I. O art. 25 º da Lei nº 107/2009, de 14 de setembro, Regime Processual das Contra-Ordenações Laborals e de Segurança Social, enuncia os elementos que a decisão da autoridade administrativa há de conter, não incluindo o exame crítico da prova.
II. A decisão administrativa não é equiparável a uma sentença e não tem de conter os requisitos que a lei, nomeadamente processual penal, impõe para esta; corresponde, sim, impugnada judicialmente e apresentada em juízo pelo Ministério Publico, nos termos do art.º 37 da Lei n.º 107/2009 (e do art.º 6º do RGCO, Regime Geral das Contra-Ordenações, aprovado pelo DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, com as alterações sucessivas designadamente a introduzida pelo DL n.º 244/95, de 14/09) a uma acusação.
III. Não padece de nulidade a decisão administrativa que descrimina os factos provados e enuncia os fundamentos da decisão de facto, ainda que não refira os factos oferecidos pela arguida nem diga porque não teve por relevante a prova, designadamente testemunhal, desta.
IV. Não é omissa quanto ao elemento subjetivo do tipo a decisão administrativa que descreve com alguma minúcia factos que mostram a forma consciente e voluntária com que, no seu entender, a arguida agiu.
Proc. 33951/15.8T8LSB 4ª Secção
Desembargadores: Sérgio Manuel de Almeida - Maria Celina Nóbrega - -
Sumário elaborado por Isabel Lima
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Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa.
I - RELATÓRIO
Recorrente: Ministério Publico, em representação da ACT, Autoridade para as Condições do trabalho.
Objeto: decisão da área laboral do Tribunal da Instância Central da Comarca de Lisboa que, em sede de recurso de impugnação judicial da decisão administrativa de condenação na coima de € 12.648,00, 124 UCs, pela prática de factos suscetíveis de integrar a contra-ordenação p. e p. pelos artigos 29°, nº 1 e 4, e 554º, nº 4, al. c), ambos do Código do Trabalho, a declarou nula, revogou e determinou a remessa dos autos à ACT para os fins tidos por convenientes, designadamente sanar a dita nulidade.
Não se conformando com esta decisão o M°Pº recorreu para esta Relação de Lisboa, concluindo afinal:
I- A douta sentença recorrida entendeu que a decisão administrativa é nula, uma vez que:
- ... não contém na sua fundamentação as razões pelas quais não deu provimento à defesa apresentada, ocorrendo violação do direito de defesa da arguida ...
- ... omite a descrição de factos provados que integram o tipo subjectivo da infracção.
II- Em primeiro lugar, afigura-se que as decisões administrativas proferidas no âmbito das contra-ordenações laborais não têm que realizar o exame crítico da prova, conforme se extrai do artº 252 do RPCLSS, o qual não contém qualquer lacuna que obrigue o recurso ao artº 374º do CPP - cf. Ac. TRC 20.6.12 - www.dgsi.pt.
III- De qualquer modo, e mesmo que assim não se entenda, veja-se que, apesar de tudo, na referida decisão existe uma apreciação sobre a convicção da prova produzida - cf. Motivação da Decisão de Facto daquela decisão.
IV- Pelo que nos parece que, em bom rigor, nem se poderá concluir que na decisão administrativa não se refira o motivo pelo qual não se deu provimento à defesa apresentada.
VI- Questão diferente é já analisar se a apreciação efetuada é correta ou não, mas aí já estamos em sede da apreciação da prova, ou seja, já estamos a analisar se a prova foi ou não bem valorada, se houve ou não erro na apreciação da mesma.
VII- Quer isto dizer que se afigura ter existido, apesar de tudo, um exame crítico da prova, sendo que a arguida, através da impugnação que deduziu nos autos, demonstrou conhecer perfeitamente os factos que lhe eram imputados e a razão por que tais factos lhe foram imputados, pelo que se afigura que a decisão administrativa nunca é nula por essa omissão.
VIII- Já em relação à decisão administrativa omitir a descrição de factos provados que integram o tipo subjetivo da infração, verifica-se que no capítulo da Fundamentação de Facto da decisão administrativa apenas consta a factualidade dada como provada pela autoridade administrativa em relação ao elemento objetivo da infração.
IX- Acontece, porém, que, posteriormente, existe um capítulo precisamente denominado Quanto ao elemento subjetivo do tipo da infração, onde se referem expressamente os factos do elemento subjetivo da infração.
X- Ou seja, apesar de na parte da decisão administrativa consagrada à fundamentação de facto não constar a factualidade do elemento subjetivo da infração, a mesma vem a estar consignada numa parte expressamente destinada à apreciação desse elemento.
XI- Ou seja, os factos imputados à arguida relativos ao elemento subjetivo constam da decisão administrativa, embora arrumados de forma incorreta.
XII- Pelo que a decisão administrativa em causa, não constituindo propriamente um exemplo de perfeição, permitiu à arguida compreender os factos lhe eram imputados, pelo que os seus direitos de defesa não foram minimamente beliscados.
XIII- E, assim sendo, não existe a nulidade referida na sentença - veja-se que, em situação idêntica, foi este, o entendimento, e nomeadamente, do Ac. TRE-8.5.12 - www.dgsi.pt.
XIV- A recorrida percebeu bem as razões de facto e de direito que levaram à sua condenação em sede administrativa, conforme se verifica da sua defesa, sendo que também parece inegável que o tribunal tem os elementos necessários para conhecer o processo lógico da formação da decisão administrativa.
XV- A douta sentença violou, nomeadamente, o disposto no artº 25° da Lei 107/09, de 14.9, art° 412, n°-1 do RGCO, e art°s 379, nº1, a) e 374º, n°2 do CPP, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos.
Remata pedindo se revogue a sentença recorrida, substituindo-se a mesma por outra que determine o prosseguimento dos autos.
A arguida respondeu pedindo a improcedência do recurso e concluindo:
A) Conforme referido na sentença recorrida, em sede de defesa escrita no âmbito do processo administrativo, a aqui Recorrida alegou um conjunto de factos e circunstâncias que assumem relevância jurídica pois são suscetíveis de afastar a ilicitude da sua conduta ou, no mínimo, permitiriam concluir pela ausência de culpa e, consequentemente, em qualquer caso, conduzir ao afastamento da prática da infração.
B) Acresce que a Recorrida requereu a produção de prova testemunhal, arrolando para o efeito duas testemunhas, as quais foram ouvidas e, conforme resulta da decisão administrativa, confirmaram no essencial o alegado na defesa escrita.
C) Não obstante o alegado pela arguida e a prova produzida, como bem refere a Meritíssima Juiz a quo, na decisão proferida a entidade administrativa limitou-se a dar como não provada a versão dos factos apresentada pela Recorrida e, em sede de fundamentação, a referir-se apenas ao valor probatório do auto de noticia, documentos anexos e sentença de um processo judicial em que foi ordenada a reintegração da trabalhadora, não dedicando, contudo, uma palavra a justificar por que razão considerou não provados os factos alegados pela Recorrida, não fazendo qualquer apreciação, por mais sucinta, desses mesmos factos.
D) Conforme bem refere a Meritíssima Juiz a quo, o alegado pela Recorrida em sede de defesa escrita impunha, pelo menos, que a autoridade administrativa cuidasse de apurar as circunstâncias de facto invocadas ou, no mínimo, caso não atribuísse relevância ao alegado ou não conferisse credibilidade aos depoimentos das testemunhas, justificasse a razão por que tal sucedia.
E) Ora, no caso em apreço, não obstante admitir que as testemunhas arroladas pela arguida, cuja credibilidade não põe em causa, confirmaram no essencial a factualidade constante da resposta escrita, a ACT ignorou em absoluto tal factualismo e a prova produzida e, sem qualquer fundamento, limita-se a dar como não provada a versão dos factos apresentada pela arguida.
