Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Laboral
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 - ACRL de 22-03-2017   Contrato de trabalho. Subordinação jurídica. Contrato de prestação de serviços.
1. A subordinação jurídica é o elemento distintivo do contrato de trabalho, pressupondo o poder, atribuído ao empregador, de exercício de autoridade traduzido na possibilidade de emissão de ordens, instruções e efetivação de disciplina mediante aplicação de sanções.
2. Não é de trabalho a relação estabelecida entre as partes em que não se evidenciam traços de subordinação jurídica.
3. Não obstante a presença de algumas das características associadas à presunção de laboralidade, tendo-se provado factos que inculcam no sentido da inexistência de subordinação jurídica, o contrato não se tem como de trabalho.
4. A condenação extra vel ultra petitum pressupõe a irrenunciabilidade de certos direitos substantivos do trabalhador, estando limitada aos factos de que o tribunal possa servir-se.
Proc. 112/15.6T8CSC 4ª Secção
Desembargadores:  Manuela Fialho - Sérgio Manuel de Almeida - -
Sumário elaborado por Isabel Lima
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4.ª Secção (Social)

Proc° 112/15.6T8CSC
Acordam na secção social do Tribunal da relação de Lisboa:
M..., A. nestes autos, não se conformando com a decisão' final proferida em 1 a instância vem dela apresentar Recurso de Apelação.
Pede a alteração da sentença.
Formula as seguintes conclusões:
1° A Fundamentação de Facto nos seus n°s 3,6,7,8,9,10,11,12,13,14,15,26,27,28,29 e 30 possui indícios mais do que suficientes na sua globalidade para, contrariamente à decisão recorrida, se entender que se está perante um contrato individual de trabalho e não de prestação de serviços;
2° Deve ser declarada a existência de um contrato de trabalho após 14-04-2014 entre a Autora e a Ré M... conforme aos Artºs 11° e 12° do Código de trabalho;
3° Sem conceder e à cautela, deve a Ré M..., caso não se entenda a existência de um contrato de trabalho após 14-04-2014, ser condenada extra ultra petitum nos termos do Art° 74° do CPT a pagar todas as verbas resultantes cessação do contrato de trabalho inicial da Autora, no que é omissa a sentença recorrida;
4° Deve ser declarada sem efeito jurídico atendível e consequentemente anulado o acordo revogatório de transição do contrato de trabalho da Autora para prestação de serviços em 14-04-2014;
5° Deve o tribunal retirar consequências jurídicas da falta de apresentação pela Ré M... do registo de horas extraordinárias que lhe foi ordenado pela Senhora Dra Juíza a quo, no que é omissa a sentença recorrida;
6°) Deve ser declarada sem efeito jurídico atendível o escrito da Autora de 15-10-2014 constante do n° 38 e n° 39 da Fundamentação de Facto da sentença recorrida por não gerador de efeitos jurídicos por falta da qualidade de entidade patronal quanto à Ré M..., atento o ponto 40 da Fundamentação de Facto;
7°) Deve ser declarada a ocorrência de transmissão de estabelecimento da Ré M... para a Ré P...;
8°) Deve ser declara a violação das disposições do Art.° 359° e seguintes do Código de Trabalho quanto ao Despedimento Coletivo por parte da Ré M... e
9°) existência de culpa na formação do contrato por violação do Art.° 102° do Código de Trabalho quanto às Rés M... e P... por se considerar provado agirem concertadamente em detrimento dos direitos, nomeadamente de antiguidade, conforme o fixado no ponto 47 da Fundamentação de Facto.
10°) Deve o tribunal pronunciar-se sobre as infrações às leis laborais indiciadas.
11°) Devem ser pagas à Autora pelas Rés as quantias peticionadas em 1 a instância,' atendendo 1no entanto àrrenuncia da reintegração no seu posto de trabalho e optando. pela devida indemnização até à data do trânsito em julgado da respetiva sentença.
