I - A exigência prevista no artigo 276º nº 3 do CT de que o empregador, até ao pagamento da retribuição, entregue ao trabalhador documento com as especificações aí descritas, mormente com a indicação da retribuição base e das demais prestações, bem como do período a que respeitam, os descontos ou deduções e o montante líquido a receber, não corresponde a uma regra de direito probatório, que determine que para a prova do cumprimento da obrigação retributiva é necessário a apresentação de documento com as referidas características.
II - O incumprimento do disposto neste preceito legal dá lugar apenas à contra-ordenação prevista no seu nº 4.
III - A lei não exige documento escrito para a prova do pagamento da retribuição.
IV - O recibo é um documento particular, ao qual a lei não confere um valor probatório especial.
V - As declarações atribuídas ao autor do documento particular, se contrárias aos seus interesses, estão plenamente provadas por confissão (extrajudicial), o que desde logo afasta a admissão de prova testemunhal, por força do disposto no artigo 393º nº 2 do C.Civil.
VI - Nos termos da lei - artigo 354º b) do C.Civil - factos há cuja realidade não pode ser estabelecida por confissão, nomeadamente os relativos a direitos indisponíveis.
VII - Se na altura em que os recibos foram emitidos e assinados pelo Autor, e em que, portanto, se constituiu o meio de prova, aquele estava ao serviço da Ré, a declaração que lhes subjaz de que o Autor recebeu as quantias ali referidas, que incluiriam a retribuição de férias e o subsídio de Natal, não faz prova plena desse facto, não tendo valor confessório, face à indisponibilidade destes direitos durante a vigência do contrato de trabalho, havendo que analisar a demais prova produzida, a testemunhal, para aquilatar se a retribuição de férias e o subsídio de Natal já estavam incluídos nas quantias que a empregadora pagou ao trabalhador.
VIII - Não ocorrendo a violação de deveres do trabalhador, únicos capazes de fundamentar a aplicação de uma qualquer sanção disciplinar, não há lugar a justa causa para o despedimento, que pressupõe essa violação, e ainda que se conclua ser inexigível que o empregador mantenha ao seu serviço o trabalhador.
Proc. 2879/15.2T8PDL.L1 4ª Secção
Desembargadores: Paula de Jesus Santos - Claudino Seara Paixão - -
Sumário elaborado por Isabel Lima
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Processo 2879/15.2T8PDL
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
1- Relatório
R... instaurou a presente acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra P..., Lda, opondo-se ao despedimento promovido pela Ré.
Teve lugar a audiência de partes e, gorada a conciliação, foi a Ré notificada para apresentar o articulado de motivação do despedimento.
A Ré apresentou o referido articulado, alegando, em suma, que o Autor, ao seu serviço com a categoria profissional de 'pescador' / 'trabalhador de terra', praticou um conjunto de actos violadores dos deveres laborals de urbanidade e probidade, zelo e diligência, obediência, lealdade e promoção de actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa, para além do dever geral de boa fé, transmitindo aos seus colegas, com falsidade, e com o propósito de criar um clima de instabilidade na empresa, que a empregadora estava a entregar, em conjunto com os recibos de vencimento, uma declaração de cessação do contrato de trabalho, de forma a que os mesmos pudessem ser despedidos sem justificação (em 21 de Maio de 2015), largando o seu posto de trabalho para intervir numa altercação de terceiros, ocorrida junto às instalações da empresa (em 28 de Maio seguinte), tratando de assuntos pessoais (arranjo do pescado integrante do seu quinhão), quer no horário de trabalho, quer no interior da instalações da empresa (em 30 de Julho seguinte), desobedecendo às ordens que lhe foram dadas, recusando-se a assegurar o serviço de 'tarefa' (em 4 e 6 de Agosto seguinte), e desobedecendo, uma vez mais, às ordens que lhe foram dirigidas, permanecendo junto ao armazém e à embarcação, não obstante lhe ter sido transmitido para se manter afastado das instalações até novas ordens (em 13 de Agosto seguinte). Conclui a Ré pela existência de justa causa para o despedimento, em circunstâncias que tornaram imediata e praticamente impossível a subsistência desta relação laboral. Pede a improcedência da pretensão do Autor, com a declaração de regularidade e licitude do despedimento.
Conclui pela improcedência da presente acção.
0 Autor apresentou contestação, não só invocando uma eventual falta de junção do procedimento disciplinar por parte da empregadora, com a consequente nulidade do despedimento, como também alegando, em síntese, que os factos em causa, ou não ocorreram, ou não configuram a prática de infracção disciplinar, pelo menos com gravidade suficiente para motivar o despedimento com justa causa. Pede o Autor a declaração da ilicitude do seu despedimento e a condenação da Ré no pagamento das retribuições que o mesmo deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, de uma indemnização em substituição da reintegração, da retribuição do período de férias, do subsídio de férias e do subsídio de Natal vencidos entre os anos de 1997 e 2015 (sendo a retribuição do período de férias paga no valor correspondente ao triplo, por violação culposa do direito a férias), tudo com acréscimo de juros de mora, calculados à taxa legal.
A Ré respondeu às matérias de excepção e reconvenção alegadas pelo Autor no seu articulado, pugnando pela sua improcedência.
O Tribunal dispensou a realização da audiência preliminar, e a enunciação dos temas da prova.
Foi elaborado despacho saneador, o qual conheceu da validade e regularidade da instância.
Foi realizado julgamento com observância do legal formalismo.
A sentença julgou a acção parcialmente procedente, nos seguintes termos:
a) declara ilícito o despedimento do Autor, R..., realizado pela Ré, P..., Lda.;
b) condena a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 7014,57, a título de compensação, calculada desde o despedimento até à presente data, com acréscimo das retribuições que vierem a vencer-se desde agora até ao trânsito em julgado da sentença (sem prejuízo do eventual desconto ao abrigo do disposto no art. 390--°, n° 2, alíneas a) e c), do Código do Trabalho);
c) condena a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 10793,18, a título de indemnização em substituição da reintegração, com acréscimo da indemnização que vier a vencer-se desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, a ser calculada nos mesmos termos;
d) condena a Ré a pagar ao Autor a quantia correspondente à retribuição do período de férias vencidas nos anos de 1998, 1999, 2000, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009 e 2010 (a apurar mediante incidente de liquidação);
e) condena a Ré a pagar ao Autor a quantia correspondente ao subsídio de Natal vencido nos anos de 1998, 1999, 2000, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009 e 2010 (a apurar mediante incidente de liquidação);
f) condena a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 3041,00, a título de retribuição do período de férias vencidas nos anos de 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015;
g) condena a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 946,00, a título de subsídio de Natal vencido nos anos de 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015 (já com a dedução das quantias entregues pela Ré por conta desta prestação retributiva);
h) condena a Ré a pagar ao Autor os juros de mora devidos sobre as prestações acima fixadas, calculados à taxa legal, vencidos desde a data da citação até definitivo e integral pagamento;
i) absolve a Ré do que mais foi peticionado pelo Autor.
Custas a cargo do Autor e da Ré, na proporção do decaimento.
Inconformada, a Ré interpôs recurso, concluindo nas suas alegações que
1) O presente recurso tem como objecto toda a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos.
(...)
h) Este contrato de trabalho é regulado pelo regime jurídico do contrato individual de trabalho a bordo das embarcações de pesca, aprovado pela Lei n.'215/97 de 31 de Maio, sem prejuízo da prevalência de disposições mais favoráveis constantes de instrumento de regulamentação colectiva, da atenção dada aos usos da profissão ou da empresa, assim como da aplicação subsidiária do regime geral consagrado no Código do Trabalho.
(...)
o) De certo que todos concordamos que os trabalhos marítimos são complexos, e as relações entre trabalhadores, entre trabalhador e entidade patronal, são ainda laços que ou são muito fortes ou não existem, atenta a vivência intensa que têm entre si.
p) Também não podemos deixar de discordar que sendo um regime tão específico, e com tanta minúcia no seu trato, que temos de ter um conhecimento do processamento dos contratos de trabalho, da forma de cessação e da forma de remuneração.
q) É do entendimento da Ré que há factos que devem ser dados como provados e que assim não o foram, de acordo com a prova testemunhal ocorrida e que supra em alegações melhor se transcreveu, nomeadamente passando a constar como facto dado como provado: Em cada remuneração entregue ao A. pelo R. já se encontram incluídos os direitos de subsídio de Natal e férias remuneradas.
r) Porquanto existem dois meios de prova inquestionáveis: a prova documental, tendo sido juntos recibos emitidos pela R. mas assinados em sinal de conformidade por parte do A., nos quais expressamente indicam que se encontram incluídos os referidos direitos de subsídio de Natal e férias; e a prova testemunhal, nos quais se inclui o depoimento do A., da R., da testemunha A..., da testemunha P..., da testemunha J..., da testemunha M..., da testemunha J..., da testemunha J..., da testemunha G..., da testemunha M..., da testemunha M... e da testemunha L....
s) Pelas supra transcrições, é possível aferir que não existem dúvidas que na remuneração que era entregue ao A. por parte da R., se encontravam incluídos os direitos referentes ao subsídio de Natal e férias, tal qual alegado pela R. e que ficou plenamente demonstrado quer pela prova documental, quer pela prova testemunhal.
t) Os quais estão em consonância com as possibilidades que a Lei 15/97 dá ao armador, no seu artigo 27.-°, mencionando que a remuneração entregue não é só sinónimo de vencimento, mas pode comportar outras importâncias. Não pode ora a R. concordar com as ilações retiradas do contraditório sem fundamento e sem prova por parte do A., ao qual bastou alegar que estava escrito mas que tal não é a mesma coisa que estar pago, alegando que nas suas contas estava em falta.
u) Conforme sintetiza o douto Tribunal recorrido, e bem, são cinco os comportamentos do A. que conduziram a R. ao início do procedimento disciplinar e com o respectivo fim no sentido de despedimento com justa causa nos termos do Código do Trabalho.
v) E, dos cinco comportamentos adoptados, pelo menos quatro constam como factos provados, a saber:
1) No dia 21 de Maio de 2015, durante uma descarga da embarcação, o Autor abordou J..., J..., J... e M..., funcionários da Ré, com funções em tal embarcação. Disse-lhes o Autor que havia recebido, da parte da Ré, um 'documento de cessação do contrato'. Perguntando-lhes 'se haviam recebido o mesmo', e afirmando que, com esse 'documento', a Ré podia 'mandá-los embora'. Na viagem seguinte, a bordo da embarcação, o descrito nos números anteriores foi falado entre alguns dos pescadores / funcionários da Ré, comentando-se entre eles que 'o patrão os iria despedir a todos'. O descrito no número anterior gerou desconfiança e desconforto entre alguns dos pescadores / funcionários da Ré, e entre estes e a Ré.
w) Contudo, na matéria de direito, justifica o douto Tribunal o injustificável, alegando que por conta do documento que fora entregue anteriormente era natural que o A. procurasse os demais colegas de trabalho; alegando ainda que se estas conversas deram lugar a outros comentários só demonstra que a instabilidade era anterior.
x) O problema em toda a análise fáctica e de direito nos presentes autos é exactamente da figura de abuso de direito que pauteia o comportamento do A., nomeadamente quando cria uma convicção junto da R. de que o mesmo não praticou aquilo de que vem acusado, para mais tarde encontrar justificações.
