1 - A exigência prevista no artigo 276.º n.º 3 do CT de que o empregador, até ao pagamento da retribuição, entregue ao trabalhador documento com as especificações aí descritas, mormente com a indicação da retribuição base e das demais prestações, bem como do período a que respeitam, os descontos ou deduções e o montante líquido a receber, não corresponde a uma regra de direito probatório, que determine que para a prova do cumprimento da obrigação retributiva é necessário a apresentação de documento com as referidas características.
2 - O recibo é um documento particular, ao qual a lei não confere um valor probatório especial.
3 - As declarações atribuídas ao autor do documento particular, se contrárias aos seus interesses, estão plenamente provadas por confissão (extrajudicial), o que desde logo afasta a admissão de prova testemunhal, por força do disposto no artigo 393º nº2 do C.Civil.
4 - Nos termos da lei — artigo 354º b) do C.Civil - factos há cuja realidade não pode ser estabelecida por confissão, nomeadamente os relativos a direitos indisponíveis.
5 - Se na altura em que os recibos foram emitidos e assinados pelo Autor, e em que, portanto, se constituiu o meio de prova, aquele estava ao serviço da Ré, a declaração que lhes subjaz de que o Autor recebeu as quantias ali referidas, que incluiriam a retribuição de férias e o subsídio de Natal, não faz prova plena desse facto, não tendo valor confessório, face à indisponibilidade destes direitos durante a vigência do contrato de trabalho, havendo que analisar a demais prova produzida, a testemunhal, para aquilatar se a retribuição de férias e o subsídio de Natal já estavam incluídos nas quantias que a empregadora pagou ao trabalhador.
6 - Nos termos do artigo 28º da Lei 15/97 de 31 de Maio, o subsídio de Natal será fixado por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou contrato individual de trabalho e não pode ser inferior ao salário mínimo nacional, mas tal não significa que, não resultando do contrato e não havendo IRC aplicável, o mesmo tenha de quedar-se pelo mínimo, ou seja, pelo valor da retribuição mínima garantida, pois têm aplicação as regras do CT, por força do seu artigo 9º, o que significa que, apenas no caso de o subsídio assim obtido não alcançar esse montante, ter-se-á o mesmo em consideração.
7 - A proibição da reformatio in peiús visa a estabilidade das decisões não recorridas, proibindo que a posição do recorrente seja agravada por virtude do recurso que interpôs.
8 - O cumprimento da obrigação (acessória) de formação por parte do empregador não suspende, antes impõe, o cumprimento da obrigação principal de pagamento da retribuição ao trabalhador.
9 - Apesar de a Lei 15/97 de 31 de Maio não prever o pagamento, como obrigatório, do subsídio de férias, ele é devido por via contratual, aplicando-se o disposto no artigo 264º nº2 do CT (cfr. art. 9º).
10 - Tendo a primeira instância decidido que o direito da empregadora a impugnar a resolução do contrato levada a efeito pelo empregador já havia caducado à data dessa impugnação, formou-se caso julgado sobre tal questão, o que preclude o conhecimento da licitude ou ilicitude da resolução do contrato pelo trabalhador.
Proc. 1983/16.4T8PDL.L1 4ª Secção
Desembargadores: Paula de Jesus Santos - Paula Sá Fernandes - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Processo 1983/16.4T8PDL.L1
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
I — Relatório
JJM... intentou a presente acção declarativa de condenação, emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra JMF..., e PES..., Unipessoal, Lda, pedindo a condenação dos Réus, solidariamente, no pagamento das seguintes quantias:
a)na remuneração percentual sobre o valor do pescado desde que iniciou e pelo exercício da função de Mestre, de 1,5/prct., a partir de Janeiro de 2010 e até Janeiro de 2012, e de 3/prct. desde Janeiro de 2012 e até Julho de 2015, nos valores respectivamente de
1-2010, 11.938,50€ (valor anual bruto do pescado, cerca de 795.900,00€);
II — 2011, 14.322€ (valor anual bruto do pescado, de cerca de 954,800€); 111— 2012, 20.130€ (valor anual bruto do pescado, cerca de 671,000€);
IV — 2013, 28.020€ (valor anual bruto do pescado, cerca de 934.000,00€);
V — 2014, 21.771,00€ (valor anual bruto do pescado, cerca de 725,700€);
VI — 2015, 9.840,00 (valor anual bruto do pescado (6,5 meses), cerca de 328.000,00€).
b) o valor referente às férias não gozadas desde 1997 a 2015, no total de 21.790,41€;
c) subsídio de férias de 1997 a 2015, no valor de 21.790,41€;
d)subsídio de Natal desde 1997 a 2015, no valor de 21.790,41€;
e) remuneração devida enquanto o Autor se manteve em formação nos meses de Janeiro a Abril de 2004, no valor de 1.535,28€ (calculado com base na remuneração mínima garantida);
f) remuneração devida enquanto o Autor se manteve em formação no ano de 2012, em Fevereiro e Março, no valor de 3.819,24€;
g) diferenças de remuneração devidas e não liquidadas, referentes ao ordenado dos meses de Março de 2015 (122,34€), Abril de 2015 (174,30€), Maio de 2015 (380€), Junho de 2015 (95€), e Julho de 2015 (70€);
h) indemnização por justa causa, em quantia não inferior a 40.029,90€;
i) juros de mora à taxa legal de 4/prct., desde as respectivas datas de vencimento até integral
pagamento, sobre a quantia peticionada.
Alega, em síntese, que:
- em 1 de Setembro de 1997 foi admitido ao serviço do Réu para, no interesse e sob as ordens, direcção e fiscalização deste último, desempenhar as funções de 'trabalhador de terra' na preparação de uma embarcação de pesca, denominada IR...;
- a sua retribuição era variável, correspondente a um valor percentual calculado em função da venda do pescado, com dedução das despesas da embarcação (ascendendo, no seu caso, e na altura, a 1 parte / quinhão), com acréscimo das denominadas sondas (uma determinada quantia calculada pelo número de vezes que a embarcação lança o 'aparelho' ao mar);
- a partir de 30 de Outubro de 1999 passou a exercer funções a bordo da embarcação, com a categoria profissional de 'pescador' / 'marítimo
- a partir de 17 de Janeiro de 2005 passou a exercer as funções de 'contramestre' e, a partir de 23 de Outubro de 2009, passou a exercer as funções de 'mestre' desta embarcação;
- não auferiu a retribuição correspondente a essas categorias, não recebendo, inclusivamente, a percentagem calculada directamente sobre o valor do pescado (primeiro de 1,5/prct., depois de 3/prct.);
- estão em falta as seguintes prestações: € 106.021,50, por conta desta retribuição percentual sobre o valor do pescado (de 1,5/prct., desde Janeiro de 2010 até Janeiro de 2012, e de 3/prct., desde Janeiro de 2012 até Julho de 2015); € 832,64, a título de diferenças remuneratórias relativas aos meses de Março, Abril, Maio, Junho e Julho de 2015; € 1.535,28 + € 3.819,24, a título de retribuição relativa aos meses de Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 2004, assim como de Fevereiro e Março de 2012 (períodos nos quais se manteve em formação, mas no âmbito das suas funções ao serviço dos Réus); € 21790,41 + € 21790,41 + € 21790,41, a título de retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal vencidos no período entre 1997 e 2015;
- em 16 de Julho de 2015, e após ser insultado e ameaçado pelo Réu na sequência das interpelações que lhe faz para pagamento de tais prestações acima indicadas, comunicou aos Réus, por escrito, a resolução do contrato de trabalho, com invocação de justa causa;
- para além do mais, no ano de 2014, o Réu constituiu a sociedade Ré, mantendo esta os trabalhadores que JMF... tinha ao seu serviço, mas mantendo o Réu a propriedade da embarcação, celebrando com a sociedade um contrato de aluguer da mesma;
- porém, esta transição não foi comunicada aos trabalhadores, não foi dado cumprimento ao disposto no art. 12° da Lei n° 15/97, de 31 de Maio, tendo esta sociedade, sem qualquer património, sido constituída de má-fé para a prossecução de um fim diferente daquele a que supostamente se destinava, razão pela qual deve a personalidade jurídica desta última ser desconsiderada e devem ambos os Réus responder, de forma solidária, pelos valores em
dívida.
Foi realizada audiência de partes, não sendo possível a sua conciliação.
Citados, os Réus contestaram, alegando que
- a constituição da sociedade Ré cumpre todos os pressupostos, formais e substanciais, sendo que todos os trabalhadores do Réu, inclusivamente o Autor, passaram a estar ao serviço desta sociedade, razão pela qual o Réu é parte, devendo ser absolvido da instância;
- impugnam todas as prestações retributivas invocadas pelo Autor, assim como todos os (restantes) factos alegados pelo mesmo para promover a cessação do seu contrato de trabalho;
- defendem que se tratou de uma denúncia contratual, sem observância do respectivo aviso prévio, sendo devida à Ré, como tal, a indemnização prevista nos arts. 399º e 401° do Código do Trabalho.
Concluem pela procedência da excepção de ilegitimidade passiva do Réu, JMF..., e, em qualquer caso, pela improcedência da acção, com a absolvição de ambos.
Em sede reconvencional, a 2ª Ré pede a condenação do Autor a pagar-lhe uma indemnização por denúncia contratual sem observância do prazo de aviso prévio, acrescida de juros de mora, contabilizados a partir da data da notificação e até efectivo e integral
pagamento.
O Autor respondeu à contestação, pugnando pela improcedência da excepção invocada, bem como da reconvenção.
Foi dispensada a realização da audiência preliminar.
Foi elaborado despacho saneador, o qual conheceu da validade e regularidade da instância, tendo o tribunal julgado improcedente a excepção de ilegitimidade invocada.
Foi dispensada a enunciação dos temas da prova.
Foi realizado julgamento com observância do legal formalismo.
A sentença julgou a acção parcialmente procedente e a reconvenção improcedente, nos seguintes termos:
a) condena a Ré, PES..., Unipessoal, Lda., a pagar ao Autor, JJM..., a quantia correspondente à retribuição do período de férias vencida nos anos de 1997, 1998, 1999, 2000, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009 (a apurar mediante incidente de liquidação);
b) condena a Ré PES... a pagar ao Autor a quantia correspondente ao subsídio de Natal vencido nos anos de 1997, 1998, 1999, 2000, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009 (a apurar mediante incidente de liquidação);
c) condena a Ré PES... a pagar ao Autor a quantia de € 9714,96, a título de retribuição do período de férias vencida nos anos de 2010, 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015;
d) condena a Ré PES... a pagar ao Autor a quantia de € 8214,96, a título de subsídio de Natal vencido nos anos de 2010, 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015 (já com a dedução das quantias entregues por conta desta prestação retributiva);
e) condena a Ré PES... a pagar ao Autor a quantia correspondente à retribuição vencida nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 2004 (a apurar mediante incidente de liquidação);
f) condena a Ré PES... a pagar ao Autor a quantia de € 3238,32, a título de retribuição vencida nos meses de Fevereiro e Março de 2012;
g) condena a Ré PES... a pagar ao Autor a quantia de €28946,00, a título de indemnização por resolução do contrato com justa causa;
h) condena a Ré PES... a pagar ao Autor os juros de mora devidos sobre cada uma das prestações acima fixadas, calculados à taxa legal, desde a data do seu vencimento até definitivo e integral pagamento;
i) absolve a Ré PES... do que mais foi peticionado pelo Autor;
j) absolve o Réu, JMF..., do pedido;
I) absolve o Autor / Reconvindo do pedido reconvencional formulado pelos Réus / Reconvintes.
Inconformada, a Ré, PES..., interpôs recurso, concluindo nas suas alegações que
1. O presente recurso tem como objecto toda a matéria de facto e de direito da sentença
proferida nos presentes autos.
2. O recorrente foi alvo do presente procedimento laboral, porquanto entende o recorrido JJM... que lhe assomavam direitos violados por aquela suficientes para a resolução de contrato de trabalho com justa causa, e consequentemente, cabendo-lhe ser indemnizado e ressarcido em quantia que veio a peticionar de 218.990,80 € (duzentos e dezoito mil e novecentos e noventa euros e oitenta cêntimos).
3. Não se conformando o recorrente do teor da petição inicial, contestou a acção e demonstrou nos autos a verdade dos acontecimentos, nomeadamente a falta de pressupostos para a resolução do contrato por iniciativa do trabalhador, bem como da inexistência de créditos.
4. Nos termos da sentença, foram dados como provados os seguintes factos, cujo teor se tem por integralmente reproduzido.
5. Na subsunção dos factos ao direito aplicável, o tribunal a quo teceu as seguintes conclusões relevantes para o presente recurso: que este contrato de trabalho é regulado pelo regime jurídico do contrato individual de trabalho a bordo das embarcações de pesca, aprovado pela Lei nº 15/97 de 31 de Maio, sem prejuízo da prevalência de disposições mais favoráveis constantes de instrumento de regulamentação colectiva, da atenção dada aos usos da profissão ou da empresa, assim como da aplicação subsidiária do regime geral consagrado no Código do Trabalho.
6. Tendo o Tribunal recorrido tomado a seguinte decisão condenatória: (...)
7. E, com o devido respeito pela decisão do tribunal recorrido, a Ré não pode concordar com a aplicação da matéria de direito e sentença tomada, se tivermos em atenção os factos dados como provados.
8. Decerto que todos concordamos que os trabalhos marítimos são complexos, e as relações entre trabalhadores, entre trabalhador e entidade patronal, são ainda laços que ou são muito forte ou não existem, atenta a vivência intensa que têm entre si.
9. É do entendimento da Ré que há factos que devem ser dados como provados e que assim não o foram, de acordo com a prova testemunhal ocorrida e que infra se transcreverá, devendo ser alterada e dada como provada a seguinte matéria: Em cada remuneração entregue ao A. pelo R. já se encontram incluídos os direitos de subsídio de Natal e férias remuneradas.
10. Porquanto existem dois meios de prova inquestionáveis: a documental e a testemunhal.
11. Tendo sido juntos recibos emitidos pela R. mas assinados em sinal de conformidade por parte do A., nos quais expressamente indicam que se encontram incluídos os referidos direitos de subsídio de Natal e férias; tais recibos aquando da junção aos autos em momento algum foram impugnados pelo A., pelo que aceitou quanto à sua veracidade e validade probatória; tais recibos foram confessados pelo A. como tendo procedido à sua assinatura e que bem sabia que ali estava inscrito o que estava a ser pago ao A. por parte do R., nomeadamente a inclusão no valor global que estava a receber.
12. E neste sentido, podemos ler o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14.07.2010, em que podemos ler no seu sumário: I— Não havendo impugnação, a autoria da assinatura de recibos deve ser considerada como verdadeira, face ao disposto no nº 1 do artº 374º CC; e estando reconhecida a autoria do documento, este faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor e que lhe sejam desfavoráveis, nos termos do disposto no artº 376º, nºs 1 e 2 do mesmo código. II — Nos termos do artº 359º, nº 1, do CC, a confissão, judicial ou extrajudicial, pode ser declarada nula ou anulada, nos termos gerais dos artgs 240º e segs. do CC, quanto à falta e aos vícios de vontade, e 285º e segs. quanto ao regime de nulidade ou anulabilidade. III — Deve ter-se como plenamente provado o recebimento, por parte do autor/trabalhador, das quantias insertas no documento/recibo por ele assinado, quando não seja impugnada a autoria e a assinatura de tal documento e não seja arguida a sua falsidade.
13. Não há dúvida que existia uma relação estreita entre A. e R., na pessoa do legal representante da aqui Recorrente, afinal têm uma relação familiar de sobrinho — tio, o A. sempre frequentou a casa e as instalações empresariais, o A. sempre acompanhou toda a movimentação e forma de actuação de ambos os RR., aquando do início da relação laboral, o acordo verbal que foi feito entre as partes assim o foi até com a mãe do A. e não com o próprio, e, acordaram verbalmente o início da relação laboral, sujeito ao que vigorava até então naquela embarcação, e que continuou a vigorar, do pleno conhecimento do A., para além de serem as práticas da pesca marítima a referida inclusão nas partes de cada um dos tripulantes de todos os seus direitos para além do quinhão, in casu, os subsídios referentes ao Natal e férias remuneradas.
14. A consideração de que a assinatura de um recibo de vencimento em que é patente a menção que naqueles valores estão incluídos os duodécimos dos subsídios não é o suficiente para fazer prova, quando o A. em momento algum reclama e/ou prova qual o valor a que tinha direito e que não lhe foi pago/liquidado; considerando e aceitando expressamente o A. que os valores recebidos em cada um dos anos desde o início da sua relação laboral até à presente se encontram correctos, aceitando expressamente que a assinatura aposta nos recibos de vencimento/documento de quitação é da sua autoria e consciência,
15. Não pode, sob pena de estarmos a vivenciar uma situação de insegurança jurídica e se aproximando da figura jurídica do abuso de direito, o A. dezoito anos depois afirmar a pés juntos que desconhecia e que não foi este o acordo, ou sequer a prática das empresas de pesca marítima.
16. Nestes termos e para alteração/aditamento da matéria de facto dada como provada, requer a reapreciação da prova gravada, com especial relevo para os seguintes: DEPOIMENTO DE AUTOR Audiência 06-06-2017 / 09:41:20 — 10:49:38 Ficheiro: … 00:00:00 — 01:08:17 JJM...; DEPOIMENTO DE RÉU Audiência 06-06-2017 / 10:49:39 — 12:52:29 Ficheiro: … 00:00:00 — 02:02:48 JMF...; DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA Audiência 07-06- 2017 / 15:22:46 — 15:30:13 Ficheiro: … 00:00:00 — 00:07:26 GUA...; DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA Audiência 07-06-2017 / 15:30:14 — 15:45:43 Ficheiro: … 00:00:00 — 00:15:27 MAR...;
DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA Audiência 07-06-2017 I 14:11:06 — 15:06:20 Ficheiro: … 00:00:00 — 00:55:13 GER....
17. Sendo assim possível aferir que não existem dúvidas que na remuneração que era entregue ao A. por parte da R., se encontravam incluídos os direitos referentes ao subsídio de Natal e férias, tal qual alegado pela R. e que ficou plenamente demonstrado quer pela prova documental, quer pela prova testemunhal, pelo que a verdade é unânime no discurso de todos, não esquecendo do depoimento das testemunhas indicadas por serem armadores à semelhança da R. demonstrando com perfeição e isenção os usos e costumes da pesca.