12°) Seja aceite e valorado o documento da Câmara de Solicitadores anexo ao presente Recurso.
13°) Devem as normas violadas ser interpretadas no verdadeiro sentido pretendido da sua emanação pelo legislador.
M..., recorrida nos autos e neles melhor identificada, notificada da apresentação das alegações de recurso, vem apresentar a sua RESPOSTA, onde, em síntese, conclui que o Tribunal a quo, ao proferir o douto aresto recorrido, procedeu à correta apreciação da prova e à exata interpretação e aplicação do Direito
O MINISTÉRIO PUBLICO emitiu parecer no sentido da improcedência do_recurso, defendendo que o contrato de trabalho inicialmente celebrado veio a ser revogado.

A autora intentou a presente ação pedindo (após despacho liminar que determinou a apresentação de nova petição inicial):
- Se declare a existência de contrato de trabalho entre a A. e a R. M..., o qual foi transmitido para a R. P... e se mantém em vigor, pelo que a autora deverá ser reintegrada no escritório da ré P.... Consequentemente deverão ser pagas à A. as seguintes quantias:
- Os salários até ao encerramento do processo, no montante de 799.50 Euros líquidos mensais, acrescidos de retenção na fonte, que até à data se calcula no.montante de 301.81 euros, desconto para a Segurança Social e subsídio de alimentação, no valor de 6.40 euros por dia, consubstanciando em média 140.80 euros por mês, que se encontra em dívida quanto aos meses de abril de 2013 até agosto de 2014, perfazendo o, total de 2393.60 euros;
- As quantias devidas a título de proporcional de subsídio de férias e de Natal referentes ao ano de 2013, no montante de 1066.67 euros, líquidos;
- Os subsídios de férias e de Natal referentes ao ano de 2014, no montante de 1600.00 euros, líquidos;
- As horas de trabalho suplementar apuradas através dos recibos verdes, no total de 351.7 horas, que deverão ser pagas em dobro, como sucedia durante o período em que vigorou o contrato escrito e se confirma através dos recibos de vencimento juntos, totalizando 1561.55 euros;
- As horas de trabalho. suplementar apuradas através do registo diário de horas fornecido pela R. M..., ,que deverão ser pagas em dobro, como sucedia durante o período em que vigorou o contrato escrito, ou seja, a 8.88 euros a hora, que se estima em pelo menos 561 horas ao longo de 17 meses (1h30 por dia), totalizando 4981.68 euros;
- Os juros referentes às quantias acima referidas até ao integral pagamento;
- Deverá ainda ser atribuída uma indemnização por danos morais não inferior a cinco remunerações mensais à A., no montante de 3997.50 euros líquidos, a ser paga pela R. M....
- Mais deverão ser comunicado ao Ministério Público, caso sejam apurados e resultem dos autos, as infrações que configurem contraordenações, conforme supra-alegado nesta petição.
- Finalmente requer-se seja ordenada e comprovada nos autos a liquidação do pagamento que vier a ser apurado como devido à A. e a dívida à Segurança Social referente aos descontos legais obrigatórios desde maio de 2013, quando a A. passou para o regime de recibos verdes, que até à presente data se calculam no montante de 6122.26 (34.75/prct.), e os que se vencerem até à sua reintegração.
