I. Para apurar a natureza do vículo juridico, designadamente se se está perante um contrato de trabalho sem termo impõe-se apurar os termos concretos em que foi celebrado o contrato a termo invocado pela entidade patronal, para aferir da sua validade - quer à luz do respectivo regime jurídico (artigos 139.° a 149.° do CT, quer à luz do princípio da segurança no emprego, art.° 53.° da CRP), visto que foi celebrado imediatamente a seguir a uma alegada contratação por tempo indeterminado.
II. Sendo a matéria de facto apurada insuficiente para aferir daquela realidade, mostra-se indispensável a sua ampliação, nos termos do art.° 662 °, n.° 2 alínea c) parte final, e n.° 3, alínea c) do CPC - o que implica a anulação da decisão e a repetição do julgamento a fim de se apurar a factualidade que envolveu a contratação a termo da trabalhadora, nos termos referidos.
III. Nesse caso, a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não está viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições.
Proc. 178/13.3TTLRS 4ª Secção
Desembargadores: Albertina Pereira - José Eduardo Sapateiro - -
Sumário elaborado por Isabel Lima
_______
Apel. 178/13.3TTLRS. L1
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
1- Relatório
P..., residente na Rua da Hortelã, Lote 41 Bloco, intentou a presente acção de processo comum, contra H..., Lda., com sede na Rua Ilha dos Amores, lote 4.08.01, Loja L, Edifício Espelho do Tejo, 1990-118 Lisboa, peticionando que:
A. Seja reconhecida e declarada a existência de contrato de trabalho entre A. e R. desde o dia 1 de Junho de 2011;
E em consequência:
1. Ser declarado ilícito o despedimento promovido pela R.;
2. E condenada a R. a reintegrar a A. no seu posto de trabalho sem prejuízo da sua categoria profissional e antiguidade e a pagar à mesma A. todas as retribuições que esta deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão final;
3. E. também condenada a pagar à A. a indemnização por danos não patrimoniais de €5.000,00; Em qualquer circunstância ser, ainda:
4. Condenada a R. a pagar à A. o valor de €189,91 (cento e oitenta e nove euros e noventa e um cêntimos) a título de comissões relativas ao mês de Dezembro de 2012;
5. Condenada a R. a pagar à A. o valor de €52,29 (cinquenta e dois euros e vinte e nove cêntimos) a título de comissões relativas ao mês de Janeiro de 2013;
6. Condenada a R. a pagar à A. o valor de €282,94 (duzentos e oitenta e dois euros e noventa e quatro cêntimos) a subsídio de férias de 2011, vencido e não pago.
7. Condenada a R. a pagar à A. o valor de € 284,62 (duzentos e oitenta e quatro euros e sessenta e dois cêntimos) a título de subsídio de natal 2011, vencido e não pago.
8. Condenada a R. a pagar à A. o valor de €282,94 (duzentos e oitenta e dois euros e noventa e quatro cêntimos) a subsídio de férias de 2012, vencido e não pago.
9. Condenada a R. a pagar à A. o valor de @ 284,62 (duzentos e oitenta e quatro euros e sessenta e dois cêntimos) a título de subsídio de natal 2012, vencido e não pago.
10. Condenada a R. a pagar à A. o valor de E 529,20 (quinhentos e vinte e nove euros e vinte cêntimos) correspondentes a 24 dias de férias não gozados pela A.
Para tanto, alegou, em síntese, que iniciou a sua relação laboral com a R. no dia 1 de Junho de 2011, tendo sido contratada para exercer a actividade profissional de técnica de unhas de gel nas suas instalações sitas no centro comercial Continente Loures, Loja 43-A. No entanto, como pressuposto da contratação, determinou a R. a necessidade de a A. abrir actividade como trabalhadora independente, como de resto é seu uso. Findo o período de um ano, celebrou a R. com a A. o contrato de trabalho a termo certo, pelo período de 6 (seis) meses, a vigorar entre as partes de 01 de Agosto de 2012 a 31 de Janeiro de 2013. No dia 15 de Janeiro de 2013, a A. recebeu a comunicação da não renovação do seu contrato de trabalho, que pretendia gerar a caducidade do seu pretenso contrato de trabalho a termo certo a partir do dia 31 de Janeiro de 2013. Tal situação tem trazido grande angústia e preocupação à A. Acresce que se encontram em dívida diversos créditos salariais.
