Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Laboral
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 - ACRL de 07-02-2018   Indicação expressa dos factos e das circunstâncias exatas e objectivas que integram o motivo justificativo da aposição do termo ao contrato de trabalho. Contra-ordenação.
1. A arguida prossegue a actividade de comércio a retalho de outros artigos para o lar, não especificados, em estabelecimentos especializados e contratou a trabalhadora por contrato de trabalho a termo certo de sete meses, para exercer as funções inerentes à categoria profissional de caixeira ajudante.
2. Indicou como motivo justificativo da aposição do termo de sete meses o acréscimo excepcional da actividade da empresa em virtude do lançamento de uma nova linha de produtos nos estabelecimentos comerciais que explora, com a consequente necessária promoção, acompanhamento e desenvolvimento desses novos produtos na fase inicial de comercialização dos mesmos, sendo a contratação necessária para reforçar temporariamente a equipa de vendedores do estabelecimento comercial no Centro Comercial, sito em Lisboa.
3. A linha de produtos em causa não tem uma designação específica e é comercializada em vários dos estabelecimentos da arguida, o que significa que se encaixam na actividade e objecto social prosseguidos pela arguida e que o motivo invocado não basta para fundamentar a aposição do termo.
4. Não está, pois, justificada a aposição do termo, mostrando-se violado o disposto na al. e) do n.º 1 conjugado com o n.º 3 do art. 141.º do CT, o que constitui contra-ordenação grave nos termos do n.º 4 do mesmo preceito legal.
Proc. 704/16.6T8BRR.L1 4ª Secção
Desembargadores:  José Feteira - Filomena Manso - -
Sumário elaborado por Ana Paula Vitorino
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Proc. n.° 704/16.6T8BRR.L1
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.
Relatório
L... - Artesanato e Decoração, Lda., com sede no Edifício C..., Lote 1, 3.° C, 2795-195 L... e local de trabalho na Loja 000 do Comercial Forum Montijo sito na Zona Industrial do Pau Queimado, Rua da Azinheira, Afonseiro, 2870-100 Montijo, inconformada com a decisão proferida pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), que a condenou no pagamento de uma coima no valor de € 3.060,00 (três mil e sessenta euros), correspondente a 30 UC, por violação do disposto no n.° 3 conjugado com a alínea e) do n.° 1, ambos do artigo 141° do Código do Trabalho, dela interpôs recurso de impugnação judicial para o Tribunal da Comarca de Lisboa - Barreiro - Instância Central - Secção do Trabalho, apresentando a correspondente motivação.
Admitido o recurso, não se considerou necessária para a boa decisão da causa a realização de audiência de discussão e julgamento.
Ouvida a Arguida e o Ministério Público sobre se se opunham à prolação de decisão por simples despacho, nenhum deles manifestou tal oposição.
Foi, pois, proferida decisão através da qual a Mma. Juíza da 1a instância julgou improcedente o recurso interposto pela Arguida, mantendo a decisão recorrida nos seus precisos termos.
De novo inconformada, agora com a referida decisão, dela veio a Arguida interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando a correspondente motivação, na qual extrai as seguintes conclusões:
1. No âmbito dos presentes autos, a Recorrente vem acusada pela prática de uma contra-ordenação laborai classificada como grave, p. e p. pelo n.° 4 do art. 141° e n.° 3 do art. 554° ambos do Código do Trabalho, em virtude da Autoridade Administrativa e agora o douto Tribunal a quo, terem concluído e proferido decisão no sentido de insuficiente concretização do motivo justificativo do termo aposto no contrato de trabalho em análise, em face do legalmente previsto;
2. Tendo-lhe sido, consequentemente, aplicada uma coima no valor de € 3.060,00 (três mil e sessenta euros) e condenada no pagamento das custas do processo, liquidadas no montante de € 91,80 (noventa e um euros e oitenta cêntimos);
3. Sucede porém que a validade do termo certo aposto a este contrato de trabalho em apreço nos presentes autos, respectivo motivo justificativo, bem como, da cessação do mesmo por caducidade, foi já objecto de apreciação pelo Tribunal, no âmbito do processo n° 1025/15,7T9BRR, que correu os seus termos nos Serviços do Ministério Público do Tribunal da comarca de Lisboa - Barreiro - Procuradoria Inst. Central - Trabalho, tendo o Exmo. Senhor Procurador do Ministério Público concluído que o contrato de trabalho em questão e a sua cessação não se encontravam feridos de qualquer irreqularidade, nulidade ou ilegalidade, motivo pelo qual em 30/04/2015 foi determinado o arquivamento dos autos;