Fundamentos da pretensão exposta: foi admitida ao serviço da primeira ré mediante contrato de trabalho a termo certo, mediante a retribuição de € 500. Ao saber que outra colega auferia € 800, confrontou a 1.a ré tendo com esta negociado passar a auferir € 800, mediante passagem ao regime de recibos verdes - sem pagamento de subsídios de férias e de natal, almoço e descontos para segurança social -, tendo, após período de reflexão, aceite tal proposta. Por imposição da ré assinou carta de demissão, passando a trabalhar a recibos verdes, mas continuou no mesmo escritório, com todos os elementos de um contrato de trabalho. Efetuava em média uma a duas horas a mais por dia e aos sábados e feriados, trabalho suplementar que nunca lhe foi pago. Em julho de 2014 foi informada que a 2.ª ré provavelmente iria encerrar o escritório, em decorrência de processo disciplinar, e ponderou a sua saída, tendo pedido à ré que lhe pagasse os proporcionais de subsídio de férias e de natal de 2013-2014, e férias não gozadas de 2014, bem como indemnização legal pela cessação de contrato de trabalho, a quê 'a ré não respondeu. Em 15 de outubro remeteu à ré uma carta de despedimento. Após o envio de tal carta tomou conhecimento de que o escritório foi passado para a 2.ª ré. A ser do seu conhecimento tal facto, não se teria despedido. Sofreu grande sofrimento psicológico.
Citadas as rés, teve lugar a audiência de partes, na qual não houve conciliação.
A ré M... apresentou contestação, concluindo pela improcedência da ação.
Sustentou, em suma, que as partes acordaram livremente o contrato que quiseram manter entre si - que foi inicialmente de trabalho e ulteriormente de prestação de serviços - sendo a pretensão da autora destituída de fundamento e suscetível de importar a sua condenação como litigante de má-fé.
A ré P… apresentou contestação, concluindo pela improcedência da ação.
Sustentou, em suma, que a autora acordou livremente com a 1.ª ré o contrato que com ela queira manter, configurando a pretensão da autora um abuso de direito. Recebeu da 1.ª ré alguns processos, e os trabalhadores que trabalharam em ambos os escritórios celebraram contratos distintos, tendo previamente cessado o que mantinham com a 1.a'ré.
Foi proferido despacho saneador no qual as rés foram absolvidas da instância quanto à comunicação ao Ministério Público e à liquidação do pagamento à Segurança Social.
Procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença que absolveu as RR. do pedido.

As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.° 608°/2 e 635°/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões:
1º - Do acervo fático decorre que se está perante contrato individual de trabalho?
2º - Assim não se entendendo, a R. M... deve ser condenada extra ultra petitum a pagar todas as verbas resultantes da cessação do contrato de trabalho inicial?
3° - Deve ser declarado sem efeito jurídico o escrito datado de 15/10/2014 por falta da qualidade de entidade patronal na pessoa da R. M...?

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
1. A autora possui uma licenciatura em Direito;
2. Em 28-11-2011 a autora iniciou a frequência da fase de formação inicial para advogada estagiária no Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, encontrando-se inscrita como Advogada desde 21-05-2015;
3. A Autora celebrou com a Ré M..., a 6 de junho de 2012, contrato de trabalho a termo certo para, ...sob as suas ordens, direção e fiscalização, com a categoria profissional de Empregado Forense...;
4. Com a duração de seis meses;
5. A autora auferia a remuneração mensal de € 500 ilíquidos e, anualmente, os subsídios de férias e de natal, assim como subsídio de alimentação; acrescido do pagamento das horas de trabalho suplementar;
6. A autora respondia a despachos, fazia penhora de saldos bancários e pesquisa de bens;
7. A autora dava orientações a várias colegas novas que iniciaram funções depois de si;
8. A autora encontrava-se inscrita na Câmara dos Solicitadores;
9. O que fazia nas instalações onde funcionava o escritório da ré, M..., sitas na Av. da R…, 2775-257 Parede;
10. Utilizando computadores e equipamento de escritório da ré;
11. De 2.a a 6.a feira, com entrada às 9 horas e saída às 18 horas, e intervalo para almoço, das 13 à 14 horas;
12. Período que era o de funcionamento do escritório da ré M...;
13. O que fez em sábados, sendo remunerada com acréscimo sobre o valor de hora, designado nos recibos de salário como trabalho suplementar;
