I - A lei exige, para que a cessação do acordo de revogação do contrato de trabalho, seja eficaz, ou que o trabalhador entregue a quantia recebida como compensação pecuniária paga em cumprimento o acordo, ou que por qualquer forma, a coloque à disposição do empregador.
II - Colocar à disposição significa tornar acessível, pelo que o objectivo legal só está cumprido se o trabalhador assumir uma postura activa no sentido de devolver a quantia que indevidamente retém, de acordo com o comportamento de arrependimento que entretanto adoptou, susceptível de reverter a declarada extinção do contrato, que volta a vigorar entre as partes, nomeadamente, indicando onde está disponível a quantia, ou pedindo qualquer informação sobre o modo de a fazer chegar, à empregadora, por via bancária (por exemplo), ou acompanhando a missiva de cheque titulando a referida quantia.
III - Não preenche este desiderato a simples declaração da trabalhadora, contida na carta registada com aviso de recepção remetida à entidade patronal, de que põe à disposição do empregador o montante referente à compensação global no valor de (..), nos termos do n.2 3 do art. 350.2 do Código do Trabalho.
Proc. 24665/15.0T8LSB.L1 4ª Secção
Desembargadores: Paula de Jesus Santos - Maria João Romba - -
Sumário elaborado por Isabel Lima
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Processo 24665/15.0 T8LSB.L1
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
I- Relatório
F... intentou a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma do processo comum, contra C... - SEGURANÇA PRIVADA, S.A. pedindo o reconhecimento da revogação do acordo de cessação do contrato de trabalho, nos termos do art. 350º do Código do Trabalho, que lhe seja reconhecida justa causa para a resolução do contrato de trabalho, nos termos da alínea b) do n° 2 do art. 394º do Código do Trabalho e, consequentemente, seja condenada a Ré no pagamento de indemnização no valor de € 1.140,22.
Alegou a Autora, em síntese, que:
- foi admitida ao serviço da Ré no dia 1 de Janeiro de 2015 para o exercício das funções de vigilante, auferindo, em contrapartida da sua actividade, a retribuição mensal de € 651,56;
- no dia 31 de Maio de 2015, celebrou com a Ré um acordo de cessação do contrato de trabalho, com efeitos a partir do dia 31-05-2015;
- por via desse acordo, recebeu a quantia global líquida de € 913,20, correspondendo € 651,56 ao valor da retribuição do mês de Maio, € 126,94 a subsídio de alimentação do mesmo mês, e € 250,00 a título de compensação pecuniária global;
- inconformada com o valor pago pela Ré a título de compensação pecuniária global, enviou-lhe carta datada de 8 de Junho de 2015 visando cessar o acordo de revogação do contrato de trabalho;
- um mês depois, a Ré respondeu-lhe informando que a cessação pretendida não produzia quaisquer efeitos, tendo-se já operado a cessação, em definitivo, do contrato de trabalho;
- por via disso, no dia 13 de Julho de 2015, enviou à Ré carta resolvendo o contrato de trabalho, com fundamento em justa causa, alegando a violação de garantias legais ou convencionais do trabalhador;
- em resposta, a Ré tornou a informar que o contrato já se encontrava cessado por acordo entre as partes.
Realizada a audiência de partes, não foi possível obter a sua conciliação, tendo a Ré sido notificada para oferecer a sua contestação.
A Ré contestou a acção, alegando, em síntese, que:
- não obstante a Autora ter remetido carta revogando o acordo de cessação do contrato de trabalho, não cumpriu integralmente os requisitos previstos no art. 350º, uma vez que não colocou à disposição da Ré o valor da compensação pecuniária que recebeu através de cheque;
- assim, a revogação não é susceptível de produzir os efeitos pretendidos pela Autora;
- foi a Autora quem propôs a cessação, por acordo, do contrato de trabalho, pois pretendia ir desempenhar funções para outra sociedade, como, efectivamente, veio a suceder;
- assim, e caso venha a ser julgada operante a revogação do acordo de cessação do contrato de trabalho, sempre se deverá entender que a Autora procedeu à denúncia do contrato que mantinha com a Ré, por recurso à figura do abandono de trabalho.