y) Não obstante a resposta à nota de culpa por parte do trabalhador ser facultativa, não querendo tal omissão significar de algum modo a questão de confissão ou assumpção dos comportamentos que lhe são imputados, contudo, a partir do momento em que afaz, deverá fazê-lo com a integridade e dignidade que se lhe impõe uma questão de tamanha importância como a eventual quebra irremediável do vínculo laboral.
z) Ora, adoptando um comportamento de negação da prática dos actos, por escrito, com indicação de prova, deverá ao trabalhador ser exigido igual rigor e actuação no caso de decidir pela impugnação da licitude do despedimento, devendo sobre o mesmo incidir igual ônus de manutenção tal e qual adoptou na resposta a nota de culpa.
ao) Pelos mesmos motivos da segurança jurídica e verdade material que nos pugnamos na defesa dos interesses dos intervenientes da relação laboral, tal imputação de dever ao trabalhador, não interfere com nenhuma das suas garantias constitucionais, e somente com a adopção de iguais deveres nos procedimentos de despedimento, poderemos falar em igualdade de armas.
ab) Atento que do depoimento da R. e das testemunhas A... e M..., que supra melhor se transcreveu, indubitavelmente ficou provado que a intenção do A. não era apenas o desabafo ou a obtenção de mais informações, mas sim a criação de um clima de desconfiança e de dúvidas nos seus colegas de trabalho. Até porque foi claro que a conversa tida pelo A. com os seus colegas de trabalho não foi no sentido de perguntar se tinham pedido e recebido uma minuta de cessação de contrato de trabalho, mas sim invocou que tido a R. distribuído deforma duvidosa um tal de papel à noite, no meio dos recibos de vencimento.
ac) A forma como se coloca as questões é essencial aqui também para apurar quando se trata de uma dúvida ou de uma clara culpa e intenção de provocar conflitos e lançar a confusão. Daqui facilmente se retira que as conversas que o A. encetou junto dos seus colegas de trabalho, quer de mar, quer de terra, foram com intenção, foram premeditadas, individuais e colectivas, provocando consternação entre trabalhadores e estes com o patrão.
ad) Dúvidas não se pode ter daquilo que se viveu na embarcação da R. após a conversa que o A. teve por conta de uma minuta de uma eventual rescisão por vontade do trabalhador, ou por acordo entre as partes, a qual e para quem lida com questões do foro labora) diariamente, é a mais básica sem qualquer dolo que não seja o que ali se encontra plasmado. Ora, o A. da forma como actuou fê-lo com o sentido de provocar distúrbios, medos, desconfiança, dúvida, lançados no cerne de pessoas que sempre basearam os seus comportamentos no princípio mais elementar da relação laboral: a confiança. E, mesmo este A. e trabalhador, quebrou com tais comportamentos o dever de zelo e lealdade para com entidade patronal, bem como o dever de urbanidade e probidade, deveres intrínsecos a qualquer subordinado laboral.
11) No dia 28 de Maio de 2015, junto às instalações 'de terra' da Ré (armazém), localizadas em Santa Clara, Ponta Delgada, V..., que se apresentava como conhecida de um dos funcionários ali em actividade, N..., surgiu e encetou uma discussão, de conteúdo não concretamente determinado, com este funcionário. Nessa altura, o Autor, entre outros funcionários presentes, parou de exercer as suas funções e confirmou que N... havia estado fora daquele local entre as 14:00 e as 15:00 horas daquele dia. E ficou a observar e ouvir tal discussão, Instantes depois, o Autor procurou dirigir-se a N..., por forma a falar com este último sobre o descrito nos números anteriores.
ae) No que concerne a este facto, entendido nos factos que se deram como provados está a estagnação do rendimento do trabalhador por tempo indeterminado, a fim de responder a uma altercação que no seu local de trabalho ocorria entre um outro colega e uma terceira pessoa conhecida. A questão basilar está no comportamento adoptado, novamente, pelo A. no sentido de adoptar comportamentos contraditórios às suas ordens do dia, as quais se prendiam com as suas funções,
af) Independentemente da relação pessoal que o A. tem para com a terceira pessoa, a qual não faz diferença na análise do caso controvertido, por outro lado na data em que tal ocorre, já esta terceira pessoa se encontrava a gerar conflitos com a R., por outros meios e formas, este acto que para a R. foi sinal de manifestação em favor de terceira pessoa a qual se encontrava a praticar actos contra a empresa R., a qual a R. veio a ter conhecimento que era esta terceira pessoa, e que o douto Tribunal teve a oportunidade de recolher essa informação já no decorrer da audiência de discussão e julgamento, tem actuado contra a R. em processos judiciais, inspectivos, entre outros, nomeadamente teve a R. conhecimento que era esta terceira pessoa que auxiliava e auxilia o A. na sua demanda contra a R., ainda que tendo perfeito conhecimento da falta de fundamentação e falta de razão que lhe assiste.
111) No dia 30 de Julho de 2015, às 16:30 horas, J..., sócio gerente da Ré, dirigiu-se às instalações terrestres da empresa (armazém), abordando, então, o Autor.
ag) Discordando desde já com a douta opinião do Tribunal recorrido no que concerne a não dar mais nenhum facto como provado, nem sequer subsumir a questões de matéria de direito este ponto da nota de culpa e causa do despedimento. De facto, foi o próprio A. que no seu depoimento vem indicar que de facto no dia e hora mencionados se encontrava junto a caixa de peixe do seu quinhão quando a entidade patronal o abordou.
ah) Pelo que, justificar que não estava a efectivamente a arranjar o quinhão, sem mais, não é passível de se considerar o mesmo que justificado o acto, quando a R. para além do depoimento do seu legal representante vem ainda juntar prova testemunhal, a qual foi clara a indicar que os comportamentos do A. presumiam o efectivo manuseamento do seu quinhão de peixe, no jeito de transporte para o seu veículo, em momentos ainda do seu horário de expediente,
ai) Todos os actos praticados pelo A. no seu horário normal de trabalho que impliquem a pausa e estagnação do serviço a que está adstrito propriamente dito, é configurador de ter como consequência a redução da rentabilidade e produtividade do A. enquanto trabalhador da aqui R.
aj) Estas consequências trazem dano não só para a R. no sentido que supra se explicou mas igualmente para os colegas de trabalho, os quais serão sobrecarregados com mais serviço e mais pressão sobre o cumprimento das ordens e dos timings para ter o aparelho composto e nas quantidades necessárias.
ak) Caso todos os trabalhadores se comportassem de igual modo, aquando da chegada da embarcação, correria a R. o sério e grave risco de não ter material para carregar o barco, e estagnar por mais dias a embarcação em terra, diminuindo o seu exercício económico e consequentemente as remunerações dos trabalhadores. Pelo que, a ocorrência registada deve ser objecto de alteração igualmente para facto provado, porquanto foi pela testemunha N... confirmado que o A. estava a manusear o seu pescado no resguardo do armazém ao invés de estar a trabalhar no aparelho no campo.
IV) Nos dias 4 e 6 de Agosto de 2015, ao Autor foi determinado pela Ré, mediante intervenção do 'mestre de terra', seu superior hierárquico, que procedesse à denominada 'tarefa'. Tem regularidade ocasional, por forma a repor as gamelas a bordo. E sendo o 'mestre de terra' encarregado de avisar os funcionários da Ré para a sua realização. Nas circunstâncias descritas nos números anteriores, o Autor negou ao 'mestre de terra' em funções, A..., a realização da 'tarefa', afirmando que só a fazia entre as 08:00 e as 17:00. O que levou a que outros funcionários de terra' da Ré, não concretamente identificados, tivessem de realizar mais gamelas. E o que levou a que os mesmos questionassem 'se o trabalho era igual para todos ou não'.
aí) Andou bem o Tribunal recorrido ao determinar que de facto houve uma recusa na ordem legítima e directa por parte do A. ao seu superior hierárquico nos dias 4 e 6 de Agosto de 2015. No entanto, não podemos deixar novamente de referir que o Tribunal a quo não deverá intervencionar na defesa do A. quando este não o faz convincentemente, mas apenas se desculpar pelos comportamentos que adoptou no seu devido tempo.
am) Refira-se, e nunca é demais, que o A. trabalha para a R. desde pelo menos 1997, sob as suas ordens e direcções, fazendo o trabalho para o qual foi contratado, não havendo também dúvida que a realização de gamelas (engamelar), é parte integrante das suas funções.
an) O A. nunca em momento algum da relação laboral se insurgiu quanto à realização das gamelas, antes, durante ou depois do considerado horário normal de trabalho, atento que entendia e aceitou que assim eram as necessidades da embarcação. E, de facto, o trabalho de tarefa ou engamelar era ocasional e não tanto previsível como se vislumbra na sentença de qual se recorre, conforme se pode constatar pelas supra transcrições do depoimento do A. e da R.
ao) Foi patente no discurso de ambas as partes que existem vários pontos em comum: - a irregularidade da frequência com que se fazia a tarefa; - a irregularidade das quantidades a que eram atribuídas por tarefa; - a irregularidade do horário em que a tarefa era realizada.
ap) Apenas por parte do A. se veio a criar a convicção no Tribunal recorrido que o engamelar era obrigatoriamente cumprido fora do horário de trabalho, e só apenas com a prática se consegue alcançar que sucintamente o que se tratou foi de uma recusa a uma ordem legítima. O A. em 1997 aceitou a realização da tarefa nos termos sazonais, alternados, em que era comum se constatar na pesca do palangre, sendo que para o efeito não seria discriminado em termos de descanso e de remuneração em relação aos seus colegas de mar. Durante toda a relação labora) o A. fez a R. acreditar que o mesmo aceitava as ordens, que aceitava os trabalhos que lhe eram destinados, e que ainda que pudéssemos pensar como um trabalho suplementar - o que não se admite - era um trabalho que não cabia recusa, sob pena de reduzir a produtividade daquele armazém de pesca.
aq) Conforme foi explicado a recusa à prestação do trabalho que lhe foi designado trouxe consequências imediatas e que foram dadas como provadas, com o questionar dos demais se o trabalho era igual para todos, por um lado, e ainda com a recusa de colegas em realizar a tarefa, por outro lado. Ou seja, os efeitos de o A. não ter prestado o serviço que lhe tinha sido conferido naquele dia [realização de gamelas] teve impacto negativo na R.
ar) A recusa é assim uma quebra indubitável dos deveres de zelo e diligência exigível no cumprimento e realização do seu trabalho por parte do A., esta recusa de não cumprimento das ordens que lhe foram dadas, por parte do A. é igualmente, uma afronta à autoridade da entidade patronal, um desrespeito pela R. e pelos colegas de trabalho do A. Esta recusa gerou desconforto, gerou desrespeito, gerou deslealdade. Esta recusa é uma clara violação dos deveres adstrito ao trabalhador, dos direitos do empregador, e gravemente praticada com dolo pelo A., configurando uma real infracção disciplinar e suas consequências de justa causa de despedimento.
