A falta de proferimento de decisão final, pelos serviços da Segurança Social, sobre o pedido de protecção jurídica, no prazo de trinta dias, conduz à formação de acto tácito de deferimento.
Ainda assim, a produção do acto de deferimento tácito depende da congregação de diversos requisitos, uns positivos e outros negativos : Assim é necessário que tenha sido formulada uma pretensão e que não haja decisão expressa ou tácita sobre o conteúdo da pretensão em determinado prazo e que o caso esteja legalmente previsto como de deferimento tácito.
(sumário elaborado pelo/a relator/a)
Proc. 12462/17.2T8LRS.L1 1ª Secção
Desembargadores: Pedro Brighton - Teresa Jesus Henriques - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Apelação
Processo n° 12462/17.2 T8LRS.L1
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA :
I — Relatório
1- EV... instaurou procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória contra VI..., S,A,, tendo o requerimento inicial entrado em juízo em 29/11/2017.
2- Juntou com o requerimento inicial carta dirigida à Segurança Social, onde solicita a atribuição de apoio judiciário (...) atenta a sua situação, na modalidade de dispensa total de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
3- Posteriormente (8 dias depois, ou seja, em 7/12/2017) juntou ao processo nova cópia da referida carta e como anexo à mesma, o impresso padrão, com o cabeçalho da Segurança Social, devidamente preenchido com a sua pretensão, estando no mesmo aposta a data de 6/10/2017, constando da carta um carimbo de entrada do expediente nos serviços da Segurança Social com a data de 10/10/2017.
4- Não efectuou a Requerente o pagamento de qualquer taxa de justiça.
5- Foi proferido despacho onde se refere que :
Não constava dos autos qualquer comprovativo de entrada nos serviços da Segurança Social do requerimento de protecção jurídica, devidamente preenchido, mas apenas e tão só o comprovativo da entrega de uma carta, que não substitui aquele requerimento — o que a Requerente não pode desconhecer, visto que litiga por intermédio de Mandatário Judicial.
Pelo exposto, cumpra-se o disposto no artigo 570° n° 3, do Cód. Processo Civil.
6- A Requerente apresentou requerimento onde volta a juntar cópia do pedido de apoio judiciário.
Mais invoca a inconstitucionalidade da norma que impõe o pagamento da taxa de justiça inicial nos 10 dias contados da data da comunicação ao requerente da decisão negativa do serviço da segurança social sobre o apoio judiciário.
Conclui, pedindo o prosseguimento dos autos.
7- O Tribunal proferiu, em 22/12/2017, o seguinte despacho :
Atendendo às explicações ora apresentadas e os documentos apresentados determino, para cabal esclarecimento da questão em análise, que se solicite à Seg. Social pedido de informação sobre a existência de um pedido de apoio judiciário por parte da Requerente.
8- Em 8/2/2018 foi aberta Conclusão ao Juiz titular do processo, com a informação de que a Requerente não procedeu ao pagamento da guia emitida nos termos do disposto no art° 570°, n° 3 do C.P.C..
Mais se informava que não foi obtida resposta por parte da Segurança Social, a fim de se apurar a existência de um pedido formulado pela Requerente, foi insistida aquela entidade para informar nos moldes pretendidos pelo Tribunal, o que, todavia, ainda não se logrou obter.
9- Sobre essa mesma informação foi proferido despacho, em 9/2/2018, onde consta:
Informação supra : o despacho judicial de 13/12/2017, que verificou não constar dos autos qualquer comprovativo do pedido de apoio judiciário e ordenou o cumprimento do disposto no artigo 570°, n° 3, do Cód. Processo Civil mostra-se inteiramente transitado em julgado.
Qualquer expediente que possa provir da Segurança Social só conhecerá validade para os actos ulteriores do processo, jamais para efeitos de pagamento da taxa de justiça inicial.
Assim, ao abrigo do disposto no artigo 590°, n° 2, alínea c), e 570°, n° 5, ambos do Cód. Processo Civil, convido a Requerente a proceder, no prazo de 10 dias, ao pagamento da taxa de justiça e da multa em falta, acrescida de multa processual de valor igual ao da taxa de justiça inicial, no valor de 5 UCs.
D.N.