Conclui pela improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido.
A Autora não ofereceu resposta à contestação.
Por despacho proferido a fls. 69, o Tribunal, com fundamento no disposto no art. 27º, alínea b), do Código de Processo do Trabalho, convidou a Autora a aperfeiçoar o seu articulado, alegando factos tendentes à demonstração de que havia colocado à disposição da Ré, o valor por si recebido a título de compensação pecuniária global pela cessação do contrato de trabalho.
Em cumprimento do despacho, a Autora apresentou o requerimento de fls. 73, no qual, em síntese, remeteu para a missiva que havia enviado à Ré.
A Ré, na observância do contraditório, apresentou o requerimento de fls. 80 e 81, mantendo o que já havia aduzido na sua contestação, mais salientando que a Autora nada havia, em rigor, acrescentado em relação ao já alegado na petição inicial.
Foi dispensada a realização de audiência preliminar.
Foi proferido saneador-sentença, o qual conheceu da validade e regularidade da instância e julgou improcedente a acção, absolvendo a Ré de todos os pedidos formulados pela Autora.
Inconformada, a Autora interpôs recurso, concluindo que
1. A apelante pôs de boa fé a disposição da apelada o montante referente a totalidade da compensação pecuniária global, cumprindo assim o preceituado na lei.
2. A apelada não aceitou a cessação do acordo de revogação, manifestando-se volvidos 1 mês após a referida comunicação da apelada, alegando não ter sido posta de qualquer forma o montante em apreço.
3. O direito de arrependimento exercido pelo trabalhador até o sétimo dia a contar da data da assinatura do acordo, não depende da aceitação do empregador.
4. Subsistindo o contrato de trabalho proveniente da cessação do acordo de revogação, e uma vez que a apelante deparou-se com a violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador ao ser negado o direito de arrependimento, cessou o seu contrato de trabalho com justa causa de resolução.
5. Tendo a apelante direito a indemnização prevista na lei.
Pelo exposto e com o douto suprimento de V.Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso, condenando-se a apelada na totalidade do pedido, com o que se fará JUSTIÇA!
A Ré contra-alegou, concluindo que
1. A decisão recorrida não merece qualquer reparo nem censura, na medida em que decide a causa, no momento próprio, à luz dos factos carreados - e suficientes - para os autos, e face ao quadro legal aplicável.
2. A recorrente, após ter sido convidada a aperfeiçoar a sua petição inicial, no contexto de descrever factos tendentes a demonstrar a forma como colocou à disposição da R., recorrida, o valor que, conforme confessa, recebeu desta, limitou-se a repetir a sua posição, nada acrescentando ou trazendo de novo aos autos.
3. A simples declaração de manifestação de vontade de colocar à disposição da entidade patronal a quantia efectivamente recebida a título de compensação pecuniária global, realizada pela recorrente, não preenche os requisitos impostos pelo disposto no artigo 350° do Código do Trabalho que exige uma efectiva devolução de tal quantia ou que seja possível à entidade patronal fazer sua a mesma.
4. A A., recorrente, ao não ter colocado, por qualquer forma, à disposição da R., recorrida, a quantia que recebeu a título de compensação pecuniária global, não cumpriu com o disposto na citada disposição legal, pelo que não cumpriu com os requisitos que lhe eram são impostos para ver verificado e preenchido o direito ao arrependimento.
5. Caso assim não se entenda, o que não concede, a resolução por justa causa que a A. Recorrente procura fazer operar, é, ela mesma, ineficaz, por manifesta falta de fundamento legal.
6. A douta Sentença fez uma análise exemplar dos factos carreados para os autos, com correctíssima interpretação e aplicação de direito ao caso concreto.