F) Ainda que se aceite, como é aliás entendimento pacífico, que tratando-se de uma decisão proferida numa fase administrativa sujeita às características da celeridade e da simplicidade, o dever de fundamentação neste âmbito pode e deve assumir uma dimensão menos intensa em relação a uma sentença,
G) É absolutamente inaceitável e contrário ao regime legal vigente, por frontalmente violador do dever de fundamentação e, consequentemente, do direito de defesa do arguido, que se omita em absoluto qualquer tipo de fundamentação/exame crítico à prova produzida que permita ao arguido e ao próprio tribunal em sede de recurso de impugnação percecionar o processo lógico de formação da decisão administrativa.
H) Emergindo o dever de fundamentação diretamente do art.º 205.º da CRP, como parte integrante do próprio conceito de Estado de Direito democrático, o direito de conhecer as razões do sancionamento é comum quer ao processo criminal quer ao processo de contra ordenação.
I) Nada obsta assim que, se for necessário recorrer ao processo criminal para resolução do caso, se tenha em consideração o art.° 374.º, n.° 2 do CPP, quando estatui que a fundamentação da sentença consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
J) Assim como nada obsta à invocação do disposto nos art.°s 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, do Código do Processo Penal para declarar nula uma decisão administrativa, ou parte dela, por omissão sobre factos relevantes alegados na defesa, pois os factos relevantes alegados pela defesa devem ser apreciados ainda que de modo conciso na decisão administrativa, sob pena de nulidade.
K) Conforme decorre do exposto, é evidente que ao abrigo do disposto no n.° 1 do art.° 25.2 da Lei n.° 107/2009, de 14 de setembro, se verifica a obrigatoriedade de descrição dos factos e fundamentação da decisão administrativa, dever de fundamentação que passa necessariamente, pela apreciação e análise crítica dos factos alegados pelo arguido em sede de defesa e da prova por este produzida em relação aos mesmos, sob pena de nulidade da decisão administrativa.
L) O que se verifica na decisão administrativa em causa, e que se estranha seja legitimado pelo Ministério Público, é que a ACT fez tábua rasa da defesa da aqui Recorrida e da prova por esta produzida, impondo uma decisão meramente em razão da sua autoridade e opinião, fazendo do exercício do direito de defesa e da produção de prova pela arguida um mero proforma sem qualquer relevância ou utilidade prática, o que jamais se poderá conceder.
M) Dúvidas não subsistem, portanto, que bem andou a Meritíssima Juiz a quo ao concluir que a decisão administrativa padece de falta de elementos essenciais, nomeadamente, não contém na sua fundamentação as razões pelas quais não deu provimento à defesa apresentada, sendo nula por força do disposto no art.º 25.º, n.9 da Lei n.° 107/2009, de 14 de setembro, do art.° 41.º n.° 1 do Regime Geral das Contra Ordenações, aplicável ex vi do art.º 6o.º, da Lei n.° 107/2009 e dos arts.° 374.º, n.º 2 e 379.º, n.° 1, alínea a), do Código de Processo Penal.
N) Acresce, tal como bem se concluiu igualmente na decisão recorrida, que para além da manifesta nulidade de que sofre a decisão administrativa por falta de fundamentação, sempre se teria de considerar a factualidade considerada provada pela entidade administrativa insuficiente para que se imputasse à aqui Recorrida a contra ordenação em causa.
O) Isto porque, apesar de concluir que a arguida agiu de forma dolosa, verifica-se que a ACT não considerou provado qualquer facto que suporte esta conclusão, designadamente que a mesma conhecia o caráter ilícito da sua conduta ou que agiu de forma intencional.
P) Assim, conforme bem se concluiu na decisão objeto do presente recurso, no caso em apreço estamos perante uma decisão administrativa que não permite descortinar, de forma cabal, qual o processo lógico da sua formação, isto é, as razões de facto e de direito que levaram à condenação da aqui Recorrida.
Q) Enfermando tal decisão da invocada falta de fundamentação geradora de nulidade ao abrigo do disposto na alínea a) do n.° 1 do art.º 379.º em conjugação com o n.° 2 do art.º 374.º, ambos do Código de Processo Penal e que é aqui aplicável por força do art.º 6o.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, conjugado com o art.º 41.º, n.º 1, do Decreto Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (RGCC) - cfr. neste sentido Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa em Contra Ordenações - Anotações ao Regime Geral - 3.á Edição, pág. 387, em anotação ao art.º 58.º do RGCC).
R) Não merecendo, portanto, qualquer censura a decisão recorrida quando concluiu pela nulidade de tal decisão e determinou a remessa dos autos à ACT para os fins tidos por convenientes, nomeadamente, para sanar a nulidade detetada, devendo a mesma ser mantida integralmente.
O Sr. Procurador Geral Adjunto colocado neste Tribunal da Relação de Lisboa defendeu a procedência do recurso.
A arguida respondeu.
Para melhor entendimento transcreve-se parte da decisão administrativa, recurso da arguida para o Tribunal a quo e sentença recorrida.
Decisão administrativa
Ponderados numa análise critica e conjugada a factualidade descrita no auto de notícia e documentos anexos e na resposta escrita, conjugada com os depoimentos das testemunhas que compareceram e foram ouvidas, em dia e hora designados para o efeito, neste Centro Local de Lisboa Oriental, verificamos estarem demonstrados e provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa
1 - A Arguida é uma pessoa coletiva, titular do NIPC 500 933 898, com sede na Estrada Nacional 125 - KM 98.6, Sítio do Arneiro, Apartado 325, 8001-904 Faro, e local de trabalho, sito na Ava 5 de Outubro, n.° 54-C, 1050-058 Lisboa, tendo por objeto social, a atividade de aluguer de veículos automóveis ligeiros (CAE: 77110);
2 - Em 08.04.2014, foi realizada uma visita inspetiva à empresa da Arguida supra indicada, tendo esta sido já notificada para apresentação de documentos considerados relevantes para a análise da situação labora) da trabalhadora, C..., que lá exercia a sua atividade;
3 - Da visita inspetiva e da análise conjunta da documentação apresentada, apurou o Inspetor do Trabalho autuante que, a trabalhadora, C..., foi admitida na empresa arguida, em 19.05.2006, através de contrato de trabalho a termo certo, com a categoria profissional de Escriturária de 2 (cfr. fls.1 dos autos),
4 - A trabalhadora tem as suas funções de escriturária de 2 definidas no Contrato Coletivo de Trabalho aplicável ao sector de Rent-a-Car, exercendo ainda, conforme consta da sentença proferida pelo Tribunal de Trabalho acima referida, outras funções, nomeadamente:
A) Para a Iperrent: ...Processamento e envio aos clientes de documentação relativa às viaturas alugadas (... ); Conferência diária do dinheiro em caixa e/ou dos cheques do balcão de Lisboa; Contacto telefónico com os clientes por forma a cobrar valores em atraso e, posteriormente, ao depósito diário no Banco; Conferência do protocolo (documentação Faro-Lisboa-Faro) Processamento das folhas das despesas dos funcionários; Responsável pelo envio diário à Administração (na ausência do Sr. Fernando Miguel Borges S. Sacramento), dos relatórios da situação de frota; dinamização do site da Iperrent (reservas e facturas; alterações das fotos da frota, correção de preços; tradução da página para Inglês);
B) Para o Administrador da Iperrent, Sr. J...: Esporadicamente, efetuava depósitos bancários nas contas pessoais do mesmo; marcação de viagens de avião para o mesmo Administrador ou para quem este indicasse;
C) Para Costa do Golfe, SA (Outra Empresa do grupo): Recebia mensalmente rendas do prédio pertença daquela, sito na Rua 5 de Outubro, 54 em Lisboa e efetuava o depósito das mesmas em banco.