18. Não pode ora a R. concordar com as ilações retiradas do contraditório sem fundamento e sem prova por parte do A., ao qual bastou alegar que estava escrito mas que tal não é a mesma coisa que estar pago, alegando que nas suas contas estava em falta, como as tomadas pelo A., como as que tem vindo a tomar, apraz-nos concluir que qualquer cidadão comum, trabalhador por conta de outrem, pode fazer mão da justiça e dos nossos tribunais,
19. Face à reapreciação da prova gravada, podemos constatar que a matéria de facto dada como provada peca por ficar aquém do que se pode extrair dos factos alegados pela Recorrente, em confronto directo com os depoimentos prestados, bem como, e acima de tudo, face aos relatórios inspectivos que constam juntos dos autos — ISSA — neste procedimento inspectivo cuja iniciativa partiu do A. e de outros seus amigos, foi dado como assente e provado que de facto as remunerações dos trabalhadores da Recorrente na sua remuneração já incluem os direitos associados às férias remuneradas e subsídio de natal, devidamente pagos em duodécimos.
20. Tal que do próprio quadro exemplificativo desse mesmo relatório e conclusões finais do ISSA, nos quais questionam somente a remuneração mínima, para apurar se os valores atingem os mínimos fazem o seu cálculo com a inclusão dos referidos valores, com este relatório junto aos autos, terá que proceder em conformidade com todo o supra exposto e ver então a matéria de facto alterada, dando-se como provado que em cada remuneração entregue ao A. pelo R. já se encontram incluídos os direitos de subsídio de Natal e férias remuneradas.
21. É do modesto entendimento da Recorrente que deverá ser alterada e dada como não provada, no sentido de ser eliminada como factualidade, a seguinte matéria: 43. Tal quantia foi entregue pela Ré de forma a suportar os custos do Autor com a liquidação de IRS por anterior falta de retenção.
22. Que o Autor esteja instruído para alegar o que ora lhe for mais conveniente, é natural; que o Autor nesta senda se desculpe com fundamentações non sense, cujos documentos fazem prova contrária, também é natural; já não podemos aceitar que o douto Tribunal recorrido seja cego perante as evidências fiscais e tributárias!
23. A declaração subjacente a este facto foi assinada pelo A. na data de 26 de Março de 2015, data equivalente à entrega e pagamento da quantia de 3.000,00 € (três mil euros). Ou seja, em Novembro e Dezembro foi retida e entregues quantias que não foram na realidade descontadas ao A., o que com o pagamento ao A. e à Autoridade Tributária, a R. pagou duas vezes, após ter sofrido grave pressão por parte do A., a R. procede desta forma, errada a todos os níveis contabilísticos, saindo do seu próprio bolso as quantias entregues ao A, sem qualquer correspondência ao lucro da embarcação.
24. Taic factos são tão reais quanto as declarações tomadas pelo legal representante da R. como pelo legal representante da empresa de contabilidade — Dr. GER..., como provam os documentos junto aos autos, requerendo ainda a reapreciação da matéria gravada dos seguintes: DEPOIMENTO DE AUTOR Audiência 06-06-2017 / 09:41:20 —10:49:38 Ficheiro: … 00:00:00 — 01:08:17 JJM...; DEPOIMENTO DE RÉU Audiência 06-06-2017 / 10:49:39 — 12:52:29 Ficheiro: … 00:00:00 — 02:02:48 JMF...; DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA Audiência 07-06-2017 / 14:11:06 — 15:06:20 Ficheiro: … 00:00:00 — 00:55:13 GER...
25. Em apreciação ao entendimento livre que o Tribunal decidiu optar, um pouco no seguimento do que tem sido o entendimento livre dos trabalhadores e no caso controvertido do A. em relação ao que é um recibo de remuneração e ao que corresponde os valores entregues, não podemos deixar de observar o A. impugnou a autenticidade da assinatura, mas o relatório pericial veio contradizer e demonstrar mais uma vez que o A. está a faltar com a verdade perante o Tribunal, com a prova de que a assinatura aposta é do A., não pode ser concedido outro entendimento ao documento que não seja o que dele consta, como documento de quitação.
26. Não deixaremos de citar o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 31.05.2016: I —Estando em causa um documento particular simples que se mostra assinado pelo declarante, e cuja assinatura, imputada ao ora apelado, foi por este reconhecida, é a mesma tida como verdadeira, nos termos do n.g 1 do art.g 374.º do CC. II - Assim estabelecida a autoria do documento, o seu valor probatório é o que resulta do disposto no art.g 376.º do CC.: nos termos do n.º 1 do preceito faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, encontrando-se deste modo plenamente provado que o aqui apelado declarou quanto consta da referida cláusula terceira no sentido de ter recebido a totalidade do preço fixado, €20.000,00 já pagos, de que deu quitação, e os restantes €30.000,00 pagos na data da outorga do presente contrato, de cujo recebimento deu igualmente quitação; no que respeita à realidade dos factos afirmados ou, para utilizar as palavras da lei, dos factos compreendidos na declaração, vale a regra do n.º 2, considerando-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante. III - A confissão extrajudicial, di-lo o n.º 2 do art.º 358.º do CC, em documento autêntico ou particular - cuja autoria e genuinidade estejam estabelecidas - considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos, e se for feita à parte contrária tem força probatória plena. Daqui decorre que tal prova só cede perante a prova do contrário, consoante prescreve o art.º 347.º, vigorando no entanto as restrições que resultam do art. º 394.º do CC.
27. Passamos a citar o teor da missiva entregue pelo A. no dia 16.07.2015: (...)
28. De acordo com o estatuído no artigo 395º, nº 1 do Código do Trabalho (CT), o trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, significa isto que a resolução do contrato de trabalho, por parte do trabalhador, com invocação de justa causa, está dependente da observância por este de um requisito formal, sob pena de a resolução ser ilícita.
29. Mas, para efeitos de resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa, a sua exigência não tem por finalidade a mera prova da declaração, não visando efeitos meramente probatórios, antes condicionando a possibilidade do conhecimento judicial dos factos que, eventualmente, hajam sido determinantes da resolução.
30. A observância dos requisitos de natureza procedimental previstos no artigo 395º, nº 1 constituem condição de licitude da resolução, na medida em que dela depende a atendibilidade dos factos invocados pelo trabalhador para justificar a cessação imediata do contrato.
31. Embora esta denúncia/comunicação basta-se com uma descrição sumária de onde deriva claramente uma menor exigência formal na resolução do contrato por iniciativa do trabalhador relativamente ao despedimento por facto imputável ao trabalhador, isto não quer dizer que a declaração de resolução não deve ser cuidadosamente pensada, corretamente elaborada e sem menções genéricas ou meras remissões para normas legais.
32. Torna-se, pois, necessário materializar a alegação em factos concretos, devendo o trabalhador descrever, ainda que de forma concisa, um quadro fáctico suficientemente revelador da impossibilidade de manutenção da relação contratual.
33. Porém, para que a resolução do contrato pelo trabalhador possa ser considerada lícita, este último deve adotar o procedimento previsto no art. 395.º nº 1 do Cód. do Trabalho, ou seja, ...comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos.
34. Mas então perante a carta que foi entregue pelo A. à R. estamos perante uma situação de generalidade que para além de ser imperceptível à R. aquando do seu recebimento, permite ser explorado em sede judicial conforme for mais conveniente.
35. De facto, o Tribunal recorrido assume apenas um de todos os pontos da denúncia do dia 16.07.2015: a falta de pagamento das prestações retributivas!
36. Podemos afirmar de forma segura e convincente que na comunicação de resolução do contrato com justa causa o trabalhador tem de invocar obrigatoriamente factos concretos, não podendo alegar e invocar conclusões que extrai dos factos, nem relegar a alegação e explicitação para a petição inicial da acção que venha a instaurar contra o empregador, para efetivação dos direitos resultantes da resolução com justa causa e que se ache com direito.
37. Daqui resulta que o A./trabalhador não indicou os factos concretos, mesmo que de forma sucinta, em que justificava a resolução do contrato, conclui-se facilmente que o trabalhador não cumpriu minimamente as formalidades e exigência legais a que estrava adstrito por força do nº 1 do artigo 392º, pois, repetimos, alegou apenas e tão só vaguidades, imputações vagas e conclusivas, meros juízos de valor, matéria de direito e transcrição das normas legais.
38. Até porque, o trabalhador pode ter várias retribuições em atraso, mas não as identifica ou invoca devidamente na carta de resolução o que leva à ilicitude desta, já que a alegação e a sua demostração na respetiva ação judicial é inócua para estes efeitos, mas isso não eliminando a possibilidade de o mesmo na respetiva ação judicial os alegar e invocar — não como causa justificativa da resolução mas como crédito a que tem direito por força da lei.
39. Diz ainda o Tribunal recorrido: Partindo destas considerações, e atento o caso em apreciação, verifica-se, então, que o Autor, no dia 16 de Julho de 2015, comunicou à Ré, por escrito, a resolução do seu contrato, com invocação de justa causa, entre outros fundamentos por falta culposa de pagamento pontual da retribuição. Estando em falta, nesse momento, e como também ficou demonstrado, para além da liquidação da retribuição relativa aos meses de Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 2004 e da retribuição relativa aos meses de Fevereiro e Março de 2012, o pagamento da retribuição do período de férias e do subsídio de férias vencidos desde o início da vigência deste contrato, em 1 de Setembro de 1997.
40. Primeira consideração: referente aos anos de 2004 e 2012, tal qual como no ano de 2003, e devidamente dados como factos provados n.º 13, 18 e 29, entre A. e R. ficou acordado no início do contrato a não remuneração neste período de formação (...no âmbito do acordo descrito em 1), não foi paga remuneração).
41. A Lei 15/97 prevê que a entidade patronal deve permitir que todo o seu trabalhador progrida na sua carreira, tendo que deixar que os mesmos procedam às formações que forem necessárias, sendo tais faltas justificadas, mas naturalmente não pagas.
42. De outro modo, estamos mesmo a violar o princípio básico das relações laborais, quando se diz no art. 11.º do CT: Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas...
43. O entendimento do Tribunal vai contra o teor e intenção do legislador nos termos do art. 16.º da Lei 15/97, em que interpreta para além do sentido da lei, promovendo remuneração quando apenas se prevê o não impedimento de proceder o trabalhador a formações no âmbito da pesca.
44. É patente que deverá ser alterada a decisão de mérito no sentido de que a R. nada deve ao A., devendo ser absolvido nos termos da alínea e) da decisão ora recorrida.
45. E, assim, não ser esta falta de retribuição ser tida como fundamento para a justa causa de resolução do contrato de trabalho, até porque, não sendo uma retribuição com efeitos continuados, sobre esta alegada causa sempre se teria verificado o conhecimento do A. há mais de 30 dias, e portanto caducado o direito de invocação na missiva de denúncia.
46. Ao contrário do que vem fundamentado, na verdade há uma GRAVE omissão de pronúncia da douta decisão sobre o tempo decorrido entre o conhecimento dos factos e a entrega da carta de denúncia, pois não obstante ser um direito da R. a apreciação e impugnação quanto à consideração da denúncia apresentada em termos de tempestividade, esta apenas pode ser desconsiderada na decisão final por conta de absolver o A. do pedido reconvencional.
47. Mas nunca, tendo sido a questão suscitada em sede de contestação, como foi pela R., poderia o Tribunal não se ter pronunciado sobre a tempestividade para efeitos de preenchimento do requisito e pressuposto nos termos do art. 395.º n.º 1 do CT, porquanto, é uma excepção de conhecimento oficioso que não pode ser suprido em momento algum após a entrega/remessa da missiva, e a sua omissão de pronúncia uma nulidade do julgado.
48. Nos presentes autos, pelo menos em relação aos valores do período de formação, que supra melhor expusemos, não há dúvidas sobre a extemporaneidade da denúncia, inexistindo pois licitude no procedimento de denúncia promovida pelo trabalhador, deverá a mesma ser considerada como denúncia sem justa causa (não obstante não produzir e somente não produzir os efeitos do pedido indemnizatório nos termos do art. 399.º CT).
49. Mas, também existe clara extemporaneidade em relação aos remanescentes valores em causa: subsídio de Natal e férias remuneradas, atento que a eventual e alegada violação que o A. traz aos autos foi cessada/interrompida mais de dois anos antes da carta de denúncia, como o mesmo confessa em sede de declarações/depoimento de parte.
50. Não parece ser demais, re-afirmar que a R. considera, bem como os organismos da Autoridade Tributária, da Inspecção Geral do Trabalho e do Instituto da Segurança Social dos Açores, que os valores a estas questões respeitantes estão pagos e incluídos na remuneração que foi ao longo da relação contratual devida e integralmente pagos.
51. Ainda assim, sempre se dirá que o conhecimento destes alegados direitos pelo A. que não estavam a ser bem pagos, porque não estão discriminados na folha de vencimento, já existia há mais de trinta dias sob a data da missiva,
52. Até porque foi o próprio a alegar que já vinha a pressionar a R. para resolver aquele assunto, ao ponto de se recusar a assinar os recibos de vencimento desde o mês de Novembro de 2014 se a R. insistisse em manter os dizeres nas observações, logo o exercício do direito de resolução deveria ter ocorrido até ao final do ano de 2014 e não em Julho de 2015.
53. Há claramente uma extemporaneidade, a qual basta ser conjugada entre os documentos juntos e o depoimento/declarações de parte, não havendo justificação para não avançar no prazo legal de 30 dias para a denúncia com justa causa.
54. Devendo assim ser absolvida igualmente a R. no pagamento da indemnização arbitrada na alínea g) da decisão recorrida, porquanto a denúncia não preenche os requisitos subjectivos e de tempestividade, devendo a mesma ser considerada ilícita.
55. Caso não seja este o entendimento superior, a R. não pode deixar de articular que tendo em atenção que os usos e costumes da pesca assim o ditam, tendo em consideração que é prática da R. a inclusão dos duodécimos (ainda nos dias de hoje), não pode ser considerada falta culposa por parte da entidade patronal nos termos do art. 395.º do CT.
56. Nem sequer, se pode sustentar ou aceitar que seja arbitrada uma indemnização, porquanto a justa causa passa igualmente por se demonstrar que o comportamento da entidade patronal, que lhe possa ser imputável a título de culpa, pela sua gravidade e consequências, torne inexigível a manutenção do vínculo laboral.
57. Estes requisitos de culpa e gravidade são afastados, nos termos penalísticos, pela falta de consciência da própria R., quando no período de formação financiou todas as necessidades do A., fê-lo entendendo que actuava com legitimidade e que não havia lugar a remuneração.
58. Já quanto aos direitos, ao A. sempre lhe foi concedido o gozo de férias, em diversos períodos pré fixados com a entidade patronal e outros variáveis, recebendo na íntegra como se estivesse a trabalhar, e o subsídio de natal foi-lhe incluído na remuneração, ao que a R. apenas teve comportamentos que entendeu serem lícitos, sem prejuízo para o A.
59. Por este motivo o A. não provou que era insustentável a manutenção do vínculo contratual, nem sequer procedeu no comportamento de boa fé que entre as partes é expectável, logo não há uma impossibilidade de manutenção do vínculo contratual, pelas eventuais e alegadas retribuições em atraso que relevaram para a decisão do Tribunal recorrido.
60. Nada ficou demonstrado em relação aos créditos, os quais eventualmente reclamados pelo A., não havendo qualquer ónus de inversão de prova, cabe pois a este demonstrar e concluir pelos factos dados como provados que se encontra a R. em falta para consigo.
61. Ora, dos autos apenas verificamos que o douto Tribunal recorrido deu como provado o valor anual auferido pelo A., nada tendo ficado provado a que título a que auferiu, o que é considerado vencimento, o que é considerado subsídio de Natal e férias remuneradas, o que são ajudas de custo, o que são montantes que importem apurar.
62. Surpreendida fica a R. quando o Tribunal recorrido, sem dar como provado o que ficou acordado entre as partes, sem o A. fazer qualquer tipo de prova quanto aos valores acordados em respeito a subsídio de Natal e férias remuneradas, efectua cálculos em sentido contrário ao disposto na Lei 15/97.
63. Conforme decorre da sentença proferido pela instância recorrida, o A. auferia uma remuneração variável, paga por viagem de acordo com o valor apurado do pescado capturado pela embarcação, descontando as despesas, com a atribuição de uma percentagem de 55/prct. para a tripulação.
64. Nos termos do art. 28.° da Lei 15/97 de 31.05.1997, aplicável ao caso controvertido, o subsídio de Natal a ser atribuído ao trabalhador marítimo não tem quantitativo certo, sendo variável nos termos do que for acordado com a entidade patronal, na ausência de regulamentação colectiva e contrato de trabalho, mas, no caso de falhar estes elementos no mínimo será o correspondente ao salário mínimo em vigor.
65. Nos termos do art. 24.° do mesmo diploma legal, a remuneração das férias corresponde ao quantitativo fixado em regulamentação colectiva e/ou contrato de trabalho.
66. Mas o Tribunal recorrido, sem fazer prova, vem aplicar um cálculo matemático utilizando para o efeito uma média mensal dos últimos anos, em total discordância e em sentido contrário aos artigos 28.° e 24.° da Lei 15/97.
67. Por um lado, temos a questão da remuneração de férias, a qual, fazendo fé nas palavras do A. que foram determinantes para a tomada de decisão anterior: não houve conversa com a entidade patronal quanto a estas questões; acrescido à falta de regulamentação colectiva de trabalho e de contrato de trabalho, não se pode considerar que estejam assim preenchidos os critérios de determinação para a liquidação oficiosa e em sentido autónomo do alegado e da prova operada.
68. Por outro lado, temos a questão do subsídio de natal, o qual, igualmente fazendo fé nas palavras do A., atento que não houve acordo, não existe regulamentação colectiva nem contrato de trabalho, mas estará neste caso sujeito a um critério legal de mínimo compatível com a remuneração mensal mínima garantia, a qual tem sido variável nos últimos anos.
69. Verificamos então que também não foi dado como provado que o A. não auferiu subsídio de Natal e que o A. não usufruiu de férias remuneradas [atento que ficou provado o gozo de férias].
70. Tendo o Tribunal a quo tomado conclusões precipitadas em relação à protecção exacerbada do autor em prejuízo sério da R., quando alargou o entendimento para além do peticionado e alegado nos autos, para além dos factos dados como provados e para além do legalmente em vigor!
Termos em que e nos demais de Direito deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a sentença recorrida e, em consequência, ser a recorrente absolvido integralmente do pedido do autor. Fazendo-se, assim, a habitual e necessária JUSTIÇA.