10- Em 21/2/2018 entrou no processo informação da Segurança Social a referir que o pedido da Requerente foi deferido por despacho proferido em 15-02-2018 na(s) modalidade(s) de Dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo (...). Esta decisão foi notificada ao requerente na mesma data.
11- A Requerente não pagou a quantia constante da guia de fls. 36, emitida na sequência do despacho a que se alude em 9..
12- Foi então, com data de 8/3/2018, proferido o seguinte despacho : Ao abrigo do disposto no artigo 570°, n° 6 do Cód. Processo Civil, determino o desentranhamento da peça processual.
A acção mostra-se, pois, extinta.
Custas a cargo da Requerente — art° 527° do Cód. Processo Civil.
Notifique.
13- Desta decisão interpôs a Requerente recurso de apelação, para tanto apresentando a sua alegação com as seguintes conclusões :
1. Não existe fundamento para o Tribunal ter considerado que se verificou a situação do artigo 570, ° 6 por 3 razões:
-A A fez o pedido de APJ.
-O pedido foi deferido.
-A decisão é contrária a Acórdão do Tribunal Constitucional n° 353/2017 — Diário da República n° 177/2017, Série Ide 2017-09-13108139585 Tribunal Constitucional sempre seria inconstitucional, a norma que impõe o pagamento da taxa de justiça inicial nos 10 dias contados da data da comunicação ao requerente da decisão negativa do serviço da segurança social sobre o apoio judiciário, sem prejuízo do posterior reembolso das quantias pagas no caso de procedência da impugnação daquela decisão, constante da alínea c) do n° 5 do artigo 29° da Lei n° 34/2004, de 29 de julho, na redação dada pela Lei n° 47/2007, de 28 de Agosto https://dre.pt/web/guest/home//dre/108139585/details/maximized.
II — Fundamentação
a) A matéria de facto a considera é a que consta do relatório supra e para o qual se remete.
b) Como resulta do disposto nos art°s. 635° n° 4 e 639° n° 1 do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as conclusões da alegação do recorrente servem para colocar as questões que devem ser conhecidas no recurso e assim delimitam o seu âmbito.
Perante as conclusões da alegação da recorrente a única questão em recurso consiste em determinar se existem razões para determinar a extinção da instância.
c) Decidindo :
O pedido de apoio judiciário foi accionado pela apelante em 10/10/2017, data em que foi aposto, pelos serviços da Segurança Social, o carimbo de recebimento da pretensão da recorrente (ver fls. 29 a 31).
O prazo para o I.S.S. (Instituto da Segurança Social) concluir o procedimento administrativo e decidir sobre o pedido de protecção jurídica é de 30 dias e, decorrido esse prazo sem que tenha sido proferida decisão, considera-se tacitamente deferido e concedido esse pedido (art° 25° n°s. 1 e 2 da Lei do Apoio Judiciário — Lei 24/2004 de 29/7).
De harmonia com o disposto no art° 37° da Lei do Apoio Judiciário, em tudo o que não esteja previsto nesta Lei, o regime do apoio judiciário é regulado pelas disposições do Código do Procedimento Administrativo. Como a decisão relativa à concessão ou não de protecção jurídica tem a natureza de um acto administrativo e se insere na competência das entidades administrativas, todo o processado pela segurança social, ressalvadas as situações especificamente previstas na Lei do Apoio Judiciário, teria de se submeter às regras de contagem de prazos do Código do Procedimento Administrativo, suspendendo-se em sábados, domingos e feriados (cf. art° 72° n° 1, als. a) e b) do referido Código). Porém, face ao disposto no art° 25° n° 1 da Lei do Apoio Judiciário, estamos perante um prazo de natureza substantiva, regulado pela lei como se fosse um prazo judicial, salvo no que concerne às férias judiciais, ou seja, é contínuo, mas não se suspende durante as férias judiciais (cf. Salvador da Costa, in O Apoio Judiciário, 7 ed., pg. 177). E o art° 8°-B n° 3 da Lei do Apoio Judiciário, similarmente ao art° 108° n° 4 do Código do Procedimento Administrativo, dispõe que o cômputo do prazo do deferimento tácito se suspende sempre que o procedimento estiver parado por razões imputáveis ao particular.
