Há lugar à resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador quando, face à conduta do empregador, não é exigível àquele que continue vinculado a essa relação laboral.
Não obstante as dificuldades económicas do empregador existe justa causa de resolução subjetiva por iniciativa do trabalhador quando o empregador não lhe paga durante mais de 60 dias o trabalho já prestado, não obstante o trabalhador ter entretanto suspendido o contrato precisamente devido à falta de pagamento da retribuição, tanto mais que estava em causa o trabalho de um mês completo e de 21 dias de outro mês, as faltas de cumprimento pontual arrastavam-se há mais de 2 anos, nos quais a R. fez pagamentos a prestações, e no seu agregado familiar só o trabalhador tinha trabalho remunerado.
(Sumário do Relator, art.° 713/7, do Código de Processo Civil).
Proc. 164/i4.6TTPDL 4ª Secção
Desembargadores: Sérgio Manuel de Almeida - Francisca da Mata Mendes - -
Sumário elaborado por Isabel Lima
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Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa
RELATÓRIO
Autoras (AA.): L... e A.... Ré (R.) e recorrente: E..., Lda.
As AA. alegaram que foram admitidas pela Ré para desempenhar as funções de `vendedora' sob as ordens, direcção e fiscalização desta, nos estabelecimentos comercia-is que esta explora, em 2 de maio de 1992 e i de abril de 2000, respectivamente; em 13 de março de 2014, a Ré não lhes havia pago a retribuição relativa aos meses de janeiro e fevereiro desse ano, tendo as Autoras, como tal, comunicado à Ré a suspensão dos seus contratos, com efeito a partir do dia 21 seguinte; e, em 5 de maio de 2014, porque não haviam recebido a retribuição relativa a fevereiro e março (21 dias) desse ano, comunicaram à Ré a resolução dos seus contratos com justa causa; as Autoras não gozaram férias no ano de 2014, não tendo recebido integralmente os valores devidos a título de retribuição do período de férias e respectivo subsídio. Findam pedindo a condenação da Ré no pagamento de € 22470,99 à L... e de € 12004,33 à A..., por conta da indemnização por resolução dos contratos e das prestações laborals acima indicadas, com acréscimo de juros de mora, calculados à taxa legal.
A R. contestou alegando que em 13 de março de 2014, apenas estava em falta o pagamento da retribuição relativa a fevereiro e a parte de janeiro desse ano, estando a
retribuição de janeiro integralmente liquidada no dia 21 de Março seguinte, quando a suspensão dos contratos iniciou a produção dos seus efeitos; esta mora no pagamento da retribuição devia-se, não a um comportamento culposo da Ré, mas sim aos problemas económicos enfrentados pela mesma, conhecidos das AA, com a quebra de vendas e facturação, dificuldades de acesso ao crédito, fecho de lojas, extinção de postos de trabalho e pagamentos fraccionados de salários desde o ano de 2011; não havendo, portanto, fundamento para a resolução destes contratos com justa causa; já as AA. tiveram um comportamento abusivo, violador do princípio da confiança, pois em fevereiro deste ano já haviam comunicado aos representantes da Ré a sua vontade de verem cessados os seus contratos, por despedimento promovido pela Ré, ainda que sem pagamento de indemnização, de forma a poderem beneficiar do subsídio de desemprego, sendo essa a sua opção preferencial. Com estes fundamentos a Ré pediu a improcedência da acção e a absolvição do pedido, pelo menos no que diz respeito ao peticionado pagamento de indemnização por resolução dos contratos com justa causa, e a condenação das Autoras como litigantes de má fé.
