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 - ACRL de 03-05-2017   Isenção de custas. Pessoas colectivas sem fins lucrativos.
I. Estão isentas de custas As pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos, quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável.
II. Trata-se de uma isenção de custas restrita, na medida em que só funciona em relação aos processos concernentes às suas especiais atribuições ou para defesa dos interesses conferidos pelo respectivo estatuto, ou pela própria lei, que coincidam como bem comum, e esta isenção não abrange as acções que não tenham por fim directo a defesa dos interesses que lhe estão especialmente confiados pela lei ou pelos seus estatutos.
III. Versando a acção sobre a verificação da ilicitude do despedimento da autora, proferido pela ré, não é difícil concluir que a ré não está isenta de custas, por esta acção não ter por fim directo a defesa dos interesses estatutários.
Proc. 3874/16.0T8LSB 4ª Secção
Desembargadores:  Duro Mateus Cardoso - Albertina Pereira - -
Sumário elaborado por Isabel Lima
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PROCESSO N° 3874/16.0T8LSB.L1 Apelação
Relator: Desemb. Duro Mateus Cardoso
Adjuntos: Desemb. Albertina Pereira e Desemb. Leopoldo Soares
SUMÁRIO
Impugnação de despedimento. S... . Isenção de custas. Pessoas colectivas de utilidade pública.
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
I- M... , intentou no Tribunal do Trabalho de Lisboa a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, CONTRA, S... .
II- PEDIU a condenação da ré:
- A reconhecer a existência de um contrato de trabalho;
- A reconhecer a ilicitude do seu despedimento;
- A reintegrá-la ao serviço;
- A liquidar todas as retribuições vencidas desde o seu despedimento, acrescida de juros de mora;
- No pagamento de uma sanção pecuniária compulsória.
III- Realizou-se infrutífera audiência de partes e a ré CONTESTOU dizendo, em síntese, que:
- A relação contratual existente era de prestação de serviços ao abrigo do DL n° 141/89 de 28/4;
- Não ocorreu qualquer despedimento;
- A ré goza de isenção de custas por força do DL n° 235/2008 de 3/12 e do art. 4°-1-f) do RCJ.
A autora permitiu o acesso generalizado a pessoas não autorizadas ao armazém do Centro Logístico de Benfica, através da abertura do portão traseiro;
- Em Outubro de 2012, devendo deixar o seu posto de trabalho pelas 17:00 horas, foi encontrada no interior do armazém pelas 19:00 horas, sem para tal estar autorizada;
- Durante o mês de Outubro de 2012, desapareceram do armazém de Benfica diversos produtos no valor de € 80.200,00;
- A autora era responsável pela gestão do acesso ao armazém e tinha as chaves do mesmo;
IV- A autora CONTESTOU dizendo, em síntese, que:
- O procedimento disciplinar caducou por ter sido ultrapassado o prazo de 60 dias estabelecido no art. 329°-2 do CT/2009
- Não permitiu o acesso generalizado a pessoas não autorizadas ao armazém do Centro Logístico de Benfica, através da abertura do portão traseiro;
- São falsas as restantes imputações que lhe são feitas;
- Trabalha na ré há cerca de 13 anos e foi sempre uma trabalhadora exemplar;
- Só esteve naquelas funções durante 3 semanas;
- Não subtraiu quaisquer bens;
- O despedimento é ilícito;
- Deve ser a ré condenada a reintegrar o autor no seu posto de trabalho;
- Deve ser condenada a pagar as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até trânsito em julgado da decisão.
V- Foi proferido Despacho Saneador, dispensada a realização da Audiência Preliminar, elaborado despacho saneador e dispensada a selecção da Matéria de Facto.
Por despacho de fols. 48 e 49 o Mm° Juiz a quo, relativamente ao pedido de isenção de custas formulado pela ré decidiu nos seguintes termos: Face ao exposto e sem necessidade de outras considerações, indefere-se a pretensão da Ré no sentido de lhe ser reconhecida o direito à isenção de custas e, consequentemente, determina-se a sua notificação para, no prazo de 5 dias, comprovar nos autos o pagamento da respectiva taxa de justiça, sob pena de, não o fazendo, serem-lhe aplicadas as respectivas consequências legais.
Sem prejuízo de o processo ter seguido os seus termos, vindo a final a terminar por transação julgada válida, a ré, inconformada com aquele despacho de fols. 48 e 49, dele interpôs recurso de Apelação (fols. 79 a 91), apresentando as seguintes conclusões:
1 - Assim, tendo em conta que as disposições conjugadas da alínea a), do art. ° 13. °, do Decreto-Lei n.° 40.397, de 24 de Novembro de 1955, do art.° 4. ° Decreto-Lei 235/2008, de 3 de Dezembro e do art.° 4. ° do RCP, expressamente isentam de custas judiciais a S... , foram as mesmas violadas.