7. lmprocedem, assim, as questões suscitadas pela recorrente.
Nos termos e pelas razões expostas e pelo mais de direito do douto suprimento, deve o recurso ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se a sentença recorrida, como é de inteira Justiça!
A Exma Procuradora-Geral Adjunta, junto deste Tribunal da Relação, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Os autos foram aos vistos aos Exmos Desembargadores Adjuntos.
Cumpre apreciar e decidir
II - Objecto do Recurso
Assente que é pelas conclusões do articulado de recurso que se afere o objecto deste, no presente caso cumpre apreciar e decidir se
- a Apelante fez cessar o acordo de revogação do contrato de trabalho, colocando à disposição do empregador a totalidade do montante da compensação paga em cumprimento do acordo;
- se ocorre justa causa de resolução do contrato de trabalho pela trabalhadora.
III - Fundamentação de Facto
São os seguintes os factos considerados provados pela primeira instância
1.A Autora foi admitida pela Ré no dia 1 de Janeiro de 2015 para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, exercer as funções de vigilante na sede do IEFP, em Lisboa.
2. Auferia a retribuição mensal ilíquida de € 651,56.
3. No dia 31 de Maio de 2015, Autora e Ré celebraram Acordo de Cessação do Contrato de Trabalho, documentado a fls. 58, dos autos, sendo o seguinte o seu teor:
«(ACORDO DE CESSAÇÃO DE CONTRATO DE TRABALHO)
1.º F... (...) adiante designado de primeiro outorgante, e
2.º C... - SEGURANÇA PRIVADA, S.A. (...) adiante designada de segunda outorgante, declaram e acordam entre no seguinte:
1.º
O primeiro outorgante tem vindo a prestar, desde 01-01-2015, por conta e mediante remuneração da segunda outorgante, no regime do contrato de trabalho, os serviços de Vigilância de Pessoas e Bens inerentes à categoria profissional de Vigilante.
2.°
1 - O primeiro e a segunda outorgante estão de mútuo acordo em fazer cessar o contrato de trabalho invocado na cláusula anterior, o que desde já praticam nos termos e sob as condições seguintes:
a) - a cessação produz efeitos no dia 31 de Maio de 2015;
b) - ambas as partes prescindem do prazo de aviso prévio;
c) - como compensação pecuniária global pela cessação do contrato de trabalho, das remunerações vencidas até à data do fim do contrato, férias, subsídio de natal e proporcionais correspondentes, e de todos os demais direitos que lhe assistem, a segunda outorgante pagou nesta data ao primeiro a quantia líquida de 913,20 € (...), nada mais havendo a pagar por aquele a este, seja a que título, designadamente a título de trabalho suplementar, nocturno ou em dias de descanso.
3.º
Com o pagamento da quantia fixada na cláusula anterior, de que o primeiro outorgante dá quitação, ambas as partes declaram que ficam liquidadas e pagas todas as suas contas directas ou indirectamente relacionadas com o contrato de trabalho.
(...)».
4.
A título de compensação pecuniária global, a Autora recebeu da Ré a quantia de € 250,00, paga, juntamente com os demais créditos constantes do recibo de fls. 12, dos autos, por meio de cheque (documentado a fls. 13).
5.
Por carta registada com aviso de recepção, datada de 5 de Junho de 2015, enviada à Ré no dia 8 de Junho de 2015 e por esta recepcionada no dia 11 de Junho de 2015 - documentada a fls. 14 e 15, dos autos -, a Autora, através de mandatário, comunicou-lhe o seguinte:
«(..)
F... (...) vem nos termos do disposto no art. 350.º do Código do Trabalho fazer cessar o acordo de revogação do contrato nos termos e com os seguintes fundamentos:
1. Em 01.01.2015, o empregador celebrou com a trabalhadora um contrato de trabalho para prestação de serviços de vigilância de pessoas e bens.