14. A autora utilizava a plataforma informática de apoio à atividade dos agentes de execução, o GPESE, utilizando a sua senha pessoal de acesso de empregada forense;
15. Existia um registo de horas, uma folha por funcionário, no qual diariamente todos os funcionários inscreviam a hora de entrada, de saída para o almoço, de regresso do almoço e de saída ao final da jornada;
16. Comunicada pela autora e/ou por colegas para R..., marido da ré M..., que tratava da contabilidade do escritório;
17. E era enviada uma mensagem à ré M... a indicação de quem se encontrava no escritório, pelo colega que se encontrava nesse balcão;
18. Existia um mapa de pendências, no qual constava o serviço a realizar e o funcionário a quem incumbia;
19. ... Bem assim como o prazo para a sua execução, alguns de 10 dias;
20. Por abrangerem prazos judiciais, e para controlo do seu cumprimento;
21. Em 2013 a autora abordou a ré M... (l.a ré) no sentido de passar a auferir € 800;
22. ... Na sequência do que autora e a 1.a ré abordaram que a passaria a exercer a sua atividade mediante a entrega de recibos verdes, deixando de auferir subsídios de natal, de férias e subsídio de almoço e deixando a ré M... de descontar para a Segurança Social;
23. ... Passando a autora a auferir € 800;
24. A autora dispôs de tempo para pensar no referido em 22;
25. E em 14-04-2013, remeteu à ré o email de fls. 52 dos autos com o seguinte teor: «(...)dado que opto pelo regime de recibos verdes no valor de € 800 mensais líquidos, pagos em 12 meses, como quer que proceda? (...) Vou abrir atividade nas Finanças como advogada estagiária e optar pelos descontos pelo CPAS, beneficiando de isenção durante 36 meses, deforma a não ter de descontar para a segurança Social (..)»;
26. Após 14-04-2013 a autora continuou a desempenhar as funções de nas mesmas instalações (escritório da ré);
27. ... De 2.a a 6.a feira, entre as 9 horas e 18 horas, com intervalo para almoço;
28. ... E a utilizar os computadores e equipamento de escritório da ré;
29. Passando a auferir € 800, consignando € 799,50 euros mensais nos recibos, acrescidos de retenção na fonte, e de IVA;
30. E, caso prestasse funções aos sábados, era pagar pelo mesmo valor da hora (calculada sem acréscimo/majoração);
31. Nas ausências durante o período referido em 27., o executante poderia compensar com ida ao sábado ou desenvolvimento de atividade após a 18 horas;
32. No período de estágio na Ordem dos Advogados, a autora andava cansada e sem vontade de desenvolver qualquer atividade lúdica ao domingo;
33. Em julho de 2014, numa reunião com quem prestava a sua atividade no escritório, a ré M... comunicou que, devido à existência de um procedimento disciplinar contra si instaurado pelo CAAJ (Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares de Justiça) / Câmara dos Solicitadores, não iria continuar com o escritório e que quem quisesse poderia sair;
34. Perante esta situação, a autora ponderou a sua saída por forma a procurar novo emprego; .
35. Com data de 11 de agosto de 2014 a autora emitiu a fatura/recibo de fls. 77 na qual declara prestação de serviços jurídicos, pelo valor base de E 1129,60, recebidos a título de honorários;
36. A autora prestou a atividade para a ré Maria João até 14 de agosto de 2014;,
37. No final de agosto a autora recebeu a quantia acordada pela atividade desenvolvida para a ré M…;
38. Por escrito datado de datado 15-10-2014, a autora comunicou à ré a sua intenção em sair do escritório, ,datado de 15-10-2014, nos termos do qual na sequência do acordado verbalmente com V.a Ex.a, quanto à minha saída do escritório a 14 de agosto (...) o, ultimo vencimento que auferi foi o referente ao mês de agosto. (...) Para que não restem dúvidas acerca da minha pretensão e conforme verbalmente expressei aquando do acordo verbal para aminha saída, considero existir uma relação de trabalho subordinado e venho pela presente formalizar o meu despedimento com justa causa porquanto considero ter sido prejudicada financeiramente, conforme comuniquei através de consulta prévia à Autoridade para as Condições de Trabalho;
39. Recebido pela ré M… a 17-101 2014;
40. A 1 de setembro de 2014 a ré M... cessou o desenvolvimento da atividade de solicitadora de execução;
41. ... E iniciou a delegação de alguns dos seus processos executivos na ré Patrícia;
42. ... Tendo para esta transitado 3184 processos da NOS Comunicações, S.A.;