V) Em momento não concretamente determinado, entre os dias 12 e 13 de Agosto, a Ré comunicou ao Autor que não deveria participar nessa descarga, tendo de aguardar por novas determinações para o exercício das suas funções. No dia 13 de Agosto seguinte, enquanto se preparava a embarcação para nova viagem, o Autor, às 07:55 minutos, compareceu junto do armazém, ficando a aguardar determinações da Ré. Ainda durante essa manhã, a uma hora não concretamente determinada, A..., na altura com funções de 'mestre de terra', comunicou ao Autor que não tinha nada determinado para ele nesse dia, devendo o mesmo aguardar. Após, instado pelo sócio gerente da Ré, também a uma hora não concretamente determinada, para sair das instalações da empresa e só regressar quando ele ligasse, o Autor respondeu-lhe que enviasse uma mensagem por telemóvel a comunicar isso mesmo. Entretanto, também a uma hora não concretamente determinada dessa manhã, o Autor deslocou-se à doca onde se encontrava a embarcação, retomando, depois, ao armazém.
as) Para além do ponto de facto dado como provado, foi igualmente considerado pelo douto Tribunal que vislumbra-se, aqui sim de forma ilegítima, o não acatamento de uma ordem que lhe foi dirigida pela sua empregadora, susceptível de consubstanciar uma violação do dever de obediência pelo que neste facto da nota de culpa e procedimento disciplinar, o Tribunal bem julgou. Contudo, e desde já entendendo as conclusões derivadas de todo o teor previamente objecto de recurso, o Tribunal entendeu que tal desobediência, por si só, não é suficientemente grave para fundamentar uma decisão de despedimento com invocação de justa causa.
at) Mas a motivação da R. e as conclusões do longo procedimento disciplinar com intenção de despedimento não foi promovido apenas por este último facto, foi promovido por todo o conjunto de actos e comportamentos que o A. adoptou nos últimos meses da relação labora) para com a R, e foi exactamente nesse sentido que a R. também pugnou no decurso do processo judicial de impugnação de despedimento: que os comportamentos do A. não se podem apenas ver de forma individual.
ou) Acima de tudo, os comportamentos do A. têm de se ver para além disso e num todo, num panorama que já há muito estava a ser transparecido para os demais colegas, e que cada mais pequeno acto de desobediência, de deslealdade, de recusa, de desrespeito, era motivo para gerar atritos dentro da empresa da R.
av) Nem se pode admitir que se diga que o A. não tinha um registo de infracções disciplinares, no sentido de que não era reincidente, e que portanto não lhe devia ser aplicada a sanção máxima das sanções disciplinares. Porque não pugnamos no sentido de proteger quem não merece ser protegido. Porque se o A. trabalha desde 1997 com a R. ainda mais se lhe impunha uma actuação de boa fé, de confiança, de honestidade moral e intelectual, ao invés traiu a R., adoptando comportamentos nefastos, adoptando comportamentos provocadores junto dos seus colegas de trabalho, adoptando comportamentos difamatórios junto de terceiros. Se o A. tem uma ligação de tantos anos, impunha-se comportar de forma exemplar, e não pugnar por actos censuráveis, que mesmo individuais podem ser objecto de despedimento com justa causa, no nosso modesto entendimento.
aw) Os comportamentos infraccionais do A. consubstanciam violação dolosa e grave dos deveres taxativamente previstos no artigo 128.º do Código de Trabalho, n.º 1 alínea a), b), c), e), f) e h), e seu n.º 2, a saber: - respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionam com a empresa, com urbanidade e probidade; - comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade; - realizar o trabalho com zelo e diligência; - cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos e garantias; - guardar lealdade ao empregador; - promover ou executar os atos tendentes à melhoria da produtividade da empresa.
ax) Impõe-se concluir que para a R. não restava outra solução perante os comportamentos do A. que não fosse o despedimento com justa causa, tal como é definida pelo n.º 1 do art. 351.º do CT, que se transcreveConstitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. Segundo o n.º 2 do art. 351.º do CT, constitui, designadamente, justa causa de despedimento a: a) Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores; c) Provocação repetida de conflitos com trabalhadores da empresa; d) Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afecto; e) Lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa; i) Prática, no âmbito da empresa, de violências físicas, injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre trabalhador da empresa, elementos dos corpos sociais ou empregador individual não pertencente a estes, seus delegados ou representantes; m) Reduções anormais de produtividade.
ay) A exigência de justa causa disciplinar implica a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: comportamento culposo do trabalhador; impossibilidade de subsistência da relação laboral; e nexo de causalidade entre aqueles dois requisitos. Sendo que o comportamento culposo do trabalhador é aferido pelos critérios civilísticos, segundo os quais a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (n.º 2 do art. 487.º do Código Civil).
az) É patente a impossibilidade de subsistência daquela relação laboral por não ser razoável exigir da R. que mantivesse o A. ao seu serviço depois da quebra de confiança verificada, ademais, tratando-se de uma pequena empresa cujos comportamentos foram sempre presenciados por colegas de trabalho. A título meramente exemplificativo, citaram-se retro os sumários de Acórdãos sobre a justa causa de despedimento, mas que a R. retém e gostaria de salientar nestas conclusões o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16 de Janeiro de 2016, recente, actual e adequado ao caso controvertido: Uma trabalhadora que se recusa a cumprir ordens legítimas emanadas da empregadora, que não realiza as tarefas para que foi contratada e pelas quais é paga, que põe em causa a qualidade dos serviços prestados pela empregadora junto de quem utiliza esses serviços e que perturba colegas de trabalho comunicando que vão ser despedidas, revelando desrespeito e deslealdade para com a entidade patronal, assume condutas que quebram definitivamente a confiança que tem de existir no contrato de trabalho, sendo adequada e proporcional a aplicação da sanção disciplinar de despedimento.
ba) Nada ficou demonstrado em relação aos créditos, podendo constatar pelos seguintes factos dados como provados: 48. A Ré declarou, para efeitos fiscais, como rendimentos pagos ao Autor, os seguintes valores: a) ano de 2011 - € 8625,50; b)ano de 2012 - € 10318,83; c) ano de 2013 - € 13130,11; d) ano de 2014 - € 9423,46; e) ano de 2015 -
8083,33. 49. E entregou ao Autor, a título de subsídio de Natal, as seguintes quantias: a) € 200,00 (à moeda actual), em Junho de 2000; b) € 250,00, no ano de 2002; c) € 300,00, em Dezembro de 2003; d) € 295,00, no ano de 2000; e) € 300,00, em Dezembro de 2005; f)€ 450,00, em Dezembro de 2006; g) € 300,00, em data não concretamente determinada, 50. A Ré promove períodos de paragem da sua actividade, com pausa de serviço dos seus funcionários, nas épocas de Natal, Páscoa, Festas do Senhor Santo Cristo e reparação da embarcação.
bb) Ora, na acção de impugnação de licitude do despedimento, temos uma acção com particularidades de inversão de parte do contencioso, cabendo ao empregador / R. provar a licitude do despedimento, bastando ao A. impugnar sem mais, já o mesmo não acontece em relação aos créditos eventualmente reclamados pelo A., não havendo qualquer ónus de inversão de prova, cabendo pois a este demonstrar e concluir pelos factos dados como provados que se encontra a R. em falta para consigo.
bc) Ora, dos autos apenas verificamos que o douto Tribunal recorrido deu como provado o valor anual auferido pelo A., nada tendo ficado provado a que título é que auferiu, o que é considerado vencimento, o que é considerado subsídio de Natal e férias remuneradas, o que são ajudas de custo, o que são montantes que importem apurar.
bd) Até porque não foi dado como provado qual o montante médio de retribuição mensal do A., tendo sido impugnado o valor meramente indicativo e não tendo sido feita prova que não se bastasse pela remuneração variável. Assim, qualquer quantitativo compensatório ou indemnizatório, terá sempre de ser sujeito a posterior liquidação de sentença, por ser indeterminado o valor médio mensal do A.
be) Até porque existindo uma relação laboral há mais de quinze anos, tendo o custo de vida sido inflacionado, não se estando a discutir meros direitos dos últimos cinco anos, mas por outro lado fazendo contas a um total de antiguidade, é da mais elementar justeza que seja apurado o valor real médio mensal de toda a relação do A. e da R.
bf) Não podemos deixar de referir que o A. e a R. divergiram quanto à aceitação dos valores apresentados e na inclusão destes dos montantes que dizem respeito a subsídio de Natal e férias remuneradas. Que, assim sendo, os valores a ser apurados deverá ser dividido pelo número correcto de meses, sendo que nas contas aritméticas apresentadas na fundamentação de direito, não explica o Tribunal a quo a forma que aplicou, e suscitando dúvidas quanto à sua correcção, não se pode aceitar.
bg) Verificamos então que também não foi dado como provado que o A. não auferiu subsídio de Natal e que o A. não usufruiu de férias remuneradas [atento que ficou provado o gozo de férias].
bh) Assim, NUNCA o Tribunal recorrido poderia condenar como condenou, inexistido matéria de facto dada como provada que sustente a sua decisão final de direito. Termos em que e nos demais de Direito deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a sentença recorrida e, em consequência, ser a recorrente absolvida integralmente do pedido do autor. Fazendo-se, assim, a habitual e necessária JUSTIÇA
O Autor contra alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
O Exmo Procurador-Geral Adjunto, junto deste Tribunal da Relação, emitiu parecer no
sentido da improcedência do recurso.
Os autos foram aos vistos aos Exmos Desembargadores Adjuntos
Cumpre apreciar e decidir
II - Objecto
Nos termos do disposto nos art 635º nº 4 e 639º nº1 e 3 do Código de Processo Civil, aplicáveis ao caso ex vi do art. 1º, n° 2, alínea a) e 87º nº 1 do Código de Processo do Trabalho, é pelas conclusões que se afere o objecto do recurso, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
No presente caso, atendendo ao teor das conclusões, as questões a que cumpre dar resposta no presente recurso são as seguintes
- se o tribunal a quo errou na decisão da matéria de facto, quanto à matéria impugnada;
- se ocorre justa causa para o despedimento do Autor;
-se o tribunal a quo errou ao condenar a Ré nos créditos mencionados na sentença.
III - Fundamentação de Facto
São os seguintes os factos considerados provados pela primeira instância
1. Em data não concretamente determinada do ano de 1997, R... ajustou com J... Marques, de forma verbal, um acordo ao abrigo do qual o Autor prestava, no interesse e sob as ordens, direcção e fiscalização deste último, mediante uma retribuição, as funções de 'pescador' / 'preparador de artes de pesca'.
2. Sendo esta retribuição variável, de acordo com a captura de peixe e suas vendas.
3. Com a atribuição, para o pagamento dos funcionários, de uma percentagem superior face à que é atribuída ao armador.
4. Ainda de acordo com o ajustado, o Autor iniciava as suas funções às 08:00 horas, saindo às 17:00 horas, com interrupção para almoço das 12:00 às 13:00 horas, çle segunda a sexta-feira.
5. À margem do descrito no número anterior, com a chegada da embarcação a terra, após a 'descarga do pescado', os funcionários da Ré eram dispensados das suas funções, apresentando-se, de novo, no dia de saída do barco para o mar.
6. No dia de saída do barco para o mar, os funcionários da Ré que estivessem ao serviço no armazém apenas prestavam funções no período da manhã.
7. Em Janeiro de 2014, foi constituída a sociedade P..., Lda., sendo J... seu único sócio gerente.
8. Desde Fevereiro de 2014, o Autor passou a exercer as suas funções nos termos definidos nos números anteriores, no interesse e sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré.
9. Esta sociedade explora a actividade de pesca da embarcação Íris do Mar.
10. Em data não concretamente determinada de Maio de 2015, mas anterior ao dia 21, o sócio gerente da Ré reuniu-se com os seus funcionários, comunicando-lhes que era sua intenção dedicar-se a um outro tipo de pesca e ter todos os seus funcionários a prestar serviço a bordo da embarcação;
11. Mais lhes dirigiu, pelo menos, a seguinte expressão: quem quisesse poderia ir, quem não quisesse....
12. Ainda em data não concretamente determinada de Maio de 2015, mas anterior ao dia 21, a Ré apresentou ao Autor um escrito com o seguinte teor: Cessação contrato de trabalho Eu (..) na qualidade de trabalhador da embarcação (...), vem pela presente declarar que a partir da presente data, e por mútuo acordo com a entidade patronal, cessam as minhas funções na referida embarcação. Mais declara para os devidos e legais efeitos tidos por convenientes, que se encontram todas as minhas contas saltadas com a entidade patronal, nada mais tendo a reclamar ou a haver desta.