O Autor apresentou recurso subordinado e contra-alegações, concluindo que A. Do Recurso Subordinado:
- Do Recurso da Matéria de Facto:
1. Da douta sentença, nomeadamente da matéria assente, resulta na perspectiva do Autor que se encontram em falta e deveriam ter sido dados como provados os seguintes factos:
- Entre o A. e os RR. foi celebrado acordo através do qual aquele seria remunerado pelas suas funções de Mestre Auxiliar e Mestre Principal com o valor acrescido aos seus quinhões de 1,5/prct. e 3/prct. sobre o valor bruto do pescado em lota, respectivamente; e
- Entre os RR. e o A. foi acordado o pagamento de subsídio de férias.
2. Tais factos resultaram da prova testemunhal apresentada em sede de audiência de julgamento, e afiguram-se essenciais para a boa decisão da causa e do respectivo pedido.
3. Na verdade, enquanto se encontrava a trabalhar para os RR., foi o A. progredindo na sua carreira, tendo chegado à categoria de Contramestre (ou Mestre Auxiliar) e posteriormente de Mestre Principal da embarcação.
4. De acordo com os usos e costumes da actividade, e da própria empresa, o Mestre da embarcação tem direito a uma percentagem sobre o valor bruto do pescado acrescida aos seus quinhões, conforme se verificou pelo depoimento do próprio Autor (Audiência 06-06¬2017 / 09:41:20 — 10:49:38, minutos 00:46:37 a 00:47:17), e das testemunhas MAF... (Audiência 07-06-2017 / 15:48:24 — 16:10:37, minutos 00:01:42 a 00:02:17), VEL... (Audiência 06-06-2017 / 14:13:46 — 15:36:19, minutos 00:31:09 a 00:34:04), e JOM... (Audiência 06-06-2017 / 16:45:29 — 16:52:48, minutos 00:05:01 a 00:05:50).
5. Veja-se em particular as seguintes transcrições:
«00:46:48 MANDATÁRIA A.: O mestre recebia 2 partes, era?
00:46:49 JJM...: Exatamente.
00:46:52 MANDATÁRIA A.: E depois?
00:46:54 JJM...: Mais a percentagem que o outro mestre ganhava.
00:46:56 MANDATÁRIA A.: Mais a percentagem?
00:46:58 JJM...: Acho que era 3/prct. do pescado bruto.»
«00:05:20 MANDATÁRIA A.: Ou seja, não há assim muitos mestres de embarcação aí, não é
uma profissão que haja muito, não é? Mestres de embarcação, não há?
00:05:37 JOM...: Há poucos, há poucos.
00:05:41 MANDATÁRIA A.: Há poucos, não é? Há poucos. E portanto, isto... quando eles
passam a mestres de uma embarcação, normalmente têm essa... para além dos quinhões,
têm essa benesse?
00:05:50 JOM...: Pois... Essa benesse, exactamente».
6. O pagamento desta percentagem foi acordada entre o A. e o R., em sede do acordo de trabalho entre ambos existente, aquando do início das suas funções de Mestre Auxiliar, conforme nos explicou a testemunha VEL... (Audiência 06-06-2017 / 14:13:46 — 15:36:19, minutos 00:31:58 a 00:32:48):
«00:32:20 MANDATÁRIA A.: Sim quando ele foi admitido. A minha pergunta é: quando o seu marido passou a exercer as funções de mestre, de contramestre e depois de mestre, ele presumiu ou houve um entendimento que ele passaria também a receber uma percentagem sobre o valor do...?
00:32:42 VEL...: Não, não. Isso foi falado.
00:32:46 MANDATÁRIA A.: Isso foi mesmo falado?
00:32:48 VEL...: Isso foi mesmo falado com o meu marido e foi acordado que ele iria receber uma percentagem. O que o tio lhe disse foi que estavam a passar por dificuldades e que naquele momento ele não lhe poderia pagar, mas que havia de pagar mais para a frente, o que nunca veio a acontecer até ao dia em que ele saiu, que foi em julho de 2015».
7. Bem como o declarou o próprio Autor (Audiência 06-06-2017 109:41:20 — 10:49:38, minutos 00:15:40 a 00:19:45), em particular a seguinte transcrição:
«00:19:20 JJM...: Sim, eu sempre reclamei por causa disso e já na última viagem mesmo no dia dessa discussão ou no dia a seguir, foi uma coisa assim, ele disse que o barco era dele, ele é que mandava e só ia pagar a percentagem quando ele quisesse ou então quando pusesse a minha mulher de parte.
00:19:43 MANDATÁRIA A.: Quando? 00:19:45 JJM...: Quando pusesse a minha mulher de lado. Foi as conversas que ele disse, Só te vou pagar a percentagem quando eu quiser que eu é que mando aqui e tu tens de pôr a tua mulher de lado para sempre., foi as conversas que ele teve mais coisa menos coisa».
8. Pelo que, atendendo ao acima exposto, se entende que ficou acordado com o A., pelo exercício das suas funções de Mestre Auxiliar e, posteriormente, Mestre Principal, a liquidação da quantia correspondente a 1,5/prct. e 3/prct., respectivamente, sobre o valor bruto do pescado em lota, enquanto montante acrescido à sua remuneração base.
9. Acordo este que deverá ser dado como assente na respectiva sentença, devendo a mesma ser alterada e rectificada, dando-se por provado o seguinte facto: Entre o A. e os RR. foi celebrado acordo através do qual aquele seria remunerado pelas suas funções de Mestre Auxiliar e Mestre Principal com o valor acrescido aos seus quinhões de 1,5/prct. e 3/prct. sobre o valor bruto do pescado em lota, respectivamente.
Ademais,
10. Entende o A. que careceu igualmente o Exmo. Sr. Dr. Juiz a quo de dar por provado o facto de no âmbito desta relação laboral se encontrar acordado o pagamento de subsídio de férias ao A.
11. Os recibos juntos aos autos pelos RR. como doc. N.º 10 da Contestação, datados de Fevereiro de 2011 em diante, fls. 645 e seguintes, fazem referência à inclusão de subsídio de férias e de Natal.
12. Por sua vez, os recibos datados de Março de 2015 em diante, fls. 686 e seguintes, passam a fazer referência à inclusão de «subsidio de férias, natal e férias».
13. No depoimento da testemunha GER... (Audiência 07-06-2017 1 14:11:06 —15:06:20, minutos 00:12:39 a 00:15:05) demonstra-se a sua preocupação em clarificar como se contabilizava o subsídio de férias aos trabalhadores, encontrando-se o mesmo alegadamente incluído no montante global que lhes era entregue.
14. Veja-se em particular a seguinte transcrição: «00:12:30 GER...: Pronto, as férias de inicio o que nós fazíamos era como era uma remuneração variável não era fácil estar a calcular todos os meses o que é que era o duodécimo do subsidio de natal e o duodécimo do subsidio de férias. Por forma a simplificar esta situação nós incluíamos no recibo de remuneração, portanto, descriminávamos no recibo de remunerações que estava incluído subsidio de férias e subsidio de natal. (...) Como deve compreender não é fácil nós todos os meses para 20 ou 25 trabalhadores como a remuneração é variável todos os meses obriga-nos a estar a calcular para aquela remuneração daquele mês o que é que é subsidio de férias e subsidio de natal, o que nós temos feito é calculamos qual é que seria o peso da 2 remunerações em 12 que dá uma determinada percentagem e agora todos os meses vamos aplicar à remuneração que dá naquele mês a gente considera que suponhamos daquela remuneração 85/prct. é vencimento base e o remanescente é subsidio de férias e subsidio de natal mas temos que fazer sempre para cada remuneração de cada mês. Porque depois no final do ano o subsidio de férias e o subsidio de natal tem que dar exatamente o valor mensal da remuneração média anual. Portanto o que não é fácil de certa forma estar a calcular isso todos os meses.»
15. Sendo que, aquando da averiguação feita junto à Segurança Social, o pagamento de tal subsídio aos foi dado por assente junto ao Inspector …;
16. Conforme se retira do seu depoimento (Audiência 07-06-2017 1 10:22:25 — 10:51:58, minuto 00:13:55 a 00:14:27), que agora se transcrevem: «00:14:27 …: Pronto, o que disse o senhor JMF... e o seu contabilista, que também tive oportunidade de ouvir que prestou declarações que estão registadas em auto, foi que eram pagos subsídios de férias e subsidio de natal, que inclusivamente nos recibos de vencimento dizia que inclui subsídio de férias e subsídio de natal.»
17. Assim, conclui-se pela existência de acordo celebrado entre as partes relativamente ao pagamento do subsidio de férias; já que, caso contrário, tais declarações eram inexistentes.
18. Termos em que se entende assim dever ser alterada a referida sentença, no sentido de se dar por provado o seguinte facto: Entre os RR. e o A. foi acordado o pagamento de subsídio de férias.
19. Em sede de 1° Instância, foi dado por provado o seguinte facto, cujo conteúdo desde já se questiona: «45. No âmbito do acordo descrito em 1), foi entregue ao Autor, a título de subsídio de Natal, as seguintes quantias:
a) €150,00 + € 300,00, em Dezembro de 2003;
b) € 300,00, em Dezembro de 2004;
c) C 300,00, em Dezembro de 2005;
d) € 450,00, em Dezembro de 2006»
20. O recibo pelo qual entende o Exmo. Sr. Dr. Juiz a quo ter sido liquidado o montante de €150,00 acima referido na al. a) (fls. 692, 1g recibo), não faz referência à qualidade sobre a qual tal montante é liquidado, nem dispõe de qualquer data.
21. Ademais, os recibos juntos em fls. 692 (2º recibo), 693 (1º recibo), 694 (2º. recibo), 695 (1º recibo) e 697, embora façam referência ao pagamento dos montantes a título de subsidio de Natal, o valor daí atribuído foi retirado da parcela de 55/prct. já pertencente aos trabalhadores enquanto remuneração base; sendo ficticiamente denominado de subsidio de Natal;
22. O que decorre exactamente das declarações prestadas pelo Autor (Audiência 08-06- 2017
109:49:03 — 10:57:28, minutos 00:38:00 a 00:54:49), em particular:
«00:54:29 JJM...: A gente chamava parte igual.
00:54:32 MANDATÁRIA A.: Parte igual?
00:54:36 JJM...: Tirava-se uma parte, tipo (impercetível), tirava-se
para o lado, ia juntando, e depois ao fim de 6 meses ou ao fim de 1 ano, repartia-se por
todos por igual.
00:54:41 MANDATÁRIA A.: Era tudo igual?
00:54:44 JJM...: Tudo igual. Não havia mais, nem...
00:54:46 MANDATÁRIA A.: Então isto, estes 300,00 euros era isso?
00:54:49 JJM...: (impercetível) isso. Nem nunca se falou das férias de Natal. Ele dizia mesmo que era uma parte (impercetível) que era isso».
23. Termos em que se entende dever ser alterada a sentença proferida em sede de lª instância, dando-se por não provado o facto acima exposto em 19, mantendo-se actualmente em dívida os montantes globais devidos a titulo de subsidio de Natal.
24. Desta forma devendo ser alterada a matéria de facto nos termos acima determinados, em respeito pelo disposto pelo artigo 662° nº1 e 607 nº4 do Código de Processo Civil, e sob pena de violação dos mesmos.
- Do Recurso da Matéria de Direito:
25. Verificando-se a existência do acordo celebrado entre as partes, através do qual, pelas funções de Mestre desempenhadas pelo A., os RR. pagariam a retribuição determinada pelos quinhões acrescida da percentagem de 1,5/prct. sobre o valor bruto do pescado em lota enquanto na função de Mestre Auxiliar, e 3/prct. do valor bruto do pescado em lota enquanto Mestre Principal, cabe reclamar o montante em dívida pelos RR. a este título.
26. Isto na medida em que embora tenha tal acordo sido efectuado, os RR. nunca procederam à liquidação de tais quantias.
27. Devendo, como tal, ser a R. condenada ao pagamento dos seguintes montantes, sob pena de violação do disposto pelo artigo 1º nº4 e 27º nº1 da Lei nº15/97, de 31 de Maio, pelos quais prevalece o acordo celebrado entre as partes:
- €11.946,52 (onze mil novecentos e quarenta e seis euros e cinquenta e dois cêntimos), correspondente à percentagem de 1,5/prct. do montante global bruto do pescado capturado no ano de 2010;
- €14.338,25 (catorze mil trezentos e trinta e oito euros e vinte e cinco cêntimos), correspondente à percentagem de 1,5/prct. do montante global bruto do pescado capturado no ano de 2011;
- €26.250,23 (vinte e seis mil duzentos e cinquenta euros e vinte e três cêntimos), correspondente à percentagem de 3/prct. do montante global bruto do pescado capturado no ano de 2012;
- €28.052,51 (vinte e oito mil e cinquenta e dois euros e cinquenta e um cêntimos), correspondente à percentagem de 3/prct. do montante global bruto do pescado capturado no ano de 2013;
- €21.805,33 (vinte e um mil oitocentos e cinco euros e trinta e três cêntimos), correspondente à percentagem de 3/prct. do montante global bruto do pescado capturado no ano de 2014;
- €26.451,85 (vinte e seis mil quatrocentos e cinquenta e um euros e oitenta e cinco cêntimos) correspondente à percentagem de 3/prct. do montante global bruto do pescado capturado no ano de 2015;
28. Termos em que deve ser assim alterada a sentença proferida em sede de 1ª instância, sendo deferido o pedido efectuado pelo A. de condenação da R. no valor global de €128.844,69 (cento e vinte e oito mil oitocentos e quarenta e quatro euros e sessenta e nove cêntimos).
Acresce que,
29. Entre o A. e os RR. vigorava acordo de pagamento de subsídio de férias, pelo que andou mal o Exmo. Sr. Dr. Juiz a quo quando entendeu que, encontrando-se esta obrigação omissa do regime jurídico do contrato de trabalho em embarcação de pesca, não seria devida qualquer remuneração a este titulo por parte dos RR..
30. Se dos recibos de vencimento consta como incluído o subsídio de férias, e o próprio contabilista da R., GER..., declara que do montante global liquidado se encontrava incluído o valor devido a esse título, conclui-se que foi o mesmo acordado em sede de contrato individual de trabalho.
31. Ao abrigo do disposto pelo artigo 1º nº3 da Lei n915/97, de 31 de Maio, sendo esta uma disposição mais favorável, prevalece o termo acordado em sede de contrato individual de trabalho entre o A. e os RR., sendo essa mesma quantia devida.
32. Termos em que deverá ser assim alterada a decisão proferida em sede de 1ª instância, devendo ser a R. condenada a pagar ao A. o montante de €21.790,41 (vinte e um mil setecentos e noventa euros e quarenta e um cêntimos), devido a título de subsídios de férias vencidos nos anos de 1997 a 2015. Acresce ainda que,
33. A R. ora recorrente, foi constituída pelo 1ºR com o único objectivo de se eximir às responsabilidades decorrentes da sua actividade comercial, no momento em que começaram a surgir questões, por parte dos trabalhadores, referentes aos seus direitos.
34. Conforme ficou devidamente assente em sede de 1ª instância:
«33. Em Janeiro de 2014, foi constituída a sociedade PES..., Unipessoal, Lda., com o número de pessoa colectiva 5…, com capital social no valor de €1000,00, sendo JMF... seu único sócio e gerente.
34. A partir de então, o Autor e os restantes funcionários que se encontravam ao serviço do Réu passaram a exercer as suas funções, nos termos definidos nos números anteriores, no interesse e sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré.
35. A embarcação IR… manteve-se a pertencer ao Réu, sendo cedida por um período não concretamente determinado, mediante um valor pecuniário, à Ré, para exploração.
36. Pelo menos um veículo automóvel, usado na exploração desta embarcação, foi transmitido à Ré.
37. O descrito em 33) e 34) não foi publicado mediante 'aviso' nas instalações exploradas pelos Réus.»
35. Os activos da nova empresa, 2ºR., são actualmente inexistentes
36. O 1ºR, não só não transferiu património significativo para a mesma, como manteve em seu nome a embarcação IR..., fretando-a, posteriormente, a si próprio; desta forma deduzindo a seu favor as despesas do fretamento, e angariando uma verba adicional pelo frete da embarcação, com a consequente redução das receitas do pescado e dos quinhões dos pescadores contabilizados sobre o resultado liquido da pesca.
37. Toda esta encoberta estruturada pelo 1ºR tinha como único e exclusivo objectivo proteger o seu património de qualquer responsabilidade.
38. Motivo pelo qual não foi esta transmissão comunicada aos trabalhadores, conforme se lhe impunha o artigo 12º nº3 da Lei nº15/97, de 31 de Maio.
39. Encontrando-se preenchidos os requisitos necessários à desconsideração da personalidade jurídica da R, PES..., Unipessal, Ld.g, mal andou o Meritíssimo Juiz a quo, ao não condenar solidariamente ambos os RR. nesta acção - já que só desta forma poderá a respectiva sentença atingir o seu resultado útil.
40. Termos em que deve ser assim reformulada a referida sentença, condenando-se solidariamente os RR. em tudo o acima exposto e já anteriormente fixo em sede de 1ª instância, em conformidade com o supra descrito.
8. Das Contra- Alegações:
41. O A. não nega que recebeu as quantias descriminadas nos recibos que por si foram assinados;
42. O A. nega que seja a sua assinatura que conste em todos os recibos de vencimento juntos aos autos.
43. O A. não reconhece como suas as assinaturas que constam dos recibos em fls. 475 a 504, 506 a 509, 510 (2° recibo) a 514 (1° recibo), 515 a 516, 520 a 534, 537 a 543, 543 (2º recibo) a 549, 552 a 561, 565 a 573, 578 (2° recibo), 2° recibo 579 (2° recibo), 582 (2ºrecibo), 584 a 585 (1° recibo), 587 (1° recibo), 588 (2° recibo), 590 (1° recibo), 596 (2º recibo) a 597, 599 a 600 (1º recibo), 601 (1° recibo), 602 a 604, 606 (2° recibo), 608 a 609 (1° recibo), 610 (2° recibo), 612 (1° recibo), 613 a 615 (1° recibo), 616 a 618, 622 (1° recibo), 631 (1° recibo), 632° (1° recibo), 692 a 694 (1° recibo), 695, 697.
44. No valor global entregue pelos RR. em cada um dos recibos juntos, para além da parte (quinhão) que lhe cabia enquanto remuneração base referente à sua função, e contrariamente ao declarado, não se encontrava incluído o montante devido pelos mesmos a título de subsídio de Natal, subsidio de férias ou remuneração do período de férias.