Saneados os autos e efectuado o julgamento o Tribunal julgou a ação parcialmente procedente, nos seguintes termos:
a) condena a Ré, E..., Lda., a pagar à Autora L... a quantia de € 15755,02, a título de indemnização por resolução do contrato com justa causa;
b) condena a Ré a pagar à Autora L... as quantias de € 715,87, a título de retribuição de Fevereiro de 2014, € 501,06, a título de retribuição de Março de 2014 (21 dias), € 715,87, a título de retribuição do período de férias vencidas em 2014, € 689,04, a
título de subsídio de férias vencidas em 2014, e € 139,58, a título de retribuição do período de férias e respectivo subsídio proporcionais ao tempo de serviço no ano da cessação;
c) condena a Ré a pagar à Autora L... os juros de mora devidos sobre as prestações acima fixadas, calculados à taxa legal, desde a data do seu vencimento até definitivo e integral pagamento;
d) condena a Ré a pagar à Autora A... a quantia de € 8986,52, a título de indemnização por resolução do contrato com justa causa;
e) condena a Ré a pagar à Autora A... as quantias de € 637,60, a título de retribuição de Fevereiro de 2014, € 446,25, a título de retribuição de Março de 2014 (21 dias), € 637,60, a título de retribuição do período de férias vencidas em 2014, € 611,03, a título de subsídio de férias vencidas em 2014, e € 106,28, a título de retribuição do período de férias e respectivo subsídio proporcionais ao tempo de serviço no ano da cessação.
O condena a Ré a pagar à Autora A... os juros de mora devidos sobre as prestações acima fixadas, calculados à taxa legal, desde a data do seu vencimento até definitivo e integral pagamento;
g) absolve a Ré do demais peticionado;
h) julga improcedente o pedido de condenação das Autoras como litigantes de má fé.
Não se conformando veio a R. apelar, tendo apresentado motivação em que formulou as seguintes conclusões:
a) O recurso versa a decisão que condenou a Ré a pagar às AA. L... e A..., 15.755, 02€ e 8.986,52 €, respectivamente, a título de indemnização por resolução de contrato de trabalho, com justa causa, acrescidas de juros de mora devidos sobre tais montantes, calculados à taxa legal, desde a data do seu vencimento até definitivo e integral pagamento.
b) Considerou a sentença que decorridos mais de 6o dias sobre a falta de paga-mento, pelo menos, da retribuição de Fevereiro, as AA. fizeram cessar os seus contratos de trabalho, com justa causa, nos termos do art. 394° n9 2 alínea a) e 5 do Cód. Trabalho.
c) A decisão fundamentou-se na existência da presunção de iuris et iure , de forma inilidível e sem possibilidade de provar o contrário, da culpa da Ré, entendendo esta (...) que andou mal o Tribunal a quo (..).
d) Tal como fundamenta a sentença, de acordo com o disposto no art.°394° n-°2 e 3 do Código de Trabalho (CT), importa distinguir a justa causa subjectiva, ou culposa (n° 2) e a justa causa objectiva, ou não culposa (n° 3), sendo apenas a primeira que fundamenta o direito do trabalhador a uma indemnização.
e) Por outro lado, tal como prescreve o n° 4 do art. 394° do CT, a justa causa terá de ser apreciada nos termos do n93 do art. 351°, com as necessárias adaptações, isto é, tendo em conta o quadro de gestão da empresa, o grau de lesão dos interesses do trabalhador, o carácter das relações entre as partes, e as demais circunstâncias que no caso sejam relevantes,
f) O art. ° 3949 do CT exige 3 requisitos para que se verifique uma situação de justa causa subjectiva para a resolução do contrato de trabalho com justa causa: a) um requisito objectivo, traduzido num comportamento do empregador violador dos direitos ou garantias do trabalhador; b) um requisito subjectivo, consistente na atribuição desse
comportamento ao empregador; c) um requisito causal, no sentido de que esse comportamento, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.
g) Subsumindo a factualidade dada como provada aos requisitos legalmente exigidos para que se verifique `justa causa para a resolução do contrato, constatamos de imediato, salvo melhor opinião, o preenchimento do requisito objectivo; a eventual existência do requisito subjectivo e a inexistência do requisito causal.
h) Relativamente ao requisito subjectivo; e não obstante toda a prova produzida e devidamente elencada em 182, 192 e 202 dos factos dados como provados que demonstram claramente de que nenhuma culpa pode ou deve ser imputada à Ré, o Meritíssimo Juiz a quo entendeu que a mesma era de todo irrelevante para a boa decisão da causa, uma vez que estar-se-ia na presença de um tipo de culpa classificada como presunção iuris et iure , que não admite prova em contrário, devidamente prevista no n°5 do art. 3942 do CT.