2. A trabalhadora prestou serviços até ao dia 31-05-2015, data em que foi celebrado entre as partes a cessação do contrato de trabalho por acordo.
3. Para isso foi acordado que a compensação pecuniária global referente a todos os créditos emergentes do contrato seria no montante de € 913,20.
4. Acresce, que do montante estipulado já se encontrava inserido o vencimento do mês da trabalhadora (€ 615,56), assim como o subsídio de alimentação (€ 126,94), perfazendo o montante ilíquido de € 778,50.
5. A trabalhadora não gozou férias e pelo tempo de contrato teria direito a uma compensação no montante de € 271,48.
6. Igualmente teria de receber o subsídio de férias proporcional ao tempo trabalhado no montante de € 271,48.
7. Assim como o proporcional do subsídio de Natal no valor de € 271,48.
8. Perfazendo o montante global de € 814,44.
9. Do montante acima referenciado foi pago à trabalhadora a módica quantia de € 250,00 a título de compensação global, o que não se compreende.
10. Assim, a trabalhadora faz, nos termos do disposto no art. 350.2 do Código do Trabalho, por considerar desproporcional o montante atribuído pelo empregador.
11. Igualmente, a trabalhadora põe à disposição do empregador o montante referente à compensação global no valor de € 250,00, nos termos do n.º 3 do art. 350.º do Código do Trabalho.
(..)».
6. À missiva referida em 5., respondeu a Ré à Autora, por missiva datada de 8 de Julho de 2015, que a Autora recebeu, sendo o seguinte o seu teor:
Exma. Sr. ª
Acusamos a recepção, em 11.06.2015 da carta que, através de mandatário, nos remeteu e que, por razões de férias de pessoal no departamento administrativo não permitiu a esta administração dar resposta anteriormente, o que vem fazer agora.
Posto isto, como não pode deixar de ignorar, não faz sentido o que, através de mandatário, escreve naquela carta.
Na verdade, como bem sabe, V.° Ex.° propôs a cessação do contrato de trabalho que mantinha com esta empresa, pelo facto de já ter assegurado contrato de trabalho na firma 2045 - Empresa de Segurança, S.A., como efectivamente veio a acontecer, a partir de 01.06.2015!
Não obstante V.° Ex.° ainda ter mais, pelo menos, um mês de contrato, aceitámos tal acordo, e cumprimo-lo, sem lhe colocar obstáculos, pelo que foi com manifesta surpresa que lemos aquela carta.
O valor que lhe foi pago foi negociado e consigo acordado, razão pela qual, em respeito por isso mesmo, assinou o acordo.
Independentemente disso, e considerando que V.° Ex.° não colocou, por qualquer forma, à disposição desta empresa, o valor que lhe foi pago a título de compensação pecuniária global, a cessação pretendida não produz quaisquer efeitos, razão pela qual operou, em definitivo, a cessação do contrato de trabalho que a ligava a esta empresa.
Sem conceder, e apenas por mera cautela, caso, sempre e em qualquer caso o facto de V.° Ex.° ter ido trabalhar para outra empresa no dia 01.6.2015, constituiria uma situação de abandono do trabalho, imputável a V. Ex.° que aqui, por cautela, se deixa invocada.
(..)».
7. Por carta datada de 13 de Julho de 2015, documentada a fls. 18 e 20, carta essa remetida pela Autora à Ré e por esta recepcionada, comunicou aquela o seguinte:
Assunto: Resolução do contrato de trabalho com justa causa
1 - Como sabem, em 31/05/2015 assinei um acordo para a cessação de contrato de trabalho.
2 - Volvidos alguns dias e após reflectir sobre a compensação pecuniária global onde me atribuíram a módica quantia de € 250,00 ao invés de € 814,44 devidos, enviei uma carta registada com aviso de recepção para fazer cessar o acordo de revogação do contrato de trabalho, como é de lei.