13. O Autor, na altura, recusou-se a assinar este escrito.
14. No dia 21 de Maio de 2015, durante uma descarga da embarcação, o Autor abordou J..., J..., J... e M..., funcionários da Ré, com funções em tal embarcação.
15. Disse-lhes o Autor que havia recebido, da parte da Ré, um 'documento de cessação do contrato'.
16. Perguntando-lhes 'se haviam recebido o mesmo', e afirmando que, com esse 'documento', a Ré podia 'mandá-los embora'.
17. Na viagem seguinte, a bordo da embarcação, o descrito nos números anteriores foi falado entre alguns dos pescadores / funcionários da Ré, comentando-se entre eles que 'o patrão os iria despedir a todos'.
18. O descrito no número anterior gerou desconfiança e desconforto entre alguns dos pescadores / funcionários da Ré, e entre estes e a Ré.
19. A partir de então, o sócio gerente da Ré determinou que o Autor deixasse de fazer a 'descarga do pescado'.
20. Passando o mesmo, nesses momentos, a desempenhar as suas funções sozinho, na área do armazém.
21. No dia 28 de Maio de 2015, junto às instalações 'de terra' da Ré (armazém), localizadas em Santa Clara, Ponta Delgada, V..., que se apresentava como conhecida de um dos funcionários ali em actividade, N..., surgiu e encetou um discussão, de conteúdo não concretamente determinado, com este funcionário.
22. Durante esta discussão, V... chegou a dirigir palavras aos restantes funcionários ali presentes, entre eles o Autor, perguntando-lhes se N... se havia ausentado do local naquele dia, entre as 14:00 e as 15:00 horas.
23. Nessa altura, o Autor, entre outros funcionários presentes, parou de exercer as suas funções e confirmou que N... havia estado fora daquele local entre as 14:00 e as 15:00 horas daquele dia.
24. E ficou a observar e ouvir tal discussão,
25. Instantes depois, o Autor procurou dirigir-se a N..., por forma a falar com este último sobre o descrito nos números anteriores.
26. No dia 30 de Julho de 2015, às 16:30 horas, J..., sócio gerente da Ré, dirigiu-se às instalações terrestres da empresa (armazém), abordando, então, o Autor.
27. Nos dias 4 e 6 de Agosto de 2015, ao Autor foi determinado pela Ré, mediante intervenção do 'mestre de terra', seu superior hierárquico, que procedesse à denominada 'tarefa'.
28. A 'tarefa' consiste na preparação de 8 gamelas (caixa com anzóis e aparelhos), destinadas a entregar na embarcação quando esta regressa da faina.
29. Tem regularidade ocasional, por forma a repor as gamelas a bordo.
30. Sendo realizada para lá das horas de início e término de funções, em cada dia, por parte do Autor e dos restantes funcionários 'de terra': antes das 08:00 horas, durante o período de interrupção para almoço ou depois das 17.00 horas.
31. E sendo o 'mestre de terra' encarregado de avisar os funcionários da Ré para a sua realização.
32. Nas circunstâncias descritas nos números anteriores, o Autor negou ao 'mestre de terra' em funções, A..., a realização da 'tarefa', afirmando que só a fazia entre as 08:00 e as 17:00.
33. O que levou a que outros 'funcionários de terra' da Ré, não concretamente identificados, tivessem de realizar mais gamelas.
34. E o que levou a que os mesmos questionassem 'se o trabalho era igual para todos ou não'.
35. No dia 12 de Agosto de 2015, a embarcação encerrou a sua viagem, procedendo-se à sua descarga no Porto de Ponta Delgada.
36. Em momento não concretamente determinado, entre os dias 12 e 13 de Agosto, a Ré comunicou ao Autor que não deveria participar nessa descarga, tendo de aguardar por novas determinações para o exercício das suas funções.
37. No dia 13 de Agosto seguinte, enquanto se preparava a embarcação para nova viagem, o Autor, às 07:55 minutos, compareceu junto do armazém, ficando a aguardar determinações da Ré.
38. Ainda durante essa manhã, a uma hora não concretamente determinada, A..., na altura com funções de 'mestre de terra', comunicou ao Autor que não tinha nada determinado para ele nesse dia, devendo o mesmo aguardar.
39. Após, instado pelo sócio gerente da Ré, também a uma hora não concretamente determinada, para sair das instalações da empresa e só regressar quando ele ligasse, o Autor respondeu-lhe que enviasse uma mensagem por telemóvel a comunicar isso mesmo.
40. Em resposta, o sócio gerente da Ré enviou ao Autor uma mensagem 'sms' com o seguinte teor: Venho por este meio informar que a partir de hoje encontra-se de folga e assim deve permanecer até receber novas ordens da entidade patronal via telemóvel.
41. Entretanto, também a uma hora não concretamente determinada dessa manhã, o Autor deslocou-se à doca onde se encontrava a embarcação, retomando, depois, ao armazém.
42. Pelos factos descritos nos números anteriores, a gerência da Ré determinou, em 12 de Junho de 2015, instaurar procedimento disciplinar contra o Autor, nomeando a respectiva instrutora.
43. Em 4 de Julho de 2015, a Ré elaborou a nota de culpa, comunicando o teor da mesma ao Autor, em 5 de Julho seguinte.
44. O Autor apresentou resposta à nota de culpa, requerendo a inquirição de testemunhas.
45. Em 25 de Agosto de 2015, a Ré elaborou aditamento à nota de culpa, comunicando o teor da mesma ao Autor, em 31 de Agosto seguinte.
46. Em 23 de Setembro de 2015, a Ré, tendo por base o relatório elaborado pela instrutora, proferiu a decisão final no âmbito deste procedimento disciplinar, comunicando ao Autor, em 28 de Setembro seguinte, o seu despedimento imediato, com justa causa.
47. O Autor é considerado pela Ré como um 'bom profissional'.
48. A Ré declarou, para efeitos fiscais, como rendimentos pagos ao Autor, os seguintes valores: a) ano de 2011 - € 8625,50; b) ano de 2012 - € 10318,83; c) ano de 2013 - € 13130,11; d) ano de 2014 —C 9423,46; e) ano de 2015 - € 8083,33.
49. E entregou ao Autor, a título de subsídio de Natal, as seguintes quantias: a) € 200,00 (à moeda actual), em Junho de 2000; b) € 250,00, no ano de 2002; c) € 300,00, em Dezembro de 2003; d) € 295,00, no ano de 2000; e) € 300,00, em Dezembro de 2005; f) € 450,00, em Dezembro de 2006; g) € 300,00, em data não concretamente determinada,
50. A Ré promove períodos de paragem da sua actividade, com pausa de serviço dos seus funcionários, nas épocas de Natal, Páscoa, Festas do Senhor Santo Cristo e reparação da embarcação.
IV - Apreciação do Recurso
1.A Ré não se conforma com a resposta dada pelo Tribunal a quo à factualidade por si alegada nos artigos 83º e 84º da resposta à contestação, pretendendo seja considerado provado que em cada remuneração entregue ao Autor pela Ré já se encontram incluídas os direitos de subsídio de Natal e férias remuneradas.
Como se sabe, o julgamento da matéria de facto constitui o principal objectivo do processo laboral declaratório, pois é da matéria provada e não provada que depende o resultado da acção.
As Relações, constitucionalmente consideradas como tribunais de 2ª instância (art. 210º n° 4 da CRP), conhecem tanto de questões de facto como de direito, as primeiras desde a publicação do Decreto Lei 39/95 de 15/02, que consagrou, na área do processo civil, a possibilidade de documentação ou registo das audiências finais e da prova nelas produzida, dado que anteriormente vigorava o chamado princípio da oralidade plena, pelo que o julgamento da matéria de facto era praticamente imodificável. Este sistema da oralidade plena foi substituído com aquele diploma pelo sistema da oralidade mitigada, que consagrou importantes garantias judiciárias fundamentais dos cidadãos, até aí postergadas, como o registo electrónico da prova, a motivação das sentenças, de direito e de facto, e o duplo grau de jurisdição destas duas matérias (de facto e de direito).
Tal sistema tem vindo a ser reforçado pelas reformas de 1995/96, operada pelos Dec. Lei 329-A/95 de 12-12 e 180/96 de 25-09, de 2000, operada pelo Dec Lei 183/2000 de 10-10 e, mais recentemente, pela Lei 41/2013 de 26 de Junho, que aprovou o novo Código de Processo Civil, podendo ler-se na exposição de motivos da proposta de Lei 113/XII/22, subjacente à referida Lei que cuidou-se de reforçar os poderes da 2ª instância em sede de reapreciação da matéria de facto impugnada. Para além de manter os poderes cassatórios .... são substancialmente incrementados os poderes e deveres que lhe são conferidos quando procede à reapreciação da matéria de facto, com vista a permitir-lhe alcançar a verdade material'.
Neste sentido, determina o art. 662º do NCPC que 1. A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Substituiu-se a possibilidade de alterar a matéria de facto, a que se referia o art. 712º nº1 do CPC, pelo dever de o fazer, dado que o actual preceito é imperativo, sempre que a reapreciação dos meios de prova determine um resultado diverso do alcançado pela primeira instância.
Com a nova redacção do art. 663º pretendeu-se que ficasse claro que, sem embargo da correcção, mesmo a titulo oficioso, de determinadas patologias que afectam a decisão da matéria de facto e também sem prejuízo do ónus de impugnação que recai sobre o recorrente e que está concretizado nos termos previstos no art. 640º, quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, a Relação deve alterar a matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência. E ainda o mesmo Autor, É verdade que a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.9 não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente deforma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter. Mas se a Relação, procedendo à reapreciação dos meios de prova postos à disposição do tribunal a quo, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados a convicção acerca da existência de erro deve proceder à correspondente modificação da decisão.'
A Recorrente cumpriu os ónus supra referidos, que impendem sobre quem impugna a matéria de facto, a saber, indicando os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, e os concretos meios probatórios que impõem, na sua tese, decisão diversa da recorrida, pelo que se impõe apreciar se deve ser alterada a matéria de facto nos termos invocados
Analisemos os factos impugnados
Se em cada remuneração entregue ao Autor pela Ré já se encontram incluídas os direitos de subsídio de Natal e férias remuneradas.
0 Tribunal a quo considerou não provado que A Ré tenha entregue ao Autor, desde 1997 até 2015, para além do descrito em 49), qualquer prestação pecuniária a título de retribuição do período de férias e subsídio de Natal.