i) Fundamentou tal interpretação jurídica com alguma doutrina e jurisprudência, mencionando especificamente os Acórdãos da Relação de Lisboa, de 30 de Abril de 2014 e da Relação do Porto, de 2 de Dezembro de 2013.
j) (...) O Meritíssimo Juiz a quo não fez correcta interpretação da norma contida no n2 5 do art. 3942 do CT, na parte em que sustenta não ser admissível prova em contrário para a presunção de culpa existente, alegando-se, para o efeito, que existe igualmente doutrina e jurisprudência em sentido contrário aquela que foi mencionada no douto aresto (Vide Acórdão da Relação de Lisboa, de 02/03/2011 - Proc. 178/o9.8TTALM. L1-4, disponível em www.dgsi.pt).
k) Na subsunção da factualidade dada por provada aos requisitos legalmente exigidos para preenchimento do conceito jurídico de justa causa subjectiva na resolução
do contrato de trabalho por parte do trabalhador, constatamos (...) a inexistência do requisito causal, isto é, a demonstração in casu de que o comportamento da entidade empregadora, ainda que se considere culposo (o que não se concede), pela sua gravidade e consequências, tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral entre AA. e R.
1) A matéria de facto dada como provada é substancialmente insuficiente para que o Meritíssimo Juiz ad quo estabelecesse na decisão o nexo de causalidade adequada entre o comportamento ilícito e a insubsistência da relação de trabalho.
m) Na data em que as AA. procederam à resolução dos contratos de trabalho (5 de maio de 2014) estava apenas em falta o pagamento de um mês de retribuição (mês de fevereiro) e uma fração (21 dias) de outro mês, nomeadamente o mês de março.
n) A falta de pagamento atempado das retribuições era uma realidade que já se verificava há algum tempo, por motivos não imputáveis à R., abrangendo todos os funcionários, inclusive aqueles que eram familiares directos dos proprietários da empresa.
o) O pagamento das retribuições a todos os funcionários da Ré, entre eles as AA, pelo menos nos anos de 2012 e 2013, foi realizado em prestações, de acordo com a disponibilidade da empresa.
p) Mesmo admitindo-se que a apreciação do nexo de causalidade necessária não possa/deva ser tão exigente como no caso da justa causa disciplinar, ainda assim não poderá ser isenta de algum rigor e objectividade, sob pena de se desvirtuar ou tornar inócua a norma contida no n 4 do art. 3949- do Código de Trabalho.
q) As únicas circunstâncias, conjugadas entre si, que o Meritíssimo Juiz `ad quo considerou relevantes para dar por verificado o nexo causal (para além do facto ilícito em si e da culpa inilidível) foram as seguintes:
- A Autora L..., sem outro rendimento, tem dois filhos, de 13 e 21 anos de idade, estando o seu marido desempregado;
- A Autora A..., sem outro rendimento, vive em condições análogas às de marido e mulher, com um ex- funcionário da Ré, o qual se encontra desempregado;
r) Salvo melhor opinião, tal factualidade é manifestamente insuficiente para que se considere a verificação do requisito causal que permite, pela sua gravidade e consequências, tornar imediata e praticamente impossível a manutenção da relação de trabalho.
s) Acresce que nesta matéria foram ignorados outros factos e circunstâncias que mereciam - e merecem - ser ponderados, até porque resultam de alegação expressa das AA. na suap.i, nomeadamente:
- O marido da A. L... encontra-se a receber um subsídio de desemprego, no valor de 419,00€ - (art. 11-o da p.i);
- O companheiro da A. A..., ex-funcionário da R., encontra-se a receber um subsídio de desemprego no valor de 419,00€ - (art. 12º da p.i);
- Durante o tempo em que durou a suspensão do contrato de trabalho, ao abrigo do disposto no art. 325° do CT, as AA. receberam, na íntegra, o subsídio de desemprego, beneficiando do disposto no art. 25° n21 da Lei n9105/2009, de 14 de setembro.