3 - Para meu espanto em 08/07/2015, ou seja 1 mês após o envio da minha missiva, recebo uma carta registada a informar-me que a cessação pretendida não produziu quaisquer efeitos.
4 - Não percebi o teor da mesma, uma vez que cumpri com todos os requisitos que emana da lei.
5 - Ao contrário estive a espera em ser contactada para que fosse colocada em algum posto de serviço, o que não aconteceu.
6-Ademais fui informada que havia abandonado o trabalho desde o dia 01/06/2015.
7 - Como podem verificar como trabalhador consciente que sou, cumpri exemplarmente a minha função enquanto estive ao serviço da empresa.
8 - A inércia no contacto de V. Ex.ª, aquando da minha missiva enviada em 08/06/2015, onde cesso o acordo de revogação, causou-me transtornos e expectativas.
9 - Assim, considero no entanto que tal missiva enviada por vós viola culposamente as minhas garantias legais.
10 - Como tal, venho resolver com justa causa o meu contrato de trabalho, celebrado em 1 de Janeiro de 2015, nos termos da alínea b), n.º 2, do art. 394.º do Código do Trabalho, tendo direito a receber uma indemnização prevista no art. 396.º do Código do Trabalho, nunca inferior ao montante de €1.140,22.
11 - Peço que me envie no prazo de cinco dias úteis, a declaração modelo 5044 da Segurança Social e do certificado de trabalho, nos termos do art. 341.º do Código do Trabalho. (..).».
8. Por missiva datada de 13 de Julho de 2015, documentada a fls. 20, dos autos, e recebida pela Autora, a Ré comunicou-lhe o seguinte:
«(..)
Exma. Sr.ª
Acusamos a recepção da s/ carta datada de 13.7.0215.
Antes de mais, entendemos ser de referir que, dada a posição manifestada por V.2 Ex.2, não faz sentido prolongar a troca de cartas.
Assim, vimos, por uma última vez, reiterar que V. Ex.2 nunca colocou, por qualquer modo, à disposição desta empresa a compensação pecuniária global que lhe foi paga, e que V. Ex.2 recebeu e fez sua, conforme acordo de cessação de contrato de trabalho de 31.05.2015, como deveria ter feito para operar a caducidade daquela cessação. Ao não o ter feito, a cessação por acordo operou e produziu os seus efeitos na sua plenitude.
(…)
Quer pelo exposto, quer pela carta que lhe remetemos em 08.07.2015, o seu contrato com esta empresa cessou por acordo entre as partes e produziu os seus efeitos. Assim, não aceitamos a resolução com justa causa, que procura a todo o custo, na sua carta de 13.07.2015.
(…)».
9. A forma como a Autora colocou à disposição da Ré o montante referente à compensação pecuniária paga foi através da carta referida em 5.
IV - Apreciação do Recurso
Não está em causa no presente recurso discutir se entre Autora e Ré vigorou um contrato de trabalho e se relativamente ao mesmo as partes acordaram na extinção do vínculo laborai mediante a sua revogação.
Não só ambas as partes assim o referem, como tal resulta dos factos provados - cfr pontos 1 e 3.
Em causa está apenas a eficácia da cessação do acordo de revogação do contrato de trabalho.
A Apelante afirma que tal cessação não é eficaz porquanto a Apelada não deu cumprimento ao disposto no artigo 350º do CT, pois não lhe permitiu ter a quantia paga a título de compensação na sua disponibilidade.
A Apelada, por sua vez, afirma que colocou tal quantia à disposição da Ré, como resulta da carta de cessação do acordo de revogação, que endereçou à Ré, sendo esta que não aceitou a cessação do acordo, não obstante o direito ao arrependimento não depender da aceitação do empregador. E acrescenta que, em consequência dessa atitude da empregadora, por terem sido violadas culposamente as suas garantias legais ou convencionais, negando-lhe aquela o direito ao arrependimento, ocorre justa causa de resolução do contrato.
