma vaga e sugestiva sobre as consequências perniciosas decorrentes de tal baixa, respondeu de modo assaz genérico e igualmente conclusivo à questão posta.
106. A única testemunha a quem foi posta a questão do eventual prejuízo decorrente da baixa do A. não soube responder.
107. Aliás, nem lhe era exigido que respondesse a tal pergunta, por ser formulada de forma igualmente genérica e conclusiva.
108. Sendo certo que também não respondeu à única pergunta concreta formulada, pela Advogada da R., qual seja, se o A. «tinha marcações para essa altura, em que esteve doente, em que apresentou uma baixa».
109. E quanto ao resto, deu uma resposta genérica e meramente especulativa.
110. E sem isso, não poderia o tribunal concluir que a ausência do A. no período referido em N), «obrigou à reformulação da distribuição do serviço pelos médicos que trabalhavam na empregadora». Daí tal resposta dever ser eliminada.

K) NOVA RESPOSTA PROVADO
111. Na sua resposta ao articulado inicial, o A. alegou que tinha as tardes de quarta-feira livres.
112. E disse que as usava para praticar oftalmologia na Santa Casa da Misericórdia de Oeiras, isto com conhecimento da R.
113. E todos os Mapas de Planeamento e os Horários que juntou à contestação davam invariavelmente a tarde de 4.a feira do A. como desocupada.
114. Aliás, nos pontos 66 e 67 da sua resposta à reconvenção a R. M... tenha admitido expressamente - ou pelo menos implicitamente -- que o A. tinha as tardes de quarta-feira livres.
115. Vendo bem, a divergência resume-se à utilização que o A. dava a essas tardes.
C) Segundo a R. alega de má-fé, seria para conclusão da especialidade de Oftalmologia (o que não faz qualquer sentido, pois a regalia prolongou-se desde a admissão até ao despedimento).
D) Segundo o A, para exercer Oftalmologia;
116. Por outro lado, as RR. jamais contrariaram --- como era seu ónus - o facto negativo seguinte: «O A. nunca trabalhou para qualquer das empresas à 4a feita da parte da tarde».
117. Nem o conseguiram contra-provar, salvo de má-fé, pois nenhum dos numerosos mapas semanais juntos aos autos atribui trabalho ao A. na quarta-feira à tarde.
118. Sendo assim, o Tribunal deverá dar como provados os seguintes factos: (...) «O A. tinha as tardes de quarta-feira livres»
(...) «O A. nunca trabalhou para qualquer das empresas à 4a feita da parte da tarde». d) Não exclusividade
119. Na sua resposta ao articulado inicial, o A. alegou que o seu vínculo contratual com a R. não implicava exclusividade, e que estava autorizado a trabalhar para outras entidades.
120. No ponto 68 da sua resposta à reconvenção a R. M... admitiu que o A. nunca foi contratado em regime de exclusividade e reconheceu que nunca foi impedido pelas RR. de exercer qualquer outra actividade.
121. Logo, a Relação deverá dar como provado:
i. « O A. nunca esteve contratado pelas RR. em regime de exclusividade.
ii. Nem foi impedido pela R. M... de exercer qualquer outra actividade fora do seu horário de trabalho para a R.».

RECURSO DA MATÉRIA DE DIREITO
I - PRETERIÇÃO DAS GARANTIAS DE DEFESA
A) INTRODUÇÃO
122. No relatório final a R. M... indeferiu toda a prova requerida, com os fundamentos já referidos em sede de NULIDADES e ora dados como reproduzidos.
123. Na sentença o tribunal a quo considerou que a recusa da prova requerida não invalidava o processo disciplinar nem o despedimento, usando para tanto argumentos formais.
124. Todavia, o tribunal não se deu ao trabalho de sindicar os aspectos substantivos da recusa de prova, oportunamente suscitados pelo A., ou seja, saber se a recusa do instrutor se baseou numa fundamentação substantiva e verdadeira, pertinente, congruente e suficiente.
125. O mesmo é dizer que a sentença contentou-se em apreciar a exigência constante da última parte do n.° 1 do art.° 414. ° do CT/2003 como se de uma mera formalidade se tratasse.
126. Ora o instrutor não tinha razões formais ou materiais bastantes para indeferir o requerimento probatório do arguido.
B) FUNDAMENTAÇÃO DA RECUSA DE PROVAS:
127. A sentença, ao adotar uma interpretação formalista do n.° 1 do art.° 414.° do CT/2003, incorreu em erro de direito. Com efeito, nada existe na letra da norma - e muito menos no seu espírito -- que nos leve a concluir que o legislador se contenta com o mero respeito dos elementos formais.
128. O efetivo direito do arguido à defesa deve incluir, como regra geral, o direito de produzir prova. Este direito só pode restringido ou recusado em condições excecionais, a apreciar caso a caso.
129. Razão pela qual o tribunal não poderá ficar impedido de sindicar a sua substância. De outra forma a recusa de provas escaparia facilmente à sindicância substancial do julgador para se transformar facilmente num simples pró-forma.
130. Logo, tendo o arguido questionado, na sua defesa, a fundamentação da recusa nos seus aspectos substanciais, o tribunal não poderia deixar de se pronunciar sobre tais vícios, com vista a apurar se a recusa do instrutor se baseou numa fundamentação relevante, verdadeira, pertinente, congruente e suficiente.
131. Ao contentar-se com uma analise meramente formal da fundamentação recusatória, o tribunal não só interpretou erradamente o alcance da última parte do n.° 1 do art.° 414.° do CT/2003, como violou as garantias de defesa aplicáveis a qualquer processo sancionatório, à luz do artigo 32.° , n.° 10 da Constituição da República Portuguesa.
132. Nos termos do artigo 32.°, n.° 10 da CRP, é inconstitucional a aplicação de qualquer tipo de sanção, contra-ordenacional, administrativa, fiscal, laboral, disciplinar ou qualquer outra, sem que o arguido seja previamente ouvido e possa defender-se das imputações que lhe são feitas.
133. Além disso, da garantia à segurança no emprego, prevista no artigo 53.° da Constituição, decorre que o despedimento deve satisfazer exigências procedimentais suficientemente robustas, de tal sorte «que o procedimento disciplinar conducente ao despedimento seja um due process, devendo assegurar as garantias de defesa do trabalhador».
134. Nestes termos, a solução adotada pela sentença recorrida, ao negar o exercício do direito à prova do arguido, assenta numa interpretação restritiva e meramente formalista, que não só é errada como deve ter-se por inconstitucional, porque violadora do artigo 32.°, n.° 10 conjugado com o artigo 53.° da Constituição.
135. Também não colhe a fundamentação invocada pelo instrutor para recusar as provas requeridas pelo arguido.
D) RECUSA DE PROVAS: FUNDAMENTAÇÃO FALSA E IMPROCEDENTE
136. As que as razões invocadas para o indeferimento dessa prova improcedem, por falsas, erróneas, incongruentes e insuficientes.
Vejamos.
c) Recusa de audição de testemunhas
137. Limitou-se o instrutor a alegar que a recusada audição dos gerentes das duas empresas, «...tal teria um propósito manifestamente dilatório já que os factos conhecidos pelos gerentes eram já os descritos na nota de culpa; acresce que, salvo melhor opinião, como parte, os gerentes nunca poderiam ser testemunhas».
138. Tal fundamentação é errónea nas suas duas vertentes.
139. Dadas as circunstâncias, é errado o instrutor concluir logo que a inquirição das testemunhas tinha propósitos meramente dilatórios.
140. Aliás, sempre seria absurdo - para não dizer ridículo - o instrutor pretender atribuir propósitos meramente dilatórios à inquirição de dois gerentes da própria arguente, quando duas horas de audição, no máximo, bastariam para o efeito.
141. Por outro lado, não é verdade que os gerentes nunca pudessem ser legalmente ouvidos como testemunhas (como sucederia no processo civil). O instrutor labora em erro crasso.
142. É que o processo disciplinar laboral é de tipo sancionatório, corno já vimos, pelo que se lhe aplicam, subsidiaria ou analogicamente, as normas do processo penal, e não as do processo civil.
143. Ora, em processo penal nada obsta a que os gerentes sejam ouvidos como testemunhas.
144. Consequentemente, o processo disciplinar enferma do vício insanável de preterição de garantias de defesa, fazendo cair o despedimento. Mas há mais.
d) Recusa dos contratos escritos; justificação falsa
145. No seu despacho de 31.07.2012 o instrutor fundamentou a sua a recusa a juntar os contratos de trabalho escritos nos seguintes termos:
E) Quanto ao contrato com a STA, que «tal contrato não existe».
F) Quanto ao contrato com a M..., que o vínculo era facilmente
146. Não obstante estar ciente da relevância de tais contratos, no art.° 15 do articula inicial a M... veio justificar a não junção de quaisquer contratos de trabalho escritos com o A. desta vez nos seguintes termos: demonstrável através dos recibos de vencimento».
«15. Nenhum contrato de trabalho com a empresa STA foi junto aos autos, por não existir ; conforme inexiste também contrato de trabalho escrito com a entidade patronal, pelo que também não se juntou.»
147. Quer isto dizer que as razões da recusa passaram a focar-se apenas na alegada inexistência dos dois contratos escritos, inquinando assim irremediavelmente o processo disciplinar, por omissão de actos essenciais de instrução.
148. Sucede que o tribunal deu como provado:
AG) - Entre o trabalhador e a S.T.A. - Saúde, Trabalho e Ambiente, Lda., foi celebrado o contrato de trabalho cuja cópia consta de fls. 341 a 343 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, datado de 01/06/2000.
AP) - Em 2004, o trabalhador e a M... assinaram um contrato escrito, denominado de trabalho, cuja cópia consta de fls. 344 a 346 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
149. Ficou assim sobejamente demonstrado que ao negar -- quer no processo disciplinar quer, mais tarde, no art.° 15 do seu articulado inicial -- a existência dos referidos contratos de trabalho escritos as RR. litigaram de má-fé, isto com o evidente propósito de dificultar o apuramento da verdade material.
150. Consequentemente, a sentença deveria ter apreciado criticamente as razões materiais da recusa probatória e, no final, devia ter declarado inválido o processo disciplinar por violação das garantias de defesa, e condenado as RR. como litigantes de má fé, conforme oportunamente requerido pelo A. (cfr. Art.° 90 da resposta à motivação).
151. Mas ainda que a Relação, por absurdo, entenda que não houve violação das garantias de defesa, mesmo assim o despedimento deverá ser julgado ilícito por falta de justa causa.
152. Encontrando-se em situação de baixa médica por doença oportunamente comunicada e justificada, o A. foi despedido por a R. ter considerado, em resumo, que o A. simulara uma doença para justificar falsamente tais faltas, as quais seriam, assim, injustificadas.
153. Para além disso, acusou o arguido de lhe fazer concorrência desleal pelo facto de dar consultas de Oftalmologia para a Santa Casa da Misericórdia de Oeiras.
154. Para fundamentar a falsidade da justificação de doença do A. a M… invocou:
155. No Relatório final a R. considerou provados os seguintes factos:
156. E a arguente extrai a seguinte conclusão errónea.
«23: Atente-se no facto exposto no artigo 9.a da nota de culpa, que refere facto passado no dia 11 de Julho de 2012, o arguido assistiu diversos pacientes em consultas de oftalmologia».
«5 - Com efeito, mostra-se provado que o Arguido comunicou à Entidade Empregadora a sua baixa médica, com total incapacidade para o exercício de actividade.
6 - Mostra-se igualmente provado que durante esse período de suposta baixa médica, o Arguido exerceu a sua actividade profissional para uma terceira entidade, a Santa Casa da Misericórdia de Oeiras.
7 - O Arguido não justificou, por forma alguma, a sua prestação de trabalho para a Santa Casa da Misericórdia de Oeiras durante o período de baixa médica.
8 - Forçoso será concluir pela inexistência de situação clínica que justificasse a baixa e pela consciente intenção do Arguido em escusar-se a prestar a sua actividade para a Entidade Empregadora, conforme seria esperado de si. »
157. No que concerne à causa do despedimento, o tribunal o Tribunal considerou que o A., tendo em 11/07/2012 assistido o Sr. J…. numa consulta de oftalmologia na Santa Casa da Misericórdia de Oeiras «violou, com a sua conduta o dever previsto na alínea f) do no 1 do art.° 128.° do CT. Violação que assume especial gravidade atenta a qualidade de médico do trabalhador.».
158. Recorde-se que a alínea f) do no 1 do art.° 128.° do CT manda o trabalhador «guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios»;
159. A sentença também sustenta que os factos trazidos aos autos «integram, além do mais, a previsão do n.° 1 e da alínea f), do art.° 351.°, n.° 2, do CT, constituindo, assim, justa causa de despedimento à luz do critério supra explanado.»
160. Recorde-se que a alínea f) do art.° 351.°, n.° 2, do CT sanciona as «falsas declarações relativas à justificação de faltas.