Fundamentou a sua decisão nos seguintes moldes: o único elemento concreto que aqui se apresentava seria o conjunto de recibos de vencimento junto aos autos, especialmente os que, a partir de cada altura, fazem a seguinte menção: inclui subsídio de férias e de Natal (fls 547 e seguintes). Partindo daqui, quer os trabalhadores da Ré que prestaram depoimento, designadamente os já atrás identificados, quer o técnico oficial de contas da empresa, Gerardo Pimentel, refugiaram-se sempre nesta ideia: segundo é prática corrente, os subsídios (férias e Natal) estão incluídos na retribuição. Não há, contudo, qualquer discriminação nestes recibos, qualquer menção que vá minimamente para além daquela referência vaga e genérica acima realçada. Estando em presença de uma retribuição variável, é de todo impossível considerar como provado o pagamento destas prestações retributivas simplesmente com base neta ideia indeterminada, espelhada nos tais recibos, segundo a qual os subsídios estão incluídos na retribuição. É certo que tais recibos estão assinados pelo Autor, mas face ao teor indefinido dos mesmos quanto a tais subsídios, considerando, igualmente, que o Autor negou, em audiência, que os mesmos lhe tenham sido liquidados, e ponderando ainda alguns depoimentos de ex funcionários no mesmo sentido (Jaime Pereira, Roberto Sousa, José Manuel Arruda, Miguel Soares), o Tribunal não pode concluir pela demonstração do pagamento de tais prestações, com a ressalva do descrito em 49).
Determina o artigo 3422 n21 do C.Civil que aquele que invocar um direito deve fazer a prova dos factos constitutivos do direito invocado. E nos termos do n22, a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.
Desta regra resulta que a prova do pagamento, que é uma das formas de cumprimento da obrigação, da retribuição de férias e do subsídio de Natal, porque se trata de um facto extintivo destas obrigações, fica assim a cargo do devedor, neste caso, da Ré. Para facilitar a demonstração do facto, o artigo 787º nº1 do C.Civil, determina que [Q]uem cumpre a obrigação tem o direito a exigir quitação daquele a quem a prestação é feita (...), podendo o autor do cumprimento recusar a prestação enquanto a quitação não for dada, assim como pode exigir a quitação depois do cumprimento (cfr. nº2)
No Código do Trabalho e de acordo com o disposto no seu artigo 276º nº3 [A]té ao pagamento da retribuição, o empregador deve entregar ao trabalhador documento do qual constem a identificação daquele, o nome completo, o número de inscrição na instituição de segurança social e a categoria profissional do trabalhador, a retribuição base e as demais prestações, bem como o período a que respeitam, os descontos ou deduções e o montante líquido a receber. Esta exigência, no entanto, não corresponde a uma regra de direito probatório, que determine que para a prova do cumprimento da obrigação retributiva é necessário a apresentação de documento com as descritas características. O incumprimento do disposto neste preceito legal dá lugar apenas à contra-ordenação prevista no seu n° 4. Isto significa que a lei não exige documento escrito para a prova do pagamento da retribuição (cfr. art. 364º nº1 C.Civil).
Analisemos a prova documental invocada pela recorrente em abono do desiderato factual que pretende alcançar, a saber, os recibos juntos aos autos.
A Ré defende, quanto a estes, que Tendo sido juntos recibos emitidos pela R. mas assinados em sinal de conformidade por parte do A., nos quais expressamente indicam que se encontram incluídos os referidos direitos de subsídio de Natal e férias,
Tais recibos aquando da junção aos autos em momento algum foram impugnados pelo A., pelo que aceitou quanto à sua veracidade e validade probatória;
Tais recibos foram confessados pelo A. como tendo procedido à sua assinatura e que bem sabia que ali estava inscrito o que estava a ser pago ao A. por parte do R., nomeadamente a inclusão no valor global que estava a receber, (sic)
Vejamos
0 recibo é um documento particular, ao qual a lei não confere um valor probatório especial, a não ser a presunção a que se refere o artigo 7862 do C.Civil 3, que não tem qualquer relevo para o presente caso. Veja-se também que o artigo 7872 do C.Civil confere àquele que cumpre a obrigação o direito de exigir quitação daquele a quem a prestação é feita, devendo a quitação constar de documento autêntico ou autenticado ou ser provida de reconhecimento notarial, se aquele que cumpriu tiver nisso interesse legítimo. (sic), o que significa que, sendo contestado o pagamento, a existência de recibo não o faz presumir, não invertendo o ónus da prova.
Nos termos do disposto no art. 3742 do C. Civil, A letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras. (sic nº1) E o n. 2. Se a parte contra quem o documento é apresentado impugnar a veracidade da letra ou da assinatura, ou declarar que não sabe se são verdadeiras, não lhe sendo elas imputadas, incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade.
A este nível, o documento não foi impugnado.
O artigo 376º do C.Civil, determina que 1. 0 documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento. 2. Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante, mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão.
Ensinam Antunes Varela e outros, 4 Relativamente aos documentos particulares, seja qual for a modalidade que revistam ... uma vez provada a autoria da letra e assinatura, ou só da assinatura, tem-se por plenamente provado que o signatário emitiu todas as declarações constantes do documento, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade deste (art. 376º, 1). Mas nem todos os factos referidos nessas declarações se têm por provados.
Como provados - plenamente provados - apenas se consideram os factos que forem desfavoráveis ao declarante. (sic)
Como se afirma no Acórdão do STJ de 16-10-20085 Este regime de prova plena não veda, contudo, que se permita ao declarante a prova, por outro meio, de que o ali declarado não correspondeu à sua vontade ou que esta foi afectada por qualquer vício do consentimento (erro, dolo, coacção, simulação, etc.) (Cfr-se Pires de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, 1, 376, Gonçalves Sampaio, A Prova por Documentos Particulares, 115, A. Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 525, Manuel de Andrade, NEPC, 232). Tem sido mesmo muito abundante a jurisprudência deste tribunal, no sentido de que tal prova plena se reporta à materialidade das declarações e não à exactidão do conteúdo destas, podendo, quanta a esta, o autor do documento produzir livremente prova (vejam-se, exemplificativamente, em www.dgsi.pt, os Ac.s de 30.9.2004, 18.11.2004, 17.4.2005, 24.10.2006, 19.12.2006, 22.3.2007, 12.7.2007, 12.9.2007 e 17.4.2008). (sic)
Do exposto e ainda do disposto nos artigos 352°6, 355º n°47, e 358º nº2 do C.Civil, resulta que as declarações atribuídas ao autor do documento particular, se contrárias aos seus interesses, estão plenamente provadas por confissão (extrajudicial), o que desde logo afasta a admissão de prova testemunhal, por força do disposto no artigo 393º nº2 do C.Civil
Como se sabe, porém, factos há cuja realidade não pode ser estabelecida por confissão. É o que determina o artigo 354. do C.Civil, nos termos do qual A confissão não faz prova contra o confitente:
(..) b) Se recair sobre factos relativos a direitos indisponíveis; (sic)
Como afirma Lebre de Freitas, Em sua consequência, sempre que a disposição dum direito subjectivo atribuído pelo ordenamento não possa ter lugar por mera vontade das partes, tão pouco poderá ter lugar a confissão dum facto que tenha idêntico efeito dispositivo ou seja elemento duma factispecie complexa com tal efeito.
Considerou-se assim a confissão, porque acto de vontade do confitente (independente embora da vontade dos respectivos efeitos ...), inidónea para a prova desses factos, cuja realidade só por outros meios pode ser estabelecida.
Volvendo ao caso que nos trouxe a decidir, temos que a Ré emitiu recibos, assinados pelo Autor, sendo que em nenhum desses recibos consta o valor que este recebeu a título de retribuição de férias e subsídio de Natal, embora, a partir de Fevereiro de 2011, resulte de cada um dos recibos que inclui Subsídio de Férias e de Natal, e, mais tarde, que Inclui Subsídio de Férias Natal e férias
Na altura em que os recibos foram emitidos, e em que, portanto, se constituiu o meio de prova, o Autor estava ao serviço da Ré, sendo certo que, como é pacificamente aceite, quer pela doutrina quer pela jurisprudência, a indisponibilidade de direitos de natureza pecuniária, como é o caso do direito à retribuição de férias e subsídio de férias, vigora durante a vigência do contrato de trabalho. 11
Isto significa que a declaração subjacente aos documentos em causa, a saber, aos recibos, de que o Autor recebeu as quantias ali referidas, que incluiriam a retribuição de férias e o subsídio de Natal, não faz prova plena desse facto, não tendo valor confessório. Portanto, cumpre analisar a demais prova produzida, a testemunhal, indicada pela Ré e pelo Autor, para aquilatar se aquela logrou fazer prova de que as férias e o subsídio de férias e de Natal já estavam incluídos nas quantias que pagou ao Autor.
Este tribunal ouviu, acerca desta matéria, todos os depoimentos prestados, incluindo o do Autor e o do sócio gerente da Ré. E depois de analisarmos tal prova, não nos merece censura a resposta dada à matéria de facto e ora contestada, pois não detectámos qualquer desconformidade entre tais elementos de prova e aquela resposta, sendo certo que também entendemos que a Ré não logrou fazer prova do facto cuja resposta pretende ser positiva.
Vejamos
J..., sócio-gerente da Ré, declarou que a retribuição do Autor, bem como dos seus colegas de trabalho, era variável e dependia do apuro de cada viagem, pelo que as quantias auferidas pelo Autor e os demais trabalhadores, já englobavam os subsídios e as férias em causa.
As testemunhas arroladas pela Ré referiram que as suas retribuições variavam conforme o pescado e as respectivas percentagens a que tinham direito no cômputo geral da embarcação, e que os subsídios já estavam incluídos nas quantias que recebiam, argumentando que sempre foi dessa maneira. Referiram que nunca perguntaram pormenores acerca dessa questão (veja-se o depoimento da testemunha P...), e que o patrão lhes referiu que os subsídios já estavam incluídos (cfr. depoimento de J...). No entanto, as testemunhas não souberam esclarecer como eram calculados os valores dos subsídios, tendo em conta a retribuição variável que recebiam , respondendo que não sabiam dizer o valor dos subsídios que estavam efectivamente incluídos.
As testemunhas indicadas pelo Autor, por sua vez, declararam que, embora dos recibos constasse que recebiam os subsídios e as férias, deles não resultava um valor superior àquele que era a respectiva soldada, como deveria constar acaso os subsídios estivessem incluídos nas quantias que recebiam (cfr. depoimentos de J..., R... e J...).
De facto, a análise dos depoimentos permite concluir que a Ré não logrou fazer prova de que as quantias que resultam dos recibos, e que eram pagas ao Autor, já incluíam os subsídios de férias e de Natal. Sendo a retribuição variável, a prova não era de fácil concretização, mas sendo a retribuição variável, com certeza que, anualmente, haveria que fazer acertos nos pagamentos com vista à concretização do pagamento desses subsídio e férias o que tão pouco resulta dos autos. Por outro lado, deveria a Ré ter sido capaz de explicar como calculava tais subsídio e retribuição de férias, o que também não logrou fazer. E não foi dado, em concreto, qualquer exemplo de uma situação em que a soldada fosse uma e o recebido pelo Autor se traduzisse numa quantia superior, a justificar a inclusão dos subsídios (e férias)
E assim sendo, à semelhança da primeira instância, não podemos considerar provado o pagamento dos referidos subsídios, e das férias, não merecendo a decisão da matéria de facto controvertida e a sua fundamentação qualquer reparo.
Relativamente aos factos descritos sob os números 14. a 18., a Ré pretende que se considere que os mesmos geraram desconfiança e que esse era o objectivo do Autor. Já resulta provado no ponto 18. que os mesmos geraram desconfiança. Quanto ao mais, não resulta da nota de culpa, pelo que não tem importância para o desiderato que a Ré pretende alcançar.
Quanto aos factos descritos sob os números 21 a 28, a impugnação não é de facto, mas de Direito, pelo que nada cumpre determinar nesta sede.