) (...) As singelas circunstâncias que resultaram provadas e fundamentaram o nexo de causalidade adequada e necessária são materialmente insuficientes para comprometerem séria e definitivamente a manutenção das relações de trabalho que já perduravam há 14 e 22 anos.
a) Salvo melhor opinião (...) o Tribunal a quo não fez a melhor interpretação do art. 394º n° 4 e 5 do CT, pelo que a sentença proferida merece ser alterada por outra que
não só reconheça não culposa a falta de pagamento pontual das retribuições devidas às AA. como - ainda que tal não aconteça - reconheça que não existe nexo de causalidade adequada e necessária que torne imediata e praticamente impossível a subsistência das relações laborals, absolvendo a R. do pagamento de quaisquer quantias devidas a título de
indemnização por resolução de contratos de trabalho com justa causa.
Contra-alegaram as RR., pedindo a confirmação da sentença e formulando estas conclusões:
1 - A falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por 6o dias sobre o seu vencimento é havido como culposo.
II - A gravidade e consequências de tal falta culposa é grande, atendendo a que se
trata de percepção de retribuição em pessoas sem quaisquer recursos económicos.
III - Sendo, por isso, fundamento lícito para a resolução dos CITs das recorridas.
IV - Mas ainda que se não entendesse como iure et de iure a presunção constante
do n° 5 do art° 394° do CT, a recorrente nem elidiu a presunção de culpa que decorre de
qualquer incumprimento salarial.
V - Pelo que nada há a apontar à sentença, que, de resto, se limitou a aplicar a lei aos factos provados.
VI - Devendo, ipso facto, ser mantida no seu todo.
O DM do M°P° teve vista, pronunciando-se pela improcedência do recurso. As partes não responderam ao parecer.
Foram colhidos os vistos legais.
FUNDAMENTAÇÃO
Cumpre apreciar neste recurso - considerando que o seu objecto é definido pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e exceptuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, art.° 635/4, 6o8/z e 663, todos do Código de Processo Civil - se existe justa causa para despedimento.
São estes os factos apurados nos autos:
i. Em 2 de maio de 1992 L... foi admitida ao serviço de E..., Lda, para o exercício das funções de `vendedora ajudante'.
2. Em 1 de abril de 2000 A... foi admitida ao servi¬ço de E..., Lda, para o exercício das funções de `vendedora ajudante'.
3. As Autoras, sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré, vendiam sapatos e malas num estabelecimento comercial pertencente a esta última, denominado Ballet, depois noutro estabelecimento similar, também pertencente à Ré, denominado Lima 5, e, desde há cinco anos, apenas nesta última loja, onde vendiam confecções.
4. Mercê da sua progressão na carreira, a A. L... ascendeu à categoria de `1a vendedora', com a retribuição mensal de € 648,57, com acréscimo de € 67,30, a título de diuturnidades, enquanto que a A. A... ascendeu à categoria de `2a vendedora', com a retribuição mensal de € 597,22, com acréscimo de € 40,38, a título de diuturnidades.
5. Em fevereiro de 2014 as AA reuniram-se com o sócio gerente da Ré, sendo referido pelas primeiras que a Ré podia cessar os seus `contratos', por `despedimento', a fim de as mesmas poderem beneficiar do subsídio de desemprego.
6. Em resposta, o sócio gerente da Ré comunicou-lhes que não iria `despedi-las', pois não tinha dinheiro para pagar as `indemnizações'.
7. Em i de março de 2014 cada Autora havia recebido, da parte da Ré, a quantia de € 450,00, a título de retribuição relativa a Janeiro de 2014, nos seguintes termos:
a) em 8 de fevereiro de 2014, € 200,00;
b) em 14 de fevereiro de 2014, €150,00;
c) em 1 de março de 2014, € 100,00.