161. Em face disso, o Tribunal concluiu que o despedimento do trabalhador foi lícito)
que, «não era exigível à empregadora que o mantivesse ao seu serviço. Na verdade, atendendo às funções desempenhadas pelo trabalhador, a sua conduta quebrou irremediavelmente a confiança que nele era depositada para o efeito».
162. Mas concluiu erradamente; Com efeito,
163. Nenhuma resposta dada à matéria de facto afirma que a situação de doença espelhada pelos certificados de incapacidade temporária para o trabalho não existiu.
164. O segundo aspecto é que as respostas dadas não descrevem nem concretizam qualquer falsidade.
165. Portanto, o pressuposto conclusivo de que parte a sentença - segundo o qual o arguido invocou uma justificação de doença falsa -- não assenta em factos concretos (como já se demonstrou no recurso supra sobre a matéria de facto), mas em meras suposições ou presunções sem base precisa e concreta.
166. De resto, a prova da falsidade do estado de doença incumbe a quem a alega no caso à entidade patronal.
167. E sempre que a doença esteja certificada por atestado médico, como é o caso, a prova da sua falsidade é vinculada, devendo a entidade patronal recorrer obrigatoriamente aos mecanismos de fiscalização da doença legalmente previstos nos n.°s 3 a 5 do art.° 229.° do CT de 2003, e no art.° 254.° do CT de 2009.
168. Mecanismos estes que a arguente não utilizou, limitando-se a juntar ao processo disciplinar fotocópias pouco legíveis de uma receita de oftalmologia, um recibo e uma justificação de presença.
169. Portanto, a R. não fez a contra-prova nos termos legalmente estabelecidos, o que basta para inviabilizar irremediavelmente, logo à partida, a contra-prova da falsidade pretendida.
170. Mas mesmo que a prova da falsidade da doença, cujo ónus cabe à entidade patronal, não fosse vinculada e não tivesse que seguir os mecanismos de fiscalização legalmente previstos -- o que só academicamente se refere - nunca bastaria à arguente demonstrar que o trabalhador foi encontrado, certa tarde, a exercer outra actividade profissional para terceiros.
171. E não basta porque tal actividade, ainda que tivesse ocorrido, não seria, em mesma, absolutamente incompatível com a existência de uma verdadeira situação de doença.
172. Nada impede que um médico que se encontre efetivamente doente, mas msmo assim possa desenvolver alguma actividade clínica, mesmo com muito sacrifício e até coiii risco de agravar a sua situação mórbida. Cada caso vale por si.
173. E não se diga que o estado de doença pode ser real mas, mesmo assim, as faltas serem injustificados. No caso concreto não colhe.
174. Note-se que na acusação disciplinar a arguente M... não especificou devidamente, como devia, se a imputada consulta do A. no dia 11 de Julho de 2012 - por sinal uma quarta feira - ocorreu da parte da manhã ou da parte da tarde.
175. Omissão que assume aqui a maior relevância disciplinar já que:
e. Se tal consulta tivesse ocorrido da parte da manhã, teria colidido com o horário do A. então em vigor.
f. Diversamente, se tal consulta ocorreu da parte da tarde, em nada brigaria com o horário do A.
176. Dito por outras palavras, a R. despediu o A. levianamente, sem cuidar de precisar a que período do dia 11 de Julho se reportava a suposta infracção.
177. Sendo esta distinção sumamente relevante do ponto de vista disciplinar, agora já é tarde para a R. a colmatar na acção.
178. Por outro lado, não está sequer provado que na parte da tarde do dia 11 de Julho de 2012 o A. tenha faltado ao trabalho (nomeadamente entre as 13h15 e as 14h30, período constante da justificação da presença do Sr. João Sousa).
179. Com efeito, a arguente admitiu -- e Tribunal deverá dar como provado que: do A. então em vigor horário do A.
(...) «O A. tinha as tardes de quarta-feira livres»
(...) «O A. nunca trabalhou para qualquer das empresas à 4a feita da parte da tarde».
180. Dado o exposto, andou mal a sentença recorrida ao qualificar, erroneamente, como falsas todas as justificações das faltas apresentadas pelo autor.

IV - QUALIFICAÇÃO ERRADA DA CONCORRÊNCIA DESLEAL
181. A sentença também erra ao considerar que o A, entrou em concorrência deste l com as RR, só pelo facto de dar consultas de Oftalmologia para a Santa Casa da Misericórdia de Oeiras durante uma tarde por semana.
182. Não é imperioso que se verifique a prática efetiva de negócios concorrenciais e prejudicais. Como refere o STJ, «A violação do dever de lealdade, na dimensão da proibição de concorrência, não exige ou implica a efectividade de prejuízos para o empregador, nem o efectivo desvio de clientela, sendo suficiente um desvio potencial» STJ, ac. de 12-9-2012 - 492/ 08.OTTLMG.PI.S1).
183. Contudo, o comportamento do trabalhador deve ser tal que possa concluir-se, com alguma segurança, por uma probabilidade séria de tal vir a ocorrer.
184. Mas como se avalia tal probabilidade, em concreto? Responde a Relação de Guimarães no citado acórdão...
« Os factos devem constituir atos preparatórios de tal prática, ou comportamentos tais que criem a expectativa fundada, probabilidade séria, de que tal atividade concorrencial ocorrerá. Se o ponto central da proibição de concorrência é o desvio de clientela, como se refere, deve então na factualidade surpreender-se o perigo específico de perda de clientela.
185. É necessário que exista uma possibilidade real e consistente de exercer concorrência, com potencial desvio de clientela. Não se pode validar um despedimento baseado num mero pode vir a ser....
B) RATIO LEGIS DO DEVER DE LEALDADE NO CONTEXTO DA CONCORRÊNCIA
186. A jurisprudência tem sido unânime em considerar que o dever aqui previsto a observar pelo trabalhador, prende-se com o não aproveitamento em benefício próprio de oportunidades de negócio, de forma a abster-se de gerar conflitos de interesses com a sua entidade empregadora.
187. E não se diga, em desespero de causa, que o princípio da confiança que subjaz à relação empregador/trabalhador, é absoluto e, como tal, «insusceptível de graduação» (cfr. art.° 45 da sua motivação).
188. A tese jurídica propugnada pela M... pressupõe que os valores de lealdade, fidelidade e honestidade encarnam valores absolutos que não comportam índices ou graduações ». Quid juris?
189. Salvo melhor opinião, trata-se de uma concepção antiquada e autoritária.
190. Salvo melhor opinião, a visão extremista e exacerbada defendida pela tese perfilhada pela R. e por alguma doutrina - que eleva os deveres laborais de lealdade e de fidelidade laborai ao patamar dos valores absolutos - está desfasada no tempo e no espaço.
191. Seja como for, e independentemente da maior ou menor simpatia que se tenha pela tese absolutista em que se baseia a acusação, importa reconhecer que a possibilidade de um Estado de Direito democrático a impor é muito problemática.
192. Com efeito, esta teoria tem sido rejeitada por diversos pensadores da Filosofia do Direito, que lhe assinalam equívocos evidentes.
193. Felizmente os tempos e as mentalidades mudam. Tanto assim que já no seu acórdão de 5 de Fevereiro de 1997 (Processo 96S147) o Supremo Tribunal de Justiça propugnava:
...o dever de lealdade não é absoluto, podendo admitir graduações, pelo que a impossibilidade prática de subsistência da relação laboral só se justifica «quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador».
194. Logo, na apreciação da justa causa deve hoje atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter da relação entre as partes, ou entre o trabalhador e os seus companheiros, e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.
195. Compreende-se e aplaude-se esta orientação mais flexível e sobretudo mais razoável.
196. Com efeito, valores quase absolutos no Portugal democrático talvez só exista o valor da vida humana. Mas mesmo aqui com nuances importantes (vg., a possível colisão desse direito com o de legítima defesa; cfr. o testamento vital), gerando por vezes acesa controvérsia (como o demonstra a polémica acerca da interrupção da gravidez).
197. Ora, aplicando esta investigação ao caso concreto, resulta que os valores laborais da fidelidade ou da lealdade, embora importantes, não são absolutos, nem estão acima de muitos outros com dignidade constitucional, não sendo possível aos Tribunais impô-los sem se cumprir um estrito dever de conjugação e compatibilização, por sua vez sujeito a um rigoroso método argumentativo.
198. Isso significa que nem todas as violações do dever de lealdade são idóneas a provocar, automaticamente, uma perda irremediável da confiança, de tal forma grave que só reste o despedimento. Só caso a caso será possível aquilatar.
199. Ou seja, terá que haver um comportamento culposo do trabalhador, violador de deveres estruturantes da relação, que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência do vínculo juslaboral, impossibilidade perspectivada enquanto inexigibilidade da sua manutenção. (STJ, ac. de 29-03-2012, no 4914/07.9TTLSB.LI.S1, in http://www.dgsi.pt.).
f) Dos critérios da razoabilidade, proporcionalidade e objectividade
200. Na avaliação casuística da alegada violação do dever de lealdade imputada ao trabalhador a sentença recorrida devia ter-se regido por critérios de razoabilidade, proporcionalidade e objectividade - o que não fez -- e não por juízos ou suspeições apriorísticos.
201. É, assim, necessário que em razão das circunstâncias examinadas objectivamente, seja criada uma forte aparência de deslealdade, pois o sentimento de desconfiança, subjectivo e volátil como é, não é suficiente para obter o despedimento; é necessário que o sentimento de desconfiança repoem factos concretos, adequados a, por eles mesmos, terem uma influência directa no desenvolvimento e na substanciação da suspeita.
202. Portanto, o juízo sobre a confiança depende da análise das circunstâncias concretas que tenham rodeado a alegada violação do dever de lealdade; nomeadamente:
G) Dos elementos subjectivos ou psicológicos do infractor personalidade;
H) Do contexto material da execução, vg:
I) Dos meios empregues;
J) Das relações entre as partes;
K) Da posição hierárquica e funcional do infractor no seio da empresa;
L) Da margem de liberdade ou de subjectividade deixada ao agente;
M) Do elemento normativo (deveres implícitos ou expressos, regulados ou não regulados).
N) Do bem jurídico concretamente violado (vg. integridade física, integridade moral, concorrência leal, probidade, etc).
O) Das eventuais causas de exclusão ou atenuação de culpa
P) Do grau de culpa (leve, moderado ou elevado)
Q) Dos resultados nocivos, reais ou potenciais, resultantes da infracção.
R) Dos antecedentes disciplinares (positivos e negativos).
203. Sucede que a sentença recorrida omitiu ou errou essa análise aprofundada do contexto.
V - CASO CONCRETO: SINDICÂNCIA DOS CRITÉRIOS LEGAIS DA PROIBIÇÃO DA CONCORRÊNCIA
204. À luz desta explanação, só restava à sentença concluir que o comportamento do demandante ali espelhado não foi culposo, nem de tal forma grave que justifique o seu despedimento.
205. Da factualidade provada não pode concluir-se que o autor tenha incorrido em qualquer infracção de deveres de lealdade relativamente à concorrência, nem que tenha praticado atos que possam configurar-se como potencialmente concorrenciais.
206. E não se diga agora que o perigo de desvio de clientela existe sempre uma vez que a Medicina do Trabalho e a Oftalmologia são áreas do conhecimento que pertencem ambas à esfera da Medicina humana.
207. Tal perigo não foi oportunamente alegado na acusação, como era ónus da arguente, pelo que já é tarde para o apreciar.
208. Desde logo, ficou provado que « o A. nunca foi contratado em regime de exclusividade nem foi impedido pela R. de exercer qualquer outra actividade», como referido supra. Nomeadamente, a de Oftalmologia.
209. Aliás, no caso concreto essa possibilidade não só é implausível como manifestamente inviável, atentas as enormes diferenças entre as duas entidades.
210. Seja como for, tal perigo não se verifica no caso concreto, pelo que não se vê como poderia a sentença concluir por um risco de perda de clientela.
211. No caso concreto, basta ver como são diferentes a natureza jurídica e o objecto social das duas entidades, para esvaziar qualquer risco de concorrência:
S) A M... é uma empresa comercial, visa a obtenção do lucro, e tem como objecto o exercício de Medicina do Trabalho, como a própria admite.
T) Diversamente, a Santa Casa da Misericórdia de Oeiras é uma irmandade religiosa de tipo associativo (cfr. http://www.misericordia); sendo que:
i. O seu objeto social não visa o lucro, mas antes a prática religiosa, caritativa e assistencial.
ii. Os seus serviços de saúde não têm qualquer secção ou consulta em Medicina do Trabalho.
212. Também são diferentes os respectivos enquadramentos legislativos e regulamentares:
U) A M..., enquanto empresa de Medicina do Trabalho é regulada pelo Regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho», aprovado pela Lei 102/2009 de 10 de Setembro (alterada pela Lei no 42/ 2012 de 28 de agosto, e mais recentemente pela Lei no 3/ 2014 de 28 de janeiro.