45. O contrato de trabalho celebrado entre o A. e os RR. é regulado pelo regime jurídico do contrato individual de trabalho a bordo das embarcações, disposto na Lei n°15/97, de 31 de Maio; Apenas na ausência de regulação colectiva de trabalho e desde que não contrariem a lei ou o contrato individual de trabalho, serão então atendíeis os usos da profissão ou da empresa.
46. Nunca podendo o contrato, ainda que submetido aos usos da própria empresa, ser regulado por disposições menos favoráveis ou desconformes com a lei.
47. De acordo com o artigo 28º do referido regime de trabalho a bordo das embarcações de pesca, o marítimo tem direito a subsídio de Natal, cujo montante será fixado por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou contrato individual de trabalho, nunca podendo ser inferior ao salário mínimo nacional.
48. O subsídio de Natal representa um acréscimo equivalente a um mês de retribuição do trabalhador, conforme assim o dispõe o artigo 263° n°1 do Código do Trabalho.
49. A remuneração do tempo de férias do marítimo é obrigatória ao abrigo do Código do Trabalho, artigo 264° n°1, e do artigo 24° n°1 da Lei n°15/97, de 31 de Maio.
50. Cabe sempre ao trabalhador, ainda que nestes casos de rendimentos variáveis, chegar a casa com o salário mínimo mensal garantido por lei, enquanto mínimo condigno de vida em sociedade; bem como com o devido subsidio de Natal e férias remuneradas.
51. Os montantes pagos a titulo de subsídios de Natal e férias devem resultar da percentagem atribuída ao armador, e nunca da percentagem que já cabe aos trabalhadores enquanto remuneração base dos mesmos, conforme depoimento prestado por JFL... (Audiência 06-06-2017 115:41:54 — 15:51:57, minutos 00:04:27 a 00:04:41), que se transcreve:
« 00:04:27 MANDATÁRIA RR.: E em relação ao subsídio de Natal como é que ele é pago? 00:04:29 JFL...: É da mesma forma.
00:04:33 MANDATÁRIA RR.: Mas estes montantes estão incluídos na remuneração no acordo dos 55 ou é à parte? Ou sai dos 45 que cabe ao armador?
00:04:41 JFL...: Não, isso sai da parte dos 45, que sai do armador como é lógico.»
52. Os recibos entregues pelo 1ºR., e posteriormente pela R. ora recorrente, PES..., Unipessoal, Ld.ª, não fazem a discriminação da qualidade dos montantes liquidados; apenas referindo um valor global; por isso violam o disposto pelo artigo 29º da Lei 15/97, de 31 de Maio.
53. Até Janeiro de 2011, inclusive, não existe qualquer referência nos recibos de vencimento que suporte a utilização do regime de duodécimos nos pagamentos efectuados pelos RR. ao A.; sendo esta expressão utilizada a partir de Fevereiro de 2011 como uma táctica engenhosa de ocultar a falta de retribuições devidas aos trabalhadores.
54. A referência à remuneração em tempo de férias apenas surge em momento ulterior (Março de 2015), sendo que até então apenas se faz referência ao pagamento de subsídio de férias..
55. É falsa a inclusão nos respectivos recibos dos montantes devidos a título de subsídio de Natal, subsídio de férias ou qualquer remuneração do período de férias; não se automatizando da remuneração base (quinhão) qualquer subsídio alegadamente calculado.
56. Conclusão esta retirada pela inspecção efectuada pela Segurança Social, a cargo do Sr. Inspector …; bem como, confessada pelo R. no seu depoimento (Audiência 06-06¬2017 110:49:39 — 12:52:29, minutos 01:06:48 a 01:08:26) que se transcreve:
«01:06:48 MERITÍSSIMO JUIZ: O que o senhor me está a dizer é que já está incluído na própria parte?
01:06:52 JMF...: Exactamente. Porquê? Porque nós... Para já é difícil fazermos um cálculo porque os nossos resultados são variáveis, eu nunca posso dizer eu este mês vou ganhar 500, para o mês que vem vou ganhar 1000. Não posso! Na pesca, vive-se do resultado, e sabemos perfeitamente que quanto melhor for o resultado, melhor serão os ordenados do pessoal. E depois, nós não especificamos isso porquê? Porque o nosso acordo laboral verbal já engloba isso. Nós sabemos perfeitamente... para mim até era benéfico senhor doutor. Eu se quisesse dar um ordenado ou se um trabalhador quisesse receber à parte o subsídio de Natal e as férias gozadas e uma série de coisas, não tinha problema nenhum, porque e só beneficiava com isso, eu neste momento beneficiava e era bastante com isso! 01:07:40 MERITÍSSIMO JUIZ: Senhor JMF… (imperceptível). Vamos tomar aqui um exemplo dum pescador que recebe um quinhão, uma parte, certo? 01:07:47 JMF...: Ok...
01:07:49 MERITÍSSIMO JUIZ: Daquele bolo dos 55/prct. é retirada uma parte para um dado pescador, que não tinha que ser o JJM..., vamos lá ver uma coisa, e que essa parte, damos também aqui um exemplo, depois em euros corresponde a 700,00 euros. Vamos admitir, pode ser mais, pode ser menos, mas vamos admitir. Esses 700,00 euros que corresponde à parte desse pescador é uma coisa. Outra coisa depois é o valor que é calculado em função desses 700,00 euros que corresponde ao duodécimo dos subsídios. Não está a perceber?
01:08:22 JMF...: Estou a perceber doutor.
01:08:26 MERITÍSSIMO JUIZ: É que o que o senhor me está a dizer é que, naqueles 700,00 euros, que correspondem à parte daquele pescador já está lá o subsídio. Mas como é que isso é possível, quando é a partir exactamente daquele valor de 700,00 euros que depois é calculado a mais o valor dos subsídios?
57. Acresce que no seguimento do entendimento dado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, de 19 de Abril de 2017, disponível em www.dgdlisboa.pt, que teve por relatora Paula de Jesus Jorge dos Santos, o facto de ter o A. assinado alguns dos recibos juntos aos autos, não significa que pelos mesmos se prove o pagamento dos subsídios de Natal e do período correspondente a férias, uma vez que não existe valor confessório sobre os direitos indisponíveis e, como tal, irrenunciáveis.
58. O facto de ser uso da empresa o não pagamento de qualquer subsídio ou a não remuneração do tempo de férias, não torna esta prática conforme com a lei.
59. Devendo ser assim mantido como não provado que em cada remuneração entregue ao A. pelo R. já se encontram incluídos os valores devidos a título de subsidio de Natal e férias remuneradas.
Acresce que,
60. A quantia de €3.000,00 foi entregue pelo R. ao A. por motivo de anterior falta de retenção na fonte sobre a totalidade dos seus rendimentos declarados pelos RR.; e para fazer face às despesas por este último a suportar com o pagamentos de IRS.
61. Os RR. declararam às Finanças um pagamento de remunerações superior ao que efectivamente liquidaram ao A..
62. Ainda que assim não fosse, uma vez que lidamos com créditos laborais e, como tal, direitos indisponíveis e tão quanto irrenunciáveis, ainda que tivesse sido efectuada qualquer declaração de quitação por parte do A. sobre os referidos créditos laborais, sempre a mesma não teria qualquer valor. Conforme aliás, nos elucida o sumário do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 04 de Julho de 2011, disponível em www.dgsi.pt, que teve por relactor António José Ramos. Cabendo à R. liquidar os montantes em dívida.
63. Pelo que deverá este facto ser mantido como provado.
64. Tendo sido recebida pela R., a 16 de Julho de 2015, carta pela qual procedia o A. à resolução do contrato de trabalho ao abrigo do disposto pelo artigo 394º e 395º do Código do Trabalho, teria aquela o espaço de 1 ano para declarar qualquer ilicitude patente na mesma, ao abrigo do disposto pelo artigo 398º n°2 daquele mesmo código.
65. O A. apenas foi citado para efeitos de pedido de impugnação da ilicitude da referida resolução por parte dos RR. a 7 de Outubro de 2016;
66. Pelo que, encontra-se caducado o direito dos RR.
67. As causas justificativas apresentadas pelo A. na carta enviada para efeitos de resolução do contrato de trabalho existente com os RR. encontram-se bem identificadas e concretizadas; Tendo todas cabimento legal no âmbito das causas justificativas de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador, ao abrigo das alíneas a) e f) do nº2 e n°5 do artigo 394° do Código do Trabalho.
68. A manutenção da relação laboral entre o A. e os RR. era inviável atendendo à gravidade e culpa patente nas infracções e comportamentos destes últimos que estiveram na base da resolução o contrato de trabalho por parte do A.
69. No entendimento dado pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 9 de Março de 2015, face às cartas de resolução de contrato de trabalho por justa causa «(...) não se exige uma descrição circunstanciada dos factos, como acontece na nota de culpa, que é necessário dar a conhecer ao trabalhador todos os factos que lhe são imputáveis, mas somente enunciar os fundamentos da resolução imediata de forma que permita ao empregador avalizar dos mesmos e, se necessário, a apreciação judicial da justa causa. Existe, assim, no caso de resolução do contrato por iniciativa do trabalhador uma menor exigência (...).»
70. Ainda que assim não fosse, e tendo sido a impugnação da resolução do contrato por parte dos RR. apresentada em tempo sempre se daria a hipótese de o trabalhador especificar com maior detalhe as causas que levaram à sua decisão de resolver o contrato com a entidade empregadora, ao abrigo do disposto pelo ngzi do artigo 398° do Código do Trabalho, e até ao termo do prazo para contestar — neste caso para apresentar a resposta à reconvenção.
71. Devendo ser igualmente mantida a decisão proferida em sede de 1ª instância quanto à matéria acima exposta, com a manutenção da sentença condenatória contra a R. face a todos os créditos laborais reclamados e em falta.
Termos em que se fará assim a devida Justiça!
A Exma Procuradora Geral Adjunta, junto deste Tribunal da Relação, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Os autos foram aos vistos aos Exmos Desembargadores Adjuntos.
Cumpre apreciar e decidir
II — Objecto
Nos termos do disposto nos art 635° n° 4 e 639° n°1 e 3 do Código de Processo Civil,
aplicáveis ao caso ex vi do art. 1°, n° 2, alínea a) e 87º nº 1 do Código de Processo do Trabalho, é pelas conclusões que se afere o objecto do recurso, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
No presente caso, atendendo ao teor das conclusões, as questões a que cumpre dar resposta no presente recurso são as seguintes
- da nulidade da sentença (possibilidade do seu conhecimento);
- se o tribunal a quo errou na decisão da matéria de facto, quanto à matéria impugnada (recursos principal e subordinado);
- se o tribunal a quo errou ao condenar a Ré no pagamento aos Autor nos créditos referentes a férias, subsídio de Natal e retribuições referentes aos meses em que o Autor esteve em formação (recurso principal);
- se o tribunal a quo errou ao não condenar os Réus a pagar ao Autor a percentagem acordada entre as partes a título de acréscimo à remuneração base devida pelas funções de mestre de embarcação (recurso subordinado);
- se o tribunal a quo errou ao não condenar os Réus a pagar ao Autor subsídio de férias (recurso subordinado);
- se o tribunal a quo errou ao não condenar os Réus solidariamente (recurso subordinado);
- se ocorre justa causa para a resolução do contrato pelo Autor — possibilidade do seu conhecimento (recurso principal).
III — Fundamentação de Facto
São os seguintes os factos considerados provados pela primeira instância
1. Em 1 de Setembro de 1997, JJM... e JMF..., familiares, ajustaram entre si, de forma verbal, um acordo ao abrigo do qual o Autor prestava, no interesse e sob as ordens, direcção e fiscalização deste último, mediante uma retribuição, as funções de preparação 'em terra' da embarcação registada com o n° …, denominada IR....
2. Tal preparação 'em terra' da embarcação consistia, pelo menos, em: esticamento do 'aparelho', execução de 'estralhos' e de 'pedra', preparação de gamelas.
3. No âmbito deste acordo, a retribuição era variável, correspondendo a uma 'soldada' / 'quinhão', valor percentual calculado em função da venda do pescado capturado em cada 'viagem', deduzidos os gastos da embarcação (entre eles o combustível).
4. Nos termos descritos nos números anteriores: achando-se o valor total da venda do pescado, deduzidos os gastos da embarcação, 45/prct. era entregue ao dono da mesma, enquanto que a restante percentagem, 55/prct., destinava-se aos pescadores e 'trabalhadores de terra'.
5. Em datas e número de vezes não concretamente determinados, ao Autor, no âmbito deste acordo, chegou a ser paga uma retribuição em valor abaixo da 'remuneração mínima mensal garantida'.
6. No ano de 1999, por sugestão do Réu, o Autor foi inscrito num curso de formação para 'pescador', com vista a exercer funções a bordo da embarcação.
7. Tendo concluído esse curso em Outubro de 1999.
8. Em 17 de Julho de 2000, após concluir este curso, o Autor foi inscrito como 'marítimo', titular de cédula marítima com o nº 11594.
9. E, a partir de então, o Autor passou a integrar o rol dos marítimos que constituem a tripulação da embarcação IR....
10. Embarcando no dia 10 de Agosto de 2000, para o exercício das funções de 'pescador'.
11. Em Maio de 2003, o Autor, por sugestão do Réu, foi inscrito, por este último, num curso de formação para 'arrais de pesca local'.
12. E deslocou-se a Vila do Conde para frequentar esse curso e fazer o exame.
13. Durante esse mês de Maio de 2003, ao Autor, no âmbito do acordo descrito em 1), não foi paga a retribuição.
14. Em 15 de Setembro de 2003 foi averbada na cédula marítima a categoria de 'arrais de pesca local'.
15. Em Dezembro de 2003, por sugestão do Réu, o Autor deslocou-se para fora da Região dos Açores para:
a) frequentar um curso de 'arrais de pesca' e fazer o exame;
b) frequentar, na Forpescas, um curso de formação para 'contramestre pescador', que decorreu desde 10 de Dezembro de 2003 até Abril de 2004.
16. Em 7 de Abril de 2004, o Autor realizou um exame de avaliação para a categoria de 'arrais de pesca', sendo considerado 'apto'.
17. Em 7 de Maio de 2004, o Autor realizou um exame de avaliação, obtendo a classificação de '15 valores'.
18. Durante os meses de Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 2004, ao Autor, no âmbito do acordo descrito em 1), não foi paga a retribuição.
19. A partir de datas não concretamente determinadas, mas entre, pelo menos, os anos de 2005 e 2008, o Autor, nos termos descritos em 1), 3) e 4), passou a receber, como retribuição, um quinhão correspondente a 1 + 1/4.
20. Mais tarde, passou a receber um quinhão correspondente a 1 +1/2, e, mais tarde, 2 quinhões.
21. Entre os anos de 2007 e 2008 passou a exercer funções de 'mestre auxiliar' da embarcação.
22. Pelo menos a partir de 22 de Fevereiro de 2009, passou a receber, nos termos descritos em 1), 3) e 4), uma retribuição correspondente a 2 + 1/2 quinhões.
23. E a partir de 13 de Abril de 2010 passou a receber, nos mesmos termos, uma retribuição correspondente a 3 quinhões.
24. A partir de Maio de 2010, o Réu deixou de entregar ao Autor e restantes funcionários um recibo com a menção discriminada dos valores correspondentes aos quinhões de cada um
25. E passou a emitir recibos electrónicos.
26. Com menção a uma importância de 'ajudas de custo', cujo valor ainda integrava o quinhão de cada um.
27. Em Fevereiro de 2012, nos termos descritos em 11), o Autor deslocou-se a Vila do Conde para frequentar um curso de formação para 'mestre costeiro pescador'.
28. Em 12 de Abril de 2012, o Autor realizou um exame de avaliação para a categoria de 'mestre costeiro pescador', sendo considerado 'apto'.
29. Durante os meses de Fevereiro e Março de 2012, ao Autor, no âmbito do acordo descrito em 1), não foi paga a retribuição.
30. Pelo menos em Agosto de 2012, passou a exercer as funções de 'mestre' da embarcação.
31. Nessa altura, sem 'dividir' funções com o 'mestre' mais antigo, M ….
32. Enquanto vigorou o acordo descrito em 1), desde 1 de Setembro de 1997, e não obstante a embarcação ter períodos de pausa (no Natal, na Páscoa, nas Festas do Santo Cristo e quando era necessário proceder à sua reparação), o Autor não gozou período de férias.
33. Em Janeiro de 2014, foi constituída a sociedade PES..., Unipessoal, Lda., com o número de pessoa colectiva 5…, com capital social no valor de € 1000,00, sendo JMF... seu único sócio e gerente.
34. A partir de então, o Autor e os restantes funcionários que se encontravam ao serviço do Réu passaram a exercer as suas funções, nos termos definidos nos números anteriores, no interesse e sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré.
35. A embarcação IR… manteve-se a pertencer ao Réu, sendo cedida por um período não concretamente determinado, mediante um valor pecuniário, à Ré, para exploração.
36. Pelo menos um veículo automóvel, usado na exploração desta embarcação, foi transmitido à Ré.
37. O descrito em 33) e 34) não foi publicado mediante 'aviso' nas instalações exploradas pelos Réus.
38. Em 16 de Julho de 2015, o Autor apresentou junto do Réu uma carta com o seguinte teor:
Venho, nos termos do art. 394º do Código do Trabalho, comunicar a resolução imediata do contrato de trabalho convosco mantido desde 01.09.1997 até esta data, em consequência dos seguintes factos:
1. Continua a não ser paga a remuneração a que tenho direito;
2. Nomeadamente a percentagem que, como mestre, me é devida, nos termos dos usos e do art. 27º da Lei nº 15/97;
3. Assim como dias de descarga referentes a Abril, as partes que me são devidas e as prestações devidas pelas sondas;
4. Há mais de 60 dias que estão em falta os subsídios de Natal, férias e pagamento destas;
5. Persistindo as folhas de vencimento na violação do dever de discriminação das importâncias recebidas, previsto no art. 29º da referida Lei nº 15/97, porquanto, como é fácil de contabilizar, não incluem quaisquer montantes referentes aos ditos subsídios;
6. Não me é concedido sequer o direito ao gozo de férias remuneradas;
7. Confrontado com tudo isto, ainda fui sujeito a ser maltratado, por diversas vezes nas últimas semanas, nomeadamente diante da minha mulher, e, no passado dia 10 de Julho, sexta-feira, na embarcação, com injúrias e ameaças por parte de V. Exa.;
8. Tendo prescindido dos meus serviços durante todo o sábado, dia 11 de Julho, mandando-me embora do meu local de trabalho e não me dirigindo sequer a palavra;
9. Pelo que, face à gravidade da situação, e tanto mais que o meu beliche é partilhado, em mar alto, com quem me fez as ameaças e me mandou embora, não me resta outra solução que não a presente resolução;
10. Desde já se invoca a desconsideração da personalidade jurídica da recém-criada sociedade unipessoal, PES..., nos termos do art. 334° do Código Civil, porquanto toda a sua laboração e comércio são exactamente o mesmo que a V. actividade mantida desde 1997 como empresário em nome individual.