4. Com efeito, conforme resulta do n° 1 da cláusula 5a, o contrato de trabalho em apreço, tem o seu fundamento ... no acréscimo excepcional de actividade da empresa, em virtude do lançamento de uma nova linha de produtos nos estabelecimentos comerciais da 1a Contratante, com a consequente necessidade de promoção, acompanhamento e desenvolvimento desses novos produtos na fase inicial de comercialização dos mesmos, mostrando-se a presente contratação necessária para reforçar temporariamente a equipa de vendedores do estabelecimento comercial da 1ª Contratante sito em Montijo, no C. C. Fórum Montijo, Laja 0.33, por forma a fazer face ao acréscimo excepcional e temporário de actividade que ali se verifica, e cuja duração se prevê ser de sete meses;
5. Assim sendo, o contrato de trabalho a termo certo em apreço foi celebrado nos termos legais, contendo todos os elementos obrigatórios previstos no art. 141° do Cód. Do Trabalho, incluindo a indicação do termo estipulado (termo certo de 7 meses, com início em 25/09/2012 e termo em 24/04/2013) e do respectivo motivo justificativo (acréscimo excepcional da actividade da Empresa), com menção expressa dos factos que o integram (lançamento de uma nova linha de produtos nos estabelecimentos comerciais da ora Recorrente), estabelecendo a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado (necessidade de promover, acompanhar e desenvolver esses novos produtos na sua fase inicial de comercialização, que se previa num período de 7 meses);
6. Sendo certo que foram indicados de modo claro e perceptível e constam expressamente do mencionado contrato de trabalho, os factos concretos que consubstanciam o motivo justificativo do termo que lhe foi aposto;
7. A questão central que está na origem da aplicação da coima à ora Recorrente não é falta ou ausência de fundamentação para a contratação a termo da trabalhadora, na medida em que essa justificação consta do contrato de trabalho, conforme aliás é reconhecido pelo próprio Senhor Procurador do Ministério Público (cfr. pontos 3 e 4 precedentes);
8. mas sim o grau de detalhe ou de pormenorização dessa fundamentação, já que a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo exige, no caso em apreço, os seguintes requisitos: (i)
a linha de produtos, e ainda que não tenha designação específica, teria de ser descrita a sua caracterização, quais os produtos e a sua natureza; (ii) concretizar factualmente indicando quais os produtos da nova linha, que características específicas apresentam, quais as concretas funções de promoção, acompanhamento e desenvolvimento dos novos produtos que serão desenvolvidas pela trabalhadora, (iii) brochura publicitária, ou estudo de marketing ou de mercado sobre tais produtos;
9. Sucede, porém, que a Recorrente importa e comercializa mais de 5000 referências de produtos provenientes de 5 (cinco) países, pelo que a execução das exigências da Meritíssima Juiz do Tribunal a quo (indicação e caracterização dos produtos e a sua natureza) é, no caso concreto e como facilmente se compreende, de impossível concretização prática;
10. Acresce que, face ao entendimento da jurisprudência que se pronunciou sobre esta questão, o facto da Recorrente não ter indicado quais os produtos da nova linha e que características apresentam, não constitui insuficiente concretização da relação entre a contratação a termo por sete meses e o lançamento da nova linha de produtos, pelo que merece censura o Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, pois violou o disposto no artigo 141.°, n.° 1 e n.° 3 do Código do Trabalho, fazendo deste dispositivo legal uma errada interpretação e aplicação;
11. Não tendo, consequentemente, a Recorrente incorrido na prática da contra-ordenação que lhe vem imputada, nem tendo violado o disposto na alínea e) do n.° 1 e n.° 3 do artigo 141.° do Código do Trabalho, devendo ser absolvida da contra-ordenação de que vem acusada, nos termos e com as legais consequências;
12. A não se entender assim, o que só por necessidade de raciocínio se admite, a contra-ordenação em causa apenas poderá ser imputada à Recorrente a título de negligência, por não ter actuado com o zelo e diligência que lhe era devida, porquanto;