V) Já as Misericórdias estão consagradas no artigo 63.° da Constituição, e o seu funcionamento foi regulamentado pelo Decreto-Lei 119/83, de 25 de fevereiro, que também aprovou o Estatuto das misericórdias, anexo ao diploma.
213. Por outro lado, todas as empresas que tenham por objecto a Medicina do Trabalho carecem de licenciamento e autorização de laboração para poderem operar nessa área específica (art.° 12.°), o que a M... obteve.
214. Diversamente, a Santa Casa da Misericórdia de Oeiras não tem por objeto, nem se dedica, à Medicina do Trabalho, nem consta dos autos que tivesse requerido e obtido o necessário licenciamento e autorização de laboração (nem tal foi alegado pela Ré).
215. O que também basta só por si para esvaziar qualquer risco de concorrência:
216. Também é diferente o público alvo das duas entidades.
W) A M..., enquanto prestadora de Medicina do Trabalho, tem como clientela alvo directo e imediato as empresas, e só indirecta ou mediatamente os empregados ao seu serviço.
X) Já a Misericórdia de Oeiras tem como destinatários directos os indivíduos, carenciados, estejam empregados ou não.
217. Acresce que o A. foi contratado pela M... para «exercer funções de Médico do Trabalho»; enquanto na Santa Casa apenas dava consultas de Oftalmologia.
218. No caso concreto, portanto, são totalmente diferentes a natureza jurídica, o objeto social, o enquadramento legal e as áreas de saúde e o público alvo das duas entidades, bem assim o tipo de funções desempenhadas pelo o A. no seio de cada uma.
219. Mais, da factualidade provada nem sequer resulta demonstrado o risco de desvio de clientela, ainda que potencial.
220. De resto, nem sequer vem alegado ou demonstrado que as consultas de Oftalmologia tivessem tido qualquer efeito negativo, real ou potencial, no negócio da ré, a fim de o Tribunal poder aquilatar do prejuízo potencial destas.
221. Resumindo e concluindo, não foi alegada, nem se provou, qualquer factualidade objectiva que aponte no sentido das consultas de Oftalmologia feitas pelo A. na Santa Casa representem um risco de concorrência, real ou potencial, relativamente aos serviços de Medicina do Trabalho prestados pela M... às empresas suas clientes.
222. Aqui chegados, não se vislumbra como pode a sentença, salvo por erro grosseiro, ter concluído com um mínimo de razoabilidade:
Y) Que a consulta de Oftalmologia na Santa Casa era uma atividade concorrente, ou sequer potencialmente concorrencial, da Medicina do Trabalho.
Z) Que houve desvio de clientela, ou sequer perigo disso, se a Santa Casa não tinha serviços de Medicina do Trabalho nem estava licenciada para tanto.
223. Logo só resta concluir que não se verificou por banda do apelante qualquer actividade paralela que tenha um objeto coincidente, ao menos de modo parcial, com o objeto social da sua atividade empregadora, ou que possibilitasse a prática de concorrência e, consequentemente, qualquer violação do dever de lealdade.
224. Mas ainda que se verificasse a mais leve possibilidade de concorrência, seria certamente remota e muito improvável.
225. Sendo certo que não foi alegado, nem foi demonstrado qualquer intento do A. em prejudicar a ré com a prestação de consultas de Oftalmologia, nem sequer a mera consciência dessa possibilidade.
226. Não sendo exigível, dadas as circunstâncias acima descritas, que o A, tivesse plena consciência dessa possibilidade, a ponto de incorrer em culpa, muito menos em culpa grave.
A) PERIGO DE OCORRÊNCIA DE CONSEQUÊNCIAS DANOSAS.
227. Nenhuma consequência danosa se provou, ou é mencionada na alegação da R., que tenha resultado da actuação do autor, seja por acção seja por omissão.
228. Nomeadamente, não foi alegado qualquer acto preparatório ou qualquer prejuízo organizacional conexo com a alegada concorrência. Razão só por si bastante para fazer naufragar o despedimento.
229. A sentença invoca a especial natureza das funções de médico para tentar agravar a responsabilidade disciplinar do autor.
230. É inegável que o cargo do A. era de elevada responsabilidade técnico-deontológica, mas isso decorre apenas da importância e especial melindre da sua prática clinica de Médico do Trabalho face aos seus pacientes.
231. Já no plano específico da concorrência com a entidade patronal, essa responsabilidade técnico-deontológica é absolutamente neutra como factor agravativo.
232. Logo, de pouco vale invocar a elevada responsabilidade do cargo para tentar agravar artificialmente a culpa do arguido.
233. Mas sendo assim, há que retirar daí todas as ilações, tanto as desfavoráveis como as favoráveis para o A. Com efeito, a confiança é uma espada de dois gumes.
Com efeito,
234. Também não se verifica este pressuposto. Grave, sim, seria o A. quebrar a confidencialidade dos dados médicos, ou aproveitar-se da informação colhida no seu ambiente de trabalho em detrimento da R., mas tal nunca foi alegado ou sucedeu.
235. Por outro lado, também não podemos deixar de avaliar a maior ou menor gravidade do comportamento do A. mas agora á luz da actuação da própria empresa.
Na verdade, se esta considerava assim tão importante impedir o A. de trabalhar para terceiros, então devia ter dado sinais inequívocos disso.
236. O que recomendaria, segundo o artigo 22.° n.° 2, que a M... tivesse emitido normas regulamentares internas claras e precisas relativas à actuação dos médicos de modo a prevenir eventual concorrência
237. Se fosse assim, seria recomendável a R. ter imposto ao A. uma cláusula de exclusividade quando o contratou. Era elementar. Mas nem isso a R. teve o cuidado de acautelar.
238. Isso, sim, daria sinal inequívoco do grau de reserva e cuidado pretendido, para além de evitar a possível colisão entre as duas funções. Até porque, em matérias de direito privado verifica-se a máxima de que tudo o que não é proibido é permitido.
239. Não o fazendo, o empregador não pode presumir que as consultas de Oftalmologia careciam de autorização prévia, sob pena de quebra de confiança. Razão acrescida para faz naufragar o despedimento.
240. Mas mesmo que houvesse suspeita de qualquer infração ao dever de não concorrência - e já vimos que não é o caso -, ainda assim importaria averiguar a motivação do infractor.
241. Sucede que a R. nunca alegou qual havia sido a intenção do A., para que o A. pudesse rebater a acusação com conhecimento de causa. Nem se provou algo a tal respeito. É quanto basta para o despedimento improceder.
242. De resto, no historial das relações entre as partes nada existe que leve objectivamente a suspeitar de qualquer propósito doloso ou maléfico por parte do A.
Bem pelo contrário.
243. Foram as duas empresas que deram início ao conflito com o A., desde logo ao incumprirem o contrato e, por outro lado, ao agirem de forma lesiva e persecutória, desde logo começando por reduzir e depois cessar pagamentos ao A. e, seguidamente, retiram-lhe diversas regalias, algumas com expressão pecuniária.
244. Basta recordar que a R. pretendeu retirar-lhe a tarde de quarta-feira, nem sequer lhe pagava as despesas exigidas pelo trabalho realizado e retirou-lhe a IHT. Nessas circunstâncias, falece-lhe qualquer autoridade para virem dar lições de moralidade ao A. pois foram elas que começaram por transpor a linha da legalidade.
245. E, assim sendo, não se poderá concluir que o despedimento era uma sanção proporcionada à infracção imputada. Mas há mais.
246. Mais devia a sentença atender como circunstâncias atenuantes, ao zelo, dedicação, disponibilidade e falta de antecedentes disciplinares do autor que, de resto, já contava com pelo menos dez, anos de serviço.
247. Tais circunstâncias pelo menos servem para mitigar a gravidade desse comportamento».
248. O art.° 331.° do Código do Trabalho aprovado pela Lei 7/2009 estabelece as condições em que se considera-se abusiva a sanção disciplinar.
249. Ora, no caso concreto, o despedimento não é apenas desproporcionado como presume-se abusivo, dado que a sanção expulsiva foi motivada pelo facto do A. ter reclamado legitimamente contra a redução da remuneração e contra o incremento do seu horário d trabalho; logo, por ter exercido, pretender exercer ou invocar os seus direitos e garantias.
250. Quanto à adoção da IGT, tal regime mostra-se fundamentado no contrato assi lado em 2004, como se segue:
«... atentas as características da actividade e a circunstância da sua dependência dos programas de trabalho ajustados com os Clientes da 1a Contratante».
251. Tal mas as partes tiveram o cuidado de consignar na cl.a 7.a que o «contrato considera-se em vigor desde 1 de Dezembro de 2002», reportando a sua vigência à data da admissão verbal do A. ao serviço da M....
252. Dez anos mais tarde a M... comunicou ao A. o fim da isenção de horário de trabalho a partir de 01.06.2012 nos seguintes termos:
«Em virtude da necessária organização interna dos serviços, em que a regular actividade de V. ex. irá passar a ser exercida nos estabelecimentos da nossa empresa, com controlo imediato da hierarquia, e apenas pontualmente com deslocação a estabelecimentos dos nossos clientes, deixa de se justificar a isenção do horário de trabalho...»
253. Ficou provado que o A. opôs-se frontalmente à retirada dessa isenção, pois entendeu que a respectiva retribuição não podia ser retirada unilateralmente, com os fundamentos aqui dados como reproduzidos.
254. Na nota de culpa com vista ao despedimento, a R. veio formular as seguintes imputações relativas à IHT:
«12. (..)
13. Com efeito, prestava o arguido o seu trabalho com IHT pois as suas funções eram maioritariamente desempenhadas nos estabelecimentos dos clientes da arguente, sem o controlo imediato desta.
14. No entanto, em 1 de Junho de 2012 procedeu-se ao reajustamento dos serviços, tendo o arguido passado a exercer a sua actividade no consultório sito no edifício da sede da arguente.
15. Pelo que deixou de existir motivação legal - e necessidade - para a arguente manter o arguido com IHT.»
255. Logo, a fundamentação constante do contrato escrito não coincide com a da carta que retirou a IHT nem com a da nota de culpa.
256. Feito o julgamento, o tribunal deu como provado, com relevo para a IHT:
H) - Até 1 de Junho de 2012, o trabalhador, ao serviço da empregadora, prestava trabalho sob o regime de Isenção de Horário de Trabalho (IHT).
I) - Até à data referida em H), o trabalhador tinha IHT pois as suas funções eram maioritariamente desempenhadas nos estabelecimentos dos clientes da empregadora, sem o controlo imediato desta.
J) - Em 1 de Junho de 2012, a empregadora procedeu ao reajustamento dos serviços, tendo o trabalhador passado a exercer a sua actividade no consultório sito na sede da empregadora, pelo que, deixou de ter IHT.
K) - O trabalhador manifestou-se contra a cessação da IHT.
BE) - A M... enviou ao trabalhador a carta cuja cópia consta de fls. 930 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, datada de 22/05/2012, comunicando-lhe, além do mais, o fim da isenção de horário de trabalho a partir de 01/06/2012.
BI) - Na reunião de 31/05/2012, o gerente, Dr. R..., explicou ao Trabalhador que a isenção de horário já lhe tinha sido retirada na sequência da reorganização laboral que tinha tido lugar na M....
BJ) - O trabalhador respondeu opondo-se à perda dessa isenção.
257. Todavia, o contrato escrito assinado com a M... justificava a adoção da IGT de outra forma:
«... atentas as características da actividade e a circunstância da sua dependência dos programas de trabalho ajustados com os Clientes da 1a Contratante».
258. Ocorre assim nulidade ex vi do art.° 615, n.° 1 c) de CPC, ou pelo menos erro na resposta I) aos factos
259. Sanado tal erro, a resposta dada em I) será alterada como se segue
I) - Segundo consta do consta escrito, trabalhador tinha IHT atentas as características da actividade e a circunstância da sua dependência dos programas de trabalho ajustados com os Clientes da 1a Contratante».
260. Mas há mais. Seria de esperar que a sentença se pronunciasse de modo claro, preciso e completo sobre toda esta problemática jurídica da IHT e, no final, tomasse posição, condenando a R nos pedidos.
261. Com podemos observar, a sentença limita-se a tecer considerações ,de forro, genérica a assaz ambígua. Começa, desde logo a discorrer sobre o ónus da prova relativamente a créditos salariais ou retribuições. Mas nunca especifica, em concreto, a quais se refere.
262. Sendo certo que em parte alguma a sentença se deu ao trabalho de se pronunciar sore as diversas questões suscitadas pelo A. relativamente ao seu direito à IGT, nem à sua alegada irreversibilidade.
263. Fica assim a dúvida se pretende referir-se ao subsídio de IHT - que a decisão nunca se refere explicitamente -- e/ ou a quaisquer outras retribuições, e quais.
264. Ora o art.° 615.° n.° 1, c), do novo C.P.C., determina que é nula a sentença quando ocorre alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
265. Incorreu assim a sentença em novas nulidades: AA) Ou por omissão de pronúncia relativamente à IHT ex vi do art.° 615.°, n. ° 1 d). B13) E, ou por ambiguidade ou obscuridade, ex vi do art.° 615, n.° 1 c) de CPC.