8. Em 13 de março de 2014 as AA comunicaram à Ré, por carta registada com aviso de recepção, a suspensão do seu contrato de trabalho a partir do dia 21/03/2014, por motivo de falta de pagamento pontual da retribuição por período de 15 dias sobre a data do seu vencimento, nos termos previstos no n° 1 do art. 325º do Código do Trabalho. A retribuição em atraso é referente ao mês de Janeiro e Fevereiro.
9. Em 19 de março de 2014 a Ré entregou a cada uma das AA, por conta da retri¬buição em falta, as quantias de € 206,46 (L...) e de €134,60 (A...).
1o. Em 5 de Maio de 2014 a Ré não havia entregue às AA a retribuição relativa a fevereiro e a 21 dias de março de 2014.
ii. Na mesma data as AA comunicaram à Ré, por carta registada com aviso de recepção, a sua decisão de resolver o contrato de trabalho até agora em vigor, com base nos seguintes factos: 1. Ordenados em atraso referentes ao mês de Fevereiro e 21 dias do mês de Março de 2014.
12. A Ré recebeu as comunicações mencionadas no número anterior no dia 6 de maio de 2014.
13. Estão por pagar às AA., da parte da Ré, as quantias relativas à retribuição de fevereiro e março (21 dias) de 2014.
14. No ano de 2014 as AA. não gozaram férias.
15. Mas receberam, no mesmo ano, as seguintes quantias:
a) L... - € 29,83 + € 29,83, a título de subsídios de férias e de Natal;
b) A... - € 26,57 + € 26,57, a título de subsídios de férias e de Natal.
16. A A. L…, sem outro rendimento, tem dois filhos, de 13 e 21 anos de idade,
estando o seu marido desempregado.
17. A A. A..., sem outro rendimento, vive em condições análogas às de marido e mulher com um ex-funcionário da Ré, o qual se encontra desempregado.
18. A Ré, com familiares do sócio gerente no seu quadro de funcionários, tem sofrido uma diminuição das vendas e facturação, sentindo dificuldades no recurso ao `crédito' e no pagamento aos fornecedores e aos trabalhadores, entre estes últimos os familiares do sócio gerente.
19. A Ré, nos últimos três anos, e com o conhecimento das Autoras, teve de encerrar as suas lojas S… e S…, com a consequente extinção de `postos de trabalho'.
20. Pelo menos nos anos de 2012 e 2013 o pagamento das retribuições dos funcionários da Ré, entre eles as Autoras, foi realizado `em prestações', de acordo com a disponibilidade financeira da mesma.
O Tribunal a quo considerou que não se provou que:
a) em 13 de Março de 2014, a Ré ainda não tivesse pago a ambas as Autoras a quantia integral relativa à retribuição de Janeiro desse ano;
b) o marido da Autora L... esteja a receber um `subsídio de desemprego' no valor de € 419,00;
c) o companheiro da Autora A... esteja a receber um `subsídio de desemprego' no valor de € 419,00;
d) alguns dos funcionários da Ré tenham cessado os seus `contratos' e, então, prescindido na totalidade das `indemnizações
e) os salários de Julho e Outubro de 2013 tenham sido pagos a todos os funcionários da Ré em três / quatro prestações;
f) na reunião de Fevereiro de 2014, nos termos definidos em 5), as Autoras tenham dito ao sócio gerente da Ré que prescindiam das `indemnizações', desde que pudessem receber o `subsídio de desemprego
g) na mesma reunião, as Autoras tenham ainda dito que tencionavam proceder à `suspensão' e posterior `resolução dos contratos
h) quaisquer outros factos com relevância na decisão da presente causa. Relativamente à fundamentação da resposta negativa exarou o Tribunal a quo: Em relação aos factos não provados, e atendendo ao enunciado em a), o juízo negativo resulta do próprio apuramento em si do facto 7). O mesmo se passa com os
factos f) e g), como já vimos, atentos os fundamentos da prova dos factos 5) e 6).
Os factos b) e c) impunham uma prova por documento que não foi feita, ao
passo que o facto d), apesar de algumas alusões de D… e J…, exigia uma prova mais consistente, com mais fundamentos, quer de natureza testemunhal, quer mesmo ao nível documental, o que, uma vez mais, não sucedeu.