Termos em que requeiro o apuramento e respectivo pagamento de todas as quantias que me são devidas, aditando-se, nos termos do art. 396º do Código do Trabalho, a respectiva indemnização a que tenho direito.
39. Os Réus declararam, para efeitos de Segurança Social, como rendimentos pagos ao Autor, os seguintes valores:
a) ano de 2010 - € 16464,11
b) ano de 2011 - € 18920,89;
c) ano de 2012 - € 17562,40;
d) ano de 2013 - € 33359,20;
e) ano de 2014 - € 26519,44;
f) ano de 2015 - € 13468,21.
40. O valor 'bruto' do movimento em lota, obtido pelos Réus, foi de:
a) ano de 2010 - € 796434,41;
b) ano de 2011 - 955883,58;
c) ano de 2012 - € 875007,57;
d) ano de 2013 - € 935083,63;
e) ano de 2014 - 133043,38;
f) ano de 2015 - 881728,39.
41. O Autor apôs a sua assinatura num escrito com o seguinte teor: Eu, JJM... (...), declaro para todos os devidos efeitos que já recebi da empresa, PES…, S.U., Lda. (...), minha entidade empregadora, todos os créditos que me são devidos até à presente data. Ponta Delgada, 26 de Março de 2015.
42. No âmbito do descrito no número anterior, a Ré entregou ao Autor, mediante cheque, a quantia de € 3000,00.
43. Tal quantia foi entregue pela Ré de forma a suportar os custos do Autor com a liquidação de IRS por anterior falta de retenção.
44. Nas circunstâncias descritas em 11), 12), 15), 16), 27) e 28), o Réu pagou a alimentação, os alojamentos e as deslocações do Autor.
45. No âmbito do acordo descrito em 1), foi entregue ao Autor, a título de subsídio de Natal, as seguintes quantias:
a) € 300,00, em Dezembro de 2003; - Alterado conforme decisão infra
b) € 300,00, em Dezembro de 2004;
c) € 300,00, em Dezembro de 2005;
d) € 450,00, em Dezembro de 2006.
46. Entre, primeiro o Réu, e depois a Ré, e o Autor, foi acordado o pagamento do subsídio de férias. — Aditado conforme decisão infra
IV — Apreciação do Recurso da Matéria de Facto
As partes não se conformam com a resposta dada pelo Tribunal a quo à factualidade por si alegada e que pretendem ver alterada.
Como se sabe, o julgamento da matéria de facto constitui o principal objectivo do processo laborai declaratório, pois é da matéria provada e não provada que depende o resultado da acção.
Neste sentido, determina o art. 662° do CPC que 1. A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Substituiu-se a possibilidade de alterar a matéria de facto, a que se referia o art. 712° n°1 do CPC anterior, pelo dever de o fazer, dado que o actual preceito é imperativo, sempre que a reapreciação dos meios de prova determine um resultado diverso do alcançado pela primeira instância.
Como afirma António Geraldes, Com a nova redacção do art. 663º pretendeu-se que ficasse claro que, sem embargo da correcção, mesmo a titulo oficioso, de determinadas patologias que afectam a decisão da matéria de facto e também sem prejuízo do ónus de impugnação que recai sobre o recorrente e que está concretizado nos termos previstos no art. 640°, quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, a Relação deve alterar a matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência. E ainda o mesmo Autor, É verdade que a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.° não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter. Mas se a Relação, procedendo à reapreciação dos meios de prova postos à disposição do tribunal a quo, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados a convicção acerca da existência de erro deve proceder à correspondente modificação da decisão.
Os Recorrentes cumpriram os ónus supra referidos, que impendem sobre quem impugna a matéria de facto, a saber, indicando os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, e os concretos meios probatórios que impõem, na sua tese, decisão diversa da recorrida, pelo que se impõe apreciar se deve ser alterada a matéria de facto nos termos invocados
Analisemos os factos impugnados
Recurso Principal (Ré)
Pretende a Ré seja considerado provado que: em cada remuneração entregue ao Autor pela Ré já se encontram incluídas os direitos de subsídio de Natal e férias remuneradas.
O Tribunal a quo considerou não provado que A Ré tenha entregue ao Autor, desde 1 de Setembro de 1997 até à cessação do acordo descrito em 1), para além do descrito em 45), qualquer prestação pecuniária a título de retribuição do período de férias e subsídio de Natal.
Fundamentou a sua decisão nos seguintes moldes: o único elemento concreto que aqui se apresentava era o conjunto de recibos de vencimento junto aos autos, especialmente os que, a partir de cada altura, fazem a seguinte menção: inclui subsídio de férias e de Natal. Partindo daqui, quer os trabalhadores dos Rés que prestaram depoimento, quer o técnico oficial de contas da empresa, G…, refugiaram-se sempre nesta ideia: segundo é prática corrente, os subsídios (férias e Natal) estão incluídos na retribuição. Não há, contudo, qualquer discriminação nestes recibos, qualquer menção que vá minimamente para além daquela referência vaga e genérica acima realçada. Estando em presença de uma retribuição variável, é de todo impossível considerar como provado o pagamento destas prestações retributivas simplesmente com base nesta ideia indeterminada, espelhada nos tais recibos, segundo a qual os subsídios estão incluídos na retribuição. Face ao teor indefinido desses recibos quanto a tais subsídios, considerando, igualmente, que o Autor negou, em audiência, que os mesmos lhe tenham sido liquidados, o Tribunal não pode concluir pela demonstração do pagamento de tais prestações com a ressalva do descrito em 45).
Determina o artigo 342º nº1 do C.Civil que aquele que invocar um direito deve fazer a prova dos factos constitutivos do direito invocado. E nos termos do nº2, a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.
Desta regra resulta que a prova do pagamento, que é uma das formas de cumprimento da obrigação, da retribuição de férias e do subsídio de Natal, porque se trata de um facto extintivo destas obrigações, fica a cargo do devedor, neste caso, da Ré.
Para facilitar a demonstração do facto, o artigo 787º nº1 do C.Civil determina que [Q]uem cumpre a obrigação tem o direito a exigir quitação daquele a quem a prestação é feita (...), podendo o autor do cumprimento recusar a prestação enquanto a quitação não for dada, assim como pode exigir a quitação depois do cumprimento (cfr. 02)
No Código do Trabalho e de acordo com o disposto no seu artigo 276º nº3 [A]té ao pagamento da retribuição, o empregador deve entregar ao trabalhador documento do qual constem a identificação daquele, o nome completo, o número de inscrição na instituição de segurança social e a categoria profissional do trabalhador, a retribuição base e as demais prestações, bem como o período a que respeitam, os descontos ou deduções e o montante líquido a receber. Esta exigência, no entanto, não corresponde a uma regra de direito probatório, que determine que para a prova do cumprimento da obrigação retributiva é necessário a apresentação de documento com as descritas características. O incumprimento do disposto neste preceito legal dá lugar apenas à contra-ordenação prevista no seu nº 4. Isto significa que a lei não exige documento escrito para a prova do pagamento da retribuição (cfr. art. 364º nº1 C.Civil).
Analisemos a prova documental invocada pela recorrente em abono do desiderato factual que pretende alcançar, a saber, os recibos juntos aos autos.
A Ré defende, quanto a estes, que Tendo sido juntos recibos emitidos pela R. mas assinados em sinal de conformidade por parte do A., nos quais expressamente indicam que se encontram incluídos os referidos direitos de subsídio de Natal e férias; tais recibos aquando da junção aos autos em momento algum foram impugnados pelo A., pelo que aceitou quanto à sua veracidade e validade probatória; tais recibos foram confessados pelo A. como tendo procedido à sua assinatura e que bem sabia que ali estava inscrito o que estava a ser pago ao A. por parte do R., nomeadamente a inclusão no valor global que estava a receber; (sic conclusão 11 e fls 12 das alegações).
Vejamos
O recibo é um documento particular, ao qual a lei não confere um valor probatório especial, a não ser a presunção a que se refere o artigo 786º do C.Civil, que não tem qualquer relevo para o presente caso. Veja-se também que o artigo 787º do C.Civil confere àquele que cumpre a obrigação o direito de exigir quitação daquele a quem a prestação é feita, devendo a quitação constar de documento autêntico ou autenticado ou ser provida de reconhecimento notarial, se aquele que cumpriu tiver nisso interesse legítimo. (sic), o que significa que, sendo contestado o pagamento, a existência de recibo não o faz presumir, não invertendo o ónus da prova.
Nos termos do disposto no art. 374º do C. Civil, A letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras. (sic nº1) E o nº 2. Se a parte contra quem o documento é apresentado impugnar a veracidade da letra ou da assinatura, ou declarar que não sabe se são verdadeiras, não lhe sendo elas imputadas, incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade.
A este nível, os documentos não foram impugnados.
O artigo 376º do C.Civil, determina que 1. O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.
2. Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão.
Ensinam Antunes Varela e outros, Relativamente aos documentos particulares, seja qual for a modalidade que revistam ... uma vez provada a autoria da letra e assinatura, ou só da assinatura, tem-se por plenamente provado que o signatário emitiu todas as declarações constantes do documento, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade deste (art. 376º, 1). Mas nem todos os factos referidos nessas declarações se têm por provados.
Como provados — plenamente provados — apenas se consideram os factos que forem desfavoráveis ao declarante. (sic)
Como se afirma no Acórdão do STJ de 16-10-20085 Este regime de prova plena não veda, contudo, que se permita ao declarante a prova, por outro meio, de que o ali declarado não correspondeu à sua vontade ou que esta foi afectada por qualquer vício do consentimento (erro, dolo, coacção, simulação, etc.) (Cfr-se Pires de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, 1, 376, Gonçalves Sampaio, A Prova por Documentos Particulares, 115, A. Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 525, Manuel de Andrade, NEPC, 232). Tem sido mesmo muito abundante a jurisprudência deste tribunal, no sentido de que tal prova plena se reporta à materialidade das declarações e não à exactidão do conteúdo destas, podendo, quanta a esta, o autor do documento produzir livremente prova (vejam-se, exemplificativamente, em www.dgsi.pt, os Ac.s de 30.9.2004, 18.11.2004, 17.4.2005, 24.10.2006, 19.12.2006, 22.3.2007, 12.7.2007, 12.9.2007 e 17.4.2008). (sic)
Do exposto e ainda do disposto nos artigos 352º, 355º nº4º, e 358° nº2 do C. Civil, resulta que as declarações atribuídas ao autor do documento particular, se contrárias aos seus interesses, estão plenamente provadas por confissão (extrajudicial), o que desde logo afasta a admissão de prova testemunhal, por força do disposto no artigo 393º nº2 do C.Civil
Como se sabe, porém, factos há cuja realidade não pode ser estabelecida por confissão. É o que determina o artigo 354° do C.Civil, nos termos do qual A confissão não faz prova contra o confitente:
(...) b) Se recair sobre factos relativos a direitos indisponíveis; (sic)
Como afirma Lebre de Freitas, Em sua consequência, sempre que a disposição dum direito subjectivo atribuído pelo ordenamento não possa ter lugar por mera vontade das partes, tão pouco poderá ter lugar a confissão dum facto que tenha idêntico efeito dispositivo ou seja elemento duma factispecie complexa com tal efeito.
Considerou-se assim a confissão, porque acto de vontade do confitente (independente embora da vontade dos respectivos efeitos ...), inidónea para a prova desses factos, cuja realidade só por outros meios pode ser estabelecida.
Volvendo ao caso que nos trouxe a decidir, temos que a Ré emitiu recibos, assinados pelo Autor, sendo que em nenhum desses recibos consta o valor que este recebeu a título de retribuição de férias e subsídio de Natal, embora, a partir de Fevereiro de 2011 (cfr fls 645), resulte de cada um deles que inclui Subsídio de Férias e de Natal, e, mais tarde, a partir de Abril de 2015 (cfr. fls 686), que Inclui Subsídio de Férias Natal e férias
Na altura em que os recibos foram emitidos, e em que, portanto, se constituiu o meio de prova, o Autor estava ao serviço da Ré, sendo certo que, como é pacificamente aceite, quer pela doutrina quer pela jurisprudência, a indisponibilidade de direitos de natureza pecuniária, como é o caso do direito à retribuição de férias e subsídio de Natal, vigora durante a vigência do contrato de trabalho.
Isto significa que a declaração subjacente aos documentos em causa, a saber, aos recibos, de que o Autor recebeu as quantias ali referidas, que incluiriam a retribuição de férias e o subsídio de Natal (e de férias), não faz prova plena desses factos, não tendo valor confessório. Portanto, cumpre analisar a demais prova produzida, a testemunhal, indicada pela Ré e pelo Autor, para aquilatar se aquela logrou demonstrar que as férias e o subsídio de Natal (de férias) já estavam incluídos nas quantias que pagou ao Autor.
Este tribunal ouviu, acerca desta matéria, todos os depoimentos prestados, incluindo o do Autor e o do sócio gerente da Ré. E depois de analisarmos tal prova, não nos merece censura a resposta dada à matéria de facto ora contestada, pois não detectámos qualquer desconformidade entre tais elementos de prova e aquela resposta, sendo certo que também entendemos que a Ré não logrou demonstrar o facto cuja resposta pretende ser positiva.
Vejamos
JMF..., representante da Ré, declarou que a retribuição do Autor, bem como dos seus colegas de trabalho, era variável e dependia do apuro de cada viagem, pelo que as quantias auferidas pelo Autor e pelos demais trabalhadores, já englobavam o subsídio de Natal e as férias.
As testemunhas arroladas pela Ré referiram que as suas retribuições variavam conforme o pescado e as respectivas percentagens a que tinham direito no cômputo geral da embarcação, e que os subsídios já estavam incluídos nas quantias que recebiam, argumentando que sempre foi dessa maneira. No entanto, não souberam esclarecer como eram calculados os valores dos subsídios, tendo em conta a retribuição variável que recebiam, não sabendo dizer o concreto valor dos subsídios e férias que estavam efectivamente incluídos.
As testemunhas indicadas pelo Autor, por sua vez, declararam que, embora dos recibos constasse que recebiam os subsídios e as férias, deles não resultava um valor superior àquele que era a respectiva soldada, como deveria constar caso os subsídios estivessem incluídos nas quantias que recebiam (cfr. depoimentos de JJM..., JOS…, RUS…, todos pescadores, e VEL..., esposa do Autor e a quem o mesmo entregava o dinheiro para o governo da casa).
De facto, a análise dos depoimentos permite concluir que a Ré não logrou fazer prova de que as quantias que resultam dos recibos, e que eram pagas ao Autor, já incluíam o subsídio de Natal e a retribuição de férias. Sendo a retribuição variável, a prova não era de fácil concretização, mas, precisamente por ser variável, com certeza que, anualmente, haveria que fazer acertos nos pagamentos com vista à concretização do pagamento desses subsídio e férias, o que tão pouco resulta dos autos. Por outro lado, deveria a Ré ter sido capaz de explicar como calculava tal subsídio e retribuição de férias, o que também não logrou fazer.
E não foi dado, em concreto, qualquer exemplo de uma situação em que a soldada fosse uma e o recebido pelo Autor se traduzisse numa quantia superior, a justificar se considerassem incluídos o subsídio e as férias.
Relativamente aos relatórios inspectivos referidos pela Ré, desde logo esta não indica quais as passagens dos mesmos que infirmam o alegado pelo Autor quanto ao subsídio e férias, em incumprimento do disposto no artigo 640º nº1 b) e nº2 b) do CPC.
Seja como for, não só não se trata de um meio de prova relevante, tratando-se de averiguações feitas por uma entidade administrativa, sendo que, face ao modo como foram apurados os factos aí constantes, os mesmos carecem de contraditório em sede de julgamento, como a análise desses relatórios não permite concluir como pretende a Ré -veja-se fls 415 e 420 e 423, 447, 451, 452, ponto XII.
E assim sendo, à semelhança da primeira instância, não podemos considerar provado o pagamento dos referidos subsídios, e das férias, não merecendo a decisão da matéria de facto controvertida e a sua fundamentação qualquer reparo.
Improcede nesta parte o recurso.
Pretende ainda a Ré seja considerado não provado o facto descrito sob o nº 43 dos factos provados, a saber que Tal quantia foi entregue pela Ré de forma a suportar os custos do Autor com a liquidação de IRS por anterior falta de retenção.
É a seguinte a fundamentação da primeira instância: O Autor acabou, em certa medida, por admitir ter assinado esta declaração, o mesmo acontecendo com a testemunha VEL..., sua mulher. A prova pericial também admite que assim tenha acontecido. Quanto ao contexto em que tal sucedeu, descrito em 42) e 43), e para além da atenção prestada ao cheque em causa, o Tribunal, nesta parte, considerou mais plausível, tendo presente a restante factualidade que aqui se apurou, a versão apresentada em Tribunal pelo próprio Autor (e pela sua mulher, VEL..., que o tem acompanhado em todos os momentos deste litígio).
A Ré argumenta que : A declaração subjacente a este facto foi assinada pelo A. na data de 26 de Março de 2015, data equivalente à entrega e pagamento da quantia de 3.000,00 € (três mil euros).
Como é possível corresponder a IRS de rendimentos do ano de 2014, quando a entrega do Modelo 3 ocorre a partir de Abril?
Mais,
Todos os recibos do ano de 2014 foram juntos aos autos, assim como os cheques de pagamento ao A., logo incumbia ao douto Tribunal recorrido fazer o confronto necessário para perceber matematicamente se foram efectuadas retenções na fonte ao A.
Após,
Ainda assim, a reclamação de que a R. estaria a fazer retenções na fonte que poderiam não ser suficientes para que a liquidação fosse a zeros, foi suscitada nos meses de Outubro ou Novembro de 2014,
Ao que o R. então e por pedido do A. procedeu à aplicação de uma taxa superior de retenção na fonte (note-se que na actividade da pesca marítima as tabelas são variável se mutáveis), MAS entregou a totalidade do ganho ao A. !!