43. Os processos da sociedade M... (cerca de 150) não passaram para a ré P...;
44. A ré P... passou a desenvolver a sua atividade de solicitadora nas instalações em que o fazia a ré M...;
45. Usando os computadores e mobiliário nele existente;
46. Tendo celebrado contrato 'com a algumas das pessoas que desempenhavam a sua atividade para a ré M...;
47. Neles não considerando a antiguidade existente com a ré M....

O DIREITO:
Antes de entrarmos no âmago das questões acima elencadas, cumpre deixar bem explícito que, não obstante a transcrição de depoimentos constante da alegação, em parte alguma do recurso se mostra impugnada a decisão proferida sobre matéria de facto.
Cingir-nos-emos, pois, ao acervo fático enunciado na sentença.
A 1ª questão que importa dilucidar prende-se com a circunstância de, alegadamente, do acervo fático decorrer que se está perante contrato individual de trabalho.
Pretende a Apelante que dos pontos de facto que tomaram os números 3,6,7,8,9,10,11,12,13,14,15,26,27,28,29 e 30 decorrem indícios mais do que suficientes na sua globalidade para, contrariamente à decisão recorrida, se entender que se está perante um contrato individual de trabalho.
Visará, desta forma, a conclusão de existência de um contrato daquele tipo após 14/04/2013, porquanto a sentença é clara ao caracterizar a relação previamente existente como de trabalho. Dali emerge, contudo, que após Abril de 2013, tendo-se ai A. mantido a desempenhar as mesmas funções, auferindo uma quantia previamente acordada, funções que desempenhava por um 'número de horas e um período pré-definido, nas 'instalações da R., não se apurou que a A. estivesse juridicamente subordinada à R. M.... Daí que se concluísse que após tal data, o contrato deixou de ser de trabalho.
De acordo com o disposto no Art° 11 ° do CT, contrato de trabalho é aquele pelo qual alguém se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob autoridade destas.
O seu elemento distintivo é a subordinação jurídica, traduzida numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador, face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem (Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 11a edição, 131). Pressupõe o poder, atribuído ao empregador, de exercício de autoridade traduzido na possibilidade de emissão de ordens, instruções e efetivação de disciplina mediante aplicação de sanções. Daí, o dever de obediência a que se reporta o Art° 128°/1-e) do CT, e o poder disciplinar consagrado nos Art° 328° e ss. do mesmo diploma.
Ponderou-se na sentença, após se fundamentar a caracterização de uma relação como de trabalho subordinado em moldes que subscrevemos - designadamente por captação de indícios de laboralidade e, por despiciendo, nos dispensamos de repetir, que ... a autora e a ré acordaram a alteração dos moldes em que a primeira desenvolvia a sua atividade, por iniciativa da autora que abordou a ré no sentido de aumentar a contrapartida da sua atividade de € 500 para € 800. Na sequência do que a autora e a 1.ª ré acordaram que aquela passaria a exercer a sua atividade mediante a entrega de recibos verdes, deixando de auferir subsídios de natal, de férias e subsídio de almoço e deixando a ré M... de descontar para a Segurança Social.
A autora possuía uma licenciatura em direito, frequentava o estágio para Advogada.
A autora dispôs de tempo para pensar na alteração. dos moldes em que desenvolvia a sua atividade, designada a passagem para o regime comumente designado de recibos verdes, após o qual remeteu à ré o escrito de 14-04-2013, rios termos do qual consigna que « (...)dado que opto pelo regime de recibos, verdes no valor de € 800 mensais líquidos, pagos em 12 meses, como quer que proceda? (...) Vou abrir, atividade nas Finanças como advogada estagiária e optar pelos descontos pelo CPAS, beneficiando de isenção durante 36 meses, de forma a não ter de descontar para a segurança Social G)».