Por fim, quanto ao facto e), as Autoras e D... falam em pagamentos fraccionados, nos termos definidos em 20), mas sem esta concretização aqui apresentada. Sem outros elementos (as declarações de fls. 55 a 64 não se reportam ao ano de 2013), também este facto ficou por provar.
De Direito
A justa causa consubstancia uma conduta que torna a manutenção do contrato não tanto impossível mas inexigível, à luz de critérios de razoabilidade.
Pode distinguir-se no conceito de justa causa um elemento subjectivo, constituído por um comportamento culposo, por acção ou omissão do agente, e um elemento objectivo, que se traduz no desvalor juslaboral desse comportamento e nas suas consequências negativas, cuja gravidade comprometa, de forma irremediável, a manutenção da relação de trabalho.
João Leal Amado, in Contrato de Trabalho, 2. Edição, Janeiro de 2010, Wolters Kluwer e Coimbra Editora, página 383, refere que a justa causa de despedimento assume, portanto, um carácter de infração disciplinar, de incumprimento contratual particularmente grave, de tal modo grave que determine uma perturbação relacional insuperável, isto é, insuscetível de ser sanada com recurso a medidas disciplinares não extintivas (... A justa causa) traduz-se, afinal, num comportamento censurável do trabalhador, numa qualquer ação ou omissão que lhe seja imputável a título de culpa (não se exige o dolo, ainda que, parece, a
negligência deva ser grosseira) e que viole deveres de natureza laboral, quando esse comportamento seja de tal modo grave, em si mesmo e nos seus efeitos, que torne a situação insustentável, sendo inexigível ao empregador (a um empregador normal, razoável) que lhe responda de modo menos drástico.
Para que exista justa causa importa que se verifique:
a) - um comportamento culposo do trabalhador;
b) - a impossibilidade da manutenção da relação laboral entre o trabalhador e o empregador;
c) - nexo de causalidade entre aquele comportamento e essa impossibilidade.
Neste sentido escreve Rosário Palma Ramalho, in Tratado de Direito do Trabalho - Parte II - Situações Laborals Individuais, Volume II, Almedina, 4. Edição - Revista e Atualizada ao Código do Trabalho de 2009, com as alterações introduzidas em 2011 e 2012 -, Dezembro de 2012, páginas 817 e ss., que para que surja uma situação de justa causa para este efeito, é necessário que estejam preenchidos os requisitos do art. ° 351. °, n.'2 1 do CT (...) de verificarão cumulativa:
- Um comportamento ilícito, grave, em si mesmo ou pelas suas consequências, e culposo do trabalhador (é o elemento subjetivo da justa causa);
- A impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral (é o elemento objetivo da justa causa);
- A verificação de um nexo de causalidade entre os dois elementos anteriores, no sentido em que a impossibilidade de subsistência do contrato tem que decorrer, efetivamente, do comportamento do trabalhador (...)
Assim, relativamente ao elemento subjetivo da justa causa é exigido que o comportamento do trabalhador seja ilícito, grave e culposo. (...)
i) A exigência da ilicitude do comportamento do trabalhador não resulta expressamente do art.° 351.°, n.21, mas constitui um pressuposto geral do conceito de justa causa para despedimento, uma vez que, se a atuação do trabalhador for lícita, ele não incorre em infração que possa justificar o despedimento. Contudo, a ilicitude deve ser apreciada do ponto de vista dos deveres laborals afetados pelo comportamento do trabalhador (...)