266. Quando, por absurdo, assim não se entenda, incorreu em erro de julgamento na apreciação da questão, já que M... não podia retirar tal retribuição sem prévio acordo do A., sob pena de violarem o contrato de trabalho. Com efeito,
h) Direito aplicável
267. As prestações de IGT têm de ser apreciadas tendo em conta o regime jurídico da época em que as mesmas foram contratadas.
268. Até à entrada em vigor do Código do Trabalho, regia, quanto ao trabalho suplementar, o disposto no Decreto-Lei n°421/83, de 2 de Dezembro, e quanto ao regime de isenção de horário de trabalho, o disposto no Decreto-Lei 409/71, de 27 de Setembro - artigos 13° a 15°.
269. Sucede que ambos os contratos escritos mostram se datados anteriormente a 1 de Dezembro de 2003, é-lhes aplicável nesta matéria o regime anterior ao Código do Trabalho. Designadamente o Regime Jurídico do Contrato de Trabalho, aprovado pelo DL 49408, de 24-11-1969 (doravante designado LCT) e de Duração do Trabalho, previsto no DL 409/71, de 27 de Setembro).
270. Não obstante o contrato com a M... ter sido assinado em 2004, as partes tiveram o cuidado de consignar na cl.a 7.a que o «contrato considera-se em vigor desde 1 de Dezembro de 2002». Ou seja, a sua vigência foi reportada à admissão verbal do A.ao serviço da, M...
271. Ora o art.° 13.° n.° 1 do Decreto-Lei n°409/71 apenas admite a Isenção de horário de trabalho, mediante requerimento das entidades patronais, dos «trabalhadores que exerçam cargos de direcção, de confiança ou de fiscalização».
272. E o no 2 estipula que «os requerimentos de isenção de horário de trabalho, dirigidos ao I. N. T. P., serão acompanhados da declaração de concordância dos trabalhadores, bem como dos documentos que sejam necessários para comprovar os factos alegados.».
i) Fundamentação ilegal e insuficiente
273. Sucede que no caso dos autos a única justificação vagamente apresentada nos contratos para a adopção de tal regime reside apenas na frase «...atentas as características da actividade e a circunstância da sua dependência dos programas de trabalho ajustados com os Clientes da 1.a Contratante».
274. Ora tal motivação não corresponde à previsão do citado art.° 13 Para além disso, é vaga e genérica, já que nada esclarece:
g. Quanto às características concretas a que pretende aludir.
h. Quanto à aludida dependência dos programas de trabalho.
276. Por outro lado, nunca os contratos escritos justificaram a atribuição de tal retribuição especial ao A. com base em determinada organização interna dos serviços médicos do A. nem no facto do A. prestar a actividade médica mais vezes fora da sede do que dentro.
277. Logo, a justificação apresentada para retirar a IHT peca por dois motivos: não corresponde à cláusula contratual que prevê a sua atribuição nem, muito menos, à norma legal que habilita a IGT.
j) Irredutibilidade; irreversibilidade
278. Posto isto, e uma vez que a retribuição do trabalhador goza de irredutibilidade (cf. art.° 21.°, n.° 1, c), da LCT), impõe-se concluir, à luz do art.° 82.°, da LCT, que aquelas prestações integram a retribuição do A. e não podiam ser retiradas unilateralmente pelas duas empresas, sem que desse facto decorresse a violação das garantias do A. quanto à não diminuição da retribuição.
279. No caso em apreço, cada uma das empresas RR. obrigou-se por escrito a pagar ao A., mensalmente, uma certa importância a título de retribuição especial, dita por isenção de horário.
Considerando tais factos, as referidas prestações não podem deixar de assumir natureza retributiva, dadas as características de periodicidade e regularidade.
280. Só é permitido ao empregador retirar ao trabalhador determinados complementos salariais se cessar, licitamente, a situação que serviu de fundamento à atribuição dos mesmos, sem que daí decorra a violação do princípio da irreversibilidade da retribuição.
281. No caso em apreço, o chamado subsídio de Isenção de horário de trabalho do A. foi expressamente previsto nos dois contratos de trabalho escritos - isso é indiscutível.
282. Em contrapartida, não houve, por banda de qualquer das empresas, a preocupação de fundamentarem a sua atribuição nos contratos com base numa dada circunstância de facto concreta nem, muito menos, em consonância com a previsão legal.
283. Sendo assim, só resta concluir que não estamos perante uma verdadeira isenção de horário.
k) Falta de autorização
284. Acresce - last but not least - que as empresas não cuidaram de obter autorização prévia do IDICT para a Isenção de Horário de Trabalho, nem muito menos para a sua renovação, conforme então era legalmente exigível.
285. Ora, quando a entidade patronal não pede antecipadamente, e obtêm autorização prévia ao Mo do Trabalho para aplicar ab initio o regime legal da isenção de horário de trabalho, a consequência é que todos os pagamentos que entretanto efectue ao trabalhador presumem-se remunerações complementares pagas a outro título.
286. Resumindo e concluindo, estamos perante uma mera situação de facto, que apenas traduz uma retribuição certa, regular e atípica a que ambas as empresas se obrigaram a pagar ao A. ao logo de anos.
287. Como tal, encontra-se abrangida pelo princípio pacta sunt servanda e da irreversibilidade da retribuição, corolário daquele.
1) Venire contra factum próprio
288. O pagamento da IHT em causa já vinha sendo feito pela M... desde pelo menos 2002 antes, portanto, da assinatura do contrato escrito.
289. Daí ser fundada a convicção do A. de que tal quantia tinha sido ab initio u complemento do seu salário, e assim continuava a ser.
Convicção essa que se foi naturalmente arreigando com a passagem do tempo.
290. Logo, as duas empresas violaram igualmente o art.° 21, n.° 1, al.a c) do D.L. 49.408, ao retirarem unilateralmente ao A. a remuneração complementar certa que vinha sendo paga regularmente há anos, embora sob a denominação ficcionada de isenção de horário.
291. Assim, o A. tem direito a pedir a condenação das duas empresas a pagar-lhe todos os montantes em falta, indevidamente chamados de isenção de horário.
TERMOS EM QUE:
O recurso será julgado procedente, sendo o despedimento do A. julgado inválido, quer por caducidade do processo disciplinar, quer por invalidade do mesmo, quer por manifesta desproporção da sanção expulsiva, sendo as RR. condenadas solidariamente nos termos já peticionados.

A parte contrária respondeu ao recurso, pugnando pelo seu não provimento.

O MP teve vista dos autos, tendo elaborado douto parecer no sentido de ser concedido parcial provimento ao recurso.
Foram colhidos os vistos legais. II -OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - artigos 635.°, números 3 e 4, 639.°, n.° 1, 608.°, n.° 2, do Código de Processo Civil.
Assim, as questões a apreciar consistem no seguinte:
1) Nulidades da sentença
2) Impugnação da matéria de facto;
3) Preterição das garantias de defesa do trabalhador no âmbito do processo disciplinar;
4) Ausência de justa causa de despedimento;
5) Ilegalidade da retirada da IHT ao trabalhador;
6) Má -fé da ré

III - FUNDAMENTAÇÃO
A) Matéria de facto provada:
A) - Por despacho de 24/01/2012, cuja cópia consta de fls. 10 do processo disciplinar apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzida, a empregadora, nomeou o Sr. Dr. Filipe Cancella de Abreu instrutor do processo disciplinar instaurado ao trabalhador.
B) - No processo disciplinar, referido em A), foi, em 24/07/2012, elaborada a nota de culpa cuja cópia consta de fls. 14 a 18 do mesmo processo disciplinar e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
C) - Por carta datada de 23/07/2012, cuja cópia consta de fls. 11 do processo disciplinar apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzida, a empregadora notificou o trabalhador da nota de culpa, referida em B).
D) - O trabalhador respondeu à nota de culpa, referida em B), nos termos expressos no articulado de fls. 8 do processo disciplinar apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, no final do qual requereu o depoimento da Dra. Élia Amaral e Sousa e do Dr. R..., bem como a junção de documentos pela empregadora.
E) - Sobre o requerimento probatório formulado pelo trabalhador na resposta à nota de culpa, referida em D), recaiu a decisão de indeferimento corporizada na carta enviada ao trabalhador, datada de 31/07/2012, assinada pelo Sr. Instrutor, cuja cópia consta de fls. 5 do processo disciplinar apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
F) - Em 09/08/2012 foi elaborado o relatório final e proposta de decisão que consta de fls. 2 a 4 do processo disciplinar apenso e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
G) - Em 10/08/2012, a empregadora tomou a decisão corporizada na carta que foi enviada ao trabalhador, acompanhada de cópia do relatório final referido em F), cuja cópia consta de fls. 2 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, tendo aplicado ao trabalhador a sanção disciplinar de despedimento, alegando justa causa.
H) - Até 1 de Junho de 2012, o trabalhador, ao serviço da empregadora, prestava trabalho sob o regime de Isenção de Horário de Trabalho (IHT).
I) - Até à data referida em H), o trabalhador tinha IHT pois as suas funções eram maioritariamente desempenhadas nos estabelecimentos dos clientes da empregadora, sem o controlo imediato desta.
J) - Em 1 de Junho de 2012, a empregadora procedeu ao reajustamento dos serviços, tendo o trabalhador passado a exercer a sua actividade no consultório sido na sede da empregadora, pelo que, deixou de ter IHT.
K) - O trabalhador manifestou-se contra a cessação da IHT.
L) - O trabalhador enviou à empregadora a carta cuja cópia consta de fls. 70 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, datada de 31/05/2012.
M) - Em resposta à carta referida em L), a empregadora enviou ao trabalhador a carta cuja cópia consta de fls. 936 e 937 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, datada de 06/06/2012.
N) - O trabalhador comunicou à empregadora que se encontrava incapacitado para a sua actividade profissional, por se encontrar em estado de doença, no período compreendido entre 04/06/2012 e 09/08/2012, conforme certificados de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença, cujas cópias constam de fls. 22 a 24 do processo disciplinar apenso e que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
O) - No dia 11 de Julho de 2012, o trabalhador assistiu o Sr. J... numa consulta de oftalmologia na Santa Casa da Misericórdia de Oeiras.
P) - Contactada telefonicamente, em Julho de 2012, a Santa Casa da Misericórdia de Oeiras, foi informado que o trabalhador dava lá consultas.
Q) - A ausência do trabalhador ao trabalho, no período referido em N), obrigou à reformulação da distribuição do serviço pelos médicos que trabalhavam na empregadora.
R) - A M... é uma sociedade por quotas constituída em 1984 com o NIPC no 501481745.
S) - Tem por objecto a «medicina curativa e preventiva, segurança, higiene e saúde no trabalho».
T) - Tem o capital social € 60.000,00, inicialmente correspondente à soma de três quotas de € 20.000,00 cada uma.
U) - Os sócios-gerentes da M... são actualmente:
a) Ricardo Fonseca Gomes da Silva;
b) Élia Afonso do Amaral e Sousa.
V) - Em 29 de Abril de 2008 foram adquiridas pela referida STA três quotas no capital da MEDIPREV, no valor de €13.000,00 cada.
W) - A STA é uma sociedade por quotas constituída em 1992 com o NIPC no 503019429.
X) - Tem por objecto a «prestação de serviços na área da medicina do trabalho e curativa, visando a saúde, higiene e segurança, saúde no trabalho, promovendo acção de educação, formação, informação e planeamento nos domínios do trabalho e da protecção do ambiente».
Y) - Foi constituída com o capital social de € 24.939,88, correspondente às quotas dos sócios:
a) A…;
b) R…;
c) É…;
d) M….
Z) - A STA está autorizada a operar na área de Medicina do Trabalho pela DGS, e na área na de Segurança do Trabalho pela ACT.
AA) - Os sócios-gerentes são actualmente:
a) R…;
b) É….
AB) - As sedes da empregadora e da STA são no n.° 13-D, 8.° andar-B da Rua Castilho, 1250-066 Lisboa.
AC) - Ambas as empresas usavam e usam em comum, nomeadamente:
a) Escritórios, serviços administrativos e de atendimento geral sitos na Rua Castilho 13 - D, 8o - B, 1250-066 Lisboa;
b) Horários de trabalho iguais;
c) Rede de gabinetes médicos em Portugal, sitos, nomeadamente, em Lisboa, Rinchoa (Linha Sintra), Outeiro de Polima (Linha Estoril), Porto, Aveiro, Vieira de Leiria, Alcobaça Castelo Branco, Almeirim, Coruche e Évora;
d) Telefones da área administrativa e financeira;
e) Telefax;
f) Equipamentos comuns, nomeadamente, computadores, impressoras e fotocopiadoras;
g) Direcção Clínica;
h) Enfermeiro;
i) Serviços de processamento de retribuições;
j) Serviços de direcção financeira;
k) TOC;
1) Departamento de marketing;
m) Programas informáticos (de gestão financeira, gestão de consultas, estatística);
n) Procedimentos técnicos de planeamento e de controlo comuns, nomeadamente, mapas de Planeamento por Colaboradores e mapas de Planeamento da semana;
o) Viaturas.