13. A ora Recorrente actuou na convicção de estar a cumprir as exigências legais sobre a matéria, não tendo representado sequer como possível a prática da infracção que lhe vem imputada;
14. Não obstante, a douta decisão administrativa de fls. _ e confirmada pelo Tribunal a quo, ter considerado que a Recorrente (i) agiu com negligência, (ii) que não retirou qualquer benefício económico da prática da contra-ordenação e (iii) não tendo ficado provado quaisquer factos que demonstrem a capacidade económica da ora Recorrente;
15. Foi determinada a aplicação à Recorrente de uma coima no montante de € 3.060,00, correspondente a 30 UC, pela prática da contra-ordenação em que foi condenada, ou seja muito próximo do respectivo limite máximo, o que não se pode aceitar;
16. Com efeito, nos termos do disposto no n.° 4 do art, 141.° do Código do Trabalho, a contra-ordenação imputada à Recorrente é classificada como grave;
17. Porém, conforme ficou provado a culpa da ora Recorrente é diminuta, tendo a infracção em causa sido praticada, quando muito, a título de negligência, sendo que a ora Recorrente não actuou de modo consciente e muito menos intencional ou voluntário, na prática da contra-ordenação que lhe vem imputada, sendo certo que a Recorrente não retirou, nem pretendeu retirar, da prática da contra-ordenação em causa qualquer benefício, patrimonial ou outro;
18. Factos estes que, resultaram provados nos autos e que deveriam ter sido ser tomados em consideração como circunstâncias atenuantes, devendo a coima aplicada à ora Recorrente ter sido fixada em montante próximo do seu limite minimo de € 1,530,00 (mil quinhentos e trinta euros) e não, como sucedeu, no montante de € 3.060,00 (três mil e sessenta euros), que se revela desadequado, excessivo e deve ser substancialmente reduzido pelos motivos expostos;
19. Pelo exposto, deve também a douta sentença ora impugnada ser revogada na parte relativa à graduação da coima aplicada e, bem assim, ser substituída por outra, que considere, como circunstâncias atenuantes, a reduzida culpabilidade do infractor, a ausência de qualquer benefício para a Arguida da prática da infracção e a moderada gravidade da infracção_praticada, e as demais circunstâncias do caso, com as inerentes consequências ao nível da graduação da coima, que deve ser fixada próximo do mínimo legal.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER RECEBIDO, COM EFEITO SUSPENSIVO E, A FINAL, SER JULGADO PROCEDENTE, POR PROVADO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A DOUTA SENTENÇA DE QUE ORA SE RECORRE, DEVENDO A ORA RECORRENTE SER ABSOLVIDA DA CONTRA-ORDENAÇÃO QUE LHE VEM IMPUTADA.
SUBSIDIARIAMENTE, CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, DEVE A DOUTA SENTENÇA DO TRIBUNAL A QUO OBJECTO DE RECURSO, SER REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE CONSIDERE, COMO CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES, A REDUZIDA CULPABILIDADE DO INFRACTOR, A AUDÊNCIA DE QUALQUER BENEFÍCIO PARA A ORA RECORRENTE DA PRÁTICA DA INFRACÇÃO E AS DEMAIS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO, COM AS INERENTES CONSEQUÊNCIAS AO NÍVEL DA GRADUAÇÃO DA COIMA APLICADA, QUE DEVE SER SUBSTANCIALMENTE REDUZIDA E FIXADA PRÓXIMO DO RESPECTIVO LIMITE MÍNIMO, NOS TERMOS E COM AS LEGAIS CONSEQUÊCIAS.
Juntou documentos.
Admitido o recurso, não houve resposta do Ministério Público na 1a instância. Remetidos os autos para esta 2a instância, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta
emitiu o douto parecer de fls. 353 no sentido de dever ser julgado improcedente o recurso e
confirmada a decisão recorrida.
Tendo-se procedido ao exame a que se alude no art. 417° do CPP, foi mantido o recurso.
Colhidos os vistos legais, cabe, agora, apreciar e decidir.
Apreciação Questão prévia:
• Da admissibilidade dos documentos juntos pela Arguida com a motivação de recurso.
Questões de recurso (que, como se sabe, são delimitadas pelas conclusões extraídas pelo Recorrente na sua motivação):
• Não prática pela Arguida da contraordenação que lhe foi imputada e consequências daí decorrentes, face à decisão recorrida;
Subsidiariamente:
• Falta de ponderação pelo Tribunal a quo de circunstâncias atenuantes aplicáveis ao caso e consequente dever de alteração da medida da coima aplicada no caso de condenação da Arguida.