A Ré insurge-se pelo facto de, quanto ao ocorrido no dia 30 de Julho, o tribunal a quo nada mais ter considerado provado a não ser o que resulta do ponto 26., a saber, que no dia 30 de Julho de 2015, às 16.30 horas, J..., sócio gerente da Ré, dirigiu-se às instalações terrestres da empresa (armazém), abordando, então, o Autor. Pretende se considere como provado que o Autor manuseou o seu quinhão de peixe em jeito de transporte para o seu veículo, em momentos ainda do seu horário de expediente. No entanto, o que a Ré pretende agora é que se considere provado algo diferente daquilo que resulta da decisão disciplinar, a saber que No dia 30 de Julho de 2015 o sócio-gerente J..., sócio-gerente da empresa Arguente, dirigiu-se às instalações terrestres da empresa (armazém), sito em Santa Clara, o que seriam cerca das 16h30. E foi surpreendido com o trabalhador R... a arranjar o que seria o seu quinhão de pescado ali mesmo nas instalações da empresa, o que aparentava já ter iniciado aquela prática ainda antes da hora de chegada do sócio-gerente, aproveitando-se o trabalhador arguido do facto de se encontrar sozinho.
Assim, e dentro do horário normal de trabalho da empresa, estava aquele trabalhador arguido a tratar de assuntos pessoais, bem sabendo que não tinha sido pedida nem dada qualquer autorização para arranjar peixe no seu horário de trabalho, apresentando ainda indícios de se preparar para abandonar o posto de trabalho antes da hora devida.
Em face do exposto, a matéria que se pretende aditar aos factos é diversa daquela que resulta da decisão de despedimento, pelo que não pode ser invocada na presente acção e valorada por este tribunal, razão pela qual não se aprecia, nesta parte, a impugnação da matéria de facto.
Quanto aos factos descritos sob os números 27. a 34, a Ré não refere quais os que pretende sejam considerados provados ou não provados. Limita-se, em discordância com a sentença, a referir que das declarações do Autor e do sócio-gerente da Ré resulta a irregularidade da frequência com que se fazia a tarefa; a irregularidade das quantidades a que eram atribuídas por tarefa; a irregularidade do horário em que a tarefa era realizada., mas, por um lado sem referir se pretende ver esta matéria provada e, por outro, sendo tal matéria conclusiva e, portanto, insusceptível de integrar o acervo factual.
Incumprindo o ónus imposto pelo artigo 640º nº1 a) do CPC, não se admite o recurso da matéria de facto, nesta parte.
Também relativamente aos factos descritos nos pontos 36. a 41. da matéria de facto, a abordagem é jurídica e não de facto, pretendendo a Ré que seja dado um enfoque diferente aos factos, na sua subsunção jurídica, e não propriamente a sua alteração. Nada cumpre, assim, apreciar, nesta sede.
Em face do exposto, soçobra integralmente o recurso que incide sobre a matéria de facto.
2. Cumpre agora avaliar se os factos praticados pelo Autor justificam a aplicação da sanção de despedimento, importando averiguar se existe ou não justa causa para esse efeito. A Ré entende que o Autor quebrou os deveres de zelo, lealdade, urbanidade e probidade, comprometendo a relação de confiança que subjaz ao contrato de trabalho.
Nos termos do art. 982 do CT, O empregador tem poder disciplinar sobre o trabalhador ao seu serviço, enquanto vigorar o contrato de trabalho.
A posição jurídica do empregador congrega assim, no âmbito do vínculo contratual e enquanto titular da empresa (havida esta como um organização de meios, materiais e humanos), um conjunto de poderes, incluído o disciplinar, que se manifesta tipicamente pela possibilidade de reagir, por via punitiva, aplicando sanções internas aos trabalhadores cuja conduta se revele desconforme com ordens, instruções e regras de funcionamento da empresa.
No âmbito desse poder, foi aplicada ao Autor a sanção disciplinar de despedimento por factos que lhe são imputáveis.
Como afirma Abílio Neto, a infração disciplinar está indissociavelmente ligada à ideia de comportamento ilícito e culposo do trabalhador violador de algum dos seus deveres contratuais ou legais, mas não necessariamente causador de danos patrimoniais, e, daí que as sanções laborals visem, acima de tudo, objectivos, não tanto ressarcitórios, mas de retribuição e de prevenção geral e especial, consoante decorre da respectiva tipologia, prevalentemente dirigida à pessoa do trabalhador (...)Tanto na eleição da sanção aplicável como na sua graduação, haverá que atender ao grau de culpa do infractor (se agiu dolosamente, com negligência grave ou leve) ao valor ofendido e às demais circunstâncias atendíveis, por forma a punir diferentemente situações que, sendo aparentemente iguais, são, em si mesmas, diferentes, e de modo também a evitar o risco de aplicar sanções desproporcionadas às infracções cometidas, tendo em atenção todo o quadro que envolveu a prática de cada uma delas.
A proibição de despedimentos sem justa causa decorre do princípio constitucionalmente consagrado no art. 532 da CRP, sob a epígrafe Segurança no emprego e inserido no Capítulo III Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, do Título 1 - Direitos, liberdades e garantias, da Parte 1 -Direitos e deveres fundamentais. Nos termos desse preceito legal, É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa... (sic)
No plano infra constitucional, e nos termos da lei aplicável ao presente caso, o art. 338º do CT proíbe os despedimentos sem justa causa. E o art. 351º nº1 esclarece que constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. (sic)
A noção de justa causa pressupõe assim:
- um comportamento ilícito e culposo do trabalhador, violador dos deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, que seja grave em si mesmo ou nas suas consequências - o chamado elemento subjectivo;
- a impossibilidade de subsistência da relação de trabalho - o chamado elemento objectivo;
- um nexo de causalidade entre esse comportamento e a impossibilidade de subsistência da relação laboral.
Por sua vez, o nº2 do art. 351º do C.Trabalho estabelece exemplos-padrão de comportamentos que podem conduzir ao despedimento com justa causa, e o n° 3 estabelece critérios para apreciação deste conceito, a saber, o grau de lesão dos interesses do empregador, o carácter das relações entre as partes, ou entre o trabalhador e os seus companheiros, e as demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.
Não basta assim que tenha ocorrido uma violação dos deveres a que está obrigado o trabalhador. Cumpre ademais formular um juízo sobre os efeitos reais e concretos que a infracção praticada tem na relação de trabalho, pois o apuramento da justa causa corporiza-se essencialmente na impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação de trabalho, que a jurisprudência tem interpretado, considerando as seguintes vertentes:
- a impossibilidade de subsistência do vínculo laboral deve ser reconduzida à ideia de inexigibilidade da manutenção vinculística;
- exige-se uma impossibilidade prática, com necessária referência ao vínculo laboral em concreto;
- e imediata, no sentido de comprometer, desde logo e sem mais, o futuro da relação contratual laboral.
Para integrar este elemento de impossibilidade da manutenção da relação laboral, torna-se necessário fazer um prognóstico sobre a viabilidade da relação contratual, no sentido de saber se ela mantém, ou não, a aptidão e idoneidade para prosseguir a função típica que lhe está cometida.
Nessa linha de entendimento, a jurisprudência dos tribunais superiores vem reafirmando que a impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação laboral verifica-se quando, perante um comportamento ilícito, culposo e com consequências gravosas na relação laboral, ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, susceptível de criar no espírito da primeira a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral.
Este o regime legal e a respectiva interpretação jurisprudencial e doutrinal, à luz dos quais iremos analisar os factos que resultaram provados nos presentes autos, de molde a aferir, não só se o Autor praticou qualquer comportamento ilícito, porquanto violador dos seus deveres legais, como se esse comportamento, a ter ocorrido, colocou irremediavelmente em causa a relação contratual-laboral que a liga à Ré.
E aplicando os factos que resultaram provados ao Direito, não podemos dar razão à Ré.
Resulta do disposto no art. 1262 n21 do CT o princípio segundo o qual O empregador e o trabalhador devem proceder de boa fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respectivas obrigações (sic)
Com o contrato de trabalho nascem para as partes determinados direitos e deveres. Para o que interessa à decisão desta questão, resulta provado que:
- no dia 21 de Maio de 2015, durante uma descarga da embarcação, o Autor abordou J..., J..., J... e M..., funcionários da Ré, com funções em tal embarcação;
- disse-lhes que havia recebido, da parte da Ré, um 'documento de cessação do contrato
- perguntou-lhes 'se haviam recebido o mesmo', e afirmou que, com esse 'documento', a Ré podia 'mandá-los embora
- na viagem seguinte, a bordo da embarcação, o descrito nos números anteriores foi falado entre alguns dos pescadores / funcionários da Ré, comentando-se entre eles que 'o patrão os iria despedir a todos
- o descrito gerou desconfiança e desconforto entre alguns dos pescadores / funcionários da Ré, e entre estes e aquela;
- em data não concretamente determinada de Maio de 2015, mas anterior ao dia 21, a Ré apresentou ao Autor um escrito com o seguinte teor: Cessação contrato de trabalho Eu (...) na qualidade de trabalhador da embarcação (...), vem pela presente declarar que a partir da presente data, e por mútuo acordo com a entidade patronal, cessam as minhas funções na referida embarcação. Mais declara para os devidos e legais efeitos tidos por convenientes, que se encontram todas as minhas contas saldadas com a entidade patronal, nada mais tendo a reclamar ou a haver desta, tendo o Autor recusado assinar este escrito.
- em data não concretamente determinada de Maio de 2015, mas anterior ao dia 21, o sócio gerente da Ré reuniu-se com os seus funcionários, comunicando-lhes que era sua intenção dedicar-se a um outro tipo de pesca e ter todos os seus funcionários a prestar serviço a bordo da embarcação;
- mais lhes dirigiu, pelo menos, a seguinte expressão: quem quisesse poderia ir, quem não quisesse....
Ora, tal como a primeira instância, considerando o contexto em que os factos do dia 21 ocorreram, entendemos ser perfeitamente natural que o Autor pretendesse saber se os seus colegas haviam recebido um documento idêntico àquele que recebeu, para cessação do contrato de trabalho, questionando-os acerca do assunto.
Não resulta provado qualquer facto que permita concluir que a pretensão do Autor foi desestabilizar o ambiente de trabalho na Ré (e isso, aliás, não resulta sequer da decisão de despedimento), mas apenas informar-se junto dos colegas acerca do que se estava a passar e alertá-los para um determinado facto. Entendemos este comportamento como perfeitamente natural e legítimo, face ao espectro do despedimento que pairava na Ré, na sequência da reunião que antecedeu esta conversa e do papel que o Autor foi chamado a subscrever e que visava a cessação do seu contrato de trabalho. Está provado que esta conversa gerou desconfiança entre alguns trabalhadores e a Ré, o que também se nos afigura natural, mas esse facto não torna ilícito o comportamento do Autor, que não violou qualquer dever para com a sua entidade patronal, nomeadamente o dever de lealdade, o qual tem o sentido de garantir que a actividade pela qual o trabalhador cumpre a sua obrigação representa de facto a utilidade visada, vedando-lhe comportamentos que apontem para a neutralização dessa utilidade ou que, autonomamente, determinem situações de perigo para o interesse do empregador ou para a organização técnico-laboral da empresa. 0 Autor limitou-se a conversar com os seus colegas, partilhando com eles o que lhe tinha acontecido e tentando alertá-los acerca do ocorrido. Se isso acabou por gerar desconfiança, é sintomático de que também estes acreditaram que os seus postos de trabalho estavam em perigo, para mais com a conversa já havida pelo representante da Ré e que também resulta da matéria de facto. Não praticou o Autor qualquer facto com vista, ou mesmo apto, a neutralizar a actividade da Ré.