AD) - O trabalhador usava no seu trabalho diário mobiliário, equipamento e instrumentos que pertenciam às duas empresas e/ou eram por elas fornecidos, custeados e/ou determinados.
AE) - Nomeadamente:
a) Cadeira e mesa de trabalho;
b) Armário para arquivo;
c) Marquesa;
d) Efigmomanómetro;
e) Estetoscópio;
f) Espirómetro;
g) Electocardiógrafo;
h) Escala de Vecker.
AF) - O trabalhador utilizava serviços logísticos e de pessoal que ambas as empresas também usavam em comum, nomeadamente:
a) Enfermeiro;
b) Técnica de Peneumografia.
AG) - Entre o trabalhador e a S.T.A. - Saúde, Trabalho e Ambiente, Lda., foi celebrado o contrato de trabalho cuja cópia consta de fls. 341 a 343 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, datado de 01/06/2000.
AH) - Foi acordado que o trabalhador desempenharia as funções de Médico do trabalho, nomeadamente:
i. Prestar assistência médica no âmbito da Medicina do Trabalho, nos termos e com as obrigações impostas pela legislação em vigor.
ii. Acompanhar na doença por acidente os trabalhadores inaptos temporária ou definitivamente.
iii. Prestar assistência de urgência a vítimas de acidentes de trabalho e doenças profissionais.
AI) - Em finais de Novembro de 2002 o trabalhador foi contratado pela empregadora (M...) para exercer funções de Médico do Trabalho ao seu serviço e sob a sua direcção e orientação, contra retribuição.
AJ) - Foi acordado que o trabalhador desempenharia as funções de Médico do Trabalho, nomeadamente:
i. Prestar assistência médica no âmbito da Medicina do Trabalho, nos termos e com as obrigações impostas pela legislação em vigor;
ii. Acompanhar na doença por acidente os trabalhadores inaptos temporária ou definitivamente;
iii. Prestar assistência de urgência a vítimas de acidentes de trabalho e doenças profissionais.
AK) - Tais funções seriam desempenhadas na sede em Lisboa, ou nos gabinetes que esta possuía no país, ou nas instalações das empresas suas clientes.
AL) - O que o trabalhador aceitou.
AM) - Mais ficou acordado que o trabalhador auferia da M..., um vencimento de base e subsídio de refeição por cada dia efectivo de trabalho.
AN) - Mais ficou convencionado que o trabalhador teria um mês de férias remuneradas. AO) - E ainda subsídio de Férias e de Natal.
AP) - Em 2004, o trabalhador e a M... assinaram um contrato escrito, denominado de trabalho, cuja cópia consta de fls. 344 a 346 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
AQ) - O qual foi também assinado pelo gerente Ricardo Fonseca Gomes da Silva.
AR) - O horário de trabalho do trabalhador na M... não ocupava 90 horas semanais, mas sim 35 horas.
AS) - Até 30/05/2012, o trabalhador dispunha de um automóvel ligeiro que usava nas deslocações aos clientes da M....
AT) - Ultimamente, a viatura atribuída ao trabalhador era um Peugeot, modelo 207 comercial.
AU) - O automóvel era fornecido pela M... e por ela totalmente custeado, v.g.:
a) Prestação à locadora;
b) Combustível;
c) Lubrificação;
d) Limpeza;
e) Manutenção;
f) Seguro contra todos os riscos.
AV) - O trabalhador utilizava a viatura que lhe estava atribuída nas suas deslocações de casa para a sede e vice-versa.
AW) - Até Dezembro de 2009 a M... pagou regularmente ao trabalhado diversos montantes a título de despesas, nomeadamente a título de refeições, estacionamen o, portagens e lavagem auto, contra a apresentação de facturas.
AX) - Anualmente, as duas empresas elaboravam, separadamente, uma conta corrente do trabalhador, mencionando, nomeadamente, a data, os items a débito e a crédito, o saldo.
AY) - O Dr. R... e a Dra. É…:
a) Coordenavam o trabalho do trabalhador e dos restantes médicos de medicina do Trabalho;
b) Planeavam, organizavam e determinavam ao trabalhador qual o trabalho a executar;
c) Recebiam, aceitavam ou recusavam as justificações do trabalhador em caso de falta ou impedimento;
d) Determinavam quem substituía o trabalhador nas suas faltas ou impedimentos.
e) Marcavam, e/ou autorizavam o trabalhador a gozar os seus períodos de férias.
f) Determinavam, instruíam e orientavam o trabalhador, nomeadamente quanto às empresas a visitar, ao início e fim das consultas e aos destinatários dessas consultas.
AZ) - Caso o trabalhador não cumprisse as regras de actuação definidas pela STA - nomeadamente, os horários fixados e/ou as marcações de consultas ou visitas clínicas - poderia sofrer descontos na retribuição.
BA) - O trabalhador enviou à STA - Saúde, Trabalho e Ambiente, Lda., a carta cuja cópia consta de fls. 941 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, datada de 12/09/2012.
BB) - Em resposta à carta referida em BA), a STA - Saúde, Trabalho e Ambiente, Lda. Enviou ao trabalhador a carta cuja cópia consta de fls. 6 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, datada de 17/09/2012.
BC) - Em Maio de 2012 a M... agendou sucessivamente três reuniões com o trabalhador (dias 22, 24 e 25), dizendo que pretendia discutir o vínculo laboral.
BD) - O trabalhador solicitou que lhe fosse comunicado por escrito o objecto da reunião.
BE) - A M... enviou ao trabalhador a carta cuja cópia consta de fls. 930 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, datada de 22/05/2012, comunicando lhe, alé do mais, o fim da isenção de horário de trabalho a partir de 01/06/2012.
BF) - Com data de 25/05/2012, a STA e a M... elaboraram a Norma de S viço n.° 5, cuja cópia consta de fls. 925 dos autos e que aqui se dá por integralmente reprodu• ida.
BG) - A empregadora enviou ao trabalhador a carta cuja cópia consta de fls. 929 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, datada de 28/05/2012, através da qual o convocava para uma reunião a ter lugar em 31/05/2012.
BH) - O trabalhador enviou à empregadora e à STA a carta cuja cópia consta de fls. 931 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, datada de 29/05/2012.
BI) - Na reunião de 31/05/2012, o gerente, Dr. R..., explicou ao Trabalhador que a isenção de horário já lhe tinha sido retirada na sequência da reorganização laboral que tinha tido lugar na M....
BJ) - O trabalhador respondeu, opondo-se à perda dessa isenção.
BK) - O Dr. R... disse ao trabalhador que doravante teria que prestar 35 horas semanais no gabinete médico na sede da empresa.
BL) - O trabalhador opôs-se à prestação de 35 horas semanais de trabalho, nos moldes determinados pela M....
BM) - Mas o gerente não alterou a sua posição.
BN) - Na mesma reunião, a gerência da empregadora entregou ao trabalhador a carta cuja cópia consta de fls. 932 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, solicitando-lhe a entrega imediata do veículo que lhe estava atribuído.
BO) - Ficou estabelecido que o trabalhador entregaria o automóvel na manhã do dia seguinte, o que aconteceu, tendo sido elaborado um auto de recepção.
BP) - Foi então entregue ao trabalhador um dispositivo pessoal para marcação de ponto electrónico, após o que o trabalhador abandonou a reunião.
BQ) - Em 2012, a M... não procedeu à marcação das férias do trabalhador até dia 15 de Abril.
BR) - A empregadora (M...) enviou ao trabalhador a carta cuja cópia consta de fls. 939 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, datada de 29/06/2012, informando-o do seu período de férias.
BS) - Desde 01/12/2002 e até o trabalhador ser despedido, a M... pagou-lhe os montantes que constarão dos respectivos recibos.
BT) - Depois de 2002 esses montantes evoluíram pela forma referida no quadro que consta do artigo 512.° do articulado de contestação/reconvenção e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
BU) - Após o despedimento do trabalhador, em Agosto de 2012, a M... cessou pagamentos ao trabalhador.
BV) - A M... não reembolsou o trabalhador das despesas de 2010.
BW) - Quanto às despesas de 2011, a M... aceitou dever ao trabalhador a quantia de € 4.502,84.
BX) - Da qual pagou € 3.000,00.
BY) - O trabalhador utilizava a viatura, referida em AS), nas deslocações diárias entre a sua casa e os diversos gabinetes onde exercia medicina do trabalho para as empresas e vice-versa.
BZ) - Desde a sua admissão e até meados de 2007, o trabalhador foi sempre uma pessoa activa e dinâmica.
CA) - No exercício das suas funções de médico e até meados de 2007, o trabalhador sempre actuou com zelo, assiduidade, honestidade, lealdade, competência e sentido das responsabilidades.
CB) - E, e até meados de 2007, gozou sempre do respeito e consideração dos seus pacientes, colegas e superiores.
CC) - Nunca tendo sido punido disciplinarmente pela forma como desempenhava as suas funções.
CD) - O despedimento de que foi alvo causou ao trabalhador angústia e sofrimento. CE) - Passando a sofrer de insónias frequentes durante a noite. CF) - A sentir grande prostração e sonolência durante o dia.
CG) - A sofrer distúrbios intestinais. CH) - E a sofrer taquicardia.
B) O Direito
1) Das nulidades da sentença
Invoca o autor que a sentença é nula, imputando-lhe um conjunto de irregularidádes; i) omissão de pronúncia (sobre a má-fé); ii) falta de pronúncia sobre vícios materiais (relativamente ao processo disciplinar); iii) contradição entre a matéria de facto provada e a decisão de direito (falsidade da baixa médica e decisão de direito); e iv) omissão de pronúncia e/ou ambiguidade (isenção de horário) - conclusões 1.a a 44.a.
Como é sabido, as causas de nulidade da sentença encontram-se taxativamente previstas no art.° 615.° do Código de Processo Civil, encontrando-se o regime da respectiva arguição contemplado no art.° 77.° do Código de Processo do Trabalho (CPT), que se mostra observado no presente caso, visto o autor ter invocado tais nulidades, expressa e separadamente, no requerimento de interposição do recurso (fls. 992 a 1001).
De acordo com o n.° 1, alíneas c) e d), do citado art.° 615.°, e para o que aqui releva, é nula a sentença, quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível e quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (...) .
Nos termos do art.° 608.° n.° 2 do CPC, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua consideração, exceptuadas aquelas que cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não podendo senão ocupar-se das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. Este dispositivo compreende-se na linha do princípio do dispositivo que rege o processo civil e que se mostra plasmado, nomeadamente, no art.° 3.° n.° 1 do mesmo Código, por via do qual o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição. Assim, com excepção das questões de conhecimento oficioso, a lei limita aquele conhecimento às questões suscitadas pelas partes. E é sabido que questões, são os temas, os assuntos colocados pelas partes e não os argumentos ou as teses em que assenta o seu raciocínio (Cfr. Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Vol. II, 3. Edição, Lisboa 2001, pág. 195).
Posto isto, importa analisar se a sentença é nula, nos termos propostos pelo autor.
i) Refere o mesmo que a sentença se não pronunciou sobre a má-fé da ré, tendo negado a existência de contrato de trabalho entre ela própria e o autor, bem como entre este e a STA.
Analisados os autos, verificamos que o autor, na sua resposta à nota de culpa, referiu manter relação laboral não apenas com a M..., mas também com a STA - SAÚDE, TRABALHO E AMBIENTE, LDA, tendo requerido, para o efeito, em termos de prova, que fosse colhido o depoimento da Dr.a É… e do Dr. R... e que a ré juntasse aos autos cópia dos contratos de trabalho entre o arguido e as duas empresas.
A ré, na pessoa do instrutor do processo disciplinar (p.d.), enviou em 31 de Julho de 2012 carta ao autor (fls. 5 do p.d.), a informá-lo de que as diligências requeridas eram impertinentes e dilatórias e que o contrato com a STA não existia, sendo o vínculo laboral com a ré M....
Em sintonia com este entendimento, a ré no seu articulado motivador do despedimento referiu inexistir contrato de trabalho com a STA, bem como inexistir contrato de trabalho escrito entre ela e o autor (pontos 15 e 16 -fls. 30).
O autor veio invocar a má-fé da ré por a mesma negar a existência dos contratos de trabalho celebrados entre o autor e a STA, e entre o autor e a ré, cujas cópias veio juntar aos autos (fls. 325 a 336).
Analisando a sentença, verificamos que a mesma se não pronunciou sobre a questão da má-fé da ré, ao negar a existência dos contratos celebrados entre o autor e a STA e entre aquele a ela mesma.
Pois bem. No que se refere ao contrato com a STA, sobre essa matéria já este Tribunal da Relação se pronunciou, no acórdão de 23.10.2013 (fls. 238 a 242), no sentido de considerar prejudicada esse conhecimento, visto o processo em causa (acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento - artigos 98.° -B a 98.°-P do CPT) não ser o adequado para dirimir o litígio em que as partes, como aqui sucede, negam a existência de uma relação laboral.