Fundamentos de facto:
Em 1.ª instância considerou-se provada a seguinte matéria de facto:
1. A Arguida prossegue atividades de comércio a retalho de outros artigos para o lar, n. e., em estabelecimentos especializados (CAE 47593), tem sede no Edifício C..., Lote 1, 3.° C 2795-195 L... e local de trabalho na Loja 0.00 do Comercial Fórum Montijo sito na Zona Industrial do Pau Queimado, Rua da Azinheira, Afonsoeiro 2870-100 Montijo;
2. A Arguida apresentou um volume de negócios no valor € 49.967.983,00 referente ao ano de 2014 e inscreveu 13 trabalhadores no Anexo A - Quadro de Pessoal do Relatório Único referente a este local de trabalho;
3. A arguida comunicou à Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego a não renovação do contrato de trabalho a termo celebrado, no dia 25/09/2012, com a trabalhadora L..., lactante à data da cessação do contrato, conforme documento a fls. 5 dos autos que aqui se considera reproduzido para todos os efeitos legais;
4. No dia 12/2/2015, pelas 18h00, a inspetora autuante D... realizou uma visita inspetiva ao local de trabalho supra identificado;
5. A Arguida foi notificada no dia 12/2/2015, no decorrer da visita inspetiva, nos termos da alínea e) do n.° 1 do artigo 11° do DL 102/2000, de 02-06 e alínea a) do n.° 1 do artigo 10.° da Lei n.° 107/2009, de 14 de Setembro, para a apresentação de diversos documentos nos serviços da ACT do Barreiro, nomeadamente, o registo individual e o contrato de trabalho a termo da trabalhadora L..., entre outros documentos, até ao dia 20/2/2015, pelas 15h00;
6. A Arguida contratou a trabalhadora L..., mediante a celebração de um contrato de trabalho a termo certo, por um período de sete meses, a tempo completo, para desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de Caixeiro Ajudante, conforme documento a fls. 10 dos autos, que aqui se considera reproduzido para todos os efeitos legais;
7. De acordo com o registo pessoal da trabalhadora L... o contrato de trabalho renovou-se três vezes por iguais períodos, verificando-se a sua caducidade no dia 24/1/2015;
8. Como justificação para a celebração do contrato a termo sub judice a Arguida fez constar neste a seguinte menção: O presente contrato de trabalho subordinado é celebrado a termo certo (...), com fundamento no acréscimo excepcional de actividade da empresa, em virtude do lançamento de uma nova linha de produtos nos estabelecimentos comerciais da 1. ° Contratante, com a consequente necessidade de promoção, acompanhamento e desenvolvimento desses novos produtos na fase inicial de comercialização dos mesmos, mostrando-se a presente contratação necessária para reforçar temporariamente a equipa de vendedores do estabelecimento comercial da 1. Contratante sito em Montijo, no C. C. Fórum Montijo, Loja n. ° 0.33, por forma a fazer .face ao acréscimo excepcional e temporário de atividade que ali se verifica, e cuja duração se prevê ser de sete meses. (n.° 1 da cláusula quinta do contrato de trabalho a termo certo);
9. A Arguida ao celebrar o contrato de trabalho a termo certo com a trabalhadora L... sem ter indicado expressamente os factos e as circunstâncias concretas e objetivas que integram o motivo justificativo a termo do contrato de trabalho não agiu com o cuidado a que está obrigada e de que era
capaz enquanto entidade empregadora, conformando-se com o resultado da sua conduta;
10. A nova linha de produtos não tem uma designação específica e é objeto de lançamento em vários estabelecimentos da arguida.
Considerou-se ainda que não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão. por ausência de prova.
Questão prévia:
• Da admissibilidade dos documentos juntos pela Arguida com a motivação de recurso.
Com a sua motivação de recurso, veio a Arguida juntar aos autos um documento composto por diversas listagens de referências de produtos, alegadamente vendidos na loja onde laborava a trabalhadora a que se faz referência na matéria de facto provada, junção que entende ser admissível nesta fase processual, dado que tal documento, em seu entender, se torna indispensável à descoberta da verdade e boa decisão da causa, bem como por tal junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido pelo Tribunal a quo.
Desde já se afirma que tal documento não pode ser admitido nesta fase de recurso e, como tal, não pode ser levado em consideração na apreciação das questões que nele são suscitadas.