5 - A Entidade Empregadora comunicou à trabalhadora em causa a caducidade do seu contrato de trabalho com produção de efeitos a 18.11.2007;
6 - Em consequência, a trabalhadora interpôs ação declarativa em processo comum contra a Arguida, pedindo, que fosse declarado, que o seu contrato de trabalho se convertesse ab initio em contrato sem termo, por deficiência da justificação do termo e/ou falsidade dos motivos invocados e a consequente ilicitude do despedimento (caducidade), (cfr. fls.1 dos autos);
7- Foi proferida sentença, no âmbito do Processo n.° 1938/o8.32TTLSB, que correu os seus termos na 2a secção, do 2° juízo, do Tribunal do trabalho de Lisboa, a qual declarou a ilicitude do despedimento da trabalhadora C... e, consequentemente, condenou a Arguida, a pagar à trabalhadora remunerações que esta deixou de auferir desde 23.04.2008 até à data do trânsito em julgado da decisão, e proceder à reintegração da trabalhadora nas mesmas funções que exercia à data do despedimento, reintegração esta que produziu efeitos a 09.03.2011, apesar da trabalhadora à data se encontrar de baixa médica;
8- Na visita inspetiva realizada ao local de trabalho da arguida, verificou o inspetor autuante, de forma direta e imediata, que a trabalhadora, C..., tinha o seu posto de trabalho (secretária e computador) localizado na cave das instalações da Arguida, sendo que os restantes trabalhadores do setor administrativo tinham os seus postos de trabalho no rés-do-chão, piso térreo (conforme anexo 1, a fls. 4 dos autos);
9- A cave, para além de ser o local de trabalho da requerente, é também o local de arrumação do diverso material (de caraterísticas familiares), encontrando-se a trabalhadora isolada dos restantes colegas,
1o O inspetor autuante no decurso da visita inspetiva apurou ainda, que a trabalhadora, se encontrava sem qualquer trabalho, tendo apenas como funções atribuídas o arquivo dos contratos (quando existem) e um relatório diário para a administração que a ocupava em média, cerca de 30 minutos por dia, e, ainda que a trabalhadora estava proibida de fazer chamadas para o exterior;
11 O inspetor autuante mais apurou que a Arguida admitiu a 28.06.2012, Anabela Guerreiro Caixinha Caleça do Carmo, por contrato de trabalho sem termo, para exercer funções de escriturária de 2a, cujo conteúdo funcional se encontra definido no Contrato Coletivo de Trabalho aplicável ao setor de Rent-a-Car, bem como outras funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, funções estas que são as mesmas que constam no contrato de trabalho celebrado entre a trabalhadora, C... e a Arguida, encontrando-se mesmo, à data da visita inspetiva aquela trabalhadora a ocupar o posto de trabalho que inicialmente estava atribuído e ocupado pela trabalhadora C..., no Rés-do-Chão,
12 A trabalhadora, C..., encontra-se a desempenhar funções separada dos restantes colegas administrativos, isolada na cave, não tem funções atribuídas, (não obstante o conteúdo funcional, resultante do Contrato Coletivo de Trabalho incluir a realização de um leque variado de funções, entre outras, conforme supra exposto), o seu posto de trabalho foi ocupado por A..., contratada posteriormente, e por tempo indeterminado e colocada naquele que era o seu posto de trabalho, e ainda se confronta com constrangimentos nas condições de trabalho, já que tem o telefone barrado, de forma a não puder efetuar chamadas para o exterior.
13 - Em face da conduta da arguida, a trabalhadora sentiu-se vexada e envergonhada, o que tem afetado psicologicamente a trabalhadora, com repercussões na sua vida privada.
Factos considerados como não provados:
A - O facto de que à data da reintegração da trabalhadora C... não existiam na estrutura da Empresa, as funções de escriturária de 2a, tal como se verificavam à data da sua contratação, devido a razões de crise de mercado e empresariais;
B - O facto de que a Arguida teve que transferir grande parte do trabalho administrativo para a sede da Empresa em Faro, durante o período que a trabalhadora esteve ausente, motivada pela diminuta atividade da Empresa,
C - O facto de que, à data da visita inspetiva (08.04.2014) estavam atribuídas à trabalhadora C... funções no âmbito da sua categoria profissional, nomeadamente elaboração de relatórios de frota, overdue e upgrades, deslocação aos correios, gestão documental dos diversos departamentos, (vide auto de notícia, a fls. 2 e documentos anexos, a fls. 5 dos autos);
D - O facto da trabalhadora, após a sua reintegração na Empresa Arguida, ter sido colocada a desempenhar funções na cave e sozinha, sem a presença dos colegas, praticamente sem funções atribuídas, apenas se deveu à circunstância de quando regressou ao trabalho, não existia nenhum lugar disponível no piso térreo;
E - O facto de que na cave a trabalhadora tinha todos os instrumentos de trabalho necessários, para o exercício da sua atividade;
F - O facto da trabalhadora, A... não se encontrar a ocupar o posto de trabalho anteriormente atribuído à trabalhadora C....
Motivação da Decisão de Facto:
Para a consideração como factos assentes e factos não provados, a nossa convicção, como autoridade administrativa competente, assentou, para além do especial valor probatório do auto de notícia e documentos anexos, cujo teor material e presencial da factualidade neles descrita se reputam de isenção e veracidade de conteúdo e fazem prova
nos termos do n.° 3, do art.2 131 do RPCLSS, na decisão/sentença proferida no âmbito do Proc. n.° 19381o8.32TTLSB, que correu termos na 2a Secção, do 2° Juízo, do Tribunal do Trabalho de Lisboa, conforme fls. i e 2 dos autos, a qual declarou a ilicitude do despedimento da trabalhadora C..., e consequentemente, condenou a Arguida, ao pagamento das remunerações que esta deixou de auferir desde 23.04.2008 até à data do trânsito em julgado da sentença condenatória e na reintegração da trabalhadora nas mesmas funções que exercia à data do despedimento, a qual produziu efeitos a partir de 09.03.2011 e na sua força de caso julgado, conforme resulta dos Autos, a fls.2.
Nestes termos, consideramos provados os factos que constam do auto de notícia e das provas documentais anexas, relevantes para a decisão do presente processo de contraordenação laboral.
IV. Fundamentação de Direito
• Quanto ao elemento objetivo do tipo de infração
Na esfera dos direitos e deveres fundamentais, o n.° 1 e 2 do art.º 131 da Constituição da República Portuguesa, adiante designado de CRP, consagra que Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei, e Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual. Ainda no âmbito dos direitos fundamentais do direito do trabalho e da prestação de trabalho, al. b) do n.º 1 do art.º 59º da CRP determina que todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, tem direito (...) A organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da actividade profissional com a vida familiar.
Na concretização deste princípio constitucional, o Código de Trabalho veio consagrar, nos seus art.º 23º a 32°, os princípios subjacentes à igualdade e não discriminação dos trabalhadores no local de trabalho. Nestes termos, o art.2 251 do CT constitui uma afirmação pela negativa desse princípio na relação de trabalho com a proclamação de um ideal de igualdade formal assente na proibição das diversas modalidades de discriminação. O conceito de discriminação envolve um juízo de desvalorização e de censura relativamente a certas práticas que se traduzem num tratamento de desvantagem conferido a trabalhadores ou a candidatos a emprego em função de determinadas situações. Na sequência do que vem sendo entendido no campo da igualdade, o que está em causa, o que é proibido, não é tratamento diferente em si mesmo, mas antes a irrazoabilidade da diferenciação e a ausência de motivos que a justifiquem.
Neste contexto, o assédio moral está contido no art.º 290 do CT, é considerado pelo legislador como uma das formas de discriminação, e pode concretizar-se não apenas quando se apura que era objetivo do empregador afetar a dignidade do trabalhador, como também nos casos em que não tendo sido esse o desiderato, o efeito obtido seja o de afetar a dignidade da pessoa ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante,
humilhante e desestabilizador, como expressamente refere a parte final do n.° 1 do citado artigo.