2 - Considerando que todas e quaisquer actuações que a S... desenvolva, dizem necessariamente respeito à prossecução dos seus fins, traduzindo, em última análise, a defesa dos interesses que lhe são especialmente conferidos pelos respectivos Estatutos, as referidas normas deveriam ter sido interpretadas e aplicadas no sentido de ter sido deferida a isenção em causa, tal como foi requerida pela aqui apelante.
A autora não contra-alegou.
Correram os Vistos legais tendo o Digno Procurador-Geral Adjunto do Ministério Público emitido Parecer (fols. 128 a 136), no sentido de ser negado provimento ao recurso.
VI- A matéria de facto com relevância para a decisão é a que consta do relatório supra.
VII- - Nos termos dos arts. 635°-4, 637°-2, 639°-1-2, 608°-2 e 663°-2, todos do CPC/2013, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação; os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes, salvo se importar conhecê-las oficiosamente.
Tratando-se de recurso a interpor para a Relação, como este pode ter por fundamento só razões de facto ou só razões de direito, ou simultaneamente razões de facto e de direito, assim as conclusões incidirão apenas sobre a matéria de facto ou de direito ou sobre ambas (v. Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 3' ed., pag. 148).
Atento o teor das conclusões das alegações apresentadas pelo apelante, a questão que fundamentalmente se coloca no presente recurso é saber-se se a ré beneficia de isenção processual de custas nesta acção.
VIII- Decidindo.
Após ter a ré suscitado em 1a instância a sua isenção quanto a custas unicamente com fundamento no art.° 4.° do Decreto-Lei 235/2008, de 3 de Dezembro e no art.° 4.° do RCP veio agora a mesma ré, somente em sede de recurso, adicionar o argumento da manutenção em vigor da isenção prevista no art. 13°-a) do DL n° 40.397 de 24/11/1965, não tendo, por isso possibilitado ao Tribunal recorrido que se pronunciasse quanto a esta perspectiva jurídica.
Sem sucesso também aqui, porém.
Vejamos porquê.
É certo que o art. 13°-a) do DL n° 40.397 de 24/11/1965 estabelece que a Misericórdia de Lisboa goza de isenção de impostos, contribuições taxas ou licenças do Estado ou corpos administrativos, sejam de que natureza forem, mas a recorrente esquece-se, ou não tem em conta, que o art. 25°-1 do DL n° 34/2008 de 26/2 dispõe que São revogadas as isenções de custas previstas em qualquer lei, regulamento ou portaria e conferidas a quaisquer entidades públicas ou privadas, que não estejam previstas no presente decreto-lei.
Dúvidas então não há de que, pelo menos, após a entrada em vigor do DL n° 34/2008 de 26/2, a ré S... deixou de beneficiar da isenção de custas processuais de que gozava em função do art. 13°-a) do DL n° 40.397 de 24/11/1965.
E beneficiará a ré da referida isenção em função do art.° 4.° do Decreto-Lei 235/2008, de 3 de Dezembro e do art.° 4.° do RCP ? Também não.
Com efeito, o art. 4°-1-f) do Reg. Custas Processuais (RCP), isenta de custas
As pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos, quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável.
Já o art. 4° do DL n° 235/2008 de 3/12 estabelece quais os fins estatutários da ré, a saber:
Artigo 4.°
Fins estatutários
1- A S... tem como fins a realização da melhoria do bem-estar das pessoas, prioritariamente dos mais desprotegidos, abrangendo as prestações de acção social, saúde, educação e ensino, cultura e promoção da qualidade de vida, de acordo com a tradição cristã e obras de misericórdia do seu compromisso originário e da sua secular actuação em prol da comunidade, bem como a promoção, apoio e realização de actividades que visem a inovação, a qualidade e a segurança na prestação de serviços e, ainda, o desenvolvimento de iniciativas no âmbito da economia social.
2- A S... desenvolve ainda as actividades de serviço ou interesse público que lhe sejam solicitadas pelo Estado ou outras entidades públicas.