Já assim se não pode entender, porém, no que concerne ao contrato celebrado entre o autor e a ré M..., pois essa matéria diz respeito à relação laborai pressuposta nesta acção, e a que a ré pretendeu pôr fim com o despedimento do autor; despedimento esse que o mesmo aqui impugna.
Ocorre, por isso, neste aspecto, nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
ii) Pretende também o autor ocorrer omissão de pronúncia quanto aos vícios materiais da recusa probatória referentes ao solicitado pelo autor na sua defesa.
Afigura-se-nos que o autor não tem razão quanto a este ponto. Com efeito, da leitura da sentença resulta ter-se a mesma pronunciado sobre essa matéria, o que fez logo no início da fundamentação de direito (fls. 964 a 981), tendo concluído no sentido da exigência legal c /Sn no art.° 414.° n.° 1 do Código do Trabalho de 2003.
iii) Neste segmento, sustenta o autor existir contradição entre a matéria de facto provada e a decisão de direito (falsidade da baixa médica e decisão de direito);
Mas também neste ponto, afigura-se-nos não assistir razão ao autor. Na realidade, lendo a decisão em causa, não vislumbramos ocorrer a invocada contradição entre os factos provados e o direito aplicado, pois, com base naqueles, ali se considerou existir violação do dever (de lealdade), previsto na alínea f), do n.° 1 do art.° 128.° do Código do Trabalho, integrando-se também a conduta do autor na previsão do n.° 1 e da alínea J) do art.° 351.°, n.° 2 do mesmo diploma legal (falsas declarações relativas a faltas). Não ocorre contradição no processo lógico, das premissas de facto e de direito e a decisão proferida (Cfr. Rodrigues Bastos, Ob. Cit. pág. 194).
iv) A última vertente da nulidade da sentença suscitada pelo autor diz respeito à questão da Isenção de Horário de Trabalho, sustentando o mesmo ocorrer omissão de pronúncia ou ambiguidade, pois a sentença limita-se a discorrer sobre os crédito salariais pretendidos pelo trabalhador sem especificar a quais se refere.
Percorrendo a sentença, verificamos, com efeito, que nenhuma referência é feita a tal concreta matéria, padecendo a sentença de nulidade, quanto a esta questão, de novo, por omissão de pronúncia.
2) Da impugnação da matéria de facto
Pretende o autor que se considerem não provados os factos constantes das alíneas O, P e Q, adiante transcritos. E que se dê como provado que o autor tinha as tardes de quarta-feira livres; nunca trabalhou para qualquer das empresas à 4. feita da parte da tarde; nunca esteve contratado pelas RR. em regime de exclusividade, nem foi impedido pela R. M... de exercer qualquer outra actividade fora do seu horário de trabalho para a R. .
Relativamente a esta questão, importa assinalar que o autor deu no essencial cumprimento ao ónus de impugnação da decisão da matéria de facto, na sua tripla dimensão, nos termos do art.° 640.° n.° 1, alíneas a), b) e c), do CPC, uma vez que concretizou os pontos de facto que entende incorrectamente julgados; especificou os meios probatórios que, em seu entender, impunham uma solução diversa, tendo também, com maior ou menor rigor, indicado a decisão alternativa que pretende ver consignada.
Analisemos, então, a impugnação de facto apresentada pelo autor.
- Refere o mesmo que o teor da alínea O), onde consta que no dia 1 de Julho de 2012, o trabalhador assistiu o Sr. J... numa consulta de oftalmologia na Santa Casa da Misericórdia de Oeiras, deve dar-se como não provada, porquanto do depoimento de J..., não se pode afirmar que a consulta de oftalmologia tenha tido lugar no dia 11.07.2012.
Ouvido o depoimento da referida testemunha, a mesma foi clara ao afirmar ter sido consultado, em oftalmologia, na Santa Casa da Misericórdia (SCM) de Oeiras. Mais resulta desse depoimento, que, pouco tempo depois, a dita testemunha foi jantar a casa de R…, onde se desenrolou a conversa que permitiu a este ficar a saber que tal consulta tivera lugar e havia sido ministrada pelo autor.
Considerando aquele circunstancialismo e as datas constantes dos documentos em causa (receita emitida pelo autor, fls. 19); (recibo do valor da consulta, pago pela referida testemunha J…, fls. 20) e (declaração da SCM de Oeiras a comprovar a comparência na dita consulta, de fls. 21), não havendo motivos para se não considerar idóneo ou isento o aludido depoimento, é perfeitamente razoável, à luz das regras da vida e da experiência, que se considere provada a matéria constante da dita alínea O), que deve, assim, manter-se como provada.
- Sustenta também o autor que a alínea P), onde consta que: Contactada telefonicamente, em Julho de 2012, a Santa Casa da Misericórdia de Oeiras, foi informado que o trabalhador dava lá consultas, se deve ter como não provada, porquanto não resultou apurado em que altura teve lugar tal telefonema. Sobre este ponto pronunciou-se a testemunha F…, que afirmou ter sido ela, quem por ordem da gerência, fez o contacto com a SCM de Oeiras onde lhe foi referido que o autor lá dava consultas. Tal telefonema ocorreu na ausência do autor, que havia comunicado à ré que se encontrava doente (problemas de coluna) e logo após a gerência da ré ter tido conhecimento que o autor dava consultas naquela instituição.
Conjugando o teor da alínea O), e o que fica referido, é perfeitamente razoável ter-se como assente que o contacto com a SCM de Oeiras ocorreu na data referida, nada havendo a objectar ao teor da alínea P), que se deve integralmente manter.
- Pretende ainda o autor que a alínea Q) que tem a seguinte redacção: A ausência do trabalhador ao trabalho, no período referido em N), obrigou à reformulação da distribuição do serviço pelos médicos que trabalhavam na empregadora, deve ser eliminada por ser conclusiva. Quanto a este aspecto, afigura-se-nos que o autor tem razão, porquanto do teor da mesma não é possível concluir que médicos, serviços e consultas, sofreram alteração em virtude da ausência do autor. Para além de que a testemunha ... (enfermeiro), ao ser perguntada sobre tal matéria respondeu não saber, tendo apenas acrescentado que a a ausência implica sempre a reestruturação do trabalho.
Deve, por isso, ser eliminada a dita alínea Q).
- Pretende o autor se dê como provado que:
O A. tinha as tardes de quarta-feira livres;
O A. nunca trabalhou para qualquer das empresas à 4. feita da parte da tarde. O A. nunca esteve contratado pelas RR. em regime de exclusividade.
Nem foi impedido pela R. M... de exercer qualquer outra actividade fora do seu horário de trabalho para a R..
Ora, sobre esta matéria não foi feita prova bastante no sentido do pretendido pelo autor, assumindo a mesma cunho algo conclusivo, não devendo, assim, considerar-se provada.
Procede, pois, apenas em parte a presente questão.
3) Da preterição das garantias de defesa do trabalhador no âmbito do procedimento disciplinar
O autor referiu na sua resposta à nota de culpa (fls. 8, do p.d.), designadamente, que manteve relação contratual não apenas com a M..., mas também com a STA - SÁUDE, TRABALHO E AMBIENTE, LDA., tendo requerido, para o efeito, em termos de prova, que fosse colhido o depoimento da Dr.a É... e do Dr. R..., gerentes daquelas sociedades, e que a ré juntasse aos autos cópia dos contratos de trabalho entre o arguido e as duas empresas.
A ré, na pessoa do instrutor do processo disciplinar, enviou em 31 de Julho de 2012, carta ao autor (fls. 5, do p.d.), a informá-lo de que: não realizarei a diligência de prova requerida dada a sua total impertinência: os factos conhecidos pela gerência da entidade patronal são os explanados na nota de culpa de que teve conhecimento pelo que a inquirição dos indicados gerentes teria um propósito manifestamente dilatório; acresce que como parte, isto é, como representantes da entidade patronal, os gerentes nunca poderiam ser testemunhas. Mais informo que, inquirida a arguente sobre a existência de contrato de trabalho escrito que o vincule à empresa STA Lda. Fui informado de que tal contrato não existe. O seu vínculo laboral é com a arguente, M... - Centro de Diagnóstico e Medicina Preventiva, Lda, o que facilmente demonstram os recibos de vencimento.
(...)
O procedimento disciplinar em causa e respectiva tramitação tiveram lugar (Julho e Agosto de 2012), na vigência do Código do Trabalho de 2009, aprovado, como é sabido, pela Lei n.° 7/2009, de 12 de Fevereiro. Este diploma, entre outras medidas, procedeu à alteração das regras respeitantes às diligências instrutórias requeridas pelo trabalhador, que passaram a assumir cunho facultativo, nos termos do art.° 356.° n.° 1.
Sucede que, por Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 338/2010, foi declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do art.° 32.° n.° 10, conjugado com o art.° 53.° da Constituição da República Portuguesa (CRP), do citado art.° 356.° n.° 1 do Código do Trabalho, na redacção dada pela Lei n.° 7/2009, de 12 de Fevereiro, o que implicou que a prova requerida pelo trabalhador voltasse, à partida, a ser de realização obrigatória. Todavia, não tendo o art.° 414.° n.° 1 do Código de Trabalho de 2003 (que assim o previa), sido revogado pelo aludido art.° 356.° n.° 1 do Código do Trabalho de 2009, mas sim pelo art.° 12.° da citada Lei n.° 7/2009, tal declaração de inconstitucionalidade, de acordo com o art.° 282.° da CRP, não implicou a repristinação do dito art.° 414.° n.° 1, considera-se que a obrigatoriedade da realização de tais diligências decorre da aplicação do art.° 356.° n.° 2 do Código do Trabalho de 2009 - normativo este, que em termos semelhantes aos do referido art.° 414.° n.° 1 do CT de 2003, impunha a obrigatoriedade das diligências instrutórias solicitadas pelo trabalhador quando se trate de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou a trabalhador no gozo de licença parental, implicando a sua não observância a irregularidade do despedimento, figura introduzida no nosso sistema jurídico pelo Código do Trabalho de 2009.
Em 1 Agosto de 2012, entrou em vigor a Lei n.° 23/2012, de 25 de Junho, a qual, procedeu a alteração ao CT. Este diploma, num evidente propósito de harmonizar o regime procedimental do despedimento com a matriz subjacente à declaração de inconstitucionalidade decorrente Acórdão do TC n.° 338/2010, e a (nova) filosofia resultante do Código do Trabalho de 2009, no que à figura do despedimento irregular se refere, veio revogar o dito n.° 2 do art.° 356.° do CT2009, enquanto regime especial, criando um novo n.° 1 no art.° 356.°, onde se consagrou, em termos gerais, a obrigatoriedade da instrução requerida pelo trabalhador, tendo-se conexionado esta norma com o previsto no art.° 389.° n.° 2 do CT2009, onde consta que No caso de mera irregularidade fundada em deficiência de procedimento por omissão das diligências probatórias referidas nos n.°s 1 e 3 do artigo 356.°, se forem declarados procedentes os motivos justificativos invocados para o despedimento, o trabalhador tem apenas direito a indemnização correspondente a metade do valor que resultaria da aplicação do n.° 1 do artigo 391.° .
É com base neste enquadramento legal que analisaremos a conduta da ré, ao indeferir as diligências probatórias requeridas pelo autor. Este solicitou a inquirição dos gerentes da ré à matéria dos pontos números 1, 2, 4, 5, 7 a 21 da nota de culpa (referentes ao horário de trabalho do autor, e factualidade relativa às faltas dadas ao serviço do autor por baixa médica e prestação de consultas pelo mesmo na SCM de Oeiras, e momento do conhecimento da ré dessa realidade), bem como relativamente à alegação do mesmo de que trabalhava para a ré e para STA - SAÚDE, AMBIENTE E TRABALHO, LDA., no seu consultório privado e na SCM de Oeiras, tendo requerido, ainda, a junção aos autos das cópias dos contratos de trabalho celebrados entre si e as duas sociedades.
A ré indeferiu a inquirição dos referidos gerentes, tendo considerado impertinente e dilatória tal diligência, dizendo que os factos conhecidos da gerência eram os explanados na nota de culpa, tendo indeferido a junção ao p.d, dos contratos de trabalho pedidos pelo autor por não existir o primeiro, e o segundo ser facilmente demonstrável pelos recibos de vencimento.
Nos termos do art.° 356.° do CT, o empregador por si ou através de instrutor que tenha nomeado, deve realizar as diligências probatórias requeridas na resposta à nota de culpa, a menos que as considere patentemente dilatórias ou impertinentes, devendo neste caso alega-lo fundamentadamente por escrito.
A letra da lei apela à ideia de que para ter justificação a não realização das diligências instrutórias requeridas pelo trabalhador, as mesmas devem ser manifestamente dilatórias ou impertinentes para o apuramento dos factos em causa, incumbindo ao empregador invocar e justificar tais circunstâncias.