Depois de estudos de cariz psicológico e sociológico, desenvolvidos sobretudo na Suécia e nos EUA, onde se constatou a existência, em larga escala, do fenómeno do assédio no local de trabalho - que consiste essencialmente em humilhar, vexar ou desprezar o trabalhador a fim de o afastar do mundo do trabalho, cientes da gravidade dessa realidade e das suas consequências - os regimes jurídicos tem vindo a consagrar legislação sobre essa matéria. Neste propósito, a União Europeia emitiu a Resolução A5-028312001, do Conselho, onde, além de chamar a atenção para as consequências devastadoras do assédio moral, quer para o trabalhador, quer para sua família, que frequentemente necessitam de assistência médica e terapêutica, e que induz aqueles a ausentarem-se do trabalho ou a demitirem-se; se sublinha que as medidas de luta contra o assédio moral no trabalho devem ser consideradas como um elemento importante dos esforços destinados a melhorar a qualidade do emprego e as relações sociais no local de trabalho, que contribuem também para lutar contra a exclusão social.
Como defende a doutrina, as fórmulas mais frequentes de assédio consistem na marginalização do trabalhador, no esvaziamento das suas funções, desautorização, ataques à sua reputação e assédio sexual. Com efeito, se é certo que compete ao Empregador determinar, dirigir e orientar a atividade do trabalhador que se lhe encontra subordinado, que trabalha sob as ordens, direção e fiscalização daquele (art.° no do CT), não deve esquecer-se que o poder de direção de que goza o empregador não pode significar a violação dos direitos fundamentais de que goza o trabalhador enquanto cidadão. A doutrina constitucional e a laboral, realça a este propósito que, se é certo o trabalhador goza dos direitos, não é menos certo que a liberdade de empresa também encontra consagração constitucional, colocando-se, assim, a questão em termos de delimitação de direitos - impondo-se a ponderação dos interesses em presença, devendo procurar-se a concordância prática dos interesses envolvidos através do princípio da proporcionalidade, na sua dimensão de necessidade, adequação e proibição do excesso (Cfr. José João Abrantes, Estudos sobre o Código do Trabalho, pág. 159 e seguintes).
Nesta conformidade, a al. a) e c) do n.° 1 do art.° 127 (Deveres do empregador) do CT dispõe que o empregador deve (... ) Respeitar e tratar o trabalhador com urbanidade e probidade bem como Proporcionar boas condições de trabalho, do ponto de vista físico e moral, disciplinando o art.° 291 do CT, a proibição do assédio pelo empregador ao trabalhador no local de trabalho. Nos termos do n.° 1 e 2 deste artigo, Entende-se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador, constituindo assédio sexual o comportamento indesejado de carácter sexual, sob forma verbal, não verbal ou física, com o objectivo ou o efeito referido no número anterior, concluindo o n.° 3 do artigo em análise, que a prática de assédio implica a aplicação do disposto no art.2 281 do CT, o que envolve o dever do trabalhador vitima de assédio ser ressarcido a titulo de danos patrimoniais e não patrimoniais que merecem pela sua gravidade a tutela do direito (art.° 261 e 496 do Código Civil).
A concretização deste regime jurídico implica a assunção de determinadas condutas positivas pelas Entidades Empregadoras, nomeadamente, estão legalmente obrigadas a observar o dever de respeitar e tratar os seus trabalhadores, com urbanidade e probidade, proporcionando-lhes boas condições de trabalho do ponto de vista físico e moral, não realizando comportamentos indesejados com o objetivo de os perturbar, afetando a sua dignidade e criando-lhe um ambiente hostil e humilhante, como prescreve o art.° 127º, art.° 250 e o art.° 290 do CT.
Nesta conformidade, o legislador entendeu tipificar o incumprimento daquelas obrigações legais (violação do principio da proibição de discriminação e de proibição de assédio), por parte das Entidades Empregadoras, como ilícitos de contraordenação labora) muito grave, nos termos conjugados do n.° 1, n.° 2 e n.° 4 do art.° 290 e do n.° 1, n.° 2 e n.° 8 do art.° 250 do CT.
Em face da factualidade considerada provada, constata-se que a arguida realizou comportamentos que provam a existência de uma situação de assédio moral à trabalhadora, nomeadamente:
- O esvaziamento do seu conteúdo funcional, ou seja, a quase inexistência de funções atribuídas à trabalhadora, nomeadamente, o facto da trabalhadora C..., ter apenas como funções atribuídas o arquivo dos contratos (quando existem) e a elaboração de um relatório diário para a administração que, a ocupa apenas, em média, 30 minutos, quando é o próprio Contrato Coletivo de Trabalho aplicável à Rent-a-Car que define o conteúdo funcional correspondente à sua categoria, escriturária de 2', cumulando ainda, as funções acima elencadas, conforme sentença proferida no âmbito do processo que decretou a ilicitude do despedimento da trabalhadora e, a sua consequente reintegração, constante a fls. 2 dos Autos;
- A alteração das características do seu local de trabalho, nomeadamente, o facto de terem colocado o posto de trabalho da trabalhadora, C..., na cave, isolada dos restantes colegas administrativos, continuando estes com os seus postos de trabalho no piso térreo, promovendo a marginalização da trabalhadora em causa;
- O facto da Empresa Arguida ter colocado outra trabalhadora, Ana Bela Guerreiro, a exercer funções de escriturária de 2ª,,, assim como aquelas que lhe são afins e funcionalmente ligadas, (desde 28.06.2012), funções estas que eram as mesmas que estavam contratualmente atribuídas à trabalhadora C... antes da sua reintegração na Empresa, encontrando-se mesmo fisicamente aquela trabalhadora a ocupar o posto de trabalho que anteriormente estava atribuído à trabalhadora, C...;
- As condições de trabalho atribuídas, nomeadamente, o facto ter sido colocada a desempenhar as suas funções na cave, (apesar de a mesma ter ar condicionado, conforme afirmado pela Testemunha, João Paulo Alves Ribeiro Nogueira) pois, entende-se que aquele espaço não reúne as características ideais para o desempenho de uma atividade profissional que se estende pelo período de 8 horas diárias e 40 horas semanais, em virtude, de não existir ventilação natural do espaço, o que implica que o ar existente seja forçado, assim como a sua renovação; o facto de existir apenas luz artificial, o que
pode provocar problemas de vária ordem para a saúde da trabalhadora, além de que o mesmo se trata de um local de arrumação de material de características familiares, (conforme anexos ao auto, constantes a fls.7 e 8); o facto de se encontrar impedida de efetuar chamadas telefónicas para o exterior, ainda que sejam de cariz profissional, assim como, de se encontrar isolada dos restantes colegas.
De todo exposto, entende esta Entidade que tais condutas indesejadas estão relacionadas com os fatores indicados no n.° 1 do art.º 25° do CT, praticadas com o fim de afetar a dignidade da pessoa e/ou criar um ambiente intimidativo, humilhante ou desestabilizador (art.° 29° do CT), resultando preenchida a tipicidade objetiva da infração imputada à arguida.
• Quanto ao elemento subjetivo do tipo da infração
Dos autos resulta que a situação de ilícito verificada e considerada provada é devida a uma conduta dolosa da arguida.
Nos termos do disposto no n.° 1 do art.º 8° do Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas, aprovado pelo DL n.° 433/82, de 27.10, na versão republicada em anexo ao DL n.° 44/95, de 14.09, alterada pela Lei n.° 109/2001, de 24.12 e na redação dada pelo DL n.° 323/2001, de 17.12, adiante dito de RGCC, aplicável ex vi do art.° 549° do CT, e do art.º 6o° do RPCLSS, só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência. Porém, de acordo com o art.° 550° do CT, A negligência nas contra-ordenações laborals é sempre punível.
O dolo, enquanto elemento subjetivo do tipo, consiste o conhecimento dos elementos objetivos desse tipo e na vontade de os praticar, pelo que, uma pessoa atua dolosamente quando conhece e quer os elementos objetivos de um tipo legal. Assim, o dolo é a consciência e vontade de praticar certo facto típico ou de empreender certa atividade típica.