Ou seja, em Novembro e Dezembro foi retida e entregues quantias que não foram na realidade descontadas ao A., o que com o pagamento ao A. e à Autoridade Tributária, a R. pagou duas vezes ! I
A suas expensas exclusivas, e sofrendo grave pressão por parte do A., a R. procede desta forma, errada a todos os níveis contabilísticos, saindo do seu próprio bolso as quantias entregues ao A, sem qualquer correspondência ao lucro da embarcação.
Tais factos são tão reais quanto as declarações tomadas pelo legal representante da R. como pela legal representante da empresa de contabilidade — Dr. GER..., como provam os documentos junto aos autos.
E, se quisermos ir mais longe na aplicação da justiça, alcançando a verdade material dos factos, é que, no ano de 2015 (por referência aos rendimentos obtidos no ano de 2014) o A. foi reembolsado pela Autoridade Tributária,
Logo seria de questionar ou pelo menos de se auto-questionar o Tribunal recorrido, para que então serviram os 3.000,00 € (três mil euros)?
Tem se por hábito dizer que a mentira tem a perna curta, mas neste caso é estreita demais, causando sérias dores numa leitura do que é este processo laboral!
Deve pois se atender à prova gravada, e sua reapreciação, no que concerne à explicação dada por ambas as partes e pelo Dr. GER..., as quais serão determinantes e em conjugação com a prova documental, para a alteração da matéria de facto, passando a ser eliminado o ponto 43.
Com a prova de que a assinatura aposta é do A., não pode ser concedido outro entendimento ao documento que não seja o que dele consta, como documento de quitação.
A ser sentenciado de outro modo,
Poderá ser pertinente colocarmos sempre em causa os documentos de quitação, e passar-se a ser mais papistas que o Papa e exigir documentos notariais quando se quer passar um mero recibo de vencimento ou uma declaração de quitação.
E, ainda assim, sujeitos a uma liberdade de percepção que somente com testemunhas isentas de que o autor da assinatura leu em voz alta e disse-o que sabia o que estava a assinar.
A segurança jurídica de qualquer pessoa, cidadão comum, mais ainda de uma entidade patronal, está seriamente posta em causa e em risco perante decisões judiciais como a que ora vemos. (sic)
Valem aqui os considerandos sobre o valor probatório dos recibos, a propósito da matéria factual anterior.
Consta dos autos uma declaração datada de 26 de Março de 2015 , nos termos da qual o Autor declara para todos os devidos efeitos que já recebi da empresa, PES..., S.U., Lda, contribuinte ...., minha entidade empregadora, todos os créditos que me são devidos até à presente data.
Neste recurso, ao contrário do que aconteceu na primeira instância, não está em causa a autenticidade da assinatura do documento.
Está em causa apenas o propósito de tal declaração. A Ré afirma que se trata de uma declaração de quitação de todos os créditos em dívida ao Autor. Este afirma que se tratou de quantia entregue pela Ré para compensação da ausência de retenção adequada na fonte, e de declaração abusiva às Finanças da remuneração que lhe foi paga.
GER..., Técnico de Contas da Ré, admitiu que esta procedeu a uma retenção, para efeitos de IRS, inferior àquela a que deveriam proceder. No entanto, e na senda das declarações do representante da Ré, considera que tal apenas lesou o Estado e não o Autor, já que este, por fala da retenção, levava para casa mais dinheiro. Afirmou que a Ré
procedeu à retenção em dívida, mas continuou a pagar ao Autor a quantia remuneratória que ele receberia não fora a retenção, ou seja, defende que a Ré pagou duas vezes. Portanto, entende que a Ré nada deve ao Autor, como compensação pela falta de retenção na fonte.
Declarou ainda desconhecer a que título foi emitida a referida declaração, não descortinando a que direitos se reporta, e entendendo tratar-se de pagamentos indevidos da Ré ao Autor.
Este tribunal considerou as declarações e VEL..., esposa do Autor, que explicou de forma clara acerca das razões para o pagamento ao Autor da referida quantia, a saber, o facto de a Ré ter declarado às Finanças remunerações superiores àquelas que o Autor recebeu, e ainda ao facto de não terem sido feitas as correspondentes retenções, obrigando o Autor, em 2015, a pagar mais de 3.000€ de IRS. A declaração em causa foi emitida em data próxima à da entrega das declarações para efeitos de IRS, o que credibiliza seu depoimento. Tal como a primeira instância, considerando todo o contexto subjacente ao presente processo, as razões que levaram o Autor a desentender-se com a Ré, e as reivindicações do Autor nos presentes autos quanto aos créditos salariais em dívida pela Ré, não nos mereceram credibilidade as declarações, quer do representante da Ré, quer da testemunha GER..., sendo que esta nem explicou acerca do porquê da emissão da declaração em causa. Acresce ainda o facto de tal declaração não discriminar, como devia, os concretos créditos saldados.
Não nos merece assim qualquer censura a resposta da primeira instância à matéria factual em causa.
Improcede, pois, o recurso da matéria de facto interposto pela Ré.
Recurso Subordinado (Autor)
Também o Autor impugna a matéria de facto, quanto aos seguintes factos, que pretende ver provados
Entre o A. e os RR. foi celebrado acordo através do qual aquele seria remunerado pelas suas funções de Mestre Auxiliar e Mestre Principal com o valor acrescido aos seus quinhões de 1,5/prct. e 3/prct. sobre o valor bruto do pescado em lota, respectivamente.
É a seguinte a fundamentação da primeira instância para considerar não provado tal facto:
(...) para além do Autor e de VEL..., confirmou os factos e)12, f)13 g)14 sendo esta matéria desmentida, não só pelo Réu, mas também, pelo menos em certa medida, por MAF... (cujo testemunho o Tribunal, pelas razões já explicitadas, conferiu especial credibilidade).
O não apuramento do facto h) fundamenta-se nas mesmas razões que levaram à demonstração do facto 30), ao passo que o facto i) nem sequer foi atestado pela consulta feita aos recibos de vencimento.
O Autor alicerça o seu desiderato desde logo na sua evolução profissional, espelhada nos factos 21., 27., 30. e 31.
Argumenta que De acordo com os usos e costumes da actividade, e da própria empresa, o Mestre da embarcação tem direito a uma remuneração de quantidade superior aos restantes pescadores. Sendo que para além dos quinhões que lhe são atribuídos, é lhes ainda devida uma percentagem sobre o valor bruto do pescado. (...)Acresce que, o pagamento desta percentagem foi igualmente acordado entre o A. e o R., em sede do acordo de trabalho entre ambos celebrado, aquando do inicio das suas funções de Mestre Auxiliar. Embora nunca tenham os RR. procedido à sua liquidação.
Invoca dos depoimentos do Autor, de MAF..., de VEL... e de JOM....
Este Tribunal ouviu os depoimentos referidos pelo recorrente e pela primeira instância. Porém, antes de passar à sua análise crítica, vejamos o que diz a lei.
Nos termos do disposto no artigo 341° do C.Civil, As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos. No entanto, a demonstração da realidade a que tende a prova não é uma operação lógica, visando a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente), como é, por exemplo, o desenvolvimento de um teorema nas ciências matemáticas.
(…)
A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espirito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto.
A lei processual civil consagra, em matéria de prova, dois princípios: o da disponibilidade das provas e o da livre apreciação judicial das provas. De acordo com o primeiro princípio, o juiz deve apoiar a sua decisão nas provas carreadas pelas partes para o processo, embora a lei lhe atribua o poder de ordenar as diligências que entenda necessárias para a descoberta da verdade. De acordo com o segundo princípio, o juiz pode apreciar livremente as provas, quer no tocante à sua admissibilidade, quer no que respeita ao seu valor probatório.
Quanto à prova testemunhal, o artigo 396º do C.Civil determina que [A] força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal (sic)
Por sua vez, a prova por declarações de parte surgiu legalmente regulada com a entrada em vigor do actual CPC - Lei 41/2013, de 26 de Junho - estando prevista no artigo 466º.
Na Exposição de Motivos do diploma esclareceu-se que, agora prevê-se a possibilidade de prestarem declarações em audiência as próprias partes, quando face à natureza pessoal dos factos a averiguar tal diligência se justifique, as quais são livremente valoradas pelo juiz, na parte em que não representem confissão, aliás à semelhança daquela que era já a prática dos tribunais.
É, portanto, inequívoco que as declarações de parte sobre factos que lhe sejam favoráveis devem ser apreciadas pelo tribunal, sendo valoradas segundo o princípio da livre apreciação da prova. Essas declarações devem, porém, ser atendidas e valoradas com algum cuidado uma vez que são declarações de pessoas interessadas no desfecho da acção, e, por conseguinte, tendencialmente parciais, vindo a jurisprudência a entender que, quanto a factos essenciais e que são favoráveis à parte, as respectivas declarações serão, em princípio, insuficientes só por si, desacompanhadas de outras provas, para as sustentar.
Assim, a par do depoimento de parte, consagrou a lei a possibilidade de se considerarem as declarações das partes quanto a matéria que lhes é favorável, ainda que entendida a valoração deste meio de prova com grano salis.
No presente caso, este tribunal ouviu as declarações do Autor, que confirmou os factos que pretende ver provados, mas cujo depoimento foi infirmado pelas declarações de parte do representante da Ré e não foi confirmado pelas declarações da testemunha MAF..., que foi mestre na embarcação a que se referem os autos até Agosto de 2012, altura em que, por motivos de saúde, deixou de ali trabalhar, não mais regressando e estando actualmente aposentado, e cujo depoimento, descomprometido, mereceu credibilidade a este tribunal. Esta testemunha não confirmou a existência de qualquer acordo entre o Autor e a Ré no sentido pretendido pelo Autor, esclarecendo apenas quanto à sua própria retribuição.
Também a testemunha JOM..., pescador, não lançou luz sobre estas questões, desde logo porque não trabalha nem trabalhou na mesma embarcação e com o Autor. Referiu que este era mestre há uns 5 ou 6 anos, quando a testemunha MAF... deixou de trabalhar, mas não se mostrou certo dessa localização temporal e não soube esclarecera as funções concretas que ele desempenhava na embarcação. Quanto aos valores auferidos por um mestre de embarcação, referiu, quando questionado se os usos da profissão eram no sentido de o mestre receber uma percentagem sobre o pescado, que isso depende dos contratos havidos entre os intervenientes, e esclareceu nada saber quanto à situação contratual do Autor ao serviço da Ré.
As únicas pessoas que referiram que existia um acordo, incumprido, para pagamento das percentagens referidas pelo Autor, foram este e a sua esposa, que consideramos ter também interesse no desfecho da causa, não só face à proximidade de parentesco, como pelo seu envolvimento em toda a questão da reclamação dos créditos encetada pelo mesmo. Daí que, desprovidos de outros elementos probatórios mais objectivos, se entenda não considerar tais depoimentos.
Ou seja, a versão trazida aos autos pelo Autor — e que a si competia fazer prova, de acordo com a regra de repartição do ónus da prova que resulta do disposto no artigo 342º nº1 do C.Civil — não ficou demonstrada, não se confirmando o facto que pretende ver provado.
Portanto, improcede o recurso, nesta parte.
Pretende também o Autor seja considerado provado que Entre os Réus e o Autor foi acordado o pagamento de subsídio de férias
Argumenta nos seguintes termos:
Ao analisarmos os recibos juntos aos autos pelos RR. como doc. Nº10 da Contestação, datados de Fevereiro de 2011 em diante, fls. 645 e seguintes, verificamos que fazem os mesmos referência à inclusão de subsidio de férias e de Natal. Por sua vez, os recibos datados de Março de 2015 em diante, fls. 686 e seguintes, passam a fazer referência à inclusão de «subsidio de férias, natal e férias».
Ademais, em vários depoimentos - nomeadamente no depoimento do contabilista dos RR, demonstra-se a preocupação das testemunhas em clarificar o modo como era contabilizado o subsídio de férias aos trabalhadores, encontrando-se o mesmo alegadamente incluído no montante global que lhes era entregue.
Invoca o depoimento das testemunhas GER... e P….
Vejamos
Resulta de facto dos depoimentos das testemunhas invocadas, mormente da testemunha GER..., Técnico de Contas da Ré, que procede à sua contabilidade desde Janeiro de 2010, que os Réus assumiram a obrigação de pagamento do subsídio de férias. Na verdade, o que a testemunha afirma é que o subsídio de férias já estava incluído, em duodécimos, nas quantias pagas mensalmente ao trabalhador, e constantes do recibo de remuneração, faltando apenas discriminá-lo, como passou depois a acontecer, na sequência de uma inspecção do Trabalho.
Acresce que, tal como referido nas alegações, resulta dos recibos juntos aos autos — fls 645 e seguintes — que a partir de Fevereiro de 2011, os mesmos fazem referência ao subsidio de férias. Por sua vez, os recibos datados de Março de 2015 em diante - fls. 686 e seguintes - , passam a fazer referência à inclusão de «subsidio de férias, natal e férias».
A Ré não logrou infirmar o teor dos recibos. Pelo contrário, apesar de o seu representante, nas suas declarações, apenas se referir às férias e ao subsídio de Natal, a testemunha GER... referiu-se, no seu depoimento, ao subsídio de férias.
A inclusão dessa referência — subsídio de férias — nos recibos, não pode ter outro significado que não seja o da assunção pela Ré da obrigação do seu pagamento, havendo que concluir que tal foi contratualizado entre as partes. Aliás, a Ré não deu qualquer explicação para essa referência nos recibos de vencimento.
Procede, pois, o recurso nesta parte, passando a constar da matéria de facto que Entre, primeiro o Réu, e depois a Ré, e o Autor, foi acordado o pagamento do subsídio de férias. Pretende ainda o Autor seja considerado não provado o facto descrito no ponto 45 dos factos provados, a saber No âmbito do acordo descrito em 1), foi entregue ao Autor, a título de subsídio de Natal, as seguintes quantias:
a) € 150,00 + € 300,00, em Dezembro de 2003;
b) € 300,00, em Dezembro de 2004;
c) € 300,00, em Dezembro de 2005;
d) € 450,00, em Dezembro de 2006.
Argumenta que: Decisão esta que muito se espanta e desde já se questiona. Isto, na medida em que, o recibo através do qual se baseou o Exmo. Sr. Dr. Juiz a quo no seu entendimento de ter sido liquidado o montante de €150,00 acima referido na al. a) (fls. 692, 1º recibo), não faz qualquer referência à qualidade sobre a qual tal montante é liquidado. Ou seja, não sabemos a que título é entregue aquela mesma quantia. Não constando ainda do mesmo qualquer data.
Ademais, os recibos juntos em fls. 692 (2º recibo), 693 (1º recibo), 694 (2º recibo), 695 (1º recibo) e 697, embora façam referência ao pagamento dos montantes a título de subsídio de Natal, o valor daí atribuído foi retirado da parcela de 55/prct. já pertencente aos trabalhadores enquanto remuneração base. Sendo ficticiamente denominado de subsídio de Natal.
Bem o sabendo o Exmo. Sr. Dr. Juiz a quo, já que foi tal elemento esclarecido pelo próprio A. -conforme declarações que se transcrevem: (e transcreve parte das declarações do Autor).
Decidindo
Valem aqui os considerandos supra referidos quanto às declarações de parte, que, sem o apoio de outra prova, não devem ser atendidas pelo tribunal.
Resta-nos os recibos juntos a fls 692, 693°, 1º recibo, 694°, 2° recibo, 695º, 1° recibo e 697.
A fls 23 do seu articulado recursivo e já na fase em que contra-alega, o Autor afirma que não reconhece como suas as assinaturas que constam, nomeadamente e para o que ao caso interessa, nos referidos recibos. No entanto, na primeira instância essa questão não se colocou (o requerimento de fls 796 refere-se apenas ao documento junto sob o número 4 e não ao documento 10), tratando-se de uma questão nova. O tribunal de recurso apenas pode substituir-se ao tribunal recorrido nos casos expressamente previstos. É o que resulta do disposto nos art. 608° n° 2, in fine, e 665° n° 2, ambos do CPC, e constitui doutrina e jurisprudência dominantes.
De facto, como afirma António Abrantes Geraldes, A natureza do recurso como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objecto, decorrente do facto de, em regra, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas.
Os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e o processo contenha todos os elementos imprescindíveis». Também a jurisprudência vem decidindo nesse sentido. Assim, entre outros, vide Acórdão do STJ de 21-03-2012, nos termos do qual a função do recurso no quadro institucional que nos rege é a de remédio para correcção de erros in judicando ou in procedendo, em que tenha incorrido a instância recorrida, processo de reapreciação pelo tribunal superior de questões já decididas e não de resolução de questões novas, ainda não suscitadas no decurso do processo. E o Acórdão desta Relação de 11-09-2012, H/ - Os recursos destinam-se a permitir a reapreciação de decisões tomadas com base no acervo dos factos alegados pelas partes e não a alegar factos novos nem a suscitar questões novas.
IV - As questões não colocadas pelas partes em momento processualmente adequado só podem ser apreciadas em fase de recurso na exacta medida em que delas o Tribunal possa ainda conhecer oficiosamente.(sic)
Face ao exposto, e sem necessidade de outros considerandos, não se conhece da questão trazida à apreciação deste tribunal, mantendo-se a decisão recorrida.
Consideramos, portanto, que os recibos foram assinados pelo Autor, sendo certo que deles resulta a discriminação de que as quantias pagas, e recebidas pelo Autor (como o próprio admite), o foram a título de subsídio de Natal, não sendo produzida prova que infirme esse facto, considerando-se demonstrado tal pagamento. Exceptua-se os 150€ que resultam do 1º recibo de fls 692, porquanto, como refere o Autor, nada resulta desse recibo no sentido de que se trata de pagamento inerente ao subsídio de Natal, referindo-se ali que se trata de um pagamento inerente ao subsídio de férias. E assim sendo, considera-se não provado que essa quantia foi recebida a título de subsídio de Natal.
Procede, nesta parte, parcialmente, o recurso.
V- Da nulidade da sentença — Recurso Principal
Entende a Ré que há uma grave omissão de pronúncia na sentença, sobre o tempo decorrido entre o conhecimento dos factos e a entrega da carta de denúncia do contrato pelo Autor.