Destarte, para se poder aferir da legalidade da dispensa de realização das diligências instrutórias, é mister indagar se, tanto em termos abstractos como em termos concretos, essa dispensa tem justificação.
Em sintonia com o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), contido, entre outros, no acórdão do de 28.04.2010, processo 182/07. OTTMAI.Sl, www,desi.pt, para se considerar legítima a dispensa de realização das diligências probatórias requeridas pelo trabalhador, deve apreciar-se por um lado, se as razões de facto invocadas na fundamentação são, em abstracto, idóneas para alicerçar a conclusão de manifesta impertinência das diligências e, por outro lado, se, no caso concreto, essas mesmas razões de facto se verificam.
Ora, analisando o teor das diligências pedidas pelo trabalhador, não pode concluir-se (em ambos os planos referidos), que todas elas fossem claramente impertinentes e dilatórias. Com efeito, os ditos sócios- gerentes da ré, são-no também da STA. Esta sociedade e a ré têm sede no mesmo local. As duas empresas compartilham as mesmas instalações e equipamentos, beneficiando ambas do mesmo tipo de apoio logístico e de pessoal.
Acresce que o autor desempenhava funções tanto para uma como para outra entidade, recebendo ordens dos dois gerentes. E subscreveu um contrato de trabalho com cada uma das duas empresas, sendo que o celebrado com a ré foi também subscrito pelo gerente Ricardo Silva.
Face a todo esse circunstancialismo, não podiam, obviamente, os ditos gere tes desconhecer aquela realidade, não fazendo qualquer sentido que os dois ignorassem a existência dos contratos de trabalho escritos celebrados entre as empresas que dirigiam e o autor.
Acresce, ainda, a circunstância de não ser relevante no âmbito do procedimento disciplinar, a qualidade de gerentes daqueles, em termos de os tornar inábeis para depor como testemunhas, sabido que é assumir o procedimento disciplinar natureza inquisitória, devendo a realização das respectivas diligências instrutórias nortear-se por critérios de eficiência e pragmatismo, na busca da factualidade relevante (Pedro Sousa Macedo, Poder Disciplinar Patronal, Almedina, pág. 150).
A descrita situação enquadra-se, pois, na deficiência do procedimento disciplinar, visto não serem impertinentes ou dilatórias as diligências requeridas pelo trabalhador - arguido. Impondo-se, por isso, nos termos do art.° 389.° n.° 2 do CT, a análise dos motivos justificativos invocados para o despedimento.
4) Da ausência de justa causa de despedimento
A noção de justa causa está contida no art.° 351.°° do Código do Trabalho. Aí se prescreve que se considera justa causa o comportamento do trabalhador que pela sua gravidade e consequências torne praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Costumam assinalar-se-lhe os seguintes elementos:
(i) elemento subjectivo, traduzido num comportamento culposo do trabalhador, por acção ou omissão;
(ii) um elemento objectivo, traduzido na impossibilidade da subsistência da relação de trabalho;
(iii) nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade.
Na ponderação da gravidade da culpa e das suas consequências, importará considerar o entendimento de um bonus pater familie, de um empregador razoável, segundo critérios de objectividade e de razoabilidade, em função das circunstâncias de cada caso em concreto (Acórdãos do STJ de 8.6.84, AD 274, pág. 1205, de 16.11,98 AD, 290, pág. 251, de 8.7.88, AD, 324, pág. 1584 e 6.6.90, Actualidade Jurídica, 10, pág. 24).
Por outro lado, caberá dizer que o apuramento da justa causa se corporiza, essencialmente, no elemento da impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação de trabalho.
Relativamente à interpretação desta componente objectiva de justa causa, tem-se entendido que a mesma se traduz na impossibilidade de subsistência do vínculo lab ral que deve ser reconduzida à ideia de inexigibilidade da manutenção vinculística, numa perspectiva de impossibilidade prática, no sentido de imediatamente comprometer, e sem mais, o futuro do contrato.
Alguns autores salientam a necessidade de se fazer um prognóstico sobre a viabilidade da relação contratual, no sentido de saber se ela mantém, ou não, a aptidão e idoneidade para prosseguir a função típica que lhe está cometida (Cfr., entre outros, Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, Verbo, 2000, págs. 490 e seguintes). A inexigibilidade determinar-se-ia mediante um balanço, em concreto, dos interesses em presença - fundamentalmente o da urgência na desvinculação e o da conservação do vínculo -, havendo impossibilidade prática de subsistência da relação laboral sempre que a continuidade do contrato represente (objectivamente) uma insuportável e injusta imposição ao empregador, isto é sempre que a subsistência do vínculo e das relações que ele supõe sejam ... de molde a ferir, de modo desmesurado e violento, a sensibilidade e a liberdade de uma pessoa normal, colocada na posição do empregador, (Cfr. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Almedina, 12.' Edição pág. 557) Para outros autores, como Júlio Gomes, Ob. Cit. pág, 953, «não há necessidade de fazer um prognóstico sobre o futuro da relação: o comportamento do trabalhador torna inviável no presente aquela relação, não sendo exigível a continuação da mesma». O que está em causa, é a gravidade do que já se passou e não a especulação quanto ao futuro, sob pena, diz o mesmo autor, de o despedimento por justa causa se converter «numa espécie de despedimento por perda de confiança».
Se é verdade que o despedimento não pode basear-se na pura perda da confiança, devendo verificar-se uma conduta (infraccional) do trabalhador que seja grave e ilícita - numa relação contratual, como é a laboral, de carácter duradouro e continuado, onde é essencial a confiança, aferir da justa causa (daquele comportamento concreto) não pode deixar de implicar também um juízo quanto à viabilidade futura dessa relação. Nesta linha os nossos tribunais têm acentuado a forte componente fiduciária da relação de trabalho e concluindo que a confiança contratual é particularmente afectada quando se belisca o dever de leal colaboração, cuja observância é fundamental para o correcto implemento dos fins prático - económicos a que o contrato se subordina (Acórdãos do STJ de 5.6.91, AD 359, pág. 1306, de 12.10.97, AD, 436, pág. 524 e 28.1.98, AD, 436, pág. 556).
Para aquilatar da justa causa, como conceito indeterminado que é, importa ponderar as circunstâncias de cada caso, fazendo-se apelo a juízos de adequabilidade social. O art.° 351, n.° 3, estabelece como critérios aferidores da justa causa, o grau de lesão dos interesses do empregador, o carácter das relações entre as partes e entre o visado e demais trabalhadores, todas as outras circunstâncias, enfim, que relevam no caso, a aferir no contexto da gestão da empresa.
Cabe ao empregador motivar o despedimento e provar a existência de justa causa, ou seja, cabe-lhe alegar e provar os factos integradores da justa causa, embora no preenchimento desse conceito não possam deixar de intervir também juízos valorativos, como são os que dizem respeito à avaliação da culpa do trabalhador e à gravidade da sua conduta.
Como é sabido, para além da obrigação de prestar trabalho, está o trabalhador adstrito ao cumprimento de outros deveres secundários ou acessórios, entre os quis s contam os de realizar o trabalho com zelo e diligência, cumprir as ordens e determinações do empregador respeitantes à execução do trabalho, guardar lealdade ao empregador (art.° 128.° n.° 1 alíneas c), e) e f) do Código do Trabalho).
Posto isto, importa indagar se a factualidade apurada nos permite concluir pela verificação da justa causa de despedimento.
A ré deduziu acusação contra o autor, imputando-lhe nomeadamente, o seguinte:
7. No passado dia 13 de Julho de 2012, chegou fortuitamente ao conhecimento de gerência da entidade patronal que o arguido se encontraria a efectuar consultas médicas de oftalmologia na Santa Casa da Misericórdia de Oeiras.
9. Com efeito, conforme vieram a demonstrar, suficientemente, cópia de receita médica assinada pelo arguido e a declaração solicitada à Santa Casa da Misericórdia, no passado dia 11 de Julho de 2012, o arguido assistiu diversos pacientes em consultas de oftalmologia.
10. Contactos com a Santa Casa da Misericórdia de Oeiras revelaram ainda que o arguido não só ali se deslocou a 11 de Julho de 2012 para realizar consultas, como o fez, com regularidade, pelo menos durante o período em que deveria estar de baixa-médica.
11. Ora, conforme se retira do anterior ponto 2., as tardes de quarta-feira devem ser passadas ao serviço da arguente e não de terceiros.»
20. Apresentando a sua baixa-médica na semana seguinte, com início em 04 de Junho 2012, baixa essa que alegadamente lhe conferia uma total incapacidade para o normal exercício da sua actividade.
21. Ainda assim, exerceu a sua actividade para a Santa Casa de Misericórdia de Oeiras.
22. Pelo que forçosamente se conclui pela falsidade da baixa-médica, ou, pelo menos, p lo desrespeito da mesma e pela ausência de gravidade do estado de doença que, como afinal se constata, não impede o arguido de exercer a sua normal actividade profissional.
A este respeito, importa recordar os factos relevantes que se provaram:
N) - O trabalhador comunicou à empregadora que se encontrava incapacitado para a sua actividade profissional, por se encontrar em estado de doença, no período compreendido entre 04/06/2012 e 09/08/2012, conforme certificados de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença, cujas cópias constam de fls. 22 a 24 do processo disciplinar apenso e que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
O) - No dia 11 de Julho de 2012, o trabalhador assistiu o Sr. J... numa consulta de oftalmologia na Santa Casa da Misericórdia de Oeiras.
P) - Contactada telefonicamente, em Julho de 2012, a Santa Casa da Misericórdia de Oeiras, foi informado que o trabalhador dava lá consultas.
R) - A M... é uma sociedade por quotas constituída em 1984 com o NIPC no 501481745.
S) - Tem por objecto a «medicina curativa e preventiva, segurança, higiene e saúde no trabalho».
AI) - Em finais de Novembro de 2002 o trabalhador foi contratado pela empregadora (M...) para exercer funções de Médico do Trabalho ao seu serviço e sob a sua direcção e orientação, contra retribuição.
AJ) - Foi acordado que o trabalhador desempenharia as funções de Médico do Trabalho, nomeadamente:
i. Prestar assistência médica no âmbito da Medicina do Trabalho, nos termos e com as obrigações impostas pela legislação em vigor;
ii. Acompanhar na doença por acidente os trabalhadores inaptos temporária ou definitivamente;
iii. Prestar assistência de urgência a vítimas de acidentes de trabalho e doenças profissionais.
AK) - Tais funções seriam desempenhadas na sede em Lisboa, ou nos gabinetes que esta possuía no país, ou nas instalações das empresas suas clientes.
AL) - O que o trabalhador aceitou.
AM) - Mais ficou acordado que o trabalhador auferia da M..., um vencimento de base e subsídio de refeição por cada dia efectivo de trabalho.
AN) - Mais ficou convencionado que o trabalhador teria um mês de férias remuneradas.
AO) - E ainda subsídio de Férias e de Natal.
AP) - Em 2004, o trabalhador e a M... assinaram um contrato escrito, denominado de trabalho, cuja cópia consta delis. 344 a 346 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
AQ) - O qual foi também assinado pelo gerente R….
AR) - O horário de trabalho do trabalhador na M... não ocupava 90 horas semanais, mas sim 35 horas.
AY) - O Dr. R... e a Dra. É…:
a) Coordenavam o trabalho do trabalhador e dos restantes médicos de medicina do Trabalho;
b) Planeavam, organizavam e determinavam ao trabalhador qual o trabalho a executar;
c) Recebiam, aceitavam ou recusavam as justificações do trabalhador em caso de falta ou impedimento;
d) Determinavam quem substituía o trabalhador nas suas faltas ou impedimentos.
e) Marcavam, ou autorizavam o trabalhador a gozar os seus períodos de férias.
f) Determinavam, instruíam e orientavam o trabalhador, nomeadamente quanto às empresas a visitar, ao início e fim das consultas e aos destinatários dessas consultas.
BZ) - Desde a sua admissão e até meados de 2007, o trabalhador foi sempre uma pessoa activa e dinâmica.
CA) - No exercício das suas funções de médico e até meados de 2007, o trabalhador sempre actuou com zelo, assiduidade, honestidade, lealdade, competência e sentido das responsabilidades.
CB) - E, e até meados de 2007, gozou sempre do respeito e consideração dos seus pacientes, colegas e superiores.
CC) - Nunca tendo sido punido disciplinarmente pela forma como desempenhava as suas funções.
CD) - O despedimento de que foi alvo causou ao trabalhador angústia e sofrimento. CE) - Passando a sofrer de insónias frequentes durante a noite.
CF) - A sentir grande prostração e sonolência durante o dia.
CG) - A sofrer distúrbios intestinais.
CH) - E a sofrer taquicardia.
Resumindo a sobredita factualidade ao seu aspecto essencial, é de reter que o autor desempenhava na ré as funções de médico de medicina do trabalho desde 2002, tendo comunicado àquela que se encontrava doente e incapacitado para a sua actividade profissional entre 04.06.2012 e 09.08.2012. Apresentou documentos comprovativos da sua incapacidade temporária para o trabalho, por estado de doença, sendo certo que nesse período, mais concretamente em 11.07.2012, assistiu João Sousa, numa consulta de oftalmologia, na Santa Casa da Misericórdia (SCM) em Oeiras. Contactada telefonicamente em Julho de 2012, a SCM em Oeiras, informou que o autor lá dava consultas.