Nesta conformidade, a estrutura do conceito de dolo é composta por dois elementos:
1) Elemento intelectual ou cognitivo, que se traduz no conhecer; num conhecimento atual.
2) Elemento volitivo que se traduz no querer.
No seu elemento volitivo distinguem-se três espécies de dolo, como resulta do seu conceito legal, que consta do art.º 14° do CP, que constituem diferentes formas de graduação do dolo ou da intensidade de querer um determinado resultado:
1) Dolo directo de primeiro grau ou intenção (art.° 14°, n.° 1 do CP): Age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, actuar com intenção de o realizar, ou seja o agente quer diretamente realizar aquilo que prevê;
2) Dolo directo de segundo grau ou dolo necessário (art.° 14°, n.° 2 do CP): Age ainda com dolo quem representar a realização de um facto que preenche um tipo de crime como consequência necessária da sua conduta, ou seja o agente quer intencionalmente algo em primeira linha, mas sabe que para conseguir essa coisa ou resultado, terá necessariamente de tomar uma conduta, a qual provocará um outro resultado como sua consequência necessária.
3) Dolo eventual ou dolo condicional (art.° 14°, n.° 3 do CP). Quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como consequência possível da conduta, há dolo se o agente actuar conformando-se com aquela realização, ou seja o agente representa, prevê como possível, que da sua atuação possa ocorrer um determinado resultado lesivo, um determinado tipo crime ou ilícito contraordenacional, e atua conformando-se com a possibilidade dessa realização ou da sua atuação puder desencadear a ocorrência do facto típico por ele previsto.
A punição por dolo fundamenta-se no preenchimento dos seguintes elementos:
Nos crimes materiais e formais, o dolo do agente deve abranger a consciência da conduta e do resultado, a consciência do nexo causal entre a conduta e o resultado; a vontade de realizar a conduta e produzir o resultado. Nos crimes de mera conduta, o dolo deve compreender a consciência dá conduta e a vontade de realizar a conduta criminosa.
Na verdade, o assédio moral é reconhecido como um fenómeno destruidor dó trabalho, redutor de produtividade, que favorece a rotatividade e a demissão de trabalhadores por desgaste psicológico e debilidade física. Nesta linha, os elementos caracterizadores do assédio moral são a abusividade da conduta dolosa; a repetição e o prolongamento desta conduta; o ataque à dignidade psíquica; o dano psíquico-emocional, condutas que extrapolam os poderes de chefia do empregador, visando denegrir o trabalhador na sua esfera pessoal, constranger a vítima, explicitando sentimentos de humilhação e inferiorização.
Em relação ao dolo, a sua relevância jurídica é representada pela conduta do empregador em razão da ilícita finalidade de discriminar, marginalizar ou, de qualquer outro modo, prejudicar o .trabalhador, não observando os seus deveres para com os seus trabalhadores ou exorbitando os seus poderes que conhece e devia observar, porquanto a sua especial qualidade de entidade patronal atribui-lhe um conjunto de direitos e deveres legais, investindo-a num dever especial no seu cumprimento. Assim, aquele está naturalmente consciente das suas obrigações legais e pode optar consciente, livre e deliberadamente por infringir as mesmas.
No caso concreto, em termos de culpa, a conduta da arguida é censurável, porquanto a lei impõe ao empregador a obrigatoriedade, nomeadamente, de respeitar e tratar com urbanidade e probidade os seus trabalhadores, proporcionando-lhes boas condições de trabalho do ponto de vista físico e moral (art.° 29°, n.º 1 do CT), agindo contrária ao disposto na norma infringida, incorreu na infração citada.
Com efeito, 'ao proceder do modo considerado provado, a Arguida, após a reintegração da trabalhadora na Empresa, desproviu-a de funções, uma vez que a trabalhadora foi contratada para exercer as funções correspondentes à categoria de escriturária de 2.ª tendo um conteúdo funcional bastante vasto, conforme decorre do CCT aplicável à atividade de rent-a-car e após o seu regresso à Empresa, foi confrontada com a quase inexistência de funções atribuídas, reconduzindo-a, a realizar, apenas, o arquivo dos Processos (quando existam) e a elaboração de um relatório diário para a Administração, que a ocupa em média, apenas 30 minutos, colocou outra trabalhadora, Ana Bela Guerreiro, naquele que era o seu posto de trabalho, no piso térreo, atribuindo-lhe as funções que lhe estavam destinadas antes do seu despedimento, reafectou a trabalhadora para a cave, sozinha, isolada, à margem dos demais colegas administrativos, (conforme auto de notícia a fls.2 e 3 e respetivos anexos, nomeadamente fotos ilustrativas
do respetivo local de trabalho (cave), constantes de fls. 5 a 8 dos autos), sendo este um local de arrumação de material de caraterísticas domésticas, (cfr. fls. 7 e 8 dos autos) e, impedia-a de realizar chamadas telefónicas para o exterior, medidas essas dirigidas apenas à trabalhadora. Mais, à Arguida impunha-se o ónus da prova das razões que eventualmente justificassem os seus atos supra descritos e de que não resultasse de culpa sua essa aludida factualidade de incumprimento contratual, o que não fez, apresentando motivos não justificáveis para o efeito.
Assim, a conduta da Arguida &violadora do dever de atribuir ao trabalhador as funções compatíveis e inerentes à sua categoria profissional, do dever de ocupação efetiva e do dever de respeito pela integridade moral da trabalhadora, dos quais tinha consciência e demonstrou vontade de realizar, quanto mais não seja, representou como consequência possível da sua conduta e conformou-se com a eventualidade da sua realização. Nestes termos, considera-se preenchida a tipicidade subjetiva da infração imputada à arguida a título de doloso.
Conclusões do recurso da arguida para o Tribunal a quo:
A) A Impugnante não se conforma com a decisão proferia nos presentes autos.
B) A decisão da Autoridade para as Condições do Trabalho limitou-se a descrever os factos alegadamente imputados à Impugnante, pouca ou nenhuma valorização fazendo da prova efetuada, das circunstâncias em causa nos presentes autos, limitando-se a concluir pela condenação da Impugnante, pasme-se, a titulo doloso e sem qualquer fundamentação.
C)Não pode a Impugnante aceitar a sua condenação por violação do disposto no art.º 29.º do Código do Trabalho, devendo o presente processo de contra ordenação ser arquivado por não ter qualquer fundamento legal.
D) Após a sua reintegração em 09 de Março de 2011 e até Agosto de 2014, a trabalhadora C... apenas prestou trabalho por um período correspondente a cerca de 9 meses. Ou seja, em cerca de 3 anos e 5 meses, ou seja, 41 meses (de Março de 2011 a Agosto de 2014), a trabalhadora C... trabalhou menos de 9 meses.
E) Acresce que, apesar da sentença proferida no processo identificado nos autos ter condenado a Impugnante a reintegrar aquela trabalhadora nas mesmas funções que desempenhava aquando da caducidade do seu contrato a termo, o certo é que tais funções já não existiam na estrutura da Impugnante, nos exatos termos em que existiam à data da contratação daquela trabalhadora.
F) Ademais a reintegração daquela trabalhadora apenas se efetivou em 1o de Julho de 2013, por motivos totalmente alheios à Impugnante.
G) A redução de atividade da Impugnante, conduziu naturalmente a uma redução do volume de trabalho dos seus serviços, em concreto do seu expediente administrativo, o que implicou necessariamente uma redução no volume das tarefas que estavam adstritos à trabalhadora C....
H) A inexistência na altura da reintegração de grande parte das tarefas atribuídas à trabalhadora C... aquando da sua contratação resulta, não de qualquer atitude persecutória ou discriminatória por parte da Impugnante, mas tão-só de uma real redução da sua atividade que conduziu à mencionada reestruturação de modo a salvaguardar a sua própria viabilidade, pois caso a mesma não tivesse sido efetuada, há muito que a sua continuidade estaria ameaçada.
