I - Quando as funções de que o trabalhador é incumbido (e que se obriga a realizar) no desenvolvimento das relações contratuais, correspondem a uma designação profissional com carácter normativo conferida pelo empregador e aceite (ainda que tacitamente) pelo trabalhador, será esta designação a que identifica a categoria profissional do trabalhador.
II - Embora não seja necessário que o trabalhador exerça todas as funções correspondentes a determinada categoria para que esta lhe seja reconhecida, o núcleo fundamental das funções efectivamente desempenhadas é o elemento decisivo na determinação da categoria.
III - Exercendo o trabalhador diversas actividades enquadráveis em diferentes categorias, a classificação deve fazer-se tendo em consideração aquele núcleo essencial ou a actividade predominante e, em casos de dúvida resultante de haver diversidade equilibrada de funções que se enquadram em várias categorias, a atracção deve fazer-se para a categoria mais favorável ao trabalhador.
IV - Reclamando o trabalhador uma categoria diversa da que lhe é atribuída pela empregadora, a ele compete o ónus de alegação e prova dos factos necessários a que seja reconhecida a categoria a que se arroga.
V - Nada obsta a que o subsídio de alimentação seja pago através de vales de refeição por acto unilateral do empregador.
Proc. 9178/17.3T8LSB.L1 4ª Secção
Desembargadores: Maria José Costa Pinto - Manuela Fialho - -
Sumário elaborado por Margarida Fernandes
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Processo n.° 9178/17.3T8LSB.L1
4.a Secção
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório
1.1. Cr... propôs a presente acção declarativa de condenação contra Ma... de Seguros e Re..., SA. pedindo que seja a Ré condenada:
a) A pagar à A. o trabalho suplementar no montante de 1.987,15 €,
b) A pagar à A. o montante das diferenças do subsidio por turnos 7.665, 64 €;
c) A pagar à A. as diferenças salariais no montante de 5.912, 25 €
d) A pagar à A. o subsídio de alimentação no montante de 741,15 € No total de valor 16.306,19 € acrescidos de juros à taxa legal .
Para tanto, alegou, em síntese: que trabalha desde 2011.11.22 para a Ré, primeiro através de dois contratos de trabalho temporário a..termo incerto titulados pela A... Recursos Humanos - Empresa de Trabalho Temporário e, depois, com um contrato a termo celebrado directamente com a Ré em 2012.10.29; que aqueles contratos de trabalho temporário e o contrato de trabalho celebrado directamente com a Ré têm que ser considerados como um único contrato, sendo a antiguidade considerada desde 2011.11.22; que prestou trabalho suplementar que a Ré não lhe pagou como tal; que tinha que ser enquadrada no nível IV e decorridos 2 anos no nível IX da tabela salarial, mas a Ré não a classificou correctamente pelo que lhe são devidas diferenças salariais por força da cláusula 14.E do CCT; que trabalhou por turnos pelo que tinha direito a receber 20/prct. sobre a retribuição devida e que a partir de 1 de Outubro de 2016 a Ré deixou de pagar o subsídio de turno com a alegação de que o CCT tinha cessado a sua vigência, o que não aconteceu; que a partir 1 de Maio de 2016 a Ré deixou de pagar o valor de subsídio de alimentação diário em pecuniário, impondo, unilateralmente, o pagamento através de cartão, pelo que também lhe são devidas diferenças salariais, e que é sócia do SINAPSA e às relações de trabalho aplica-se o Contrato Colectivo de Trabalho - Actividade Seguradora - publicado no BTE, n° 32, de 29 de Agosto de 2008 e n° 29 de 08 de Agosto de 2009.
Na contestação apresentada após a realização da audiência de partes, a R. veio alegar, em suma: que o contrato de trabalho que vigora, actualmente sem termo, foi celebrado a termo entre Autora e Ré em 2012.10.29; que aplicou a CCT da APS - Associação Portuguesa de Seguradores e o STAS - Sindicato dos Trabalhadores da Actividade Seguradora, publicado no BTE n.°2 de 2012 (CCT STAS) até 2015.03.27 quando foi informada da filiação da Autora no SINAPSA pois anteriormente a Autora não efectuou a escolha entre os dois instrumentos colectivos aplicáveis (CCT STAS e CCT STAS/SISEP/SINAPSA); que a APS foi extinta enquanto associação de empregadores pelo que caducou o CCT STAS/SISEP/SINAPSA, que a Ré deixou de aplicar a partir de Outubro de 2016; que as tarefas da Autora nunca poderiam corresponder ao nível IV e ao nível IX da tabela salarial do CCT; que nada deve de trabalho suplementar; que até 2015.03.27 não era aplicável à Autora o CCT STAS/SISEP/SINAPSA e o CCT STAS não determina qualquer regra de pagamento de subsídio de turnos; que a partir de Maio de 2016 a Ré decidiu passar a pagar a todos os trabalhadores parte do subsídio de alimentação através do cartão de refeição no valor diário de € 6,83 e a restante parte em numerário, por transferência bancária, de forma a cumprir o pagamento do valor total respeitante ao subsídio de alimentação, actualmente no valor de € 9,75, o que é lícito uma vez que este subsídio não constitui retribuição.
Foi fixado em € 16.306,19 o valor da acção, dispensada a audiência preliminar e proferido despacho saneador, não se procedendo à selecção da matéria de facto controvertida.
Uma vez realizado o julgamento e decidida em despacho autónomo a matéria de facto em litígio, o Mmo. Julgador a quo proferiu em 09 de Outubro de 2017 sentença que terminou com o seguinte dispositivo:
«Face ao exposto, decide julgar-se parcialmente procedente a presente acção interposta pela Autora Cr... contra a Ré Ma... de Seguros e Re..., SA e, consequentemente, mais se decide:
1) Condenar a Ré a pagar à Autora a quantia ilíquida de € 764,32 (setecentos e sessenta e quatro euros e trinta e dois cêntimos), a título de diferenças salariais relativas a subsídio/suplemento de turno, acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos desde 21/04/2017 até efectivo e integral pagamento, calculados à laxa legal de 4/prct. ou a outra que vier a ser legalmente fixada;
2) E absolver a Ré do demais contra si peticionado pela Autora.
Custas pela Ré na proporção de 1/20. Os outros 19/20 não são objecto de tributação por a Autor estar isenta de custas.
1.2. A A. inconformada interpôs recurso desta decisão, tendo formulado, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
1 - 0 tribunal a quo fez errada interpertação quando na subsunção do factos ao direito não aplicou o n° 6 da cláusula 8' do CCT CCT publicado no BTE n° 32 de 29/08/2008, outorgado entre a Associação Portuguesa de Seguradoras (APS), e os sindicatos STAS, SISEP, e SINAPSA (CCT APS/ STAS/SISEP/SINAPSA), que manda aplicar a remunração pelo nível mais elevado quando se desempenha funções de mais de uma categoria;
2 - A recorrente tem direito a ser classificada na carreira de escriturária conforme definição de funções previstas no Anexo III, ponto 2,22, do referido CCT.
3 - Tendo direito à carreira de Escriturária, deve ser integrada no nivel IX, e consequência serrem-lhe pagas as diferenças salariais devidas , bem como os valores de subsidio de turno.
4 - A Recorrida alterou, unilateralmente o subsidio de refeição da Recorrente afectando deste modo o direito da formação da pensão de reforma desta e eventuais prestações sociais de doença e desemprego.
5 - A Recorrida não pode modificar unilateralmente os montantes do subsidio de refeição sujeitos a IRS e TSU sem o acordo da Recorrente, por os montantes não isentos de tribuatção são retribuição e enquanto tal tem a mesmo protecção devida à retribuição nos termos previstos no Código de Trabalho aprovado pelo Lei 7/2009, de 12 de fevereiro.
Termos em deve ser proferido Acórdão substitua a sentença proferida pelo tribunal a quo por a decisão proferida não estar em conformidade com uma correcta interpretação do direito.
1.3. Respondeu a R. pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida. Concluiu do seguinte modo:
- A ora Recorrente peticiona diferenças salariais e valores de subsídio de turno com base na indicação de um nível salarial superior àquele que é pago pela Recorrida a todos os seus trabalhadores que desempenham funções idênticas.
2.a - Fá-lo sem: i) identificar a categoria em concreto que entende corresponder ao nível salarial indicado; ii) alegar sequer o descritivo funcional da categoria que entende corresponder-lhe; iii) peticionar a reclassificação em qualquer categoria concreta.
3.a - Só pela falta de alegação a pretensão da Recorrente, respeitante à categoria profissional, terá sempre e necessariamente que ser improcedente.