Sendo de concluir que as partes alcançaram, após reflexão da autora, um acordo revogatório do contrato de trabalho que haviam celebrado.
No qual a autora- e não a ré - formalizou a cessação do anterior contrato (art. 350.° do CT).
Efetivamente é claro para nós que tendo-se a relação laboral iniciado em 6/06/2012, tal relação vem a sofrer uma profunda modificação em Abril de 2013 na sequência da abordagem efetuada pela A. no sentido de passar a auferir distinta remuneração (pontó 21). Aceite tal proposta por parte da R., certo é também que a mesma ficou sujeita á desvinculação jus laboral (ponto 22). E, na 'sequência desta modificação, não obstante a A. continuar no desempenho das mesmas funções (ponto 26), a realidade alterou-se. Não só porque a mesma passou, efetivamente a auferir um valor muito superior ao anterior sujeito, aliás, a um regime fiscal distinto (pontos 29 e 35), como porque deixou de estar submetida a um horário de trabalho' (pontos 27 e 31), com isso ganhando autonomia no exercício da sua prestação.
Tudo indicia, pois, que a A., livremente, se desvinculou do contrato de trabalho que a ligava à R. (ponto 25), pelo que sendo a mesma uma pessoa com um grau de conhecimento superior, já que possui uma licenciatura em Direito (ponto 1), estando inscrita como Advogada na respetiva ordem profissional (ponto 2), só podia saber as consequências emergentes da sua comunicação à R.. '
Ora, tal como se diz na sentença, Não se apurou que a autora, após o acordo revogatório;' estivesse subordinada juridicamente à ré M...: o período de desenvolvimento da sua atividade era correspondente ao período de funcionamento do escritório; as ausências podiam ser substituídas por prestação de atividade fora do aludido horário de funcionamento ou ao sábado; os prazos definidos nos mapas tinham como escopo o controlo dos prazos judiciais. Nada se provou quanto ao exercício do poder disciplinar pela ré (ao invés, a troca dos períodos de execução das tarefas apontam em sentido inverso).
Neste circunstâncialismo, não podemos, pois, sufragar a conclusão trazida a recurso pela Apelante no sentido de que os pontos de facto em presença denunciam a existência de um contrato de trabalho após Abril de 2013. E também não sufragamos a sua afirmação acerca da presunção de laboralidade porquanto tal presunção, não obstante a prestação de atividade seja realizada em local pertencente ao beneficiário, mediante utilização de equipamentos de trabalho a eles pertencentes e o pagamento de uma quantia certa ao prestador como contrapartida, quantia essa paga com periodicidade definida (Art° 12°/1-a), b) e d) do CT), porquanto os demais elementos acima já referenciados, ilidem tal presunção:). Ademais, como bem se disse na sentença, tanto a jurisprudência, quanto a doutrina avalizada entendem que cada um destes indícios tem um valor relativo e que o juízo a fazer é sempre um juízo de globalidade em relação à situação concreta apurada- cfr. Ac. STJ de' 13/09/2006.
Improcede, assim, a questão que nos ocupa e fica prejudicada a conclusão 11.ª.
A 2.ª questão que nos ocupa parte do pressuposto de que a R. M... deve ser condenada extra ultra petitum a pagar todas as verbas resultantes da cessação do contrato de trabalho inicial.
Não esclarece a Apelante a que verbas se refere.
De todo o modo, o Art° 74° do CPT permite a condenação em quantidade superior ao pedido ou em objeto diverso dele quando isso resulte da aplicação á matéria de facto provada ou aos factos de que possa servir-se, de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho. Esta norma é, afinal, o reflexo da irrenunciabilidade de certos direitos substantivos do trabalhador e a sua aplicação está limitada aos factos acima referidos.