Na verdade, dispõe o n.° 1 do art. 51° da Lei n.° 107/2009 de 14-09 que aprovou o regime processual aplicável às contraordenações laborais e de segurança social que «[s]e o
contrário não resultar da presente lei, a segunda instância apenas conhece da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões» (realce nosso).
No entanto, por força da primeira parte deste preceito legal conjugada com o art. 60° do mesmo diploma e este, por sua vez, com o art. 41° n.° 1 do Decreto-Lei n.° 433/82 de 27-10, diploma que aprovou o regime geral das contraordenações e coimas, importa considerar aqui o disposto no art. 410° n.° 2 do CPP ao estabelecer que «[m]esmo nos casos em que a
lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) a contradição insanável da .fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, c) Erro notório na apreciação da prova» (realce nosso).
Ora da decisão recorrida nada resulta que nos leve a considerar qualquer destas hipóteses.
Deste modo e porque a junção de tais documentos apenas se compreende num contexto de pretensão de alteração da matéria de facto considerada como provada pelo Tribunal a quo, alteração que esta 2a instância e pelas apontadas razões não pode proceder, não se mostra admissível a junção de tal documento nesta fase do processo, motivo pelo qual o mesmo aqui não será considerado.
Fundamentos de direito.
• Da não prática pela Arguida da contraordenação que lhe foi imputada e consequências daí decorrentes face à decisão recorrida.
Como resulta da motivação do recurso interposto pela Arguida, a mesma alega e conclui não ter praticado a contraordenação que lhe foi imputada nos presentes autos e pela prática da qual veio a ser condenada pela ACT no pagamento de uma coima no valor de € 3.060,00 (três mil e sessenta euros), correspondente a 30 UC, condenação que foi mantida pelo Tribunal a quo na decisão agora sob recurso.
Na verdade e em síntese, tendo sido imputada à Arguida L... - Artesanato e Decoração, Lda. a prática de uma contraordenação ao disposto no n.° 3 conjugado com a alínea e) do n.° 1, ambos do artigo 141° do Código do Trabalho, contraordenação considerada como grave nos termos do n.° 4 deste preceito legal, alega e conclui aquela que o contrato de trabalho a termo certo que celebrou no dia 25/09/2012 com a trabalhadora L..., pelo período de sete meses e que foi renovado por três vezes, respeitava integralmente o estabelecido na aludida norma do Código do Trabalho, já que nele se especificava devidamente o motivo justificativo da celebração desse tipo de contrato de trabalho, razão pela qual não cometeu a contraordenação que lhe foi imputada e pela qual veio a ser condenada.
Vejamos!
Estabelece o referido art. 141° n.° 1 do Código do Trabalho que «[oJ contrato de trabalho a termo está sujeito a forma escrita e deve conter:
a) Identificação, assinaturas e domicílio ou sede das partes;
b) Actividade do trabalhador e correspondente retribuição,
c) Local e período normal de trabalho;
d) Data de início do trabalho,
e) Indicação do termo estipulado e do respectivo motivo justificativo;
Datas de celebração do contrato e, sendo a termo certo, da respectiva cessação».
Estipula-se, por seu turno, no n.° 3 do mesmo preceito legal que «[p]ara efeitos da
alínea e) do n.° 1, a indicação do motivo justificativo do termo deve ser feita com menção expressa dos, factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado» e dispõe-se no n.° 4 que «[c]onstitui contra-ordenação grave a violação do disposto na alínea e) do n.° 1 ou no n.' 3».
Como decorre do disposto no art. 140° ainda do mesmo Código, a admissibilidade da contratação a termo certo verifica-se apenas quando estiverem em causa necessidades temporárias da empresa e pelo período estritamente necessário satisfação de tais necessidades, das quais são mero exemplo (nomeadamente) as que são indicadas no n.° 2 desse preceito legal, entre elas, a verificação de um acréscimo excecional de atividade da empresa [v. al. f) do referido n.° 2].
Posto isto, demonstrou-se que a Arguida prossegue atividades de comércio a retalho
de outros artigos para o lar, n. e. (não especificados, presume-se), em estabelecimentos
especializados (CAE 47593), tem sede no Edifício C..., Lote 1, 3.° C 2795-195 L... e local de trabalho na Loja 0.33 do Comercial Fórum Montijo sito na Zona Industrial do Pau Queimado, Rua da Azinheira, Afonsoeiro 2870-100 Montijo e contratou a trabalhadora L..., mediante a celebração de um contrato de trabalho a termo certo, por um período de sete meses, a tempo completo, para desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de Caixeiro Ajudante (v. pontos 1 e 6 dos factos provados).