Ou seja, a Ré argui a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Dispõe o art. 77º do CPT que A arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso. (sic)
Como afirmou o Supremo Tribunal de Justiça, em Ac de 23-04-1998 1 — No processo de trabalho há uma norma especial segundo a qual a arguição de nulidade da sentença é feita no requerimento de interposição do recurso e não nas alegações radicando a razão de ser dessa norma no princípio da economia e da celeridade processuais para permitir ao tribunal que proferiu a decisão a possibilidade de suprir a arguida nulidade. (cfr. BTE, 2ª série nº 4-5¬6/99, pág. 711)
A jurisprudência vem entendendo que, não sendo a nulidade arguida no requerimento de interposição de recurso mas apenas nas alegações, a mesma não pode ser conhecida pelo tribunal de recurso por ser extemporânea (cfr, entre outros, Ac. STJ de 10-12-1997, AD 436º-524, 28-01-1998 — in AD, 436º, pág. 558, Ac desta Relação de 21-01-1998 in BMJ 473¬554).
No presente caso, como referimos, a Ré não segue a tramitação a que alude o art. 77º nº1 do CPT, razão pela qual este Tribunal não conhecerá da referida nulidade.
VI - Créditos Laborais
A - Recurso Principal
1. Retribuição de férias e subsídio de Natal
Insurge-se a Ré contra a sentença recorrida, no que respeita à condenação no pagamento ao Autor da retribuição de férias e subsídio de Natal, argumentando que (...) dos autos apenas verificamos que o douto Tribunal recorrido deu como provado o valor anual auferido pelo A., nada tendo ficado provado a que título a que auferiu, o que é
considerado vencimento, o que é considerado subsídio de Natal e férias remuneradas, o que são ajudas de custo, o que são montantes que importem apurar.
Por outro lado,
Surpreendida fica a R. quando o Tribunal recorrido, sem dar como provado o que ficou acordado entre as partes, sem o A. fazer qualquer tipo de prova quanto aos valores acordados em respeito a subsídio de Natal e férias remuneradas, efectua cálculos em sentido contrário ao disposto na Lei 15/97.
Na verdade,
Conforme decorre da sentença proferida pela instância recorrida, o A. auferia uma remuneração variável, paga por viagem de acordo com o valor apurado do pescado capturado pela embarcação, descontando as despesas, com a atribuição de uma percentagem de 55/prct. para a tripulação.
Nos termos do art. 28.º da Lei 15/97 de 31.05.1997, aplicável ao caso controvertido, o subsídio de Natal a ser atribuído ao trabalhador marítimo não tem quantitativo certo, sendo variável nos termos do que for acordado com a entidade patronal, na ausência de regulamentação colectiva e contrato de trabalho, mas, no caso de falhar estes elementos no mínimo será o correspondente ao salário mínimo em vigor.
Nos termos do art. 24.º do mesmo diploma legal, a remuneração das férias corresponde ao quantitativo fixado em regulamentação colectiva e/ou contrato de trabalho.
Mas o Tribunal recorrido, sem fazer prova, vem aplicar um cálculo matemático utilizando para o efeito uma média mensal dos últimos anos, em total discordância e em sentido contrário aos artigos 28.º e 24.º da Lei 15/97.
Por um lado, temos a questão da remuneração de férias, a qual, fazendo fé nas palavras do A. que foram determinantes para a tomada de decisão anterior: não houve conversa com a entidade patronal quanto a estas questões.
Acrescido à falta de regulamentação colectiva de trabalho e de contrato de trabalho, não se pode considerar que estejam assim preenchidos os critérios de determinação para a liquidação oficiosa e em sentido autónomo do alegado e da prova operada.
Por outro lado, temos a questão do subsídio de natal, o qual, igualmente fazendo fé nas palavras do A., atento que não houve acordo, não existe regulamentação colectiva nem contrato de trabalho,
Mas estará neste caso sujeito a um critério legal de mínimo compatível com a remuneração mensal mínima garantia, a qual tem sido variável nos últimos anos.
No que tange aos créditos,
Verificamos então que também não foi dado como provado que o A. não auferiu subsídio de Natal e que o A. não usufruiu de férias remuneradas [atento que ficou provado o gozo de férias].
Assim, NUNCA o Tribunal recorrido poderia condenar como condenou, inexistido matéria de facto dada como provada que sustente a sua decisão final de direito.
De todo o exposto,
O recorrente quer deixar bem claro que,
Tendo o Tribunal a quo tomado conclusões precipitadas em relação à protecção exacerbada do autor em prejuízo sério da R.,
Quando alargou o entendimento para além do peticionado e alegado nos autos, para além dos factos dados como provados e para além do legalmente em vigor!
A sentença recorrida decidiu da seguinte forma:
assiste a JJM... o direito à retribuição do período de férias e ao subsídio de Natal vencidos entre os anos de 1997 e 2015, nos termos dos arts. 238º, 245º, nº 1, e 264º do Código do Trabalho, nos termos que de seguida se definem.
Em relação à retribuição do período de férias e ao subsídio de Natal vencidos entre os anos de 1997 e 2009, atendendo a que a retribuição do Autor é variável e que nenhum valor concreto se apura no período ora indicado, o que se verifica é que tais prestações não são líquidas, provando-se a existência do crédito, mas sem se reunirem elementos suficientes para se proceder à sua respectiva quantificação. Tal insuficiência é sanável através do diferimento dessa quantificação, relegando-se a mesma para um posterior e oportuno incidente de liquidação, em conformidade com o disposto no art. 609º, nº 2, com referência aos arts. 358º e seguintes, todos do Código de Processo Civil, ex vi art. 1º, nº 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho.
Já no que diz respeito à retribuição do período de férias e ao subsídio de Natal vencidos nos anos de 2010, 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015, tendo por base o que se apurou quanto aos rendimentos do Autor, declarados pelos Réus para efeitos fiscais entre os anos de 2011 e 2015 (€ 16464,11 + € 18920,89 + € 17562,40 + € 33359,20 + € 26519,44 + 13468,21 = 126294,25), pode concluir-se, tendo por base a aplicação de critérios de equidade, que o valor médio mensal de retribuição auferido pelo Autor ascende a €1619,16, correspondente a (€126294,25 : 6 anos) : 13 meses. Pelo que, desta forma, tem o Autor direito a receber, por conta da retribuição do período de férias e do subsídio de Natal vencidos nos anos de 2010, 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015, as seguintes quantias:
a) € 9714,96, a título de retribuição do período de férias, correspondente a € 1619,16 x 6 anos;
b) € 8214,96, a titulo de subsídio de Natal, correspondente € 1619,16 x 6 anos, mas com a dedução das quantias já entregues por conta desta prestação retributiva (€ 150,00 + 300,00 + € 300,00 + € 300,00 + € 450,00).
Decidindo
Dado que a Ré soçobrou no recurso da matéria de facto quanto à consideração de que o Autor já teria recebido a retribuição de férias e o subsídio de Natal em duodécimos, integrados na sua retribuição mensal, não está em causa o direito à retribuição de férias e ao subsídio de Natal, que, aliás, claramente resulta do disposto nos artigos 24° n°1 (direito a férias com retribuição) e 28° (subsídio de Natal) da Lei 15/97 de 31 de Maio.
Está em causa a fórmula de apuramento desses valores, uma vez que a retribuição do Autor é variável .
O contrato de trabalho a bordo das embarcações de pesca é um contrato especial, regulado pela Lei 15/97 de 31/05. De acordo com o que dispõe o artigo 9° do Código do Trabalho, são-lhe aplicáveis as regras gerais deste Código que não sejam incompatíveis com as suas especificidades.
Dispõe o artigo 24° do diploma legal citado que 1 — O marítimo tem direito em cada ano civil a um período de férias de 22 dias úteis, com direito a remuneração, cujo montante será fixado por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou contrato individual de trabalho.
E o artigo 28° O marítimo tem direito a subsídio de Natal, cujo montante será fixado por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou contrato individual de trabalho, não podendo ser inferior ao salário mínimo nacional.
No que respeita ao subsídio de Natal, o mesmo, nos termos da mencionada norma legal, não pode ser inferior à remuneração mínima garantida. Tal não significa que, não resultando do contrato e não havendo IRC aplicável, o mesmo tenha de quedar-se pelo mínimo, ou seja, pelo valor da retribuição mínima garantida. É que têm aplicação as regras do CT, por força do já citado artigo 9°, e apenas no caso de o subsídio assim obtido não alcançar esse montante, então, ter-se-á o mesmo em consideração.
In casu, dado que nada resulta dos factos quanto ao montante fixado no contrato de trabalho, a título de férias e subsídio de Natal, e nada foi alegado quanto a qualquer IRC aplicável, cumpre considerar a regra prevista no artigo 261° n°3 e 4 do CT, a saber 3.Para determinar o valor da retribuição variável, quando não seja aplicável o respectivo critério, considera-se a média dos montantes das prestações correspondentes aos últimos 12 meses, ou ao tempo da execução de contrato que tenha durado menos tempo.
4. Caso o processo estabelecido no número anterior não seja praticável, o cálculo da retribuição variável faz-se segundo o disposto em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, ou, na sua falta, segundo o prudente arbítrio do julgador.
Argumenta a Ré que, dando o tribunal como provado o valor anual auferido pelo Autor, nada resultou no entanto provado a que título auferiu tal valor, desconhecendo-se o que é considerado vencimento.
Neste particular, o artigo 27° do referido diploma determina que 1 — Considera-se retribuição a remuneração base e todas as outras prestações periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie, e tudo aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o marítimo tem direito como contrapartida do seu trabalho.
2 — Podem fazer parte integrante da retribuição, consoante o tipo de pesca:
a) O vencimento base, soldada fixa ou parte fixa;
b) O estímulo de pesca, caldeirada ou quinhões;
c) A percentagem de pesca, parte variável ou partes;
d) As diuturnidades;
e) O subsídio de viagem;
f) O subsídio de gases ou compensação por serviços tóxicos;
g) Qualquer outra prestação similar decorrente dos usos e costumes ou de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
Resulta da matéria de facto que o Autor recebia as soldadas — cfr. pontos 3, 19, 20, 22, 23, -sendo que a única parcela com uma denominação diferente, é a referida no ponto 26 dos factos provados, a saber, ajuda de custo, apurando-se, no entanto, que esse valor integrava ainda o quinhão do Autor, pelo que tal parcela não está excluída do conceito de retribuição. Ou seja, o Autor fez prova de que as quantias que lhe foram entregues constituíam retribuição. Competia à Ré provar que os montantes que declarou à Segurança Social, ou parte delas, excediam a retribuição do Autor.
Tendo aplicação o disposto no artigo 261° n°3 do CT, por força do artigo 9º da Lei 15/97, cumpre determinar a média da retribuição auferida pelo Autor nos anos de 2010 a 2015.
Ano 2010 — 16.464,11 : 12= 1.372€/mês;
- Ano 2011 — 18.920,89€ : 12 = 1.576,74€/mês;
- Ano 2012 — 17.562,40€ : 12 = 1.463, 43€/mês; - Ano 2013 — 33.359,20€ : 12 = 2.779,93€/mês;
- Ano 2014 — 26.519,44€ : 12 = 2.209,95€/mês;
- Ano 2015 — 13.468,21€ : 12 = 1.122,35€/mês.
Ou seja, o Autor teria direito à quantia global de 10.524,40€, a título de retribuição de férias nos referidos anos de 2010 a 2015, e igual quantia respeitante a subsídio de Natal, a que não haveria de deduzir os montantes referidos no ponto 45 da matéria de facto, pois estes seriam deduzidos aquando da liquidação dos subsídios de Natal referentes aos anos de 2003 a 2006, face às datas referidas nesse ponto 45.
Contudo, como não foi interposto recurso, ainda que subordinado, pelo Autor quanto a esta questão, terá de manter-se intocado o decidido pela primeira instância a este propósito, ex vi do princípio ínsito no artigo 635º, nº 5 do CPC, a saber, a proibição da reformatio in peius.
Nos termos deste preceito legal, Os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo (sic).
Visa-se a estabilidade das decisões não recorridas, proibindo que a posição do recorrente seja agravada por virtude do recurso que interpôs — cfr- Ac STJ de 3-02-2005 — Proc. …
Como afirma Teixeira de Sousa, o âmbito do recurso é triplamente delimitado: é delimitado pelo objecto da sentença; em segundo lugar, a delimitação do âmbito do recurso é feita objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente; o âmbito do recurso pode ser circunscrito por vontade do recorrente, o qual pode restringir o recurso a uma parte das decisões que lhe forem desfavoráveis.
O princípio da proibição da reformatio in peius diz-nos que a decisão do tribunal de recurso não pode ser mais desfavorável ao recorrente do que a decisão recorrida .... Assim, se, por exemplo, o réu foi condenado em parte do pedido formulado pelo autor e recorreu dessa condenação parcial, o tribunal de recurso não o pode condenar na totalidade daquele pedido.
Trata-se da situação em apreço quanto à retribuição de férias e ao subsídio de Natal referente aos anos 2010 a 2015, havendo que impedir que a posição do recorrente seja agravada por força do recurso que interpôs.
Improcede, nesta parte, o recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
2. Retribuição no período de formação
A Ré insurge-se contra a condenação a que alude a alínea e) do dispositivo da sentença recorrida, que lhe impõe o pagamento ao Autor da retribuição vencida nos meses de Janeiro a Abril de 2004, a apurar em incidente de liquidação.
Argumenta que : Referente aos anos de 2004 e 2012, tal qual como no ano de 2003, e devidamente dados como factos provados n.º 13, 18 e 29, entre A. e R. ficou acordado no início do contrato a não remuneração neste período de formação (...no âmbito do acordo descrito em 1), não foi paga remuneração).
Aliás, não existe obrigação legal nem contratual de tal acontecer.
A Lei 15/97 prevê que a entidade patronal deve permitir que todo o seu trabalhador progrida na sua carreira, tendo que deixar que os mesmos procedam às formações que forem necessárias, sendo tais faltas justificadas, mas naturalmente não pagas!
Tal como acontece numa situação similar, com outra empresa ou sector, qualquer trabalhador que tenha que faltar por motivos justificados, perde o dia, não lhe sendo possível à entidade patronal invocar falta injustificada ou eventualmente abandono de posto de trabalho, mas também não lhe sendo exigível o pagamento dos dias que não prestou efectivamente o seu trabalho.
De outro modo, estamos mesmo a violar o princípio básico das relações laborais, quando se diz no art. 11.º do CT:
Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas...
Ora, a remuneração é dependente do serviço efectivamente prestado.
Caso admitíssemos esta visão sui generis do Tribunal recorrido, mais depressa tínhamos a embarcação da R. atracada ao cais do que a trabalhar!
Nesta senda estaríamos a abrir a caixa de pandora em que um trabalhador após ter vínculo contratual, passava o tempo de expediente, o tempo de trabalho, a não ser prestado efectivamente, mas sim e antes em formações sucessivas, sendo pago por estas faltas justificadas.
O entendimento do Tribunal vai contra o teor e intenção do legislador nos termos do art. 16.º da Lei 15/97, em que interpreta para além do sentido da lei, promovendo remuneração quando apenas se prevê o não impedimento de proceder o trabalhador a formações no âmbito da pesca.
É a seguinte a fundamentação da sentença: No que diz respeito ao pagamento da retribuição relativa aos meses de Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 2004, assim como de Fevereiro e Março de 2012, e de acordo com o que ficou provado, o Autor, nestes dois períodos, deslocou-se para fora da Região dos Açores para frequentar dois cursos de formação: em 2004 para 'contramestre pescador', em 2012 para 'mestre costeiro pescador'. Na sequência do primeiro destes cursos (em Janeiro de 2005), foi inscrito no rol da tripulação como 'contramestre, enquanto que, após o segundo (em Agosto de 2012), passou a exercer as funções de 'mestre' da embarcação. Pode afirmar-se, portanto, que o Autor se submeteu a ambos estes períodos de formação no âmbito do exercício das suas funções, ao abrigo deste contrato de trabalho, em plena conformidade com o disposto no art. 16º da Lei nº 15/97, de 31 de Maio. Só assim se explica, de resto, que o Réu, em tais circunstâncias, tenha suportado os custos com a alimentação, alojamento e deslocações do Autor.
Ora, se este trabalhador marítimo frequentou dois cursos profissionais dirigidos à evolução na sua carreira, e se o armador, nos termos legais acima indicados, devia permitir que assim sucedesse, estes seis meses de formação devem ser remunerados, tendo o Autor direito à sua retribuição mensal. Não se apurando que a mesma tenha sido liquidada, assiste razão a JJM... nesta parte do pedido, mas na seguinte medida: (...)
Decidindo
Não merece censura, quanto a esta questão, a sentença recorrida.
Nos termos do disposto no artigo 16º da Lei 15/97, que se refere à formação profissional, O armador deve permitir ao trabalhador marítimo a frequência dos cursos de formação profissional necessários à evolução na carreira de pesca.
A formação profissional em contexto laboral constitui um dever do empregador, prevista desde logo no Código do Trabalho (cfr. art. 127º nº1 d), a que corresponde também um dever do trabalhador (cfr. art. 128º nº1 d) do CT).
Como refere Rita Brazete A formação profissional ostenta, pelo menos, três dimensões, a saber: a do trabalhador, a do empregador e a do Estado.
(…)
Em contexto de contrato de trabalho, a formação representa uma forma de o trabalhador obter um incremento no seu salário, de melhorar o seu nível de vida, assim como a sua empregabilidade.
(…)
Na óptica das empresas, e especificadamente dos empregadores, a formação - na medida em que potencia a optimização da actividade produtiva dos seus colaboradores — não pode deixar de ser encarada como uma mais-valia.
(…)
O direito à formação profissional assenta num interesse recíproco das partes do contrato de trabalho,
(…)
O tempo que a formação consome não pode ser encarado pelo empregador como tempo perdido ou tempo de não-produção, mas, inversamente, como tempo poupado, pois o trabalhador mais qualificado levará menos tempo a executar uma tarefa de que seja encarregado, para além de a cumprir, na generalidade dos casos, de uma forma mais aperfeiçoada do que outro trabalhador ao qual não tenha sido ministrada formação.
Esta formação tem, então, lugar durante a execução do contrato de trabalho e deve ser proporcionada pela entidade empregadora (...)
Como sabemos, a estrutura sinalagmática do contrato de trabalho, determina a reciprocidade de direitos e deveres entre as duas partes do contrato. Por que assim é, co respectivamente ao dever que se impõe ao empregador de formar o trabalhador ao seu serviço, para o trabalhador sobrevém não só o direito de gozar daquela formação, mas também o dever de a frequentar, cooperando para o crescimento da empresa.
Em face do exposto, não restam dúvidas em como o cumprimento da obrigação (acessória) de formação por parte do empregador não suspende, antes impõe, o cumprimento da obrigação principal de pagamento da retribuição ao trabalhador.