4.a - E não procede o argumento da Recorrente agora invocado em sede de alegação de recurso de que, tendo peticionado as diferenças salariais estaria implícito que reclamava também o direito à sua reclassificação. Não existe no direito processual do trabalho e no direito processual civil a figura dos pedidos implícitos. É aliás requisito da petição inicial a formulação do pedido (Cfr. artigo 552.° n.° 1 alínea e) do Código de Processo Civil) sendo o mesmo a baliza da sentença a proferir, excepto nos casos absolutamente excepcionais do artigo 74.° do Código de Processo do Trabalho em que está prevista a condenação extra vel petitum, a qual apenas é admissível quando estão em causa preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, o que não se aplica ao peticionado no caso sub júdice.
5.a - Não podia a douta sentença recorrida e bem assim não poderá o douto acórdão que vier a ser produzido em sede do presente recurso ora interposto, condenar a Recorrida em pedido diverso daqueles que resultam dos listados pela Recorrente nas alíneas a) a d) do pedido formulado na respectiva petição inicial, pelo que nunca poderia condenar a Recorrida à reclassificação da Recorrente em categoria diversa, não tendo tal sido por si peticionado.
6.a - Neste sentido, veja-se, entre muitos outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09.10.2014 (Processo n.° 174113.OTTCBR.C1, relator Jorge Loureiro), onde pode ler-se no respectivo sumário: 1- Cessado um contrato de trabalho, o direito a uma dada categoria profissional e os créditos de um dado trabalhador decorrentes das diferenças entre os salários efectivamente recebidos e aqueles que o deveriam ter sido correspondem, justamente, a direitos que tendo existência necessária não são, todavia, de exercício necessário. II - Nessa medida, tais direitos não estão abrangidos pela faculdade legal excepcional consagrada no art° 74° do CPT.
7.a - Ainda assim, a sentença recorrida recorrendo ao acervo de factos dados como provados tendo em conta os factos admitidos como assentes por acordo das então Autora e Ré e bem assim a prova produzida na audiência de julgamento - e que a Recorrente não coloca em causa nas suas alegações - decidiu que: impõe necessariamente concluir-se que não assiste qualquer razão à Autora na sua pretensão de que exerceu ou exerce funções correspondentes à categoria profissional de «escriturário estagiário» ou à categoria profissional de ((escriturário».
8.a - Ou seja, a sentença recorrida ainda assim, tendo em conta os factos dados como provados, em sede de fundamentação, decidiu que não assiste qualquer razão à Autora, ora Recorrente, na sua pretensão de lhe ver reconhecida a categoria de escriturária.
9.a - E fê-lo porque ficou cabalmente demonstrado que a Recorrente tem como núcleo essencial de funções, funções não coincidentes com o descritivo funcional da pretendida categoria normativa de escriturária, de acordo com os factos provados nos números 5, 7, 31 a 36 da matéria de facto dada como provada.
10.° - Ficou também provado que a Recorrente realiza também as respectivas tarefas administrativas, tal como aliás consta do descritivo das funções acordadas na celebração do contrato de trabalho celebrado entre as partes (Cfr. cláusula 1.1. do contrato de trabalho junto como documento n.° 5 à petição inicial da Recorrente, a fls. dos presentes autos).
11.a - Dúvidas não existiram para o Tribunal a quo de que as funções administrativas executadas pela Recorrente eram residuais e dependentes das nucleares, não correspondendo estas ao núcleo do descritivo funcional e normativo estabelecido para a categoria de escriturário.
12.a - Ora, caso assim não fosse, chegaríamos ao absurdo de que sempre que qualquer trabalhador, com categoria diversa de escriturário, efectuasse acessoriamente às suas funções quaisquer funções administrativas, teria direito à reclassificação na categoria de escriturário. Em concreto, caso um trabalhador que tenha a categoria normativa de cobrador (por referência ao instrumento de regulamentação colectiva cuja aplicação é reclamado pela Recorrente) que tem como conteúdo funcional a cobrança de recibos e de prémios de seguros ou de quaisquer valores [...], tenha que realizar um reporte diário e mensal dos prémios cobrados e enviar um email, ou produzir uma carta, ou reenviar os recibos para outra área da empresa, então teria direito a ser classificado na categoria de escriturário uma vez que desempenha tarefas administrativas...
13.a - Quando a sentença refere que é entendimento pacífico o reconhecimento da categoria normativa do trabalhador tendo em conta o conteúdo funcional que mais se aproxima do tipo de tarefas concretamente desempenhadas e por referência ao núcleo essencial das funções predominantemente exercidas pelo trabalhador, fá-lo de facto com o conforto de ser esse mesmo o entendimento uniforme da jurisprudência. A este propósito vejamse os seguintes acórdãos 6 : Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09.10.2013 (Processo n.° 961/09.4TTVNG.PI.S1, relator António Leones Dantas); Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15.02.2012, (Processo n.° 4517/04.Ottlsb.L1.S1, relator Sampaio Gomes); Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30.01.2013 (Processo n.° 77/06.5TTLSB,LI.S1, relator António Leones Dantas); Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17.03.2010 (Processo n.° 435/09.3YFLSB, relator Sousa Grandão); Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14.05.2008 (Processo n.° 1650/2008-4, relator Ferreira Marques); Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 02.03.2017 (Processo n.° 2184/15.4T8MAI.P1, relator Jerónimo Freitas).
14.a - Ora o Tribunal a quo não ponderou sequer a subsunção dos factos à cláusula 8ª número 6 do CCT publicado no BTE n.° 32 de 29/08/ porque a mesma ficou claramente prejudicada pela fundamentação da douta sentença respeitante à categoria profissional da Recorrente.
15.a - Ficando provado que o núcleo essencial das funções da Recorrente eram funções que não cabiam no descritivo funcional normativo da categoria de escriturário e que as funções administrativas eram meramente acessórias daquelas, não tem a citada cláusula a virtualidade de permitir a classificação da Recorrente numa categoria relativamente à qual não são desempenhadas a totalidade das funções correspondentes ao respectivo descritivo funcional, sendo as mesmas exercidas meramente a título acessório e dependente das primeiras.
16.a - A Recorrente admitiu por acordo o conteúdo essencial das suas funções, constante dos factos assentes sob os números 31 a 36 da matéria de facto dada como provada, como sendo funções de atendimento telefónico com vista à prestação de assistência aos segurados, e não alegou ou sequer provou (como lhe competia), factos que se subsumissem à aplicação daquela norma. Como pretende a Recorrente defender que desempenha a totalidade das funções correspondentes a diversas categorias se nem alegou na sua petição inicial quais ou porquê?
17.a - Por último, sempre se dirá que a ratio do referido preceito é a de remunerar pelo nível salarial mais elevado casos de desempenhos funcionais de trabalhadores que executem cabalmente e como núcleo essencial funções respeitantes a várias categorias, pelo que também na interpretação deste preceito nunca poder-se-ia deixar de parte o enquadramento dado pela jurisprudência sobre a classificação das funções desempenhadas por um trabalhador em determinada categoria normativa atendendo ao núcleo essencial das funções que efectivamente exerce.
18.a - A este respeito e neste sentido, e ainda perfeitamente actual o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21.02,2001 (Processo n.° 0089834, relator Seara Paixão)7, no qual se pode ler o seguinte: Exercendo o trabalhador diversas actividades subsumíveis a diferentes categorias, a sua classificação deve efectuar-se atendendo ao núcleo essencial das funções desempenhadas, ou à actividade predominante, ou, havendo diversidade equilibrada deve atender-se à mais favorável ao trabalhador. (sublinhados e sombreados nossos).
19.a - Só pode improceder a pretensão da Recorrente quando às diferenças salariais e subsídio de turno, uma vez que, tal como configurados em sede conclusões das respectivas alegações, a mesma depende do reconhecimento do direito à classificação na categoria normativa de escriturária o que, como vimos supra não foi peticionado e, ainda que fosse, não lhe assiste conforme demonstrámos supra, como também porque, sem conceder, nunca lhe assistiria o direito ao subsídio de turno em relação à totalidade do período peticionado porque relativamente a grande parte do mesmo concluiu o Tribunal a quo não se aplicar o instrumento de regulamentação colectiva cuja aplicação a Recorrente reclamou na sua petição inicial e no qual vem prevista a retribuição respeitante ao desempenho de trabalho por turnos (cfr. capítulo B) da sentença respeitante ao IRCT aplicável).
20.° - Não têm a natureza de retribuição as importâncias auferidas a titulo de subsídio de refeição, conforme artigo 260.° n.° 1 alínea a) e n.° 2 do Código do Trabalho.