Ademais, não se vislumbra qualquer situação tradutora de abuso de direito, tanto mais que o facto subjacente ao despedimento resultou provado, no entanto, o tribunal, legitimamente, confere-lhe um valor diferente daquele que pauta a tomada de posição da Ré.
Resultou ainda provado que
- no dia 28 de Maio de 2015, junto às instalações `de terra' da Ré (armazém), localizadas em Santa Clara, Ponta Delgada, V..., que se apresentava como conhecida de um dos funcionários ali em actividade, N..., surgiu e encetou um discussão, de conteúdo não concretamente determinado, com este funcionário;
- durante esta discussão, V... chegou a dirigir palavras aos restantes funcionários ali presentes, entre eles o Autor, perguntando-lhes se N... se havia ausentado do local naquele dia, entre as 14:00 e as 15:00 horas;
- nessa altura, o Autor, entre outros funcionários presentes, parou de exercer as suas funções e confirmou que N... havia estado fora daquele local entre as 14:00 e as 15:00 horas daquele dia e ficou a observar e ouvir tal discussão;
- instantes depois, o Autor procurou dirigir-se a N..., por forma a falar com este último sobre o descrito nos números anteriores.
Argumenta a Ré com a falta de produtividade do trabalhador por tempo indeterminado e com a desobediência a ordens suas para cumprir as respectivas funções. Acrescenta que o Autor se manifestou em favor de uma terceira pessoa que estava a praticar actos contra a Ré, sendo que teve entretanto conhecimento de que esta pessoa auxiliava o Autor na sua demanda contra si.
Relativamente a esta última questão, a mesma não consta da nota de culpa, pelo que não tem qualquer relevância para a presente decisão.
Acresce que, sendo os factos alheios ao Autor, o que é certo é que ocorreram junto de si, e é preciso ponderar o contexto sócio profissional e até espacial onde tiveram lugar. As pessoas não são autómatos, e se uma discussão como a relatada acontece, para mais no exterior, é natural que os trabalhadores da Ré, entre eles o Autor, tenham prestado atenção e suspendido o que estavam a fazer. Mas tal aconteceu, segundo se pode depreender dos factos provados, por alguns minutos, sendo certo que não está provado que tenha a Ré, em consequência, sofrido qualquer prejuízo, seja de que espécie for.
Não se vislumbra, também neste caso, qualquer ilícito disciplinar, mas, ainda que existisse, não justificaria o despedimento do Autor.
Resultou também provado que
- no dia 30 de Julho de 2015, às 16:30 horas, J..., sócio gerente da Ré, dirigiu-se às instalações terrestres da empresa (armazém), abordando, então, o Autor. Este facto, só por si, não tem qualquer relevância disciplinar.
Resultou ainda provado que
- nos dias 4 e 6 de Agosto de 2015, ao Autor foi determinado pela Ré, mediante intervenção do 'mestre de terra', seu superior hierárquico, que procedesse à denominada 'tarefa
- a 'tarefa' consiste na preparação de 8 gamelas (caixa com anzóis e aparelhos), destinadas a entregar na embarcação quando esta regressa da faina;
- tem regularidade ocasional, por forma a repor as gamelas a bordo;
- sendo realizada para lá das horas de início e término de funções, em cada dia, por parte do Autor e dos restantes funcionários 'de terra': antes das 08:00 horas, durante o período de interrupção para almoço ou depois das 17.00 horas;
- e sendo o 'mestre de terra' encarregado de avisar os funcionários da Ré para a sua realização;
- nas circunstâncias descritas nos números anteriores, o Autor negou ao 'mestre de terra' em funções, A..., a realização da 'tarefa', afirmando que só a fazia entre as 08:00 e as 17:00;
- o que levou a que outros 'funcionários de terra' da Ré, não concretamente identificados, tivessem de realizar mais gamelas;
- e o que levou a que os mesmos questionassem 'se o trabalho era igual para todos ou não'. É a seguinte a fundamentação que resulta da sentença, e com a qual concordamos inteiramente: Ora, temos, então, que a Ré ordenava ao Autor o cumprimento regular de uma determinada função - a tal preparação das gamelas (a denominada 'tarefa') - sempre para lá do horário de trabalho estabelecido. Isto não obstante o trabalho prestado fora do horário - o trabalho suplementar - só poder ser realizado - e o trabalhador só estar obrigado a tal - quando a empresa tenha de fazer face a acréscimo eventual e transitório de trabalho e não se justifique para o efeito a admissão de (outro) trabalhador, ou quando ocorra caso de força maior ou seja exigido para prevenir ou reparar prejuízo grave (cfr. art. 227º do Código do Trabalho, conjugado com o art. 21º da Lei nº 15/97, de 31 de Maio). Nestas datas aqui em causa, o Autor, em resposta, afirmou que não cumpria a 'tarefa' fora do seu horário, só o fazendo dentro do horário fixado. Ou seja, o Autor não se limitou a incumprir, pura e simplesmente, a ordem que lhe foi dada, declarando, sim, que só cumpria esta tarefa dentro do seu horário. Uma tarefa, reitera-se, que, embora sem uma dia concreto para a sua realização, era regular, previsível, de forma alguma eventual e transitória, ocorrendo sempre que a embarcação chegava da faina. O que leva a concluir que, nestas circunstâncias, embora fosse sempre realizada para lá do horário - até na hora da pausa para almoço - não se apresentava como trabalho suplementar válido e justificado. E, recusando-se a prestar esta função em tais condições, o Autor, também se conclui, agiu de uma forma legítima.
Pelo referido, não podia a Ré exigir ao Autor o cumprimento da 'tarefa', de uma forma regular, previsível, constante, sempre para lá do seu horário: antes das 08:00, à hora de almoço, para lá das 17:00 horas. Se tal não pode ser exigido ao Autor, é-lhe lícito, mesmo depois de já ter cumprido essa tarefa, recusar-se, a dada altura, a fazê-lo. Pelo que, da parte deste último, não houve a violação - ilegítima - dos deveres de obediência e de promoção de actos tendentes à melhoria da actividade da empresa, nos termos do art. 128º, nº 1, alíneas e) e h), do Código do Trabalho (com referência ao art. 351º, nº 1 e 2, alínea a), do mesmo Código). Ou de qualquer outro dever a que estivesse vinculado por força desta relação labora/ estabelecida com a Ré. (sic)
A Ré defende que o Autor nunca, em momento algum da relação laboral, se insurgiu quanto à realização das gamelas, antes, durante ou depois do considerado horário normal de trabalho, pois entendeu e aceitou que essas eram as necessidades da embarcação. Defende ainda que essa era uma tarefa ocasional e não previsível. Conclui que foi violado o dever de obediência, zelo e diligência.
Ora, o que resulta dos factos é que a Ré ordenava o cumprimento destas tarefas sempre fora do horário de trabalho do Autor.
De acordo com o disposto no artigo 21º da Lei 15/97 de 31 de Maio, que estabelece o regime jurídico do contrato individual de trabalho a bordo das embarcações de pesca, a propósito do trabalho suplementar, 1 - Entende-se por trabalho suplementar aquele que é prestado para além do período normal de trabalho.
2 - O trabalho suplementar deve ser remunerado com acréscimos sobre a retribuição de acordo com o convencionado pelas partes para os diferentes tipos de pesca, em regulamentação colectiva de trabalho ou em contrato individual de trabalho.
3 - Não é considerado trabalho suplementar, mesmo que executado para além do período normal de trabalho:
a) O trabalho ordenado pelo comandante, mestre ou arrais com vista à segurança da embarcação, do pescado ou dos marítimos quando circunstâncias de força maior o imponham;
b) O trabalho ordenado pelo comandante, mestre ou arrais com o fim de prestar assistência a outras embarcações, aeronaves ou pessoas em perigo, sem prejuízo da comparticipação a que o marítimo tenha direito em indemnização ou salários de salvamento e assistência;
c) Os exercícios de salva-vidas, de extinção de incêndios e outros similares previstos pela Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar;
d) O trabalho exigido por formalidades aduaneiras, quarentena ou outras disposições sanitárias.
Daqui resulta que o trabalho executado fora do horário de trabalho em vigor para o trabalhador em causa, é considerado trabalho suplementar, excepto quando executado nas circunstâncias descritas no preceito legal, que não têm interesse para o presente caso. Acresce que o Código do Trabalho prevê as condições em que a prestação de trabalho suplementar pode ser imposta ao trabalhador, e tal acontece quando a empresa tenha de fazer face a acréscimo eventual e transitório de trabalho e não se justifique para tal a admissão de trabalhador. (cfr. art. 227º nº1 e 3 do CT).
No presente caso, manifestamente, não se trata de um acréscimo eventual e transitório de trabalho. Estamos perante uma tarefa regular, que acontecia sempre que a embarcação regressava da pesca. Portanto, era legítimo ao trabalhador recusar-se à sua realização, não podendo ser responsabilizado pela reacção dos demais trabalhadores da Ré, e esse facto não pode constituir fundamento para o seu despedimento.
Quanto aos factos descritos nos pontos 36. a 41., a saber
- em momento não concretamente determinado, entre os dias 12 e 13 de Agosto, a Ré comunicou ao Autor que não deveria participar nessa descarga, tendo de aguardar por novas determinações para o exercício das suas funções;
- no dia 13 de Agosto seguinte, enquanto se preparava a embarcação para nova viagem, o Autor, às 07:55 minutos, compareceu junto do armazém, ficando a aguardar determinações da Ré;
- ainda durante essa manhã, a uma hora não concretamente determinada, A..., na altura com funções de 'mestre de terra', comunicou ao Autor que não tinha nada determinado para ele nesse dia, devendo o mesmo aguardar;
- após, instado pelo sócio gerente da Ré, também a uma hora não concretamente determinada, para sair das instalações da empresa e só regressar quando ele ligasse, o Autor respondeu-lhe que enviasse uma mensagem por telemóvel a comunicar isso mesmo;
- em resposta, o sócio gerente da Ré enviou ao Autor uma mensagem 'sms' com o seguinte teor: Venho por este meio informar que a partir de hoje encontra-se de folga e assim deve permanecer até receber novas ordens da entidade patronal via telemóvel;
- entretanto, também a uma hora não concretamente determinada dessa manhã, o Autor deslocou-se à doca onde se encontrava a embarcação, retomando, depois, ao armazém. O tribunal a quo pronunciou-se da seguinte forma: Admitindo-se que o Autor assim tenha agido já depois das ordens expressas que lhe haviam sido dadas pelo sócio gerente da empresa, vislumbra-se, aqui sim de forma ilegítima, o não acatamento de uma ordem que lhe foi dirigida pela sua empregadora, susceptível de consubstanciar a violação do dever de obediência, previsto no citado art. 128º, nº 1, alínea e), do Código do Trabalho. Contudo, mesmo a admitir-se essa possibilidade - note-se que não ficou concretamente demonstrado que o Autor tenha ido ao cais após receber o tal telefonema e a tal 'sms' do sócio gerente tal desobediência, por si só, não é suficientemente grave para fundamentar uma decisão de despedimento com invocação de justa causa. É que apenas se provou isto mesmo: o Autor, tendo ordens para sair das instalações da empresa, permanecendo de folga, até novas instruções, ter-se-á ainda deslocado ao cais (onde estava a embarcação), retomando, depois, ao armazém. Sem que se apure qualquer outro facto, qualquer razão ou motivação para esta conduta, designadamente, e uma vez mais, qualquer propósito, da sua parte, de criar instabilidade na empresa ou qualquer outro prejuízo para a sua empregadora. Sabendo que importa apreciar os factos, não de forma isolada e descontextualizada, mas sim circunstanciada, com o necessário enquadramento, concluindo-se, ou não, pela justa causa para o despedimento com base em princípios de proporcionalidade, equidade e subsidiariedade, privilegiando, se assim for suficiente e eficaz, a aplicação de sanção menos grave, de natureza conservatória da relação de trabalho, e só se optando pela cessação do vínculo se assim se tornar inevitável, face à ruptura irremediável do laço de confiança entre as partes onde o mesmo se alicerça, esta acção de R..., embora se admita que possa ser censurável, merecedora de uma sanção disciplinar, não determina, inevitavelmente, a impossibilidade de subsistência da relação de trabalho, com o consequente despedimento. Estando, para mais, na presença de um trabalhador com quase de 18 anos de serviço, sem qualquer registo disciplinar apurado, visto pela empregadora como um 'bom profissional', considera-se, pois, que a sanção mais gravosa, o despedimento, sempre seria desproporcional e desajustada, sendo possível concluir que a relação de trabalho que vincula R... e a Ré, com tal factualidade, não está irremediavelmente comprometida.