1) Em qualquer caso, a verdade é que, aquando da visita inspetiva, estavam atribuídas à trabalhadora C... funções no âmbito da sua categoria profissional, nomeadamente elaboração de relatórios de frota, overdue e upgrades, deslocação aos correios para levantamento e entrega de correspondência, gestão documental dos diversos departamentos, assegurando a sua organização e manutenção e arquivo.
J) No que respeita ao local onde a trabalhadora se encontrava a prestar trabalho, aquando da visita inspetiva, o mesmo reunia e reúne todas as condições de higiene e segurança necessárias. E se a trabalhadora estava naquele local, tal apenas se deveu ao facto de não existir nenhum lugar disponível no piso térreo do estabelecimento, motivo pelo qual a mesma teve que ser temporariamente colocada noutro piso do edifício. Assim, no momento em que vagou um posto de trabalho no piso térreo, a trabalhadora C... foi de imediato transferida para o mesmo.
K) Ademais, outros funcionários da Impugnante prestaram o seu trabalho na cave do seu estabelecimento de Lisboa, como sucedeu com o seu Diretor de Serviços, Sérgio Jorge Cardoso Nascimento, e a Prospetora de Vendas Liliana Monteiro Ferreira, bem como um grupo de trabalhadores de uma empresa do mesmo grupo da Impugnante, no período de 2011 a 2012, sem que nenhuma reclamação por parte desses trabalhadores tivesse alguma vez surgido relativamente ao local de trabalho.
L) Deste modo, também no que ao local de trabalho da trabalhadora C... diz respeito, nenhuma violação do art.º 29.º, n.º 1 do Código do Trabalho poderá ser imputada à Impugnante, ou seja, não se verifica qualquer comportamento assediante em relação àquela trabalhadora.
M) No que respeita aos instrumentos de trabalho, a trabalhadora atrás identificada sempre possuiu todos os instrumentos de trabalho necessários para a execução das suas tarefas, inexistindo também neste aspeto qualquer assédio à trabalhadora C....
N) Contrariamente ao afirmado no auto de notícia, o posto de trabalho da trabalhadora C... não se encontrava a ser ocupado pela trabalhadora A...: a posição de entidade empregadora no contrato de trabalho celebrado entre a Impugnante e a trabalhadora Anabela Guerreiro Caixinha Caleça do Carmo, em 28 de Junho de 2010, foi cedida à GMS-Store, Informação e Tecnologia, S.A., com efeito desde 1 de Junho de 2013, nos termos do acordo de cessão de posição contratual então celebrado.
O) Deste modo, facilmente se conclui que não existia ocupação do posto de trabalho da trabalhadora da Impugnante C... pela trabalhadora da sociedade GMS-Store, S.A., A... .
P) O que na verdade ocorreu foi que por motivos que não dependeram da vontade unilateral da Impugnante, o posto de trabalho da trabalhadora C..., com as características e exato conteúdo funcional que possuía em 2006, deixou de existir na organização interna daquela.
Q) Para que exista assédio, nos termos e para os efeitos do art.º 29.º, n. 21 do Código do Trabalho, na sua vertente de assédio moral não discriminatório ou mobbing, é necessário que exista da parte do empregador um comportamento indesejado, não baseado em nenhum fator discriminatório, mas que pelo seu carácter continuado e insidioso, tenha os mesmos efeitos hostis da discriminação, almejando, em última análise, afastar o trabalhador da empresa.
R) Tal nunca foi o propósito da Impugnante, nem esta atuou com o intuito de prejudicar aquela trabalhadora: a circunstância pouco normal e habitual da sua reintegração, que demorou mais de dois anos a concretizar-se desde a decisão judicial que a ordenou até à sua efetiva apresentação ao serviço (repita-se, por motivos que apenas são imputáveis à trabalhadora) e as profundas alterações estruturais da Impugnante motivadas pela realidade do negócio, alteraram as condições em que a trabalhadora em causa prestava habitualmente o seu trabalho entre 2oo6 e 2007.
S) Não pode automaticamente existir o aproveitamento do estigma sempre existente para a empresa que é obrigada judicialmente a reintegrar um trabalhador, na medida em que qualquer questão ou vicissitude que surja no âmbito da relação laboral é, recorrentemente identificada como atuação persecutória da entidade empregadora, sobretudo quando, é evidente que no caso em apreço as alterações funcionais verificadas se ficaram a dever a circunstâncias decorrentes da evolução da atividade da empresa, a que a vontade da Impugnante é absolutamente alheia.
T) Não existe deste modo, o elemento objetivo do tipo de infração, ao invés do vertido na decisão ora impugnada. Ou seja, não se verifica qualquer (i) esvaziamento do conteúdo funcional; (ii) alteração das características do local de trabalho da trabalhadora C...; (iii) colocação de outra trabalhadora a prestar funções de escriturária de 2ª, antes atribuídas à trabalhadora C...; (iv) falta das características ideais das condições de trabalho atribuídas, nos termos e com o alcance dado na decisão que ora se impugna.
U) Em face do que antecede, facilmente se conclui que a Impugnante não teve qualquer comportamento que tenha consubstanciado a prática de assédio relativamente à trabalhadora C..., faltando na atuação da Impugnante o elemento essencial do assédio, que é a existência de um comportamento intencional no sentido de humilhar ou perseguir aquela trabalhadora.
W) É inequívoco que falta na atuação da Impugnante o elemento essencial do assédio, que é a existência de um comportamento intencional no sentido de humilhar ou perseguir aquela trabalhadora, pelo que não se verificando, consequentemente, também o elemento subjetivo do tipo de infração, muito menos a título de dolo, como pretende a decisão ora impugnada.
V) Ora, no caso em concreto nenhum comportamento da Impugnante poderá ser qualificado como assediante perante a trabalhadora C..., pelo que não se encontram preenchidos os elementos necessários para que se verifique violação do disposto no art.º 29, n.º 1, do Código do Trabalho.
X) Em face de tudo quanto ficou exposto, é manifesto que a Impugnante não teve qualquer comportamento de assédio relativamente trabalhadora C..., pelo que o presente processo terá de ser arquivado, com todas as consequências legais.
Y) Caso assim não se entenda, o que não se admite e apenas se concebe por mera hipótese de raciocínio, atendendo a que a Impugnante não cometeu qualquer infração, vem esta requerer a dispensa da aplicação de qualquer coima ou, caso assim não se entenda, tendo em conta: (i) as circunstâncias da infração e (ii) a reduzida culpa da Impugnante, vem, em última análise, requerer a V. Exa. se digne revogar a coima aplicada e aplicar uma mera admoestação.
Z) Caso também assim não se entenda, sem conceder, requer-se a redução da coima para metade do valor mínimo legalmente previsto na coima a aplicar à Impugnante, (i) dada a pouca gravidade da infracção, (ii) a negligência e (iii) o facto de a Impugnante não ter retirado qualquer beneficio económico da mesma ou, se assim também não se entender, requer-se a aplicação da coima mínima legalmente prevista a título de negligência.
Nestes termos, requer-se a V.Ex.á se digne:
a) Julgar a presente impugnação totalmente procedente, por provada, arquivando o presente processo e absolvendo a Impugnante do pagamento de qualquer coima.
Caso assim não se entenda, o que não se admite,
b) Nos termos do disposto no art.º 48.º da Lei n.º 107/2009, revogar a coima aplicada e proferir uma mera admoestação. Caso assim também não se entenda, o que não se admite,
c) Requer-se a redução da coima para metade do valor mínimo legalmente previsto na coima a aplicar à Impugnante, (i) dada a pouca gravidade da infracção e (ii) o facto de a conduta ser imputada a título de negligência, ou, se assim também não se entender,
d) Requer-se a aplicação da coima mínima legalmente prevista a título de negligência, tendo em conta a situação económico-financeira da Impugnante.