21.a - Apenas poderia o subsídio de refeição ser considerado retribuição se fosse pela Recorrente ilidida a presunção legal quanto à respectiva natureza não retributiva do mesmo (ou de parte dele) caso fosse alegado e provado que i) o montante abonado a este título excede os respectivos montantes normais, ii) tenha sido previsto no contrato ou iii) se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição da Recorrente, o que não aconteceu.
22.a - 0 valor do subsídio de refeição excedente ao valor sujeito à isenção de IRS e TSU não é retribuição para efeitos da qualificação do artigo 260.° do Código do Trabalho e para efeitos da aplicação do princípio da irredutibilidade da retribuição porquanto a mesma por si só não ilide a presunção legal do carácter não retributivo do subsídio de refeição.
23.a - 0 valor de €9,75 - actualmente de €10,00 - objectivamente não excede o valor normal de uma refeição, pelo que mesmo tentando, o que não fez, não lograria a Recorrente provar o contrário.
24.a - Não sendo o subsídio de refeição retribuição em sentido técnico jurídico, podia a Recorrida pagar tal subsídio através do cartão de refeição, não sendo aplicável a limitação do artigo 276.° n.° 1 do Código do Trabalho.
25.a - 0 pagamento do subsídio de refeição em cartão tendo como referência um valor monetário, não deixa de ter natureza pecuniária, pelo que também neste sentido nunca existiria a limitação constante do artigo 129.° n.° 1 alínea d) do Código do Trabalho.
26.a - Neste contexto e tendo em conta o enquadramento legal efectuado sobre o subsídio de refeição, improcede claramente o argumento da Recorrente no sentido de que a alteração da forma de pagamento do subsídio de refeição significa a diminuição do seu direito à formação da pensão de reforma e eventuais prestações de doença e desemprego, porquanto não tendo o excesso do valor do subsídio natureza de retribuição, também não se verificaria qualquer violação do princípio da irredutibilidade da retribuição, o qual, efectivamente, não se verifica no caso em apreço.
27.a - A argumentação já aduzida pela ora Recorrida na sua contestação foi confirmada pela douta sentença recorrida que acolheu na integra a fundamentação exaustiva do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 03.04.2014 (Processo n.° 601/13,7TTVIS.C1), indicado pela Recorrida na sua contestação, tendo a mesma sido acolhida em subsequentes decisões dos tribunais superiores.
28.a - Assim e mais recentemente, a título de exemplo, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 15.03.2016 (Processo n.° 470/15.2T8VNF.G1).
29.a - Entende a Recorrida que é inegável e dúvidas não restam que a douta sentença recorrida não merece qualquer reparo ou censura no que respeita ao mérito da decisão proferida sobre as questões levantadas no presente recurso.
1.4. O recurso foi admitido por despacho de fls. 325.
1.5. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se, em parecer que não mereceu resposta das partes, no sentido de ser negada a apelação.
Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre decidir.
2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente - artigos 635.°, n.° 4 e 639.°, n.°s 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.° 41/2013, de 26 de Junho, aplicável ex vi do art. 87.°, n.° 1, do Código de Processo do Trabalho -, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber:
1.ª - se a A., ora recorrente, tem direito a ser classificada na carreira de escriturária conforme definição de funções da Convenção Colectiva de Trabalho entre a APS (Associação Portuguesa de Seguradores) e os Sindicatos STAS, SIe SINAPSA, com o correspondente direito a diferenças salariais e de subsídio de turno;
2.a - se a recorrente tem direito a retribuição pelo nível mais elevado nos termos da cláusula 8.a, n.° 6 dessa CCT por desempenhar funções de mais do que uma categoria;
3.ª -se a R., ora recorrida, procedeu ilicitamente ao passar a pagar parte dos valores anteriormente pagos a título de subsídio de refeição através do cartão de refeição no valor diário de € 6,83 e a restante parte em numerário, por transferência bancária.
Mostra-se definitivamente assente nos autos que:
- entre 22 de Novembro de 2011 e 28 de Outubro de 2012, existiu uma relação contratual de natureza labora] entre a Autora e a empresa A... (ainda que integrada por dois contratos de trabalho temporário);
- a partir de 29 de Outubro de 2012, passou a existir uma relação contratual de natureza laboral entre a Autora e a Ré (inicialmente integrada por um contrato de trabalho a termo certo, mas que pelo tempo já decorrido, se converteu em contrato sem termo), sendo a antiguidade da A. ao serviço da R. reportada a 29 de Outubro de 2012.
Foi ainda decidido pela sentença da 1.a instância, sem que qualquer das partes o tenha questionado, sendo que - igualmente na nossa perspectiva - corresponde a uma correcta aplicação do regime jurídico sobre a aplicabilidade dos instrumentos de regulamentação colectiva aos factos provados, que à relação jurídica laborai entre as partes se aplicaram sucessivamente:
- no período de 29 de Outubro de 2012 a 01 de Abril de 2013, a CCT APS/ STAS/SISEP/SINAPSA publicado no BTE n° 32 de 29 de Agosto de 2008, outorgado entre a Associação Portuguesa de Seguradoras (APS), e os sindicatos STAS, SISEP, e SINAPSA
- no período de 02 de Abril de 2013 a 26 de Março de 2015, a CCT APS/ STAS publicado no BTE n° 2 de 15 de Janeiro de 2012, outorgado entre a APS e o sindicato STAS2; e
- a partir de 27 de Março de 2015, a primeiramente referida CCT APS/ STAS/SISEP/SINAPSA.
É pois neste quadro que se enfrentarão as questões colocadas na apelação.
3. Fundamentação de facto
1) Na data de 22/11/2011, a A... Recursos Humanos - Empresa de Trabalho Temporário, Lda e a Ré Mp..., Compania Internacional de Seguros e Re..., SA, na qualidade de «Utilizador», subscreveram o escrito particular denominado «CONTRATO DE UTILIZAÇÃO DE TRABALHO TEMPORÁRIO», cuja cópia consta de fls. 184 e 185 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual está consignado: «... TRABALHADOR TEMPORÁRIO NOME: Cr...... MOTIVO DO RECURSO:...
Actividade Sazonal ou outra cujo ciclo anual de produção apresente irregularidades decorrentes da natureza estrutural do respectivo mercado, incluindo o abastecimento de matéria-prima. FUNDAMENTO: Motivado pela realização de diversas campanhas Inbound e Outbound da MA... que apresentam irregularidades sazonais, não se podendo de momento prever o final da missão... LOCAL DE TRABALHO: Avenida da Liberdade 40, 6°, 1250-145 LISBOA. PROFISSÃO/CATEGORIA PROFISSIONAL: Operador(a) Call Center. FUNÇÕES: Atendimento e realização de contactos telefónicos com o objectivo de prestar assistência a clientes... Termo Incerto DATA DE INICIO: 22/11/2011... VENCIMENTO BASE ILÍQUIDO: 639,18 €/Mês... N°HORAS: 173,33 Horas/Mês...».
2) Na data de 06/09/2012, a A... Recursos Humanos - Empresa de Trabalho Temporário, Lda remeteu à Autora, e esta recebeu, a carta cuja cópia consta delis. 16 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, na qual está consignado «... Serve a presente para comunicar a nossa vontade de fazer cessar o contrato de trabalho a termo incerto, celebrado entre esta empresa e V. Exa., no passado dia 22-11-2011, sendo o último dia de trabalho o próximo dia 20-09-2012, em virtude da cessação da causa justificativa que o motivou... data a partir da qual deixará de prestar a sua actividade...».
3) Na data de 21/09/2012, a A... Recursos Humanos - Empresa de Trabalho Temporário, Lda e a Ré, na qualidade de «Utilizador», subscreveram o escrito particular denominado «CONTRATO DE UTILIZAÇÃO DE TRABALHO TEMPORÁRIO», cuja cópia consta de fls. 186 e 187 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual está consignado: « ... TRABALHADOR TEMPORÁRIO NOME: Cristina Helena Torres Anzil... MOTIVO DO RECURSO:... Actividade Sazonal ou outra cujo ciclo anual de produção apresente irregularidades decorrentes da natureza estrutural do respectivo mercado, incluindo o abastecimento de matéria-prima. FUNDAMENTO: Motivado pela realização de diversas campanhas Inbound e Outbound da MAPFRE ASISTENCIA que apresentam irregularidades sazonais, não se podendo de momento prever o final da missão... LOCAL DE TRABALHO: Avenida da Liberdade 40, 6°, 1250-145 LISBOA. PROFISSÃO/CATEGORIA PROFISSIONAL: Operador(a) Call Center. FUNÇÕES: Atendimento e realização de contactos telefónicos com o objectivo de prestar assistência a clientes... Termo Incerto DATA DE INICIO: 21/09/2012... VENCIMENTO BASE ILÍQUIDO: 639,18 e/Mês... N°HORAS: 173,33 Horas/Mês... ».