Também se provou que, como justificação para a celebração daquele contrato a termo certo, a Arguida fez constar nele a seguinte menção: O presente contrato de trabalho subordinado é celebrado a termo certo (...), com ,fundamento no acréscimo excepcional de actividade da empresa, em virtude do lançamento de uma nova linha de produtos nos estabelecimentos comerciais da 1. ° Contratante, com a consequente necessidade de promoção, acompanhamento e desenvolvimento desses novos produtos na fase inicial de comercialização dos mesmos, mostrando-se a presente contratação necessária para reforçar temporariamente a equipa de vendedores do estabelecimento comercial da 1. ° Contratante sito em Montijo, no C. C. Fórum Montijo, Loja n.° 0.00, por forma a fazer face ao acréscimo excepcional e temporário de atividade que ali se verifica, e cuja duração se prevê ser de sete meses. (n.° 1 da cláusula quinta do contrato de trabalho a termo certo) (v. ponto 8 dos factos provados).
Provou-se ainda que a nova linha de produtos não tem uma designação específica e é objeto de lançamento em vários estabelecimentos da Arguida (v. ponto 10 dos factos provados).
Finalmente e ainda com interesse, demonstrou-se que de acordo com o registo pessoal da trabalhadora L... o contrato de trabalho renovou-se três vezes por iguais períodos, verificando-se a sua caducidade no dia 24/1/2015 (v. ponto 7 dos factos provados).
Escreve a Mma. Juíza do Tribunal a quo, a dado passo da decisão recorrida, que «[n]o caso em apreço a cláusula refere que a contratação por sete meses está conexa com o lançamento de uma nova linha de produtos. Desconhece-se qual é essa linha de produtos, e ainda que não tenha designação específica teria de ser descrita a sua caraterização, quais os produtos e sua natureza. Desconhece-se a razão do aumento de atividade exatamente por sete meses e não 6 ou 8, em que medida o mesmo é ou não excecional, pois eventualmente a linha manter-se-á após tal período. Seria necessário concretizar factualmente indicando quais os produtos da nova linha, que caraterísticas específicas apresentam, quais as concretas funções de promoção, acompanhamento e desenvolvimento dos novos produtos que serão desenvolvidas pela trabalhadora, juntando eventualmente brochura publicitária, ou estudo de marketing ou de mercado sobre tais novos produtos.
Assim, conclui-se no mesmo sentido que a ACT, pela falta de suficiente concretização da relação entre a contratação a termo por sete meses e o lançamento de nova linha de produtos que se desconhece».
De facto, uma empresa como a Arguida que tem por atividade, ou objeto social, o comércio a retalho de artigos para o lar n. e. (não especificados, presume-se) em estabelecimentos especializados, celebrar um contrato de trabalho a termo certo, pelo período de sete meses, com urna trabalhadora, invocando como motivo justificativo para tal o acréscimo excecional de atividade da empresa, em virtude do lançamento de uma nova Iinha de produtos, demonstrando-se que essa nova linha de produtos não tem uma designação específica, significando isto que tais produtos se encaixam perfeitamente naquilo que já faz parte ou do que constitui atividade ou objeto social da empresa Arguida, é algo que, convenhamos dizer, se nos afigura bastante vago ou genérico e que, em si, não permite nem ao trabalhador, nem à ACT e finalmente nem ao Tribunal compreender e fiscalizar devida e efetivamente, quais as razões ou fundamentos em que radica a necessidade da celebração de um tal tipo de contrato de trabalho.
Na verdade a invocação de uma tal motivo para a celebração do referido contrato de trabalho, não permite, por si só, estabelecer uma relação entre a justificação invocada e o termo estipulado. Repare-se, aliás, que tendo tal contrato sido celebrado por um termo ou período de 7 (sete) meses - porque não 6 (seis) ou 8 (oito) meses corno bem se questiona na decisão recorrida - se verifica que o mesmo foi depois renovado por mais três vezes, precisamente o número máximo de vezes legalmente permitido para a sua renovação (cfr. o disposto no n.° 1 do art. 148° do Código do Trabalho).