A Ré, nas suas alegações, concorda que esta desobediência, só por si, não seja suficientemente grave para fundamentar a decisão de despedimento com invocação de justa causa, mas argumenta que o Autor foi despedido em consequência de todo um conjunto de actos e comportamentos que adoptou nos últimos meses da relação laboral.
Antes do mais, e mesmo com relação a este facto ocorrido entre os dias 12 e 13 de Agosto, cumpre não esquecer que a Ré tem o dever de ocupar o trabalhador. O dever de ocupação efectiva constitui um imperativo constitucional - cfr. art. 58º, 59º n°1 b) e 18º da CRP - e ordinário - cfr. art. 129º n° 1 b) do CT.
Como afirma Pedro Romano Martinez, [A] ocupação efectiva traduz-se num direito do trabalhador a trabalhar ..., o que significa que o empregador não pode, sem justificação, deixá-lo inactivo. A justificação terá de basear-se em circunstâncias objectivas motivadoras da não ocupação efectiva. A questão, segundo Monteiro Fernandes, coloca-se no plano da exigibilidade: não se pode deixar de reconhecer como atendíveis as situações em que o empregador esteja objectivamente impedido de oferecer ocupação ao trabalhador, assim como aquelas em que se esteja em presença de interesses legítimos do mesmo empregador na colocação do trabalhador em estado de inactividade (por razões económicas, disciplinares ou outras)
A Ré não justificou a sua decisão de o Autor, ao contrário do habitual, não participar na descarga do barco, no dia 12. E no dia 13, para além de reiterar verbalmente que não tinha nada determinado para o Autor para esse dia, referiu em sms que Venho por este meio informar que a partir de hoje encontra-se de folga e assim deve permanecer até receber novas ordens da entidade patronal via telemóvel, o que, sem mais explicações, é inaceitável.
Mas ainda a entender-se, por hipótese, que a conduta do Autor foi ilícita, não podemos deixar de concordar com a primeira instância quando ai se conclui que este comportamento de comparecer no local de trabalho para exercer as suas funções, à revelia do que lhe fora transmitido, não assume uma gravidade tal que coloque em crise a relação de trabalho.
Por outro lado, não podemos considerar os factos no seu conjunto porquanto os mesmos não assumem foros de ilicitude. São factos que desagradaram à Ré, uma vez que o trabalhador, ao contrário do que, ao que tudo indica, foi habitual durante o cumprimento do seu contrato de trabalho, passou a estar mais consciente dos seus direitos e a verbalizar o que o incomodava - caso de lhe ser apresentado um papel para cessação do contrato - ou a não estar disponível para continuar a colaborar com a Ré numa situação ilícita como seja a do trabalho suplementar fora do circunstancialismo legal, sendo certo que tudo o mais que resultou provado é absolutamente irrisório, como a questão de ter prestado atenção a uma discussão havida no seu local de trabalho e respondido a uma pergunta que lhe foi feita. Mas não são factos ilícitos, porquanto não violam os deveres do trabalhador, únicos capazes de fundamentar a aplicação de uma qualquer sanção disciplinar, desde que, ainda assim, se conclua ser inexigível que o empregador mantenha ao seu serviço o trabalhador.
Em face do exposto, confirmamos integralmente a sentença recorrida, improcedendo, nesta parte, o recurso interposto.
3. Quanto às quantias em que foi condenada, a Ré insurge-se, argumentando que não foi dado como provado qual o montante médio da retribuição mensal do Autor, entendendo que qualquer quantitativo compensatório ou indemnizatório sempre terá de ser sujeito a posterior liquidação de sentença, por ser indeterminado esse valor médio, tanto mais que, existindo uma relação laboral há mais de quinze anos, e tendo o custo de vida sido inflacionado, é da mais elementar justeza que seja apurado a valor real médio de toda a relação contratual entre ambos. Refere ainda suscitarem-se dúvidas sobre a forma como o tribunal a quo elaborou as contas.
É a seguinte a fundamentação da sentença: No que se refere à compensação por despedimento, importa, neste caso, ter presente o disposto no art. 390°, n° 2, alíneas a) e c), do Código do Trabalho (não se verificando a situação prevista na alínea b) do mesmo artigo), donde resulta que aos trabalhadores não é devido, tanto as importâncias que não receberiam se não fosse o despedimento, como o valor correspondente ao subsídio de desemprego que eventualmente tenham auferido durante este período.
Assim, tendo presente que a retribuição de R... é variável, em função do volume de captura de pescado e suas vendas, deve a mesma, nos termos do regime previsto no art. 261º, n° 3 e 4, do Código do Trabalho, conjugado com a necessária aplicação de critérios de equidade, ser calculada, tendo por base o que se apurou quanto aos rendimentos do Autor, declarados pela Ré para efeitos fiscais entre os anos de 2011 e 2015 (€ 8625,50 + € 10318,83 + € 13130,11 + € 9423,46 + € 8083,33 = € 49481,23), pelo menos no valor médio mensal peticionado pelo trabalhador no seu articulado: € 608,20. Pelo que, nestes termos, a título de compensação por despedimento, ao Autor é devido, neste momento, a quantia de 7014,57, correspondente a (€ 608,20 x11 meses) + (€ 608,20 x 16 dias : 30), com acréscimo das retribuições que vierem a vencer-se desde a presente data até ao trânsito em julgado da sentença, mas sem prejuízo do disposto no art. 390º, nº 2, alíneas a) e c), do Código do Trabalho.
Em relação à indemnização em substituição da reintegração, determina o art. 391°, n° 1, que cabe ao Tribunal definir o seu montante, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no art. 381º. A lei fixou o valor indemnizatório de acordo com parâmetros mínimos e médios e estabeleceu, como critérios, o valor da retribuição e o grau de ilicitude. Como tal, atendendo ao tempo de antiguidade (pelo menos desde 31 de Dezembro de 1997 até 28 de Setembro de 2015: 17 anos, 8 meses e 29 dias), e tomando em consideração que não se chegou a apurar o cometimento pelo Autor -que até era considerado pela Ré como um 'bom profissional' - de nenhuma infracção disciplinar susceptível de fundamentar o despedimento, esta indemnização deverá corresponder a 30 dias de retribuição por cada ano de serviço (ou sua fracção, na devida proporção), ascendendo, então, a € 10793,18, com acréscimo da indemnização vencida desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença.
Vejamos
É certo que a retribuição do Autor era variável, daí a necessidade de se apurar um valor médio dessa retribuição, o que o tribunal a quo fez, por referência aos valores indicados pela própria Ré para efeitos fiscais e calculando esse valor por baixo, dado que, no rigor das contas feitas pelo tribunal e com as quais concordamos, tanto mais que não se provou que o Autor tivesse auferido subsídio de férias e de Natal (portanto deverão considerar-se 14 meses), ele seria superior, mas também em função daquele que foi o pedido do Autor.
Não há que ter em consideração quaisquer outros elementos, que não estão previstos na lei.
A sentença é muito clara quanto ao percurso seguido não se percebendo quais as dúvidas da Ré, e sendo certo que as contas estão correctas, e baseando a Ré a sua discordância no montante considerado como retribuição média, que foi encontrado correctamente. Improcede, pois, nesta parte, o recurso.
Relativamente à retribuição de férias e ao subsídio de Natal (uma vez que a sentença recorrida absolveu a Ré quanto ao subsídio de férias, na medida em que as normas especiais que regulam o caso não contemplam esta prestação retributiva), não tendo a apelante conseguido provar, como lhe competia, que pagou ao apelado as prestações salariais que o mesmo reclama, a esse título, a sentença recorrida que a condenou no pagamento dessas prestações não merece qualquer censura, nessa parte, e deve manter-se.
IV. Decisão
Face a todo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso interposto por P..., Unipessoal, Ida, e, em consequência, decidem confirmar a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Registe.
Notifique.
Lisboa, 19-04-2017
(Paula de Jesus Jorge dos Santos)
(Claudino Seara Paixão)
(Maria João Romba
Sumário
1 - A exigência prevista no artigo 276º nº 3 do CT de que o empregador, até ao pagamento da retribuição, entregue ao trabalhador documento com as especificações aí descritas, mormente com a indicação da retribuição base e das demais prestações, bem como do período a que respeitam, os descontos ou deduções e o montante líquido a receber, não corresponde a uma regra de direito probatório, que determine que para a prova do
cumprimento da obrigação retributiva é necessário a apresentação de documento com as referidas características.
II - O incumprimento do disposto neste preceito legal dá lugar apenas à contra-ordenação prevista no seu nº 4.
III - A lei não exige documento escrito para a prova do pagamento da retribuição.
IV - O recibo é um documento particular, ao qual a lei não confere um valor probatório especial.
V - As declarações atribuídas ao autor do documento particular, se contrárias aos seus interesses, estão plenamente provadas por confissão (extrajudicial), o que desde logo afasta a admissão de prova testemunhal, por força do disposto no artigo 393º nº 2 do C.Civil.
VI - Nos termos da lei - artigo 354º b) do C.Civil - factos há cuja realidade não pode ser estabelecida por confissão, nomeadamente os relativos a direitos indisponíveis.
VII - Se na altura em que os recibos foram emitidos e assinados pelo Autor, e em que, portanto, se constituiu o meio de prova, aquele estava ao serviço da Ré, a declaração que lhes subjaz de que o Autor recebeu as quantias ali referidas, que incluiriam a retribuição de férias e o subsídio de Natal, não faz prova plena desse facto, não tendo valor confessório, face à indisponibilidade destes direitos durante a vigência do contrato de trabalho, havendo que analisar a demais prova produzida, a testemunhal, para aquilatar se a retribuição de férias e o subsídio de Natal já estavam incluídos nas quantias que a empregadora pagou ao trabalhador.
VIII - Não ocorrendo a violação de deveres do trabalhador, únicos capazes de fundamentar a aplicação de uma qualquer sanção disciplinar, não há lugar a justa causa para o despedimento, que pressupõe essa violação, e ainda que se conclua ser inexigível que o empregador mantenha ao seu serviço o trabalhador.
A relatora