Requer-se ainda a V. Exa., se digne ordenar o efeito suspensivo do presente processo, na medida em que, nos termos do disposto no art.º 35, n.° 2, da Lei n.° 107/2009, de 14 de Setembro, a Impugnante procedeu à prestação de caução correspondente ao valor das custas e da coima.
Da sentença recorrida:
A decisão de aplicação de uma coima é um acto administrativo na medida, em
que se consubstancia numa decisão tomada por orgão da administração pública que: ao abrigo de normas de direito público; visa produzir, efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.
A fundamentação dos actos administrativos decorre da própria Constituição da
República Portuguesa, cfr. art.º 268º, n.º 3 - e do Código de Procedimento Administrativo
- cfr. Artº 124°, n.º 1, alinea a).
No caso concreto a obrigatoriedade de descrição dos factos e fundamentação das decisões decorre do art.º 25°, n.º1, da Lei n.2 107/2009.
.I
A exigência de uma cabal descrição.dos factos, incluindo os provados e não provados, e da respectiva fundamentação tem por finalidade assegurar uma efectiva garantia dos particulares contra a arbitrariedade das decisões administrativas, permitindo, assim, a estes o exercício conveniente do seu direito de defèsa contra decisões que os afectem. Na verdade, só conhecendo as razões e premissas da decisão é possível ao particular reagir contra a mesma, contrapondo factos e argumentos ou pôr em causa as razões de facto e de direito que levaram a uma determinada decisão.
• .Como se explica de .modo claro no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de
28/04/2004, in www.dgsi.pt, relator CLEMENTE LIMA, «Pretende-se, fundamentalmente, por um lado„ conferir força,.pública inequívoca (autoridade e convencimento) aos referidos actos, e, por outro lado facultar a sua fundada impugnação, tudo no sentido de que a fundamentação da sentença há-de permitir a
transparência da:decisão.»
A violação do deverode fundamnentaçãb .impede o intérprete de comprovar se na decisão se seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova, de modo a aferir se se trata de uma decisão ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras de experiência comum e fazer um juízo de oportunidade sobre a conveniência da impugnação judicial. Já nesta sede, permitirá ao tribunal conhecer o processo lógico de formação da decisão administrativa (neste sentido, ANTÓNIO DE OLIVEIRA MENDES E JOSÉ DOS SANTOS CABRAL, Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, Almedina, 2ª Edição, pág. 159).
Em face de todo o supra exposto, e de concluir que a decisao impugnada padece da falta de elementos essenciais, maxime, de descrição cabal dos factos/fundamentação da decisão, elementos estes de verificação obrigatória em face do disposto no art.º 25.º da Lei n.º 107/2009.
Designadamente, a decisão administrativa não contém na sua fundamentação as razões pelas quais não deu provimento à defesa apresentada, ocorrendo violação do
direito de defesa da arguida pelos motivos acima explanados. Mais acresce que a decisão administrativa omite a descrição de factos provados que integram o tipo subjectivo da infracção.
Tendo os autos ido aos vistos, cumpre apreciar e decidir.
II - FUNDAMENTAÇAO
É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 6.º do Regime Processual das Contra-Ordenações Laborals e de Segurança Social (Lei n.º 107/2009, de 14/09) e 412.º do Código de Processo Penal. Neste caso, porém, cumpre previamente apurar se a decisão administrativa é nula (art.º 379, n.º 1, alínea c) do CPP), nos termos descritos na sentença e quais as consequências.
A - Factos provados: foram dados como assentes os descritos supra na decisão
administrativa.
B - De Direito
Dispõe o art.º 25 da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro:
Artigo 25.º
Decisão condenatória
1-A decisão que aplica a coima e ou as sanções acessórias contém:
a) A identificação dos sujeitos responsáveis pela infracção;
b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas;
c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão;
d) A coima e as sanções acessórias.
2 - Da decisão consta também a informação de que:
a) A condenação se torna definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada nos termos dos artigos 32.º a 35.º;
b) Em caso de impugnação judicial, o tribunal pode decidir mediante audiência ou, caso os sujeitos responsáveis pela infracção, o Ministério Público e o assistente, quando exista, não se oponham, mediante simples despacho.
3 - A decisão contém ainda a ordem de pagamento da coima no prazo máximo de 1o dias após o carácter definitivo ou o trânsito em julgado da decisão.
4 - Não tendo o arguido exercido o direito de defesa nos termos do n.° 2 do artigo 17.2 e do n.° 1 do artigo 18.2, a descrição dos factos imputados, das provas, e das circunstâncias relevantes para a decisão é feita por simples remissão para o auto de notícia, para a participação ou para o auto de infracção.
5 - A fundamentação da decisão pode consistir em mera declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas de decisão elaborados no âmbito do respectivo processo de contra-ordenação.
Este artigo, cujos n.2 a 3 seguem praticamente os termos do art.º 58 do Regime Geral das Contra-Ordenações, aprovado pelo DL n.° 433/82, de 27 de Outubro, com as alterações sucessivas, designadamente a introduzida pelo DL n.° 244/95, de 14/09, rege o que concerne aos termos da decisão administrativa.
Ora, mirando o teor das al. b) e c) do n.º 1, verificamos que a lei exige que a decisão administrativa contenha (b) a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas; (c) a fundamentação da decisão.
E destes preceitos em lado nenhum encontramos seja a necessidade de uma apreciação crítica das provas, seja a de uma fundamentação extensiva da decisão. Citando o acórdão da Relação de Guimarães de 24.09.2007, I - Na decisão administrativa em recurso, no que concerne à materialidade dos factos que são imputados à arguida, não foi feito o exame crítico da prova a que alude o n° 2 do artigo 374° do Código de Processo Penal. II - Simplesmente, não se vislumbra a necessidade de tal exame: - Primeiro porque o citado artigo 58° o não exige expressamente, limitando-se a exigir a indicação das provas (no sentido de que a fundamentação das decisões administrativas se basta com a indicação das provas, não sendo exigível o seu exame crítico, contrariamente ao que ocorre com as decisões judiciais, cfr. Ac. da Rel. de Guimarães de 10-7-2003, procº nº 903/03, rel. Maria Augusta). - Depois, porque a decisão administrativa que aplica uma coima não é uma sentença nem se lhe pode equiparar pelo que não há que chamar à colação o artigo 374° do Código de Processo Penal (cfr. v.g. os Acs da Rel. de Coimbra de 13-1-1999, recº n° 955/98, de 17-3-1999, recº n° 11/99, ambos in www.trc.pt). - Finalmente, porque os requisitos consignados no citado artigo 58° visam claramente assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão. III - Por isso, sublinham os Cons° Simas Santos e Lopes de Sousa, as exigências feitas no citado artigo 58° devem considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercido desses direitos(Contra Ordenações, Anotações ao Regime Geral, 3° ed., Lisboa, 2006, pág. 387) IV - Mesmo aqueles para quem o incumprimento do dever de fundamentação da decisão administrativa constitui nulidade nos termos do artigo 379° do Código de Processo Penal, são forçados a admitir que uma vez que tal decisão é proferida no domínio de uma fase administrativa sujeita às características da celeridade e simplicidade aquele dever de fundamentação deve assumir uma dimensão menos intensa em relação a uma sentença. V - o que deverá ser patente para o arguido são as razões de facto e de direito que levaram à sua condenação, possibilitando-lhe um juízo de oportunidade sobre a conveniência da impugnação judicial e, simultaneamente, já em sede de impugnação judicial ao tribunal conhecer o processo lógico da formação da decisão administrativa (Ac. da Rel. de Coimbra de 4-6-2003, Col. de Jur. Ano XXVIII, tomo 3, pág 40; no mesmo sentido sublinhando que os preceitos do processo penal deverão ser devidamente adaptados cfr. Ac. da Rel. de Coimbra de 23-4-2000, proc2 n° 1223/03, in www. trc.pt). De resto, o n.° 4 até se contenta, verificados os respetivos pressupostos, com uma mera remissão para os autos de noticia ou de infração ou para a participação, o que mostra que a lei optou decididamente por simplificar, até onde é possível, a decisão administrativa.