4) Na data de 28/09/2012, a A... Recursos Humanos - Empresa de Trabalho Temporário, Lda remeteu à Autora, e esta recebeu, a carta cuja cópia consta de fls. 18 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, na qual está consignado «... Serve a presente para comunicar a nossa vontade de fazer cessar o contrato de trabalho a termo incerto, celebrado entre esta empresa e V. Exa., no passado dia 21-09-2012, sendo o último dia de trabalho o próximo dia 28-10-2012, em virtude da cessação da causa justificativa que o motivou... data a partir da qual deixará de prestar a sua actividade... ».
5) Na data de 29/10/2012, a Ré, na qualidade de «Empregador» e a Autora, na qualidade de «Trabalhador», subscreveram o escrito particular denominado «CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO», cuja cópia consta de fls. 19 a 25 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual está consignado: «... E celebrado e reciprocamente aceite o presente contrato de trabalho a termo certo (Contrato'), que se regerá pelas cláusulas seguintes: 1. Categoria e funções 1.1 Pelo presente Contrato o Empregador admite ao seu serviço o Trabalhador, o que este aceita, para, sob sua autoridade e direcção, e com zelo e diligência, exercer as funções de Operador de Assistência e de Call Center, o que compreende, nomeadamente, o atendimento e a realização de contactos telefónicos com o objectivo de prestar assistência a clientes em diferentes idiomas e a realização das respetivas tarefas administrativas... 2. Retribuição 2.1 O Trabalhador auferirá, sujeito aos descontos legais, uma retribuição mensal no valor de Euros 655,16 (seiscentos e cinquenta e cinco Euros e dezasseis cêntimos), a que poderá acrescer um complemento de função de valor variável, tendo em conta o nível de desempenho e de cumprimento dos objetivos - estabelecidos em função da assiduidade, trabalho em equipa e disponibilidade horária do Trabalhador - que em cada momento sejam fixados pelo Empregador... 2.4 O Trabalhador auferirá subsídio de almoço no valor diário de Euros 9,25 (nove euros e vinte cinco cêntimos) por cada dia de trabalho efectivamente prestado, o qual será pago mensalmente. 3. Período e horário de trabalho 3.1 O período normal de trabalho semanal é de 40 horas por semana, e de 8 horas por dia, em termos médios, de acordo com o regime de adaptabilidade previsto no Código do Trabalho.... 3.3 O tempo de intervalo de descanso do período normal de trabalho diário não será inferior a uma hora, nem superior a duas horas, salvo acordo escrito em contrário.... 4. Local de Trabalho 4.1 O Trabalhador prestará a sua actividade na sede do Empregador, sita na Avenida da Liberdade, n° 40, 1.0/2.0/50/6° andar, em Lisboa, e realizará todas as deslocações, dentro do país ou no estrangeiro, necessárias ou convenientes ao exercício das suas funções ou indispensáveis à sua formação profissional, quando para tal solicitado pelo respectivo superior hierárquico...».
6) Por força do referido em 1), 3) e 5), a Autora desenvolveu a sua actividade para a Ré desde 22/11/2011.
7) A Autora desempenha, pelo menos, as seguintes tarefas: presta assistência em viagem aos clientes as empresas Ma... - Companhia de Seguros, SA nas áreas de saúde e médica e sempre que é contactada pelos segurados daquela companhia, sempre que é contactada pelos segurados para prestar assistência verifica se a apólice de seguro está valida e se cobre o serviço a prestar, em diversos idiomas, mas predominantemente no idioma espanhol.
8) Para além das referidas em 7), a Autora realiza também as respectivas tarefas administrativas,
9) E, no âmbito daquela assistência, a Autora atribui prestadores de serviços aos clientes e garante o pagamento dos custos desses prestadores segundo a apólice do cliente e faz encaminhamento de relatórios médicos, quer para aquivo no processo de cada cliente, quer para a equipa médica da Ré.
10) A Autor recebe de salário 885,81 € mensal, de subsídio de trabalho nocturno de valor variável mensalmente, subsídio de alimentação diário de 10,00 € e subsídio complemento de idioma no valor de 60,00 € mensais.
11) A Autora trabalha 35 horas semanais, sendo que o horário da Autora, actualmente, está organizado da seguinte forma: entrada às 22,30 horas e saída às 7,30 horas, em 5 dias de trabalho seguidos de 5 dias de descanso.
12) Entre 22/11/2011 e Outubro de 2012, a Autora trabalhou 40 horas semanais.
13) No ano de 2011, a Autora recebeu, a título de salário, as quantias de €118, 118,00 em Novembro e € 118, 00 em Dezembro, e recebeu, a título de subsidio de férias e natal, a quantia de € 61,94.
14) No ano de 2012, a Autora recebeu, a título de salário, as quantias de € 619,51 em Janeiro, € 678, 51 em Fevereiro, € 590,01 em Março, € 590, 01 em Abril, € 531,01 em Maio, € 501,01 em Junho, € 678, 51 em Julho, € 560, 51 em Agosto, € 590,01 em Setembro, € 549,45 em Outubro, € 655,16 em Novembro, e € 655,16 em Dezembro, recebeu, a título de subsídio de férias, a quantia de € 649, 59, e recebeu, a título de subsídio de natal, a quantia de € 645, 00.
15) No ano de 2013, a Autora recebeu, a título de salário, as quantias de € 655,16 em Janeiro, € 655,16 em Fevereiro, € 655,16 em Março, € 842, 58 em Novembro, e € 842,58 em Dezembro, recebeu, a título de subsídio de férias, a quantia de € 842,58, e recebeu, a título de subsídio de natal, a quantia de € 842, 58.
16) No ano de 2014, a Autora recebeu, a título de salário, a quantia de € 842,58 em cada um dos 12 meses, recebeu, a título de subsídio de férias, a quantia de € 842, 58, e recebeu, a título de subsídio de natal, a quantia de € 842, 58.
17) No ano de 2015, a Autora recebeu, a título de salário, as quantias de € 842,58 em Janeiro, € 842, 58 em Fevereiro, € 842,58 em Março, € 885, 81 em Abril, € 885,81 em Maio, € 885,81 em Junho, € 885, 81 em Julho, € 885, 81 em Agosto, € 885,81 em Setembro, € 885,81 em Outubro, € 885,81 em Novembro, e € 885,81 em Dezembro, recebeu, a título de subsídio de férias, a quantia de € 885,81, e recebeu, a título de subsídio de natal, a quantia de € 885, 81.
18) No ano de 2016, a Autora recebeu, a título de salário, a quantia de € 885, 81 em cada um dos 12 meses, recebeu, a título de subsídio de férias, a quantia de € 885, 81, e recebeu, a título de subsídio de natal, a quantia de € 885, 81.
19) No ano de 2011, a Autora recebeu, a título de subsídio de turno, a quantia de € 35,52 em Dezembro.
20) No ano de 2012, a Autora recebeu, a título de subsídio de turno, as quantias de € 124,32 em Janeiro, € 136,16 em Fevereiro, € 118,40 em Março, € 130,24 em Abril, € 106,56 em Maio, € 100,64 em Junho, € 136,16 em Julho, € 112, 48 em Agosto, e €118, 118,40 em Setembro.
21) A partir de 1 de Outubro de 2016, a Ré deixou de pagar à Autora o subsídio de turno.
22) Em Outubro de 2016, a Autora reclamou à Ré da falta de pagamento do subsídio de turno.
23) Em Maio de 2016, o subsídio diário de refeição era no valor de € 9, 75.
24) A partir de Maio de 2016 a Ré decidiu passar a pagar a todos os trabalhadores, incluindo a Autora, parte do subsídio de alimentação através do cartão de refeição no valor diário de € 6,83 e a restante parte em numerário, por transferência bancária, de forma a cumprir o pagamento do valor total respeitante ao subsídio de alimentação.
25) A Autora reclamou contra o pagamento em cartão referido em 24).
26) A Autora é sócia do SINAPSA - Sindicato Nacional dos Profissionais de Seguros e Afins, desde Fevereiro de 2014.
27) A Ré foi informada da filiação da Autora no SINAPSA no dia 27.03.2015, tendo o SINAPSA remetido através comunicação datada de 25.03.2015 a respectiva autorização do desconto da quota sindical da Autora.
28) Até à data referida em 27), a Ré sempre aplicou à Autora o Contrato Colectivo de Trabalho entre a APS - Associação Portuguesa de Seguradores e o STAS - Sindicato dos Trabalhadores da Actividade Seguradora, publicado no Boletim do Trabalho e do Emprego n°2, de 15/01/2012 (CCT STAS').