Deste modo, iniciando-se o prazo em 10/10/2017, e não tendo ocorrido qualquer causa suspensiva do mesmo, completou-se o mesmo em 10/11/2017, o que significa que o acto tácito se formou nessa data, vários dias antes da entrada em juízo da acção (ocorrida em 29/11/2017).
Com efeito, quando a prática de um acto administrativo ou o exercício de um direito por um particular dependam de aprovação ou autorização de um órgão administrativo, consideram-se estas concedidas, salvo disposição em contrário, se a decisão não for proferida no prazo estabelecido por lei (art° 108° n° 1, al. a) do Código do Procedimento Administrativo).
Os actos administrativos de formação tácita são, pois, aqueles que se constituem a partir da falta de decisão ou do silêncio da Administração, por isso, também designados por actos silentes. Para todos os efeitos, traduz um acto administrativo, correspondente àquele que resultaria da Administração ter decidido expressamente, por forma a que o exercício do direito fica, a partir daí, descondicionado, mesmo inexistindo acto expresso descondicionante (cf. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, in Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2' ed., pg. 484). Com esta formação tácita do acto administrativo garante-se ao particular a tutela directa da sua posição ou pretensão substantiva, podendo ele exigir o respeito pelo acto tácito produzido, ou seja, a atribuição e o reconhecimento dos efeitos jurídicos consequentes.
Ainda assim, a produção do acto de deferimento tácito depende da congregação de diversos requisitos, uns positivos e outros negativos.
Assim é necessário que tenha sido formulada uma pretensão e que não haja decisão expressa ou tácita sobre o conteúdo da pretensão em determinado prazo e que o caso esteja legalmente previsto como de deferimento tácito (cf. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves, J. Pacheco de Amorim, in Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2' ed., pgs. 484 e 485).
d) Estes pressupostos estão verificados in casu.
Com efeito, a recorrente formulou, perante os serviços competentes da Segurança Social, o seu pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos e, decorrido o prazo estabelecido na Lei do Apoio Judiciário para a prolação da decisão, o procedimento administrativo não foi concluído e a Administração não decidiu, com a sequente decorrência da formação de acto tácito, conforme legalmente previsto.
Bastava, para o efeito, a menção em Tribunal da formação do acto tácito (art° 25° n° 3 da Lei do Apoio Judiciário), para justificar em juízo a dispensa de pagamento da taxa de justiça e dos demais encargos com o processo. Satisfaz-se a lei com a informação prestada em juízo pelo requerente de que se formou o acto tácito de deferimento, naturalmente através de instrumento escrito onde refira e comprove a data da apresentação do pedido de apoio judiciário e a sua não decisão no prazo de 30 dias (cf. Salvador da Costa, in O Apoio Judiciário, 7a ed., pg. 180).
Sucede que a apelante, logo ao intentar o procedimento cautelar invocou em juízo o deferimento tácito do apoio judiciário (ver artigos 124 a 131 do requerimento inicial).
E, de acordo com o estatuído no art° 25° n° 4 da Lei do Apoio Judiciário, o Tribunal (...) deve confirmar junto dos serviços da segurança social a formação do acto tácito, devendo estes serviços responder no prazo máximo de dois dias úteis.
e) De forma inesperada, envolveu-se o Tribunal numa sequência de despachos que nada tinham que ver com a descrita tramitação.
Ou seja, em lugar de procurar confirmar junto dos serviços da Segurança Social a formação do acto tácito, começou o Tribunal por proferir um despacho onde afirma (certamente por lapso) que não constava dos autos qualquer comprovativo de entrada nos serviços da Segurança Social do requerimento de protecção jurídica, devidamente preenchido, mas apenas e tão só o comprovativo da entrega de uma carta, que não substitui aquele requerimento. Porém, tal veio a ser documentado ainda antes de ser proferido este despacho o que não pode deixar de nos causar alguma perplexidade.
Nesse mesmo despacho ordenou o cumprimento do disposto no artigo 570° n° 3 do Código de Processo Civil quando, em bom rigor, devia ter sido feita referência ao art° 552° n° 5 do Código de Processo Civil pois estamos perante um requerimento inicial de um processo urgente.
Em face de tal notificação, a recorrente apresentou requerimento, onde voltou a juntar cópia do pedido de apoio judiciário, pedindo o prosseguimento dos autos.