Como se sabe, uma das formas de cessação do contrato de trabalho é a revogação, que tem regras próprias, previstas nos artigos 349º e 350º do CT.
O acordo revogatório do contrato de trabalho pode ser celebrado a qualquer momento e não carece de qualquer justificação. No entanto, e quanto à forma, e ao contrário do que a lei prevê relativamente à celebração do próprio contrato de trabalho, no que respeita ao acordo revogatório não vigora o princípio da liberdade de forma previsto no artigo 219.º do C.Civil. Como afirma Pedro Furtado Martins, [P]revaleceram assim as razões normalmente associadas ao formalismo negocial - nomeadamente, o possibilitar uma maior reflexão das partes e facilitar a prova - reforçadas, no que toca ao distrate do contrato de trabalho, pela ideia da protecção da parte mais fraca e da estabilidade do vínculo laborai. (sic)
O artigo 350º nº1 do CT concede ao trabalhador o direito de fazer cessar unilateralmente o acordo de revogação do contrato de trabalho, mediante comunicação escrita dirigida ao empregador, até ao sétimo dia seguinte à data da respectiva celebração (sic) Trata-se, também aqui, de uma declaração negociai, dirigida ao empregador e que testemunha o arrependimento do trabalhador relativamente ao acordo bilateral celebrado entre ambos e que, ao contrário deste, que visa a extinção do vínculo contratual, implica a manutenção desse vínculo pela não produção dos efeitos do acordo revogatório. Esta declaração, embora receptícia, não depende da aprovação do empregador. Pretende-se que o trabalhador reflicta sobre as consequências do acordo revogatório celebrado com a sua entidade patronal e, caso se arrependa, é-lhe dada a possibilidade de voltar atrás e manter o vínculo laboral, na linha de entendimento de que o trabalhador continua a ser a parte mais frágil do contrato de trabalho.
Quando as assinaturas das partes sejam objecto de reconhecimento notarial presencial, nos termos do disposto no nº 4 do preceito legal citado, não tem lugar o distrate por parte do trabalhador
A lei faz depender a eficácia da declaração de cessação do acordo revogatório de o trabalhador entregar ou puser por qualquer forma, à disposição do empregador a totalidade do montante das compensações pecuniárias pagas em cumprimento do acordo, ou por efeito da cessação do contrato de trabalho.
O que entender por pôr à disposição do empregador? É esta a questão fulcral deste recurso.
No presente caso, a Autora, por carta registada com aviso de recepção enviada à Ré e por esta recepcionada, comunicou-lhe que fazia cessar o acordo de revogação do contrato de trabalho, celebrado entre ambas. Na mesma missiva comunica ainda que 11. Igualmente, a trabalhadora põe à disposição do empregador o montante referente à compensação global no valor de € 250,00, nos termos do n.° 3 do art. 350.º do Código do Trabalho. Nada mais fez quanto a esta questão.
A razão de ser da exigência vertida no artigo 350º nº 3 do CT é uma emanação do princípio da boa-fé e prende-se naturalmente com o facto de a revogação do acordo de cessação do contrato de trabalho implicar a subsistência do contrato, não fazendo qualquer sentido que o trabalhador mantenha o direito aos créditos que apenas se vencem com a efectiva cessação do contrato.
E para alcançar esse desiderato de a empregadora, caso assim o entenda, voltar a aceder à quantia que pagou ao trabalhador, a lei refere, em alternativa, que este tem a obrigação, ou de entregar a quantia, ou de a colocar, por qualquer forma, à disposição do empregador.