29) A Autora não comunicou à Ré qualquer a escolha nos termos e para os efeitos do n°2 do art. 482° do Código de Trabalho.
30) Em 27/09/2016, a Ré informou os seus trabalhadores filiados no SINAPSA, incluindo a Autora, que iria deixar de aplicar o CCT STAS,SISEP.;SIN-IPSA a partir de Outubro de 2016, nos termos que constam do escrito particular delis. 190 e 191 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
31) As funções da Autora consistem no atendimento telefónico de clientes da Ré, cada vez que esses mesmos clientes necessitassem de uma determinada prestação de serviços no país em que se encontrassem,
32) Seguindo, em regra, as indicações dadas pelo sistema informático da Ré, tendo em conta a localização geográfica do cliente e a respectiva apólice de seguro,
33) Sendo que, em regra, esse sistema informático indica, automaticamente, qual o prestador de serviços a atribuir ao cliente.
34) Cabendo-lhe depois promover o contacto entre o cliente e o prestador de serviços atribuído em concreto à satisfação da necessidade em apreço.
35) As tarefas da Autora] são realizadas através do contacto telefónico, sendo que, relativamente aos prestadores, também são realizadas por email ou fax.
36) Compete à Autora atender e responder a chamadas telefónicas, registar informações, aconselhar, fazer a ligação entre o cliente e os prestadores de serviços em concreto melhor posicionados para satisfazer a necessidade do cliente.
37) A alteração referida em 24) foi comunicada pela Ré a todos os trabalhadores, incluindo a Autora, nos termos que constam do email de fls. 192 a 194 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
Estes os factos a atender para a decisão da apelação, urna vez que não foi nela impugnada a decisão de facto.
4. Fundamentação de direito.
4.1. A primeira questão que se coloca à apreciação deste tribunal de recurso consiste em aferir se a A., ora recorrente, tem direito a ser classificada na carreira de escriturária conforme definição de funções da Convenção Colectiva de Trabalho entre a APS (Associação Portuguesa de Seguradores) e os Sindicatos STAS, SIe SINAPSA, publicada no Boletim do Trabalho e Emprego n.° 32 de 29 de Agosto de 2008, com o correspondente direito a diferenças salariais e de subsídio de turno.
A apelante sustenta que tem direito a ser classificada na carreira de escriturária conforme definição de funções previstas no Anexo III, ponto 2,22, da referida Convenção Colectiva de Trabalho e que, tendo direito a tal carreira, deve ser integrada no nível IX e serem-lhe pagas as diferenças salariais devidas na retribuição e no subsídio de turno, relativamente aos valores inferiores que auferiu a esses títulos.
A sentença sob censura, a este propósito, teceu doutas considerações sobre o regime jurídico da categoria profissional e analisou os factos provados, bem como os descritivos das categorias de escriturário-estagiário e de escriturário constantes da Convenção Colectiva de Trabalho APS/STAS, SISEP, SINAPSA (sendo que o CCT/SATS não prevê sequer estas categorias), após o que afirmou o seguinte (excluem-se as notas de rodapé):
Ora, constituindo entendimento pacífico que ao trabalhador deve ser reconhecida a categoria cujo conteúdo funcional se aproximar mais do tipo de tarefas concretamente desempenhadas, por referência ao núcleo essencial das funções predominantemente exercidas pelo trabalhador, e não por funções que exerça a título complementar ou acessório, e tendo em consideração que para a integração em determinada categoria não é necessário que o trabalhador desempenhe todas as funções ou tarefas constantes da descrição da mesma, então o reconhecimento da categoria profissional deve fazer-se por semelhança ou aproximação, buscando-se a categoria profissional cuja descrição normativa mais se aproxime do núcleo essencial das funções efectivamente exercidas pelo trabalhador sendo que, caso tais funções possam subsumir-se a mais do que unia categoria, com igual grau de aproximação, o trabalhador deve ser integrado na categoria mais elevada, e verificando-se que o núcleo essencial das funções desempenhadas pela Autora consistem no atendimento telefónico de clientes que necessitam de uma determinada prestação de serviços no país em que se encontram, seguindo, em regra, as indicações dadas pelo sistema informático da Ré (quer para localização geográfica do cliente e respectiva apólice de seguro, quer para a atribuição do prestador de serviços ao cliente), promovendo posteriormente o contacto entre o cliente e o prestador de serviços, sendo tudo isto realizado predominantemente por contacto telefónico, então as tarefas administrativas que realiza mostram-se apenas como meramente residuais estando directamente interligadas com uma sequência daquelas tarefas nucleares, mostra-se inviável concluir que a Autora desempenhou ou desempenha funções que integram o núcleo essencial das funções que integram o descrito funcional daquelas supra referida categorias de «Escriturário Estagiário» ou «Escriturário» (saliente-se que, embora não exista no CCT APS/ STAS, SISEP, SINAPSA a categoria de operador de call center, em regra, o descrito funcional deste consiste em funções de atender e responder chamadas telefónicas, registar informações, aconselhar, fazer a ligação entre o cliente e os meios de socorro, o que tudo se situa num campo completamente distinto daquelas outras duas categorias).
Por conseguinte e sem necessidade de outras considerações, impõe necessariamente concluir-se não assiste qualquer razão à Autora na pretensão de que exerceu ou exerce funções correspondentes à categoria profissional de «escriturário estagiário» ou à categoria profissional de «escriturário».
Vejamos.
4.2. Deve começar por se dizer que, ao invés do que veio defender a recorrida, nada obsta, a nosso ver, a que numa acção judicial se reconheça a um trabalhador o direito a diferenças salariais por dever ao mesmo ser reconhecida determinada categoria profissional que o empregador indevidamente não lhe atribuiu, desde que o trabalhador peticione claramente a condenação do empregador no seu pagamento e alegue - e prove - os factos necessários ao reconhecimento daquela categoria profissional.
Como elemento identificador da acção, o pedido consiste, segundo a definição dada pelo artigo 581.°, n° 3, do Código de Processo Civil, na concretização do efeito jurídico que se pretende obter com a mesma, conforme se prevê nas várias alíneas do n.° 3, do artigo 10.° do mesmo código.
É em função do pedido formulado nos termos do artigo 552.°, n.° 1, alínea e), que se fixam os limites da condenação, porquanto a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir, nos termos do estipulado pelo artigo 608°, n° 2 do Código de Processo Civil, sob pena de incorrer na nulidade prevista no artigo 615°, n° 1, e) do mesmo Código.
Mas no pedido de condenação em diferenças salariais com fundamento na violação do direito à categoria profissional, por errada atribuição de uma categoria profissional que se alegue ser de nível inferior à que devia ser reconhecida, reúnem-se dois juízos: um de apreciação (implícito) e outro de condenação (explícito). O Tribunal não pode condenar o empregador nas peticionadas diferenças sem que antes se certifique da existência do direito do demandante à reclassificação, sendo a apreciação um prius lógico face à condenação, não gozando de total independência.
Assim, a despeito de a recorrente não ter expressamente formulado na sua petição inicial o pedido de reconhecimento da categoria profissional, cremos que pode ele ser considerado como um pedido implícito, face ao pedido de condenação nas inerentes diferenças salariais com fundamento naquele alegado reconhecimento, embora a inversa já não seja verdadeira, ou seja, a admissibilidade de se considerar subentendido o pedido de condenação no pagamento das diferenças que, por sua natureza, deve ser explícito, com base na mera formulação do pedido de reconhecimento do direito à categoria profissional.
Entendemos, pois, que inexiste o obstáculo processual apontado nas conclusões das contra-alegações da recorrida, pois se a recorrente reclamou as diferenças salariais (para o nível IX), também reclamava, pelo menos implicitamente, o direito à reclassificação que constituía pressuposto daquele direito pecuniário, sem necessidade sequer de lançar mão da faculdade excepcional de condenação além do pedido prevista no artigo 74.° do Código de Processo do Trabalho.
Nas mesma águas navegou a sentença sob recurso na medida em que não deixou de notar que a A. peticionou créditos laborais relativos ao valor das retribuições mensais, por entender que devia ser retribuída de acordo com a categoria profissional de escriturário-estagiário e depois de escriturário, sem peticionar qualquer reclassificação profissional, nem concretizar o descritivo da categoria profissional que entende corresponder à sua e, não obstante, analisou os factos provados e os descritivos das categorias convencionais em causa, conhecendo do mérito do pedido.
4.3. Mas serão os factos apurados de molde a sustentar o reconhecimento à recorrente das categorias de escriturário-estagiário e de escriturário descritas no anexo I da Convenção Colectiva de Trabalho APS/STAS, SISEP, SINAPSA (sendo que o CCT/SATS não prevê sequer estas categorias), com o direito às inerentes diferenças salariais?