ii) O comportamento do trabalhador deve ser culposo, podendo corresponder a uma situação de dolo ou de mera negligência. Nos termos gerais, será de qualificar como culposa a atuação do trabalhador que contrarie a dili¬gência normalmente devida, segundo o critério do bom pai de família, mas o grau de diligência exigido ao trabalhador depende também, naturalmente, do seu perfil laboral especifico (assim, consoante seja um trabalhador indiferenciado ou especializado, um trabalhador de base ou um técnico superior, o grau de diligência varia). Relevam e devem ainda ser valoradas, no contexto da apreciação da infração do trabalhador, as circunstâncias atenuantes e as causas de exculpação que, eventualmente, caibam ao caso. O comportamento do trabalhador deve ser grave, podendo a gravidade ser reportada ao comportamento em si mesmo ou as consequências que dele decorram para o vínculo laboral (...) A exigência da gravidade do comportamento decorre ainda do princípio geral da proporcionalidade das sanções disciplinares, enunciado no art.° 330.9, n.° 1 do CT e oportunamente apresentado: sendo o despedimento a sanção disciplinar mais forte, ela terá que corresponder a uma infração grave; se o comportamento do trabalhador, apesar de ilícito e culposo, não revestir particular gravidade, a sanção a aplicar deverá ser uma sanção conservatória do vínculo laboral.
(...) Para além destes elementos subjetivos, só se configura uma situação de justa causa de despedimento se do comportamento do trabalhador decorrer a impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral - é o denominado requisito objetivo da justa causa. Fica assim claro que o comportamento do tra¬balhador, ainda que constitutivo de infração disciplinar, não é, por si só, justa causa para despedimento; para que esta surja, é necessário que concorram os dois outros elementos integrativos.
Naturalmente, porém, a impossibilidade a que alude o art.° 351, n.° 1, do Código do Trabalho, densificando aliás o disposto no art.° 53 da Constituição', não é física ou legal, constituindo antes uma inexegibilidade: verifica-se quando nenhuma outra san¬ção seja susceptível de sanar a crise contratual grave aberta com aquele comportamen¬to, quando seja irremediável a rotura, o que ocorre quando não se possa impor a um bonus pater famílias, um empregador normal, a manutenção do contrato. Dito de outro modo, quando o interesse do trabalhador na estabilidade laboral, protegido constitucionalmente pelo referido art.° 53, deva, ante uma sã valoração, ceder o passo, mercê da sua própria conduta incorrecta, ao interesse do empregador na extinção daquele vinculo (que também não é alheio a valorações constitucionais, nomeadamente em sede de liberdade de empresa); quando, em suma, o comportamento do prestador da actividade faz com que a pretensão da manutenção daquela situação laboral redunde numa insuportável e injusta imposição ao empregador, ferindo exagerada e violenta-mente a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal, colocada na posição do empregador. A gravidade do comportamento (do trabalhador) deve
entender-se como um conceito objectivo-normativo e não subjetivo-normativo, isto é, a resposta à questão de saber se um determinado comportamento é ou não grave em si e nas suas consequências não pode obter-se através do recurso a critérios de valoração subjetiva mas a critérios de razoabilidade (ingrediente objetivo), tendo em conta a natureza da relação de trabalho, as circunstâncias do caso e os interesses da empresa. (...) Uma vez mais, não é pelo critério do empregador, com a sua particular sensibilidade ou a sua ordem de valores próprios, que se deve pautar o aplicador do direito na apreciação deste elemento, mas pelo critério do empregador razoável (Jorge Leite, cfr. Coletânea de Leis do Trabalho, pág. 250).
Há que distinguir, porém, que no caso o que se discute não é a responsabilidade do trabalhador mas a do empregador.
O que está em causa, com efeito, é a resolução com justa causa por iniciativa do trabalhador, fundada, pois, num comportamento do empregador que torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Estamos perante uma falta culposa do pagamento da retribuição (art.° 394/2/a, 3/c e 5 do CT) que pela sua gravidade e consequências impõem a inexegibilidade da manutenção do vínculo?
Importa ponderar que as trabalhadoras já não recebiam há vários meses, não tendo a R. pago a retribuição de fevereiro e a retribuição dos (21) dias de março em que laboraram, não obstante estarmos já em maio e de entretanto as AA. terem declarado suspenso o contrato.
Tratando-se da retribuição de quase dois meses trata-se de um valor relevante.
Ainda para mais estando os companheiros das AA. desempregados, e não se lhes conhecendo outros proventos, é óbvio que a falta dessas verbas lhes causava significativa mossa.