No presente caso, a Autora não entregou a quantia recebida a título de compensação. Mas defende que a colocou à disposição da Ré, remetendo para o teor da carta que enviou para cessação do acordo de revogação do contrato de trabalho. Nessa carta, como vimos, a trabalhadora limita-se a declarar que a quantia está à disposição da empregadora. Não refere onde está disponível a quantia, não pede qualquer informação sobre o modo de a fazer chegar à empregadora, por via bancária (por exemplo) ou fazendo acompanhar a missiva de um cheque titulando o valor da compensação, à ordem da empregadora. Como se sabe, disponibilizar é tornar acessível, e o que é certo é que a Autora não refere, na carta que remete à Ré, como se propõe tornar acessível a quantia à empregadora. Note-se que, face ao exercício do direito (potestativo) da Autora, não competia à Ré e empregadora o ónus de procurar obter a entrega da compensação que pagou, nomeadamente solicitando a sua devolução, mas à Autora torná-la inequívoca e facilmente acessível de uma forma efectiva.
No dizer de Pinto Furtado A execução da obrigação de devolução suscita algumas dificuldades quando a declaração do trabalhador de fazer cessar o acordo é comunicada por carta registada. Julga-se que a forma mais expedita de resolver o problema será fazer acompanhar a comunicação de um cheque do valor em causa, emitido a favor da entidade empregadora, ou proceder ao depósito dessa quantia numa conta bancária do empregador.'
A lei pressupõe uma actuação do trabalhador no sentido de devolver a quantia que indevidamente retém, de acordo com o comportamento de arrependimento que entretanto adoptou, susceptível de reverter a declarada extinção do contrato, que volta a vigorar entre as partes.
A simples declaração de que a quantia em causa está disponível é manifestamente insuficiente para tornar eficaz a declaração a que se refere o nº3 do artigo 350º do CT, no sentido de fazer cessar o acordo de revogação do contrato de trabalho.
E assim sendo, como é, improcede o recurso nesta vertente, assim como improcede no que respeita à resolução do contrato com justa causa pela Autora, pois a obtenção desse desiderato dependia de se considerar que a Ré praticou um acto ilícito ao não aceitar a cessação do acordo de revogação firmado entre ambas. De facto, a Apelante funda a resolução do contrato no disposto no artigo 394º nº1 e b) do CT, que estabelece como comportamento integrador do conceito de justa causa, a violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador. Neste caso, a garantia estabelecida no nº3 do artigo 350º do CT, de o trabalhador poder reverter a posição que anteriormente assumira de fazer cessar o contrato. Como vimos, a empregadora bem andou ao declarar não ser eficaz a cessação de tal acordo, pelo que não está preenchida a situação prevista no invocado preceito legal para justificar a justa causa de resolução.
Em face do exposto, cumpre concluir pela improcedência do recurso.
V- Decisão
Face a todo o exposto, acorda-se na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente o presente recurso de apelação interposto por F..., mantendo-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da Apelante.
Registe.
Notifique.
Lisboa, 15 de dezembro de 2016
(Paula de Jesus Jorge dos Santos)
(Claudino Seara Paixão)
(Maria João Romba)
Sumário
I - A lei exige, para que a cessação do acordo de revogação do contrato de trabalho, seja eficaz, ou que o trabalhador entregue a quantia recebida como compensação pecuniária paga em cumprimento o acordo, ou que por qualquer forma, a coloque à disposição do empregador.
II - Colocar à disposição significa tornar acessível, pelo que o objectivo legal só está cumprido se o trabalhador assumir uma postura activa no sentido de devolver a quantia que indevidamente retém, de acordo com o comportamento de arrependimento que entretanto adoptou, susceptível de reverter a declarada extinção do contrato, que volta a vigorar entre as partes, nomeadamente, indicando onde está disponível a quantia, ou pedindo qualquer informação sobre o modo de a fazer chegar, à empregadora, por via bancária (por exemplo), ou acompanhando a missiva de cheque titulando a referida quantia.
III - Não preenche este desiderato a simples declaração da trabalhadora, contida na carta registada com aviso de recepção remetida à entidade patronal, de que põe à disposição do empregador o montante referente à compensação global no valor de (..), nos termos do n.2 3 do art. 350.2 do Código do Trabalho.