A sentença recorrida enquadrou o comportamento do trabalhador com base no disposto no art.° 128.° n.° 1 alínea f) do Código do Trabalho, bem como na alínea f), do n.° 1 do art.° 352.° do mesmo diploma legal.
O autor insurge-se com tal qualificação, invocando, em síntese, que o seu vínculo laboral não implicava exclusividade, dispunha das quartas-feiras livres, e que não praticou concorrência desleal contra a ré. O dever de lealdade não é absoluto, admitindo graduações, sustentando, ainda, ser desproporcionada a sanção aplicada, visto se não terem provado consequências danosas para a ré com a sua conduta, realçando as características positivas do modo como desempenhou o seu trabalho. Refere também que a sanção disciplinar é abusiva, pois foi motivada pelo facto de o autor ter reclamado legitimamente contra a redução da retribuição e contra o incremento do seu horário de trabalho.
Vejamos se o autor tem razão.
Está inequivocamente demonstrado nos autos que o autor esteve ausente do serviço de 4.06.2012 até 09.08.2012, tendo, para o efeito, enviado à ré, certificados de incapacidade temporária para o trabalho, por doença.
Atenta a noção de falta ao trabalho contida no art.° 248.° do CT ausência do trabalhador do local de trabalho em que devia desempenhar a actividade durante o período normal de trabalho diário, resulta como evidente que o autor deu no referido período as correspondentes faltas ao trabalho.
De acordo com o art.° 249.°, n.° 2, do mesmo Código, são consideradas faltas justificadas, entre outras: A motivada por impossibilidade de prestar trabalho devido a facto não imputável ao trabalhador, nomeadamente observância de prescrição médica no seguimento de recurso a técnica de procriação medicamente assistida, doença, acidente ou cumprimento de obrigação legal.
Nos termos do art.° 254.°, n° 2, A prova da situação de doença do trabalhador é feita por declaração de estabelecimento hospitalar, ou centro de saúde ou ainda ou ainda por atestado médico. Sendo que, de harmonia com o n.° 3, da mesma disposição legal A situação de doença referida pode ser verificada por médico nos termos previstos em legislação específica e nos termos do n.° 4, A apresentação ao empregador de declaração médica com intuito fraudulento constitui falsa declaração para efeitos de justa causa de despedimento.
Relativamente às faltas por doença (cuja prova é feita, como acima se referiu, por declaração médica - art.° 254.° n.° 2), a lei permite que o empregador exerça a fiscalização da situação de doença (DL n.° 150/2009, de 14 de Setembro), competindo ao mesmo requerer a submissão do trabalhador à comissão de verificação de incapacidade temporária (CVIT) da segurança social da área da residência habitual do trabalhador, nos termos dos artigos 17.° a 24°, do referido diploma legal.
No presente caso, nada foi, porém, alegado ou provado, no sentido de a ré ter dado origem àquele mecanismo fiscalizador; nem tão pouco que o autor tenha agido com intenção fraudulenta ao apresentar à ré a aludida declaração médica - não podendo, assim, concluir-se pela verificação de faltas injustificadas, nem pela existência de falsas declarações do autor ao apresentar o dito documento médico.
Perante isto, importa agora atentar se ocorreu quebra do dever de lealdade, como sustentou a ré.
O dever de lealdade, é um dos deveres acessórios de conduta que impendem sobre o trabalhador. Está previsto no art.° 128.°, n.° 1, alínea e), do CT, sendo integrado, nomeadamente, pelo dever de não negociar por conta própria ou alheia em concorrência com o empregador e pelo dever de não divulgar informações referentes a sua organização, métodos de produção ou negócios.
Tal dever resulta do princípio geral de boa fé, constante do artigo 126.° do Código do Trabalho e do artigo 762.° n.° 2 do Código Civil, e assume particular relevância no âmbito do contrato de trabalho, face a seu carácter duradouro e pessoal, em que uma das partes se encontra subordinada à outra e onde o aspecto fiduciário é essencial.
Embora se admita que o dever de lealdade não é absoluto, devendo a intensidade do mesmo ser aferida tendo em conta, designadamente, o tipo de actividade em causa e o grau de responsabilidade das funções do trabalhador, o mesmo está subjacente às relações entre as partes no domínio da relação de trabalho.
Com base nestes considerandos, adianta-se, desde já, que não pode deixar de considerar-se que infringe o dever de lealdade, a conduta levada a cabo pelo trabalhador.
Com efeito, tendo-se apurado que o autor no período da baixa em questão se ndo informação da SCM de Oiras, lá dava consultas e tendo-se também provado que de uma consulta de oftalmologia a J…, no dia 11 de Julho de 2012, altura em que, segundo o documento médico apresentado, estava incapacitado para prestar trabalho, atenta a sua qualidade de médico, cujas funções na ré consistiam precisamente em prestar assistência médica no âmbito da Medicina do Trabalho, a conduta daquele é manifestamente desleal para com a sua empregadora, também ela a operar na área da medicina, pois encontrando-se a coberto de uma baixa por doença, que supostamente o impedia de prestar trabalho para a ré, não é aceitável, que estivesse a desempenhar as funções de médico para uma outra entidade.
Relembremos que se não provou que o autor tivesse as tardes das quartas-feiras livres, sendo o seu horário na ré de 35 horas semanais.
E que, independentemente de não prever o seu contrato de trabalho um regime de exclusividade, e de se não poder afirmar a prática de concorrência desleal para com a ré, o que seria expectável, na ausência de outros elementos de facto, é que o autor não desenvolvesse, pura e simplesmente, a prática da medicina para outra entidade no período em que estava incapacitado, por doença, para o fazer.
Afigura-se-nos à luz dos critérios de razoabilidade, supra descritos, e de um empregador normal, ser toda a descrita situação inaceitável à luz da exigibilidade da continuidade do vínculo laboral.
Efectivamente, no presente caso, o grau de intensidade com que foi violado o dever de lealdade, é susceptível de criar no empregador a dúvida fundada sobre a idoneidade da futura conduta do empregador, tornando, assim, irremediável a quebra de confiança que a relação de trabalho pressupõe. Como se refere no Acórdão de 05.01.2012, do STJ, processo 164/07.2, www.dgsi.pt, verificar-se-á a impossibilidade prática da subsistência da relação laboral quando se esteja perante uma situação de quebra de confiança entre trabalhador e empregador que seja susceptível de criar no espírito deste a dúvida sobre idoneidade futura da conduta daquele, estando, portanto, o conceito de justa causa ligado à ideia de inviabilidade do vínculo contratual, correspondendo a uma crise extrema e irreversível do contrato.
Tudo isto para se concluir pela verificação de justa causa de despedimento, sanção esta que (não obstante as qualidades profissionais do autor, atestadas até meados de 2007, e a ausência de demonstração de prejuízos para a ré), considerando todo o circunstancialismo descrito, a gravidade da infracção e culpabilidade do infractor, se não deve considerar desproporcionada (art.° 330.° n.° 1).
Acresce que se não deve também qualificar tal sanção como abusiva, pois não se provou que o despedimento tivesse sido motivado por alguma das circunstâncias referidas nas diversas alíneas do n.° 1 do art.° 331,° do CT; não funcionado a presunção prevista no n.° 2 do referido preceito, pois o despedimento fundou-se na apurada conduta infraccional do trabalhador.
Improcede, por conseguinte, a presente questão.
5. Da ilegalidade da retirada da IHT ao trabalhador
Como resulta da factualidade provada o autor prestou o seu trabalho à ré sob o regime de Isenção de Horário de Trabalho (IHT). Em Junho de 2012, a ré procedeu ao reajustamento dos seus serviços, tendo o autor passado a exercer a sua actividade no consultório da sede daquela. E deixou de ter IHT, tendo-se o trabalhador manifestado contra essa cessação.
Ou seja, por decisão unilateral da ré, foi retirada ao autor a IHT de que beneficiava desde 2002, sendo certo que ambas as partes vieram a celebrar contrato de trabalho em 2004 onde essa IHT foi consagrada.
Como é sabido, o regime de IHT, sofreu alteração ao longo tempo.
Assim, por força do preceituado nos artigos 13.° a 15.° do DL 409/71, de 27 de Setembro (e posterior redacção), tal regime estava dependente de autorização da competente autoridade administrativa; discutindo alguns os autores a natureza dessa autorização, mas aceitando parte da doutrina, como vinculativa, a Isenção de facto desde que assente em acordo das partes (Cfr. Menezes Cordeiro, Isenção de Horário, Subsídios para a Dogmática Actual do Direito da Duração do Trabalho, 2000, págs. 89-92).
O Código do Trabalho de 2003 (artigos 177.° e 178.°), modificou esta matéria, no que foi reiterado pelo CT 2009 (artigos 218.° e 219.°). Nesse âmbito, a IHT deixou de depender de autorização administrativa, foram consagradas novas modalidades de isenção e fez-se depender a mesma de acordo escrito das partes.
No presente caso, o regime da IHT que vigorou entre aquelas passou a estar estabelecido no contrato de trabalho escrito que ambas celebraram, razão pela qual, apenas por acordo escrito das mesmas, poderia tal Isenção ser retirada ao autor, o que não ocorreu, visto a mesma ter sido suprimida por decisão unilateral do empregador.
Conclui-se, assim, pela ilegalidade da retirada da IHT, e correspondente ilegalidade da retirada da respectiva retribuição ao autor (190,00 mensais). Não tendo este, contudo, relativamente a essa verba, formulado qualquer pedido (fls. 560 a 565).
6. Da má-fé da ré
Como acima se referiu, a ré negou, em diversas ocasiões, ao longo deste processo', a existência de contrato escrito com o autor, subscrito por uma dos gerentes, o que, como vimos, não podia ignorar.
A litigância de má-fé está contemplada, nos termos do art.° 542.° do CPC, para os casos de negligência grave ou actuação dolosa. Desta feita, para que alguém possa ser responsabilizado como litigante de má-fé, é necessária a verificação cumulativa de um requisito objectivo (qualquer das situações previstas no n.° 2 do citado preceito) e de um requisito subjectivo, consubstanciado no dolo ou negligência.
Não se tendo apurado factualidade que nos permita concluir ter a ré actuado com dolo, a sua postura negatória da existência de contrato escrito com o autor, nos termos em que o foi, deve ter-se por negligentemente grave, concluindo-se ter a mesma litigado com má-fé. O que significa dever a ré ser condenada em multa e indemnização ao autor (art.° 542.° n.° 1 do CPC), sendo a multa de 4 UCS (art.° 27 do Regulamento das Custas Processuais), e posteriormente fixada a indemnização ao autor que for devida.
Em termos finais resta dizer o seguinte; sendo lícito o despedimento do autor, visto ter sido despedido com justa causa, tal despedimento foi irregular, em virtude das diligências probatórias por ele requeridas, terem sido indeferidas pela ré, sem fundamento legal bastante (art.° 356.°n.° 1 do CT), como acima se aduziu.
Deste modo, de acordo com o preceituado no art.° 389°, n.° 2 assiste apenas direito ao autor a ser indemnizado pela ré em valor correspondente a metade do valor que resultaria da aplicação do n.° 1 do art.° 391.° (indemnização a fixar entre 15 e 45 dias de retribuição base por cada ano de completo ou fracção de antiguidade e diuturnidades). O que significa dever a indemnização a favor do mesmo autor situar-se entre os 7,5 e os 22,5 dias de retribuição base e diuturnidades, fixando-se a mesma em 15 dias, o que, tendo em conta a retribuição-base auferida pelo autor, euros 760,00 (cfr. art.° 131.° da sua resposta do autor à motivação do empregador), equivale à indemnização de euros 5.181,81 (760,00:22X15), cinco mil cento e oitenta e um euros e oitenta e um cêntimos.
Por esta verba, nos termos do art.° 334.° do CT, responde solidariamente a STA¬SAÚDE, AMBIENTE E TRABALHO, LDA.

IV - DECISÃO
Em face do exposto, concede-se parcial provimento ao recurso, condenando-se a ré a reconhecer que a verba resultante da IHT do autor era irreversível.
Condena-se a ré e, solidariamente, a STA - SAÚDE, AMBIENTE E TRABALHO, LDA., a pagarem ao autor a titulo de indemnização por despedimento irregular a quantia de euros 5.181,81 (Cinco mil cento e oitenta e um euros e oitenta e um cêntimos). No mais se mantendo a decisão recorrida e se absolvendo a ré do peticionado.
Condena-se a ré como litigante de má-fé, na multa de 4 UCs e em indemnização a favor do autor a fixar oportunamente.
Custas pelo autor e ré na proporção. Lisboa, 2016.09.28

Albertina Pereira
Leopoldo Soares
Eduardo Sapateiro