A Ré contestou no prazo legal, impugnando motivadamente os factos invocados pela A. Foi proferido despacho saneador.
Procedeu-se a julgamento e proferida sentença foi a acção julgada parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência, condenada a Ré H..., Lda. a pagar à Autora P... a quantia de @ 1.531,32 (mil quinhentos e trinta e um euros e trinta e dois cêntimos) a título de créditos salariais.
Inconformada com esta decisão dela recorre a autora, concluindo as suas alegações de recurso, em síntese, do seguinte modo:
- Nulidade da sentença por excesso de pronúncia (por se entender ter existido substituição do contrato) e por omissão de pronúncia (por ausência de referência à compensação pelo final do contrato).
A interpretação perfilhada na sentença é inconstitucional por violação do principio da segurança no emprego;
- A sentença recorrida constitui um a decisão surpresa;
- Existência de um contrato sem termo entre as partes desde o início da prestação de trabalho; O MP teve vista dos autos e elaborou douto parecer no sentido da procedência do recurso. Foram colhidos os vistos legais.
II - Fundamentação
A) Matéria de facto
Na primeira instância foram considerados provados os seguintes factos:
1. Por escrito particular, datado de 01/08/2012, designado por Contrato de Trabalho a Termo Certo, a Ré, na qualidade de primeira outorgante e a Autora, na qualidade de segundo outorgante, declararam que esta é admitida ao serviço daquela, para desempenhar funções como técnica de unhas de gel, pelo prazo de seis meses, mediante a retribuição mensal de € 485,00,
2. Por carta datada de 15 de Janeiro de 2013, enviada pela Ré à Autora, foi a esta comunicado que (...) o contrato a termo certo celebrado entre V. Exa. a empresa H... Lda., a 1 de Agosto de 2012, caducará no termo do período inicial, ou seja, no próximo dia 31 de Janeiro de 2013.
Informamos ainda que foi deliberado pela gerência dessa empresa, ao abrigo do disposto no art.° 241.°, n.° 5, do Código do Trabalho, que V. Exa. Deverá gozar os 9 dias úteis de férias a que tem direito no período compreendido entre 17 de Janeiro de 2013 e 30 de Janeiro de 2013, encontrando-se dispensada de prestar trabalho no dia 31 de Janeiro de 2013, mantendo contudo o direito à retribuição.
3. Em 1 de Junho de 2011, a Autora começou a prestar serviço para a Ré, exercendo funções de técnica de unhas de gel, nas instalações da Ré sitas no centro comercial continente Loures, Loja 45-A.
4. Desde a data referida em C. que a Autora utiliza o material da Ré no exercício das suas funções.
5. Desde a data referida em 3. que a Autora recebe uma retribuição mensal de € 485,00, acrescida de comissões por cada cliente que atendia.
6. A Ré admite estar em falta o pagamento de €189,91, referentes a comissões de Dezembro de 2012, e € 52,29, referentes a comissões de Janeiro de 2013.
7. A Autora gozou trinta e seis dias de férias.
8. Desde a data referida em 3., que a A recebe ordens da Ré relativas ao desenvolvimento do seu
trabalho.
9. Cumpre o horário por turnos determinado pela Ré, designadamente, das 10.00h às 19.00h; das 11.00h às 20.00h e das 14.00h às 23.00h.
B) O Direito Questão Prévia
Na presente acção, a autora invocou ter mantido relação laboral com a ré, como técnica de unhas de gel, a partir de 1 de Junho de 2011 até 31 de Janeiro de 2013; desde 1 de Junho e até 31de Julho de 2012 a autora, em obediência a ordens da ré, foi passando recibos verdes. E em 1 de Agosto de 2012, a autora assinou um contrato de trabalho a termo certo, por seis meses, para vigorar até 31 de Janeiro de 2013.