[Diferente seria se os valores fossem pouco significativos, vg se se tratasse da retribuição de pouco trabalho suplementar, ou um qualquer subsidio de diminuto valor. Convergindo, proclamou o Supremo Tribunal de Justiça, acórdão de 11-02-2015, Processo 575/o8.6TTVRL.Pi.Si, que
3 - A justa causa de resolução do contrato por iniciativa do trabalhador pressupõe, em geral, que da actuação imputada ao empregador resultem efeitos de tal modo graves, em si e nas suas consequências, que se torne inexigível ao trabalhador a continuação da prestação da sua actividade;
4 - Na ponderação da inexigibilidade da manutenção da relação de trabalho deve atender-se ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias relevantes, tendo o quadro de gestão da empresa como elemento estruturante de todos esses factores.
5 - Provando-se que a mora no pagamento da retribuição ocorreu apenas relativamente a parte não relevante da mesma, ou que a violação de direitos do trabalhador foi de pouco relevo no âmbito geral da execução do contrato, tais incumprimentos do empregador não tornam prática e imediatamente impossível a
manutenção do contrato de trabalho] (os acórdãos citados sem menção da fonte estão disponíveis em www.dgsi.p).
Ora, sendo o pagamento pontual da retribuição (isto é a seu tempo e ponto por ponto) a obrigação principal do empregador (art.2 127/1/b e 258/1 do CT), é certo que a sua falta de pagamento por 6o dias ou mais faz presumir o seu carater culposo, em termos íuris et de fure. Diz nesse sentido a prof.-4 Joana Vasconcelos que, é uma `presunção de culpa do empregador na falta de pagamento da retribuição, não certamente de um presunção iuris tantum (que resulta já, em geral, do art.2 799/1 do Código Civil), mas de uma presunção iuris et de lure, insuscetível de prova em contrário (cfr Código do Trabalho Anotado, Romano Martinez e aut. 94- ed., 2009, 1020).
O regime não é, aliás, exatamente igual ao que decorrente da versão original do Código do Trabalho, de 2003, que levava a que o mero decurso do prazo de 6o dias bastasse para existir justa causa subjetiva (por todos: Joana Vasconcelos, idem; acórdão do Supremo Tribunal de justiça de 12.10.11, no processo 2384/o7.oTTLSB.LI.S1). Hoje importa provar a própria justa causa, rectius, que aquela falta de pagamento culposa é de tal modo grave que é inexigível a manutenção da relação laboral.
No caso, há muito que havia atrasos (cfr n.° 20 dos factos provados), que causavam problemas às trabalhadoras. O próprio atraso causa dificuldades a quem não tem outros rendimentos, mas no caso das AA. há que salientar que, nos seus agregados, só elas tinham trabalho, o que mais melindroso se torna.
É certo que a própria R. tinha dificuldades (18 e 19) e, porventura por isso, as AA. não tomaram uma firme posição contra isso senão quando propuseram à R. que as despedisse (5).
Mas isto não significa que devam sujeitar-se indefinidamente ao cumprimento
defeituoso parcial e inoportuno, da- obrigação retributiva a R.; tão somente que
usaram de boa vontade até onde entenderam dever ir, nada permitindo que lhes seja exigido continuarem a aceitar esses (in)cumprimentos.
Todavia, as AA. claramente manifestaram a sua posição com veemência ao optarem pela suspensão do contrato (e isto na sequência da sugestão de resolução do contrato pela R. - n.2 5 e 8).
Ora, a situação manteve-se, persistindo atrasos significativos.
Nestas circunstancias existe irrefragávelmente justa causa de despedimento, sendo inexigível a manutenção do vinculo. Com efeito, a falta de pagamento é ilícita e, por via da presunção dos 6o dias, culposa; levou à suspensão dos contratos que era a única fonte de rendimentos dos agregados das AA., o que mostra que é causa óbvia de prejuízos.
Destarte há justa causa de despedimento, não merecendo censura a sentença.! Gil c )
DECISÃO
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso e confirma-se a sentença recorrida
Custas pela R..
Lisboa, 25 de Março de 2015