Perante esse requerimento, e em lugar de ter pedido aos serviços da Segurança Social informação sobre a formação do acto tácito (devidamente invocado pela recorrente), o Tribunal solicitou àqueles serviços informação sobre a existência de um pedido de apoio judiciário por parte da apelante. Também aqui não se alcança a razão de ser de tal pedido. Tinha o Tribunal sérias dúvidas sobre a existência do pedido? De onde surgiram essas dúvidas?
Veio então a Secretaria informar que a Segurança Social não havia dado qualquer informação sobre o pedido de informação do Tribunal.
Em face de tal, laborou o Tribunal a quo em dois lapsos : Em primeiro lugar veio escudar-se num formalismo manifestamente exagerado para dizer que o despacho que verificou não constar dos autos qualquer comprovativo do pedido de apoio judiciário já transitou em julgado (ou seja, repete o lapso que havia cometido e, à falta de outro argumento, utiliza a figura do trânsito em julgado). Em segundo lugar veio dizer que qualquer expediente proveniente da Segurança Social só conhecerá validade para os actos ulteriores do processo, jamais para efeitos de pagamento da taxa de justiça inicial (o que olvida o requerimento em que se pede que seja reconhecida a existência de deferimento tácito do pedido e volta a esquecer o dever do Tribunal pedir aos serviços da Segurança Social informação sobre a formação do acto tácito).
Posteriormente, entrou no processo informação da Segurança Social a referir que o pedido da recorrente foi deferido por despacho de 15/2/2018 na modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo. Esta situação afastaria desde logo a aplicação do art° 552° n° 6 do Código de Processo Civil (ou do art° 570° n° 2 do Código de Processo Civil), que alude à notificação para o pagamento da taxa de justiça apenas nos casos em que o pedido de apoio judiciário é indeferido.
Foi então proferido o despacho recorrido que determinou o desentranhamento do requerimento inicial (?) e julgou a acção extinta por falta de pagamento da taxa de justiça.
f) Perante esta situação, não vemos que pudesse o Tribunal a quo julgar a acção extinta.
Com efeito, a extinção decretada parte de um pressuposto errado e assente num formalismo exagerado e pouco consentâneo com a função de administração da Justiça imposto pelo art° 202° da Constituição da República Portuguesa.
Assim :
-A recorrente, antes de dar entrada à acção formulou, junto dos serviços competentes, o pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa total do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo.
-Passados 30 dias sem que a Segurança Social desse resposta a esse pedido, ocorreu o deferimento tácito do mesmo.
-Já depois desses 30 dias a apelante intentou o presente procedimento cautelar.
-O Tribunal não curou de apurar junto dos serviços da Segurança Social se tinha ocorrido a formação do acto tácito.
-No decurso da tramitação dos autos, a Segurança Social informou que, entretanto, o pedido da recorrente havia sido deferido na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
Deste modo, não se vê a razão pela qual a apelante foi notificada para proceder ao pagamento da taxa de justiça até porque o pedido de apoio judiciário foi deferido e só no caso contrário haveria que lançar mão do disposto no art° 552° n° 6 do Código de Processo Civil.
E não podendo ocorrer tal notificação, é manifesto que não podia a acção ser julgada extinta.
g) Em face do exposto, teremos de concluir que o recurso terá de proceder.
h) Sumário :
I- A falta de proferimento de decisão final, pelos serviços da Segurança Social, sobre o pedido de protecção jurídica, no prazo de trinta dias, conduz à formação de acto tácito de deferimento.
II- Ainda assim, a produção do acto de deferimento tácito depende da congregação de diversos requisitos, uns positivos e outros negativos : Assim é necessário que tenha sido formulada uma pretensão e que não haja decisão expressa ou tácita sobre o conteúdo da pretensão em determinado prazo e que o caso esteja legalmente previsto como de deferimento tácito
III — Decisão
Pelo exposto acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação procedente e, nessa medida, revoga-se a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos.
Sem custas (art° 527° do Código do Processo Civil).
Processado em computador e revisto pelo relator
Lisboa, 5 de Julho de 2018
(Pedro Brighton)
(Teresa Sousa Henrique)
(Isabel Fonseca)