Diz também a autora que a relação laboral se manteve inalterada, trabalhando a mesma nas instalações da ré, utilizando o seu material, cumprindo horário de trabalho e mediante a retribuição mensal acordada.
Mais refere a autora que foi obrigada a aceitar o contrato de trabalho a termo, tendo-lhe dito a ré que não se preocupasse, pois não a ia mandar embora e o referido contrato era uma mera formalidade (art.° 12.° da p.i.). Todavia, no dia 15 de Janeiro de 2013, a ré comunicou à autora a não renovação do seu contrato de trabalho, pretendendo, desse modo, gerar a caducidade do mesmo contrato (artigos 13.° e 14.° da p.i.).
Aduz ainda a autora que, relativamente ao primeiro período de trabalho (prestado mediante a emissão de recibos verdes), se deve considerar preenchida a presunção do art.° 12.° do Código do Trabalho, encontrando-se a mesma abrangida por uni verdadeiro contrato de trabalho desde 1 de Junho 2011; e porque não existiu qualquer alteração prática na relação existente entre a A. e a R , deve considerar-se a autora trabalhadora efectiva da ré desde 1 de Junho de 2011 até à sua saída compulsiva da empresa R (...) no dia 31 de Janeiro de 2013 - o que se traduz num despedimento ilícito (artigos 46.° a 49.° da p.i.), com as inerentes consequências, que concretizou no seu pedido (fls. 12 e 13).
Perante o referido, impõe-se concluir que a autora alicerça a sua pretensão na existência de um único contrato de trabalho. No primeiro período de trabalho, a desenvolver funções para a ré, mediante a emissão de recibos verdes, mas sujeita à subordinação jurídica desta; no segundo, a coberto de um contrato a termo certo, mas sem que a sua prestação sofresse alteração, situação que a mesma apenas aceitou, como se viu, por lhe ter sido referido pela ré que a não ia mandar embora, constituindo tal contrato a termo mera formalidade.
Assim, ao contrário do que Mma. Juiz entendeu, o objecto do litígio não consiste apenas em apreciar a natureza jurídica da relação existente entre a autora e ré, o período compreendido entre 1 de Junho de 2011 e 1.08.2012, designadamente se estava em causa um contrato de prestação de serviços ou um contrato de trabalho e respectivas consequências (...) - fls. 102, nem os temas da prova se compaginam ao que consta dos autos (fls. 104) e de onde não resulta aquela matéria, impondo-se ainda apurar os termos concretos em que foi celebrado o referido contrato a termo , para aferir da sua validade - quer à luz do respectivo regime jurídico (artigos 139.° a 149.° do CT, quer à luz do princípio da segurança no emprego, art.° 53.° da CRP), visto que foi celebrado imediatamente a seguir a uma alegada contratação por tempo indeterminado. Tanto mais, insiste-se, que a prestação de trabalho não terá sofrido alteração, nem existiu hiato temporal entre a primeira modalidade jurídica de contratação e a segunda.
A matéria de facto apurada é, pois, insuficiente para aferir daquela realidade, sendo indispensável a sua ampliação, nos termos do art.° 662 °, n.° 2 alínea c) parte final, e n.° 3, alínea c) do CPC - o que implica a anuIarão da decisão e a repetição do julgamento a fim de se apurar a factualidade que envolveu a contratação a termo da autora, nos termos referidos. De acordo com a mesma disposição legal, a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições.
Fica, assim, prejudicada a apreciação das questões suscitadas no recurso do autora.
IV - DECISÃO
Em face do exposto, anula-se a decisão recorrida e ordena-se a repetição do julgamento a fim de se apurar a factualidade que envolveu a contratação a termo da autora, nos termos referidos. A repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições.
Sem custas,
Lisboa, 2016.11 .1 6
Albertina Pereira
Eduardo Sapateiro