Não se mostra, pois, de todo, justificada a aposição do termo de sete meses no aludido contrato de trabalho a termo certo celebrado entre a Arguida e a referida trabalhadora L..., mostrando-se violado o disposto no n° 1 al. e) conjugado com o n° 3 do art. 141° do Código do Trabalho, o que constitui contraordenação grave nos termos do n.° 4 do mesmo preceito legal, pelo que, improcedendo as conclusões da motivação de recurso, quanto a essa parte não merece censura a decisão recorrida.
Da falta de ponderação pelo Tribunal a quo de circunstâncias atenuantes aplicáveis ao caso e consequente dever de alteração da medida da coima aplicada no caso de condenação da Arguida.
Na sua motivação de recurso, alega e conclui, em síntese, a Arguida que, a concluir-se que praticou a contraordenação em causa, a mesma apenas lhe poderá ser imputada a título de negligência por não ter atuado com o zelo e diligência que lhe era devida mas na convicção de estar a cumprir as exigências legais sobre a matéria, não tendo representado sequer como possível a prática da infração que lhe vem imputada.
Alega ainda que a sua culpa é diminuta, sendo certo que não retirou, nem pretendeu retirar, da prática da contraordenação qualquer benefício, patrimonial ou outro, factos que resultaram provados nos autos e que deveriam ter sido ser tomados em consideração como circunstâncias atenuantes, devendo a coima aplicada ser fixada em montante próximo do seu limite mínimo de € 1.530,00 (mil quinhentos e trinta euros) e não, como sucedeu, no montante de € 3.060,00 (três mil e sessenta euros), o qual se revela desadequado, por excessivo, pelo que deve ser substancialmente reduzido.
Ora, a este propósito e como resulta dos autos, quer na decisão administrativa, quer na prolação da decisão recorrida que a manteve, concluiu-se haver a Arguida praticado a mencionada contraordenação a título de negligência na medida em que atuou sem o cuidado que lhe era devido e de que era capaz (v. ponto 9 dos factos provados).
Quanto à circunstância de, com a sua atuação contraordenacional, a Arguida não ter retirado qualquer benefício patrimonial ou outro, contrariamente ao que a mesma alega, nada consta da matéria de facto provada. Não pode é a Arguida invocar aqui uma culpa diminuta na prática dos factos integradores da contraordenação por si praticada. Com efeito, dada a finalidade da contratação laboral a termo resolutivo a que já tivemos oportunidade de nos reportar anteriormente, não poderemos deixar de considerar grave, como aliás decorre da própria lei (n.° 4 do art. 141° do Código do Trabalho), a celebração de contratos de trabalho a termo em desrespeito das normas que regulam tal tipo de contrato no que concerne à motivação dos mesmos, para mais quando a infração dessas normas é levada a cabo por empresas que, pela sua dimensão e volume de negócios, deveriam ser escrupulosas no cumprimento de tais regras.
Isto leva-nos a considerar que a Arguida agiu com bastante negligência ao celebrar com a trabalhadora L... tal tipo de contrato mediante a justificação vaga ou genérica que nele surge invocada, como anteriormente se concluiu.
Ora, considerando o volume de negócios da Arguida referente ao ano de 2014, ou seja, € 49.967.983,00 (v. ponto 2 dos factos provados) e tendo em consideração o disposto no art. 554° n.° 3 al. e) do Código do Trabalho, verifica-se que a coima aplicável em caso de negligência pela prática de contraordenação grave varia entre um mínimo de 15 UC e um máximo de 40UC, razão pela qual, considerando a forte negligência da atuação da Arguida na prática da aludida contraordenação grave, entendemos como mais equilibrada a penalização da mesma com uma coima de 25 UC a que corresponde o valor de € 2.550,00 (dois mil quinhentos e cinquenta euros), até porque dos autos, mormente da matéria de facto provada, nada resulta em termos de anterior prática contraordenacional por parte da Arguida, alterando-se, pois, a decisão recorrida nessa parte.
Decisão
Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar o recurso parcialmente procedente, razão pela qual alterando a decisão recorrida condenam a Arguida L... - Artesanato e Decoração, Lda. a pagar uma coima no valor de 25 UC que corresponde a € 2.550,00 (dois mil quinhentos e cinquenta euros).
Custas a cargo da Arguida.
Fixa-se a taxa de justiça em 3 UC.
Lisboa, 2018-02-07
António Santos Feteira (relator)
Filomena Maria Moreira Manso