O contrato de trabalho sub judice firmou-se em 2012, já sob a égide do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.° 7/2009, de 12 de Fevereiro (entrado em vigor no dia 17 de Fevereiro de 2009 - artigo 2.° da Lei n.° 74/1998, de 11 de Novembro), pelo que deverá atender-se especificamente ao quadro normativo deste Código no que diz respeito ao denominado direito à categoria profissional.
O objecto do contrato de trabalho, no que diz respeito à prestação do trabalhador - a actividade contratada (artigo 115.° do Código do Trabalho de 2009)5 - é objecto de protecção legal e convencional, a qual se manifesta em vários sentidos.
Antes de mais, e perspectivando o feixe de actividades que o empregador pode exigir ao trabalhador, a lei consagra o princípio geral da invariabilidade da prestação que implica a existência de uma correspondência entre as tarefas exercidas pelo trabalhador e a actividade contratada (a categoria contratual estabelecida ou posteriormente atribuída) - artigo 118.°, n.° 1 do Código do Trabalho de 2009.
Admite-se, contudo:
- por um lado, que a actividade desenvolvida pelo trabalhador se situe fora do núcleo essencial da actividade contratada, mas ainda no âmbito da mesma, entendida esta em sentido amplo como comprccndcndo as `funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, por tal se considerando, designadamente , as actividades compreendidas no mesmo grupo ou carreira profissional que, assim, correspondem ainda ao débito negocial do trabalhador - artigo 118.°, n.° 2 do Código do Trabalho (que passou a reger no que diz respeito à anteriormente denominada polivalência funcional);
- por outro, o exercício de funções não compreendidas na actividade contratada (no seu sentido mais lato) desde que o seja temporariamente e se verifiquem, cumulativamente, os demais requisitos do regime da mobilidade funcional, regime que tem carácter excepcional e não corresponde ao conteúdo normal do poder directivo do empregador - artigo 120.° do Código do Trabalho (que passou a reger no que diz respeito ao anteriormente denominado ius variandi).
Além disso, perspectivando já a posição que o trabalhador ocupa no seio da organização do empregador, proíbe-se a baixa definitiva ou temporária da categoria para a qual o trabalhador foi contratado ou a que foi promovido - artigo 129.°, n.° 1, alínea e) e 119.° do Código do Trabalho - e proíbe-se a mudança unilateral e definitiva de categoria, ainda que esta se não traduza numa baixa de categoria, como resulta dos princípios gerais dos contratos, que exigem o acordo das partes para a respectiva modificação (artigo 406.°, n.° 1 do Código Civil).
De acordo com o ensinamento de Menezes Cordeiro', emitido no âmbito do Decreto-Lei n.° 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (L.C.T.), mas que se mantém inteiramente pertinente, a categoria corresponde aos seguintes princípios: da efectividade (na categoria função relevam as funções substancialmente prefiguradas e não as meras designações exteriores); do reconhecimento (através da classificação, a categoria-estatuto deve corresponder à categoria-função e daí que a própria categoria-estatuto corresponda às funções desempenhadas); e da irreversibilidade (uma vez atribuída ou reconhecida certa categoria ao trabalhador, este não pode ser dela retirado ou despromovido, devendo o empregador determinar-lhe a execução de tarefas inerentes à mesma).
No caso em análise, estão primacialmente em causa os princípios da efectividade e do reconhecimento.
O princípio básico no que toca à função do trabalhador é um princípio de substancialidade ou efectividade. De acordo com este princípio, e como diz Maria do Rosário Palma Ramalho, a função corresponde ao conjunto de tarefas que, de facto, o trabalhador realiza e não a uma determinada designação formal; em caso de discrepância entre esta e aquelas, é a função efectiva e não a função nominal que prevalece, designadamente para efeitos da determinação do regime aplicável ao trabalhador.
No caso vertente, foi expressamente convencionado no texto do contrato outorgado entre as partes, que a A. era contratada pela R. para «exercer as funções de Operador de Assistência e de Call Center, o que compreende, nomeadamente, o atendimento e a realização de contactos telefónicos com o objectivo de prestar assistência a clientes em diferentes idiomas e a realização das respectivas tarefas administrativas» (facto 5.).
A execução contratual efectiva, no que diz respeito às funções que se apurou ter a A. executado ao longo do contrato não contrariam esta definição contratual.
Na verdade, resulta dos factos provados que a A. desempenha as tarefas de prestar assistência em viagem aos clientes das empresas Ma..., SA nas áreas de saúde e médica, que sempre que é contactada pelos segurados para prestar assistência verifica se a apólice de seguro está valida e cobre o serviço a prestar, em diversos idiomas, mas predominantemente no idioma espanhol, que no âmbito daquela assistência atribui prestadores de serviços aos clientes e garante o pagamento dos custos desses prestadores segundo a apólice do cliente e faz encaminhamento de relatórios médicos, quer para aquivo no processo de cada cliente, quer para a equipa médica da Ré e que a Autora realiza também as respectivas tarefas administrativas (factos 7. a 9.). Ficou ainda provado que esse atendimento telefónico dos clientes que necessitavam de uma prestação de serviços no país em que se encontrassem era feita pela A., seguindo, em regra, as indicações dadas pelo sistema informático da Ré que, em regra, indica automaticamente qual o prestador de serviços a atribuir ao cliente, tendo em conta a sua localização geográfica e a respectiva apólice de seguro, cabendo à A. promover o contacto entre o cliente e o prestador de serviços atribuído em concreto à satisfação da necessidade em apreço. Especificou-se também nos factos provados que as tarefas da A. são realizadas através do contacto telefónico (e também por email ou fax relativamente aos prestadores) e que lhe compete atender e responder a chamadas telefónicas, registar informações, aconselhar, fazer a ligação entre o cliente e os prestadores de serviços em concreto melhor posicionados para satisfazer a necessidade do cliente (factos 31. a 36.).
Há pois consonância entre a actividade contratada e a execução contratual.
Como ensina Monteiro Fernandes, ainda que o contrato de trabalho esteja submetido a um determinado instrumento de regulamentação colectiva, a definição da posição funcional do trabalhador na organização empresarial não é matéria excluída da autonomia privada individual, desde que, obviamente, o feixe de direitos e deveres que emergem dessa posição não se traduza num tratamento de menor favor do trabalhador, quando em confronto com o que resultaria da lei ou do instrumento de regulamentação colectiva aplicável. Cabe naturalmente às partes, em primeira mão, definir o objecto do contrato de trabalho, e elas poderão fazê-lo de modo tão preciso e excludente que nenhuma margem fique para determinações heterónomas. Quando as funções de que o trabalhador é incumbido (e que se obriga a realizar) no desenvolvimento das relações contratuais, correspondem a uma designação profissional com carácter normativo conferida pelo empregador e aceite (ainda que tacitamente) pelo trabalhador, será esta designação a que identifica a categoria profissional do trabalhador.
A questão que se coloca consiste em saber se a actividade contratada e a que as partes atribuíram a designação de Operador de Call Center se subsume, ou não, ao descritivo funcional da categoria de escriturário prevista na Convenção Colectiva de Trabalho celebrada entre a APS e o STAS/SISEP/SINAPSA, que se aplicou entre o início da relação labora] e 2013. 04.01 e, depois, a partir de 2015.03.27, pois que a CCT aplicável no restante período não prevê a categoria de escriturário que a recorrente invoca.
A categoria profissional de escriturário é definida naquele instrumento de regulamentação colectiva (publicado no BTE n.° 32 de 29 de Agosto de 2008) como:
o trabalhador que executa serviços técnicos ou administrativos sem funções de coordenação do ponto de vista hierárquico.
E o Escriturário Estagiário é o:
o trabalhador que se prepara para exercer as funções de escriturário, executando os serviços da competência deste
Cotejando estes descritivos funcionais institucionalizados com o acervo de funções que integram a actividade contratada descrita no contrato de trabalho e com o conjunto de tarefas que, em execução de tal contrato, a recorrente efectivamente desempenha ao serviço da recorrida, é manifesto que as mesmas não encontram uma correspondência linear com o conteúdo funcional de nenhuma daquelas duas categorias previstas no Anexo I da Convenção Colectiva de Trabalho.
Trata-se de actividades profissionais distintas, cujos núcleos essenciais se não interceptam.