Não se ignora que a questão do exame crítico da prova tem sido discutida (por todos cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações, Univ. Cat. Editora, 238, nota 4 (5), nem sempre com respostas unívocas.
Mas não pode ignorar-se, por um lado, que este artigo (citado art.2 25) rege o conteúdo da decisão administrativa de forma suficiente, não carecendo de ser integrado por outros diplomas; por outro, que há uma enorme diferença entre esta decisão e uma sentença judicial, não valendo aquela mais, no fundo, do que uma simples acusação, como resulta do disposto no art.2 37 da Lei n.° 107/2009, de 14 de setembro (O Ministério Público torna sempre presentes os autos ao juiz, com indicação dos respectivos elementos de prova, valendo este acto como acusação), aliás como também dispõe o art.2 62 do RGCO. E pretender que uma acusação há de estar sujeita aos requisitos de uma sentença judicial, salvo o devido respeito, não tem sentido. Neste sentido cfr. o acórdão da Relação de Évora de u-io-2o11: 1 - A decisão administrativa, em todo o caso, até está fundamentada de facto II - Sem prejuízo de o artigo 50.2 do Regime Geral das Contra-Ordenações dever ser analisado à luz dos princípios do artigo 32.2 da Constituição, não deverá ignorar-se, tão-pouco, que a imputação ao arguido pela autoridade administrativa de uma contra-ordenação e subsequente estabelecimento do contraditório nos termos previstos no artigo 5o.9 do Regime Geral das Contra-Ordenações não traduz ainda uma acusação pública, surgindo esta apenas com a apresentação ao juiz dos autos remetidos pelo Ministério Público na sequência da apresentação de impugnação judicial da decisão administrativa nos termos do artigo 62.2 do mesmo diploma legal. III - O respeito pelos direitos de defesa e contraditório bem como o princípio da presunção de inocência não impõem a observância no procedimento e decisão administrativa do mesmo grau de exigências formais impostas a uma decisão judicial produzida no termo de um processo moldado por compreensível maior rigidez reivindicada pela condição e natureza de instrumento último de tutela dos direitos fundamentais.
De resto, a decisão administrativa até contém fundamentação de facto, logo após a menção dos factos provados e não provados. Pode ser boa ou má, completa ou parcial, mas existe (a talho de foice dir-se-á que a regra da invalidade por falta de fundamentação da sentença paradigmática, que é a da área cível, é que existe nulidade apenas quando há falta absoluta de motivação, excluindo-se da sua previsão todos os outros casos em que a fundamentação é deficiente, extremamente concisa mas, ainda assim, bastante à compreensão da decisão - cfr. por todos o Ac. do STJ de 10-10-2013, de onde se extraiu este excerto, apud. www.dgsi.pt). Seria, naturalmente, motivo de perplexidade se uma vulgar decisão administrativa (sem prejuízo de existirem decisões invulgares, pelo alcance e questões em discussão) houvesse de satisfazer requisitos mais pesados do que sentenças judiciais cíveis.
Refere a sentença sub júdice que a decisão omite o tipo subjetivo.
Também aqui não a acompanhamos.
Afirma-se na decisão administrativa que a lei impõe ao empregador a obrigatoriedade, nomeadamente, de respeitar e tratar com urbanidade e probidade os seus trabalhadores, proporcionando-lhes boas condições de trabalho do ponto de vista fisico e moral (Art.° 29°, n.° i do CT), agindo contrária ao disposto na norma infringida, incorreu na infração citada. (...) A arguida, após a reintegração da trabalhadora na Empresa, desproveu-a de funções, uma vez que a trabalhadora foi contratada para exercer as funções correspondentes à categoria de escriturária de 2° tendo um conteúdo funcional bastante vasto, conforme decorre do CCT aplicável à atividade de rent-a-car e após o seu regresso à Empresa, foi confrontada com a quase inexistência de funções atribuídas, reconduzindo-a, a realizar, apenas, o arquivo dos Processos (quando existam) e a elaboração de um relatório diário para a Administração, que a ocupa em média, apenas 30 minutos, colocou outra trabalhadora, Ana Bela Guerreiro, naquele que era o seu posto de trabalho, no piso térreo, atribuindo-lhe as funções que lhe estavam destinadas antes do seu despedimento, reafectou a trabalhadora para a cave, sozinha, isolada, à margem dos demais colegas administrativos, (conforme auto de notícia a fls. 2 e 3 e respetivos anexos, nomeadamente fotos ilustrativas do respetivo local de trabalho (cave), constantes de fls. 5
a 8 dos autos), sendo este um local de arrumação de material de caraterísticas domésticas, (cfr. fls. 7 e 8 dos autos) e, impedia-a de realizar chamadas telefónicas para o exterior, medidas essas dirigidas apenas à trabalhadora. (...) A conduta da Arguida é violadora do dever de atribuir ao trabalhador as funções compatíveis e inerentes à sua categoria profissional, do dever de ocupação efetiva e do dever de respeito pela integridade moral da trabalhadora, dos quais tinha consciência e demonstrou vontade de realizar, quanto mais não seja, representou como consequência possível da sua conduta e conformou-se com a eventualidade da sua realização. Nestes termos, considera-se preenchida a tipicidade subjetiva da infração imputada à arguida a título de doloso.
Descreve-se aqui, ainda que de forma porventura rudimentar, os elementos volitivos e inteletivos com que agiu.
Se tudo isto procede, afinal, é, efetivamente, coisa diversa. Mas eles existem suficientemente em sede acusatória.
Isto acarreta a procedência do recurso.
Sempre se dirá, em todo o caso, que não cremos avisada a solução encontrada no final, a saber, a remessa dos autos para a autoridade administrativa.
Desde logo, dada a separação de poderes, mal se compreende que um processo judicial seja tramitado por um ente administrativo, nem como poderia este dispor dele, decidindo-o em definitivo (imagine-se, vg, arquivando-o). Com propriedade poder-se-ia extrair certidão dos autos e enviá-lo à ACT; mas não os próprios autos.
Esta é, porém, questão que está ultrapassada, visto que os autos deverão prosseguir onde se encontram.
III - DECISÃO
Pelo exposto o Tribunal julga procedente o recurso, revoga a sentença recorrida e determina a prossecução dos autos.
Não são devidas custas.
Lisboa, 30 de novembro de 2016
Sérgio Almeida
Celina Nóbrega
1. O art.º 25.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, Regime Processual das Contra-Ordenações Laborals e de Segurança Social, enuncia os elementos que a decisão da autoridade administrativa há de conter, não incluindo o exame crítico da prova.
II. A decisão administrativa não é equiparável a uma sentença e não tem de conter os requisitos que a lei, nomeadamente processual penal, impõe para esta; corresponde, sim, impugnada judicialmente e apresentada em juízo pelo Ministério Publico, nos termos do art.º 37 da Lei n.º 107/2009 (e do art.º 62 do RGCO, Regime Geral das Contra-Ordenações, aprovado pelo DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, com as alterações sucessivas designadamente a introduzida pelo DL n.º 244/95, de 14/09) a uma acusação.
III. Não padece de nulidade a decisão administrativa que descrimina os factos provados e enuncia os fundamentos da decisão de facto, ainda que não refira os factos oferecidos pela arguida nem diga porque não teve por relevante a prova, designadamente testemunhal, desta.
IV. Não é omissa quanto ao elemento subjetivo do tipo a decisão administrativa que descreve com alguma minúcia factos que mostram a forma consciente e voluntária com que, no seu entender, a arguida agiu.
(Sumário do relator)