Preceitos inderrogáveis são apenas aqueles que o são absolutamente, ou seja, aqueles que reconhecem um direito a cujo exercício o seu titular não pode renunciar.
Ora, não só a Recrte. não faz qualquer menção a algum destes preceitos, como também, como é comumente aceite, a aplicação destas normas independentemente de pedido, pressupõe a manutenção da relação laborai. Circunstancialismo também não verificado.
Improcede, assim, esta questão.
A terceira questão que enunciámos prende-se com a declaração sem efeito jurídico do escrito datado de 15/10/2014 por falta da qualidade de entidade patronal na pessoa da R. M....
Este escrito é o mencionado no ponto 38 do acervo fático, de acordo com o qual, a autora comunicou à ré a sua intenção em sair do escritório, na sequência do acordado verbalmente com V.a Ex.a, quanto à minha saída do escritório a 14 de agosto (...) o ultimo vencimento que auferi foi o referente ao mês de agosto. (...) .Para que não restem dúvidas acerca da minha pretensão e conforme verbalmente expressei aquando do acordo verbal para a minha saída, considero existir uma relação de trabalho subordinado e venho pela presente formalizar o meu despedimento com justa causa porquanto considero ter sido prejudicada financeiramente, conforme comuniquei através de consulta prévia à Autoridade para as Condições de Trabalho.
Funda-se a Apelante na circunstância de a 1 de setembro de 2014 a ré M... ter cessado o desenvolvimento da atividade de solicitadora de execução (ponto 40).
Para além deste facto, provou-se ainda que a R. M... iniciou, então, a delegação de alguns dos seus processos executivos na-ré Patrícia, tendo para esta transitado 3184 processos da NOS Comunicações, S.A. e passado a desenvolver a sua atividade de solicitadora nas instalações em que o fazia a ré M....
A questão teria interesse no quadro de aplicação do disposto no Art° 285° do CT.
Contudo, pressuposto de aplicação desta disposição legal é a existência de contrato de trabalho, visto que, conforme dali emerge, pode ocorrer transmissão da posição de empregador para o adquirente do estabelecimento ou de parte dele. Assim, tendo a aquisição do estabelecimento ocorrido em 1/09/2014, se a A. estivesse ligada à R. M... por contrato de trabalho, este ter-se-ia transmitido nesta data, pelo que em 15/10 a sua comunicação de desvinculação a esta seria ineficaz.
Todavia, como acima já concluímos, em qualquer destas datas a A. não era titular de uma relação de trabalho subordinado, pelo que falece a questão em apreciação, ficando prejudicada a análise de eventual violação do disposto no Art° 102° do CT.
A finalizar uma palavra para dizer que é ininteligível a conclusão 8.ª segundo a qual se reclama a declaração de violação das disposições do Art° 359° e ss. do CT relativas a despedimento coletivo e, bem assim, a conclusão 10.ª na qual se insta o tribunal a pronunciar-se sobre as infrações à lei laboral.



Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença.
Custas pela Recorrente Notifique.

Elabora-se o seguinte sumário:
A subordinação jurídica é o elemento distintivo do contrato de trabalho, pressupondo o poder, atribuído ao empregador, de exercício de autoridade traduzido na possibilidade de emissão de ordens, instruções e efetivação de disciplina mediante aplicação de sanções.
Não é de trabalho a relação estabelecida entre as partes em que não se evidenciam traços de subordinação jurídica.
Não obstante a presença de algumas das características associadas à presunção de laboralidade, tendo-se provado factos que inculcam no sentido da inexistência de subordinação jurídica, o contrato não se tem como de trabalho.
A condenação extra vel ultra petitum pressupõe a irrenunciabilidade de certos direitos substantivos do trabalhador, estando limitada aos factos de que o tribunal possa servir-se.
Lisboa, 22-03-2017
Manuela Bento Fialho
Sérgio Almeida
Celina Nóbrega