Com efeito, a operadora de call center mostra-se essencialmente incumbida do atendimento telefónico de clientes que necessitam de uma determinada prestação de serviços no país em que se encontram e de, com auxílio informático, proceder à localização geográfica do cliente e sua apólice de seguro, bem como de atribuir o prestador de serviços ao cliente, promovendo posteriormente o contacto entre o cliente e o prestador de serviços, sendo tudo isto realizado predominantemente por contacto telefónico, pelo que as respectivas tarefas administrativas que a este propósito realiza se prefiguram como meramente residuais, estando directamente interligadas com aquelas tarefas nucleares do operador de call center, e de forma alguma integrando o núcleo essencial da actividade contratada. Deve aliás notar-se que o desempenho de algumas tarefas de natureza administrativa naturalmente inere à maioria das actividades profissionais que hoje em dia, em múltiplos sectores, não se completam sem o correspondente registo, normalmente efectuado em moldes informatizados.
Por seu turno o escriturário, como o próprio nomen indica, desempenha a actividade técnica ou administrativa como função nuclear da sua profissão, sendo de salientar que nenhumas outras tarefas lhe incumbem, de acordo com a descrição funcional, o que nos remete para um exercício profissional circunscrito àquelas tarefas e integrado nos serviços administrativos da empresa.
Pelo contrário, as funções administrativas executadas pela recorrente eram residuais e dependentes das nucleares, sendo certo que estas - que consistem essencialmente em prestar assistência aos clientes da seguradora em diferentes idiomas e locais, articulando-os com os meios de socorro, através de atendimento e realização de contactos telefónicos - não correspondem ao núcleo do descritivo funcional e normativo estabelecido para a categoria de escriturário.
Ou seja, uma vez que as funções caracterizadoras da actividade contratada de operadora de call center não se reconduzem ao núcleo essencial das funções previstas na Convenção Colectiva de Trabalho para qualquer uma das categorias profissionais em cotejo, não pode afirmar-se que as tarefas de que a recorrente se mostra incumbida se integrem numa das acima enunciadas categorias ali institucionalizadas.
Embora em abstracto não seja necessário que o trabalhador exerça todas as funções correspondentes a determinada categoria para que esta lhe seja reconhecida, a jurisprudência tem enfatizado que o núcleo fundamental das funções efectivamente desempenhadas é o elemento decisivo na determinação da categoria em questão1°. Exercendo o trabalhador diversas actividades enquadráveis em diferentes categorias, a classificação deve fazer-se tendo em consideração aquele núcleo essencial ou a actividade predominante e, em casos de dúvida resultante de haver diversidade equilibrada de funções que se enquadram em várias categorias, a atracção deve fazer-se para a categoria mais favorável ao trabalhador.
No caso em análise o núcleo essencial das funções que integram a actividade contratada da recorrente não se enquadra em qualquer uma das categorias institucionalizadas, não coincidindo, designadamente, com o núcleo essencial da categoria profissional de escriturário, ou de escriturário estagiário (cuja definição é feita por reporte à primeira) que a recorrente invocou, inexistindo uma situação de dúvida entre duas ou mais categorias que suscite a atracção para uma qualquer categoria mais favorável.
Corno decorre das regras gerais sobre ónus da prova, constantes do n° 1, do artigo 342°, do Código Civil, e constitui jurisprudência pacífica, reclamando o trabalhador uma categoria diversa da que lhe é atribuída pela empregadora, a ele compete o ónus de alegação e prova de todos os elementos de facto necessários para que seja reconhecida a categoria a que se arrogue' .
É pois de acolher a decisão da 1.° instância no sentido de julgar improcedentes os pedidos de diferenças salariais e de subsídio de turno que dependiam de urna reclassificação profissional da recorrente na categoria estatuto de, sucessivamente, escriturário estagiário e escriturário, reclassificação que a recorrente não logra alcançar na medida em que o núcleo essencial das funções contratadas e efectivamente por si executadas ao serviço da recorrida se não reconduzem a qualquer uma daquelas categorias profissionais.
Poderá dizer-se que dificilmente se compreende que a actividade de operador de cal/ center, consabidamente comum no exercício da actividade seguradora, não encontre respaldo num instrumento de regulamentação colectiva do sector1', mas tal, demandando um esforço negocia] das entidades colectivas envolvidas no sentido de se alcançar essa previsão, não implica que se enquadrem na grelha categoria] prevista no instrumento de regulamentação
colectiva funções que não se reconduzem ao núcleo essencial de uma qualquer categoria profissional ali institucionalizada.
4.2. Alega ainda a recorrente que, por força do disposto no número 6, da cláusula 8ª do CCT publicado no BTE n° 32 de 2008, exercendo funções da carreira de escriturária (nível IV e após nível IX) sempre teria que ser considerado que eram devidas as diferenças salariais deste último nível por estarem reunidas todas as condições exigidas pela CCT para o direito à retribuição da carreira de escriturário e concomitantemente a sua reclassificação em Escriturária.
Deve começar por se dizer que este enquadramento do direito remuneratório que agora a recorrente alega não foi aflorado na petição inicial e não foi abordado pelo tribunal recorrido, pelo que configura urna questão nova perante este Tribunal da Relação. E, como decorre do disposto no artigo 627.° do Código de Processo Civil, e constitui jurisprudência uniforme, os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a conhecer questões novas não apreciadas pelo tribunal recorrido, mas, sim, a apurar da adequação e legalidade das decisões sob recurso, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso.
Seja como for, cremos resultar com meridiana clareza do disposto no número 6, da cláusula 8.' da CCT em causa - segundo o qual Os trabalhadores que desempenhem a totalidade das funções correspondentes a diversas categorias devem ser classificados pela de nível de remuneração mais elevada desde que o exercício desta seja regular e contínuo - que o direito à classificação pela categoria profissional de nível de remuneração mais elevada depende, não só de que o trabalhador desempenhe funções correspondentes a diversas categorias, como de que desempenhe a totalidade dessas funções, como, ainda, de que o exercício da categoria profissional superior seja regular e contínuo.
Trata-se de situações de trabalhadores que executam cabalmente, e como núcleo essencial do seu exercício profissional, funções respeitantes a várias categorias, sendo lógico e conforme com o princípio do reconhecimento que as partes do instrumento de regulamentação colectiva tenham convencionado dever proceder-se à classificação do trabalhador na categoria com o nível salarial mais elevado.
Resultando dos factos provados que o núcleo essencial das funções da recorrente - funções de atendimento telefónico com vista à conjugação dos meios necessários à prestação de assistência aos segurados (factos 31. a 36.) -, nada tinha a ver com o descritivo funcional normativo da categoria de escriturário e que as funções administrativas eram meramente acessórias daquelas e delas dependentes, não pode dizer-se que a recorrente desempenhasse a totalidade das funções correspondentes ao descritivo funcional da categoria profissional de escriturário, pelo que não tem a citada cláusula 8.ª, n.° 6, a virtualidade de permitir a classificação da recorrente nesta categoria.
Em suma, também por esta via não lograria a recorrente ver reconhecido o direito à classificação na categoria normativa de escriturária e, em consequência, ver atendida a sua pretensão relativa às diferenças de salários e de subsídios de turno.
4.3. A terceira questão colocada pela recorrente na apelação resulta da sua alegação de que a recorrida alterou unilateralmente o subsidio de refeição, afectando deste modo o seu direito à formação da pensão de reforma e eventuais prestações sociais de doença e desemprego.
Segundo aduz, a recorrida não podia modificar unilateralmente os montantes do subsidio de refeição sujeitos a IRS e TSU sem o acordo da recorrente, porque os montantes não isentos de tributação são retribuição e enquanto tal têm a mesmo protecção devida à retribuição nos termos previstos no Código de Trabalho.
Com esta alegação, pretende a recorrente sustentar a procedência do seu pedido de que lhe sejam pagas as diferenças entre o valor pago em valor pecuniário e o valor pago através de cartão.
A sentença sob recurso, a este propósito, seguiu a tese expressa no Acórdão da Relação de Coimbra de 3 de Abril de 2014 e, analisando os factos destes autos, afirmou que não foi alegado nem demonstrado que o valor de € 9,75 do subsídio de refeição pago pela Ré à Autora exceda o respectivo montante normal, sendo certo que os respectivos ónus de alegação e prova incumbiam exclusivamente à Autora (cfr. art. 5°/1, 1° parte, do C.P.Civil de 2013, aplicável ex vi do art. 1°/2a) do C.P.Trabalho e art. 342°/1 do C.Civil) e o texto do contrato não permite considerá-lo como parte integrante da respectiva retribuição (cfr. facto provado n°5). E concluiu que a alteração introduzida pela Ré na forma de pagamento do subsídio de refeição não integra qualquer violação contratual (nomeadamente, de redução da retribuição), pelo que não assiste à Autora o direito a receber da Ré qualquer valor a título de diferenças relativas a subsídio de refeição
Vejamos.