3- Para a realização dos seus fins estatutários, a S... :
a) Cria, organiza e dirige estabelecimentos e serviços no âmbito das suas actividades, ou que lhe sejam atribuídos através de acordos de gestão celebrados com entidades privadas, públicas e sociais;
b) Desenvolve e prossegue modalidades de acção social em todas as valências nomeadamente nas áreas da infância e juventude, da família e comunidade, da população idosa, das pessoas portadoras de deficiência e de outros segmentos populacionais desprotegidos;
c) Desenvolve e prossegue actividades de promoção de saúde, prevenção e tratamento da doença, de reabilitação e prestação de cuidados continuados;
d) Promove, apoia e incentiva o voluntariado;
e) Institui e participa na criação e funcionamento de estabelecimentos de ensino e de formação;
f, Promove a realização de estudos e a investigação nas suas áreas de actuação,
g) Cria ou participa na criação de outras pessoas colectivas privadas;
h) Participa em associações ou correspondentes organismos, nacionais e internacionais, que visem objectivos similares;
i) Aconselha, informa e apoia os cidadãos e respectivas famílias na realização efectiva dos seus direitos no acesso a bens e serviços de natureza social, no âmbito dos seus fins estatutários;
j) Desenvolve modelos de boas práticas nas intervenções sociais, com avaliação da sua eficiência e qualidade, e colabora, através da sua divulgação e promoção, na modernização e progressiva melhoria das condições de funcionamento dos estabelecimentos sociais privados,
1) Promove e actualiza a informação respeitante ao sector da economia social e aos equipamentos e serviços de apoio social, no âmbito dos seus fins estatutários;
m) Promove e apoia tecnicamente a criação e desenvolvimento de projectos e organizações no âmbito da economia social,
n) Apoia, quando solicitada pelos estabelecimentos públicos e privados de apoio social, a auto regulação na promoção da qualidade, defesa do ambiente e condições de segurança, assim como a responsabilidade social, através do apoio à implementação dos respectivos sistemas de gestão e da certificação dos mesmos, em conformidade com os acordos celebrados para o efeito;
o) Assegura, quando se mostre necessário, a tutela e curatela dos menores, interditos e inabilitados apoiados pela S... , nos respectivos termos legais,
p) Exerce as competências legais em matéria de protecção de crianças e jovens em perigo e de adopção;
q) Cumpre os encargos decorrentes de doações, heranças ou legados dos seus benfeitores;
r) Assegura a gestão do seu património imobiliário e aplica as suas disponibilidades financeiras do modo mais adequado à obtenção das receitas necessárias à prossecução dos seus fins, sempre sem prejuízo do respeito pelas obrigações assumidas e que impendem sobre os respectivos bens;
s) Assegura a exploração dos jogos sociais do Estado, referidos no artigo 2. ° do Decreto -Lei n.° 56/2006, de 15 de Março, em regime de exclusividade para todo o território nacional, e a consequente distribuição dos resultados líquidos, podendo, de igual modo, explorar outros jogos que venham a ser criados,
t) Exerce as demais competências necessárias à prossecução dos seus fins.
4- A S... desenvolve formas de acção cultural adequadas, nomeadamente através de museus, exposições, visitas, conferências e iniciativas análogas, com vista ao pleno aproveitamento, divulgação e fruição pública do seu património histórico e artístico.
Esclarece a propósito o Cons. Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, 5ª ed., Almedina, 2013, pag. 159, que se trata de uma isenção de custas restrita, na medida em que só funciona em relação aos processos concernentes às suas especiais atribuições ou para defesa dos interesses conferidos pelo respectivo estatuto, ou pela própria lei, que coincidam como bem comum. E acrescenta a pag. 160, ...esta isenção não abrange as acções que não tenham por fim directo a defesa dos interesses que lhe estão especialmente confiados pela lei ou pelos seus estatutos.
Ora, atentando por um lado, nos fins estatutários da ré atrás elencados e, por outro, no facto de a presente acção versar sobre a verificação da ilicitude do despedimento da autora, proferido pela ré, não é difícil concluir que nestes autos a ré não está isenta de custas, por esta acção não ter por fim directo a defesa dos interesses estatutários.
Se por um lado, como se refere no Ac. desta Relação de 9/7/2014 citado pela apelante (P. n° 1480/13.OTTLSB-A.L1), toda e qualquer actuação da S... é reconduzida à prossecução dos seus fins estatutários, por outro uma coisa são os fins directos e outros os fins indirectos. Se a ré tiver de comprar uma máquina de lavar roupa para uma sua lavandaria social e tiver um litígio cível com o vendedor por causa da respectiva compra, seguramente que a acção a intentar, tal como esta, também não terá por fim directo a defesa dos seus interesses estatutários e na mesma a ré não beneficiará de isenção de custas.
IX- Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar o despacho recorrido.
Custas, em 1ª instância como ali definido
Custas da apelação, a cargo da ré.
Lisboa, 3 de Maio de 2017