Resulta dos factos provados que em Maio de 2016, o subsídio diário de refeição era no valor de € 9,75, que a partir desse mês de Maio de 2016 a Ré decidiu passar a pagar a todos os trabalhadores, incluindo a Autora, parte do subsídio de alimentação através do cartão de refeição no valor diário de € 6,83 e a restante parte em numerário, por transferência bancária, de forma a cumprir o pagamento do valor total respeitante ao subsídio de alimentação, e que esta alteração foi comunicada pela Ré a todos os trabalhadores, incluindo a Autora, nos termos que constam do e-mail de fls. 192 a 194 dos autos (factos 23., 24. e 37.).
Deve começar por se dizer que a qualificação das atribuições patrimoniais feitas pelo empregador ao trabalhador como retribuição, ou não, deve fazer-se à luz da lei substantiva laboral, tal corno se fez na sentença da 1.ª instância e neste aresto se reitera, não tendo qualquer relevo para estes efeitos as opções do legislador fiscal e assistencial quanto aos valores que entende considerar sujeitos a TSU ou a tributação em sede de IRS, ou disso dispensados, independentemente dos reflexos que esta circunstância possa vir a ter nos valores das prestações sociais a atribuir ao trabalhador.
Nos termos do artigo 260.°, n.° 1, do Código do Trabalho, não se consideram retribuição [ais importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador [alínea a)].
O n.° 2 do mesmo artigo 260.° equiparou expressamente o subsídio de refeição e o abono para falhas às ajudas de custo, assim retirando a estas prestações a natureza jurídica de retribuição.
Deste regime deduz-se que o subsídio de refeição, não tem, em princípio, carácter retributivo.
Não integra, por um lado, a noção de retribuição ínsita no n.° 1 do artigo 258.° do Código do Trabalho, na medida em que não constitui contrapartida da prestação de trabalho e enquadra-se, por outro lado, no rol de prestações que o artigo 260.° do mesmo diploma exclui, à partida, da qualificação retributiva, atenta a sua função compensatória de despesas.
Por força do disposto neste artigo 260.° do Código do Trabalho, caso o trabalhador alegue e prove factos demonstrativos de que o respectivo valor é pago com frequência, excede o montante normal e foi previsto no contrato ou resulta dos usos que constitui elemento integrante da sua retribuição (factos constitutivos do direito que se arroga - cfr. o artigo 342.°, n.° 1 do Código Civil), o subsídio de refeição terá carácter retributivo na medida daquele apurado excesso e esse segmento beneficia da protecção legal da retribuição, vg. do princípio da irredutibilidade.
Mas caso o não faça - como in casu ocorre - não pode considerar-se verificado o circunstancialismo previsto na última parte do n.° 1 do artigo 260.° do C.T. no que diz respeito ao subsídio de refeição que era pago à trabalhadora até ser alterada a forma do seu pagamento.
Ora, nada decorre da matéria de facto provada nos presentes autos no sentido de permitir a conclusão de que o valor monetário pago a título de subsídio de refeição em Maio de 2016, e que passou a ser pago em tickets de refeição a partir de então, exceda os respectivos montantes normais afectos ao pagamento da refeição, por forma a que se pudesse considerar que integraria o conceito de retribuição.
Aliás, tal valor - de € 9,75 - coincide com o então fixado pela regulamentação colectiva do sector (Convenção Colectiva de Trabalho publicada no Boletim de Trabalho e Emprego n° 4 de 29 de Janeiro de 2016), o que denota que os contraentes consideravam ser aquele o valor normalmente gasto pelos trabalhadores com a refeição.
Na medida em que a excepção à excepção consignada na segunda parte da alínea a) do artigo 260.°, n.° 1 do Código do Trabalho pressupõe que uma parte da atribuição patrimonial em causa exceda o montante normal das despesas do trabalhador que visa compensar e não estando demonstrado nestes autos qualquer excesso no subsídio diariamente pago até Maio de 2016, tanto basta para que não se possa descortinar uma feição retributiva aos subsídios de refeição pagos pela recorrida à recorrente, à luz do artigo 260.° do Código do Trabalho.
E, não constituindo retribuição, não se mostram submetidos à disciplina do artigo 276.°, n.° 1, do Código do Trabalho de 2009, nos termos do qual o pagamento de retribuições através de prestações não pecuniárias só pode ser levado a efeito havendo acordo entre o empregador e o trabalhador.
Pelo que a recorrida, ao ter alterado unilateralmente o modo de pagamento do subsídio de refeição que até Maio de 2016 pagava aos seus trabalhadores em dinheiro, passando a pagá-lo parcialmente através de cartões de refeição (eurotickets), por forma a cumprir o valor total que vinha pagando, não violou o disposto naquele preceito.
Deve ainda acrescentar-se que a jurisprudência se tem orientado no sentido da admissibilidade de o subsídio de alimentação ser pago em vales de refeição por acto unilateral do empregador.
Assim, o citado Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 03 de Abril de 201418 decidiu que o empregador pode alterar unilateralmente o sistema de pagamento do subsídio de alimentação, substituindo o papel-moeda por cartões de refeição ou ticket's de refeição ou similares a utilizar em estabelecimentos aderentes a esse sistema de pagamento, representando a atribuição de um cartão de refeição a colocação à disposição do trabalhador de um meio de pagamento apto a satisfazer a finalidade prosseguida com o pagamento do subsídio de alimentação.
Também o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21 de Abril de 2010, referiu que os vales ou cartões de refeição são títulos de pagamento de refeições, isto é, são títulos que se destinam a ser utilizados na aquisição e pagamento de refeições ou de outros produtos disponibilizados pelos estabelecimentos (...) aderentes a esse sistema de pagamento e concluiu que os vales ou títulos de refeição são dinheiro .
Na mesma senda, foi proferido o Acórdão da Relação do Porto de 2014.11.17, Processo n.° 502/13.9TTGMR.P1, em sede de recurso de contra-ordenação, e, igualmente, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 2016.03.15, Processo n.° 470/15.2T8VNF.G1.
À luz desta jurisprudência, é de considerar que o novo sistema de pagamento do subsídio de alimentação implementado pela recorrida, apesar da substituição do papel-moeda pelos cartões de refeição, continuou a ser um sistema de pagamento em dinheiro.
Carece pois de fundamento a pretensão da recorrente de lhe serem pagos os valores monetários equivalentes ao que auferiu através de cartões de refeição a partir de Maio de 2016.
Não merece provimento o recurso, também nesta parte.
4.4. As custas deverão ser suportadas pela recorrente porque decaiu (artigo 527.°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil) mas, atendendo-se à isenção de que beneficia a recorrida nos termos do disposto no art. 4.º, n.° 1, al. h), do Regulamento das Custas Processuais que não abrange, todavia, a responsabilidade da A. pelos reembolsos previstos no artigo 4°, n° 7 do mesmo Regulamento.
5. Decisão
Em face do exposto, nega-se provimento à apelação e confirma-se a douta sentença recorrida.
Condena-se a recorrente nas custas, sendo tal condenação restrita às custas de parte que haja.
Nos termos do artigo 663.°, n.° 7, do Código de Processo Civil, anexa-se o sumário do presente acórdão.
Lisboa, 09 de Maio de 2018
(Maria José Costa Pinto)
(Manuela Bento Fialho)
(Sérgio Almeida)
Nos termos do artigo 663.°, n.° 7, do Código de Processo Civil, lavra-se o sumário do antecedente acórdão nos seguintes termos:
I - Quando as funções de que o trabalhador é incumbido (e que se obriga a realizar) no desenvolvimento das relações contratuais, correspondem a uma designação profissional com carácter normativo conferida pelo empregador e aceite (ainda que tacitamente) pelo trabalhador, será esta designação a que identifica a categoria profissional do trabalhador.
II - Embora não seja necessário que o trabalhador exerça todas as funções correspondentes a determinada categoria para que esta lhe seja reconhecida, o núcleo fundamental das funções efectivamente desempenhadas é o elemento decisivo na determinação da categoria.
III - Exercendo o trabalhador diversas actividades enquadráveis em diferentes categorias, a classificação deve fazer-se tendo em consideração aquele núcleo essencial ou a actividade predominante e, em casos de dúvida resultante de haver diversidade equilibrada de funções que se enquadram em várias categorias, a atracção deve fazer-se para a categoria mais favorável ao trabalhador.
IV - Reclamando o trabalhador uma categoria diversa da que lhe é atribuída pela empregadora, a ele compete o ónus de alegação e prova dos factos necessários a que seja reconhecida a categoria a que se arroga.
V - Nada obsta a que o subsídio de alimentação seja pago através de vales de refeição por acto unilateral do empregador.
Lisboa, 09 de Maio de 2018