Improcede, nesta parte, o recurso.
B — Recurso Subordinado
1-Subsídio de Férias
Insurge-se o Autor contra a sentença, em virtude de a mesma ter absolvido a Ré do pagamento das quantias peticionadas quanto ao subsídio de férias.
A sentença recorrida fundamentou tal decisão da seguinte forma: A acção, no entanto, improcede em relação ao peticionado pagamento do subsídio de férias, tendo em conta que o presente contrato de trabalho, face às normas especiais que o regulam (cfr. arts. 27º e 28º da Lei nº 15/97, de 31 de Maio), não contempla esta prestação retributiva.
Como resulta da matéria de facto provada, as partes contratualizaram o pagamento do subsídio de férias, pelo que, apesar de a Lei 15/97 não prever tal pagamento como obrigatório, ele é devido por via contratual, aplicando-se o disposto no artigo 264º nº2 do CT (cfr. art. 9º).
Valem aqui os considerandos levados a efeito em VI — A 1., a propósito do pagamento do subsídio de Natal e férias, que têm inteira aplicação a esta questão.
Em relação ao subsídio de férias relativo aos anos de 1997 a 2009, atendendo a que a retribuição do Autor é variável e que nenhum valor concreto se apurou, relega-se o seu apuramento para posterior liquidação (cfr. art. 609º nº 2, com referência aos arts. 358º e seguintes, todos do CPC).
Relativamente aos anos 2010 a 2015, o Autor tem direito à quantia global de 10.524,40€, de acordo com os cálculos levados a efeito a propósito do subsídio de Natal e da retribuição de
férias, e que encontram aqui inteira aplicação (cfr. ponto VI-A-1.)
2- Percentagem acordada entre as partes a título de acréscimo à remuneração base devida pelas funções de mestre da embarcação
Esta questão tinha subjacente a alteração da matéria de facto, no entanto, o Autor soçobrou neste propósito, improcedendo o recurso nesta parte.
VII - Da Resolução do Contrato — Recurso Principal
A Ré considera que a resolução do contrato pelo trabalhador não reúne os requisitos subjectivos e de tempestividade, devendo considerar-se ilícita. Defende que tal cessação contratual deve considerar-se uma denúncia promovida pelo trabalhador, mas sem observância do prazo de aviso prévio.
O Autor defende que o direito à impugnação da resolução do contrato caducou.
A primeira instância decidiu que Prosseguindo, alegou o Autor ter resolvido este contrato de trabalho com invocação de justa causa. Defenderam os Réus não haver justa causa, configurando esta cessação contratual uma denúncia promovida pelo trabalhador, mas sem observância do prazo de aviso prévio. O Autor respondeu, invocando, para além do mais, a caducidade do direito de impugnar a resolução contratual (cujo prazo é de 1 ano, a partir da data da resolução — cfr. art. 398°, n° 2, do Código do Trabalho).
Está provado: em 16 de Julho de 2015, o Autor enviou à Ré uma comunicação escrita de resolução do seu contrato, invocando justa causa para o efeito, com vários fundamentos, entre eles a falta de pagamento pontual da retribuição. Tendo a Ré apenas impugnado esta resolução na contestação que deduziu nos presentes autos, em 3 de Outubro de 2016, e tendo essa impugnação sido dada ao conhecimento do trabalhador em 7 de Outubro seguinte, o que se verifica é que, efectivamente, o direito de impugnar esta resolução já havia caducado, tendo decorrido mais de 1 ano sobre a data da resolução, nos termos legais acima enunciados.
A Ré não impugnou em sede recursiva esta decisão, que assim transitou em julgado.
É certo que o Mmo Juiz a quo prosseguiu na fundamentação da questão, de forma a melhor esclarecer a Ré - De toda a maneira, e ainda que assim não fosse ... - , debruçando-se então sobre a justa causa e parte das vicissitudes formais invocadas pela Ré, mas a questão da caducidade é prévia. Considerando a sua existência, não tinha o Mmo juiz de se debruçar sobre o mais invocado pela parte. Fê-lo porém, com certeza prevenindo o caso de ser impugnada a decisão que incidiu sobre a caducidade. Incumbia à Ré, pretendendo nova apreciação sobre o cumprimento dos formalismos inerentes à resolução do contrato pelo trabalhador e à própria existência de justa causa, impugnar a decisão proferida acerca da caducidade do direito à impugnação da resolução do contrato pelo trabalhador. Não o fez. Nos termos do artigo 628-° do CPC - Noção de trânsito em julgado - [A] decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação.
E o artigo 619º - Valor da sentença transitada em julgado - 1 - Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º.
Como decorre do disposto nos citados preceitos legais, ocorre o trânsito em julgado quando uma decisão é já insusceptível de impugnação por meio de reclamação ou através de recurso ordinário, formando-se então caso julgado, o que se traduz na impossibilidade da decisão proferida ser substituída ou modificada por qualquer tribunal, incluindo aquele que a proferiu.
In casu, o trânsito em julgado desta questão obsta à sua reapreciação e precludido fica também o conhecimento da licitude ou ilicitude da resolução do contrato pelo trabalhador. Improcede, assim, nesta parte, o recurso.
VIII — Da desconsideração da personalidade da Ré — Recurso subordinado
Pretende o Autor sejam ambos os Réus condenados solidariamente.
Alega que a R, ora recorrente, foi constituída pelo 1ºR com o objectivo de se eximir às responsabilidades decorrentes da sua actividade comercial. Aliás, constituição datada do momento em que se começaram a surgir questões, por parte dos trabalhadores, referentes aos seus direitos - nomeadamente créditos laborais.
Quanto aos activos da nova empresa, poderemos dizer que, actualmente, são inexistentes. Isto na medida em que, o 1ºR. não só não transferiu património significativo para a mesma, como manteve em seu nome a embarcação Iris do Mar - essencial à actividade dos pescadores ora em análise -, fretando-a, posteriormente, a si próprio! Desta forma deduzindo a seu favor as despesas do fretamento, e angariando uma verba adicional pelo frete da embarcação. Com a consequente redução das receitas do pescado e naturalmente dos quinhões dos pescadores contabilizados sobre o resultado liquido da pesca.
Ora, toda esta encoberta estruturada pelo 1ºR tinha como único e exclusivo objectivo de proteger o seu património de qualquer responsabilidade que sabia poder vir a ser reconhecida. Motivo do qual advém, nomeadamente, a falta de comunicação prévia da transmissão da entidade empregadora, enquanto tal, aos trabalhadores — inclusive ao A.-, obrigação que decorre do artigo 12° nº3 da Lei nº15/97, de 31 de Maio. Conforme, aliás, se reconhece da própria sentença - facto provado n°37.
É a seguinte a fundamentação da sentença recorrida: A este respeito, apurou-se que a sociedade PES... foi constituída em Janeiro de 2014 e que, em Fevereiro seguinte, por força do disposto no art. 12°, nº 1, da Lei n° 15/97, de 31 de Maio, o Autor e os restantes funcionários de JMF... passaram a exercer funções no interesse e sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré. No mais, provou-se apenas que a embarcação se manteve como propriedade do Réu, sendo cedida temporariamente à Ré para a sua exploração. E que os utensílios de pesca e, pelo menos, um veículo automóvel foram transmitidos à sociedade. Esta factualidade, manifestamente, é insuficiente para se concluir pela existência de qualquer actividade ilícita de JMF... na constituição da PES..., ou de qualquer intenção do mesmo de defraudar os propósitos para os quais tal sociedade foi constituída, não havendo razões que imponham a desconsideração da personalidade jurídica desta última.
Também se apurou, é certo, que a constituição da PES... não foi comunicada aos trabalhadores mediante aviso nas respectivas instalações, mas, como defendem os Réus, essa omissão — que apenas pode ser imputada à Ré, agora na posição de empregadora —simplesmente determina, atento o regime consagrado no art. 12°, nº 2 e 3, da Lei nº 15/97, a responsabilidade exclusiva da mesma pelos créditos laborais reclamados, sem que essa responsabilidade possa ser solidariamente imputada ao transmitente.
Impõe-se, então, concluir: pelos créditos laborais acima fixados responde, tão-só, a Ré PES..., devendo o Réu JMF... ser absolvido do pedido.
Decidindo
Os factos - pontos 33 a 36 - apontam para uma transmissão ao abrigo do disposto no artigo 12° da Lei 15/97 — Transmissão da empresa armadora ou da embarcação - 1 — A posição que dos contratos de trabalho decorre para o armador transmite-se ao armador adquirente, por qualquer título, da empresa armadora ou da embarcação transmitida, salvo se tiver havido acordo entre o transmitente o adquirente no sentido de os trabalhadores continuarem ao serviço daquele.
O instituto da desconsideração da personalidade jurídica não está previsto na lei, constituindo uma construção da doutrina e da jurisprudência, ainda que encontre arrimo na figura do abuso de direito, prevista no artigo 334º do C.Civil, constituindo um meio de coarctar formas ilícitas e abusivas de actuação, que ponham em risco a harmonia e a credibilidade do sistema, verificando-se uma utilização contrária a normas ou princípios gerais, incluindo a ética dos negócios, tudo em prejuízo de terceiros.
Face ao seu interesse para a decisão, citamos aqui uma breve resenha da doutrina acerca da desconsideração da personalidade jurídica, levada a efeito no acórdão do STJ de 28-11-2012:
No dizer de MENEZES CORDEIRO (Tratado de Direito Civil Português, I (Parte Geral), Tomo III, Almedina, Coimbra, 2004, pp. 627-649), o levantamento da personalidade colectiva [que outros designam por desconsideração da personalidade jurídica, cf. PEDRO CORDEIRO, A desconsideração da personalidade jurídica das sociedades comerciais (1989), referido por MENEZES CORDEIRO, ob. cit., p. 625, nota de rodapé n.º 2074] trata-se dum instituto surgido para sistematizar e explicar diversas soluções concretas, estabelecidas para resolver problemas reais postos pela personalidade colectiva, e que se manifestam na confusão de esferas jurídicas, na subcapitalização e no atentado a terceiros e abuso da personalidade.
Para MENEZES CORDEIRO, «a confusão de esferas jurídicas verifica-se quando, por inobservância de certas regras societárias ou, mesmo, por decorrências puramente objectivas, não fique clara, na prática, a separação entre o património da sociedade e a do sócio ou sócios» (ob. cit., p. 628); «verifica-se uma subcapitalização relevante, para efeitos de levantamento da personalidade, sempre que uma sociedade tenha sido constituída com um capital insuficiente. A insuficiência é aferida em função do seu próprio objecto ou da sua actuação surgindo, assim, como tecnicamente abusiva» (ob. cit., p. 629); já o atentado a terceiros verifica-se sempre que a personalidade colectiva seja usada, de modo ilícito ou abusivo, para os prejudicar. Como resulta da própria fórmula encontrada, não basta uma ocorrência de prejuízo, causada a terceiros através da pessoa colectiva: para haver levantamento será antes necessário que se assista a uma utilização contrária a normas ou princípios gerais, incluindo a ética dos negócios» (ob. cit., p. 633).
Como fundamentar, porém, a responsabilização das pessoas envolvidas em casos que reúnam os pressupostos do levantamento da personalidade colectiva?
Segundo BRITO CORREIA (Direito Comercial, 2.° volume, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 1989, p. 244), «tal responsabilidade pode fundamentar-se no artigo 334.º do Código Civil, sobre o abuso de direito, entendendo que a generalidade das pessoas têm direito de constituir pessoas colectivas e de exercer actividades por intermédio delas, mas que esse direito tem limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito».
Já para BERNARDO DA GAMA XAVIER e OUTROS (Manual de Direito do Trabalho, Verbo —Babel, Lisboa, 2011, p. 382) «justifica-se adoptar uma solução que conduza à chamada desconsideração da personalidade (isto é, não se considera a autonomia dos sujeitos empregadores em presença e de cada uma das relações jurídico-laborais), por forma a garantir que o trabalhador não fique prejudicado», o que sucede «quando se verifique uma utilização abusiva da personalização autónoma de cada sociedade membro do grupo», tecendo as seguintes considerações acerca dos requisitos que podem justificar essa solução de recurso:
«Pensamos que a reconstrução da unidade que pode estar por detrás do grupo de empresas ou de sociedades só se justifica quando o grupo apresente características tais que permitam detectar a efectiva presença de uma especial unidade, que se mantém apesar das personalizações das suas várias componentes e que, em termos de boa-fé, exija a desconsideração dessas personalizações. É o que sucede, por exemplo: quando as várias sociedades prosseguem um mesmo objectivo económico, com meios comuns (os mesmos dirigentes, a utilização dos mesmos locais, serviços e meios de produção, ou o mesmo pessoal); ou quando, embora as actividades das diferentes sociedades não se confundam, as relações entre elas são de tal forma estreitas que se pode dizer que a sociedade que efectivamente detém os poderes patronais — que realmente dirige o trabalhador em causa — não é quem formalmente ocupa a posição de empregador, mas sim uma outra de quem depende afinal o trabalhador. Por outro lado, terão de verificar-se nos vínculos laborais formalmente autónomos conexões que os permitam unificar.»
Por seu turno, PEDRO ROMANO MARTINEZ (Direito do Trabalho, 5.ª edição, Almedina, Coimbra, 2010, pp. 434-435) aproveita para sublinhar que «[a] procura do empregador real está relacionada com uma ideia de justiça, na tentativa de levar a defesa do trabalhador até onde for juridicamente possível», sendo certo que, «(j)uridicamente, para se chegar à entidade patronal real, sem atender só ao empregador efectivo, pode recorrer-se à figura da desconsideração da personalidade jurídica. Em princípio, quando se fala no levantamento da personalidade jurídica, pretende-se responsabilizar as pessoas singulares que estão encobertas pela pessoa colectiva. (...) Interessa, deste modo, passar por cima do empregador efectivo, desconsiderando-o, ou melhor, não atendendo exclusivamente a essa situação, e procurar o grupo empresarial em que aquele empregador se insere» — cita, a propósito, RAPOSO BERNARDO, in «O Exercício dos Direitos dos Trabalhadores nos Grupos de Sociedades», Relatório de Mestrado, Lisboa, 1995, p. 47), o qual refere que o recurso à desconsideração deve relacionar-se com os princípios da aparência e da confiança legítima, ancorados no princípio da boa-fé.
Transpondo estes considerandos para o presente caso, os factos provados não nos permitem concluir que entre os Réus exista uma especial unidade e que a Ré foi constituída para atropelar os interesses dos trabalhadores e os compromissos do Réu. É certo que a embarcação IR... manteve-se propriedade do Réu, mas também é certo que a Ré tem outro património, como resulta dos factos provados. E tem sido a Ré a assumir os seus encargos, nomeadamente com os trabalhadores.
Entendemos assim que não resultam provados factos que nos permitam concluir por qualquer atropelo às regras da boa-fé, a justificar a desconsideração da personalidade jurídica da Ré e a responsabilização do Réu.
Improcede, nesta parte, o recurso.
IX — Decisão
Face a todo o exposto, acorda-se na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa, em
julgar
I — Improcedente o recurso principal interposto por PES..., Unipessoal, Lda.
II - Parcialmente procedente o recurso subordinado interposto por JJM..., e, nessa medida,
Altera-se a decisão recorrida, condenando-se a Ré, PES..., Unipessoal, Lda
a) a pagar ao Autor, JJM..., a quantia correspondente à retribuição do período de férias vencidas nos anos de 1997 a 2007, a apurar mediante incidente de liquidação, quantias acrescidas de juros de mora devidos sobre cada uma das prestações, calculados à taxa legal, desde a data do seu vencimento até definitivo e integral pagamento;
b) a pagar ao Autor a quantia de 10.524,40€ (dez mil, quinhentos e quatro euros e quarenta cêntimos), relativa à retribuição de férias vencidas nos anos 2010 a 2015, quantia acrescida de juros de mora devidos sobre cada uma das prestações, calculados à taxa legal, desde a data do seu vencimento até definitivo e integral pagamento.
III — Em tudo o mais, mantém-se a sentença recorrida.
Custas do recurso principal a cargo da Ré.
Custas do recurso subordinado a cargo de Autor e Ré, na proporção do respectivo
decaimento.
Registe
Notifique.
Lisboa, 17 de outubro de 2018
(Paula de Jesus Jorge dos Santos)
(1ª adjunta — Paula Sá Fernandes)
(2º adjunto —José Feteira)
Sumário
— A exigência prevista no artigo 276º nº3 do CT de que o empregador, até ao pagamento da retribuição, entregue ao trabalhador documento com as especificações aí descritas, mormente com a indicação da retribuição base e das demais prestações, bem como do período a que respeitam, os descontos ou deduções e o montante líquido a receber, não corresponde a uma regra de direito probatório, que determine que para a prova do cumprimento da obrigação retributiva é necessário a apresentação de documento com as referidas características.
II - O recibo é um documento particular, ao qual a lei não confere um valor probatório especial.
III - As declarações atribuídas ao autor do documento particular, se contrárias aos seus interesses, estão plenamente provadas por confissão (extrajudicial), o que desde logo afasta a admissão de prova testemunhal, por força do disposto no artigo 393º nº2 do C.Civil.
IV — Nos termos da lei — artigo 354º b) do C.Civil - factos há cuja realidade não pode ser estabelecida por confissão, nomeadamente os relativos a direitos indisponíveis.
V — Se na altura em que os recibos foram emitidos e assinados pelo Autor, e em que, portanto, se constituiu o meio de prova, aquele estava ao serviço da Ré, a declaração que lhes subjaz de que o Autor recebeu as quantias ali referidas, que incluiriam a retribuição de férias e o subsídio de Natal, não faz prova plena desse facto, não tendo valor confessório, face à indisponibilidade destes direitos durante a vigência do contrato de trabalho, havendo que analisar a demais prova produzida, a testemunhal, para aquilatar se a retribuição de férias e o subsídio de Natal já estavam incluídos nas quantias que a empregadora pagou ao trabalhador.
VI — Nos termos do artigo 28º da Lei 15/97 de 31 de Maio, o subsídio de Natal será fixado por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou contrato individual de trabalho e não pode ser inferior ao salário mínimo nacional, mas tal não significa que, não resultando do contrato e não havendo IRC aplicável, o mesmo tenha de quedar-se pelo mínimo, ou seja, pelo valor da retribuição mínima garantida, pois têm aplicação as regras do CT, por força do seu artigo 9º, o que significa que, apenas no caso de o subsídio assim obtido não alcançar esse montante, ter-se-á o mesmo em consideração.
VII- A proibição da reformatio in peiús visa a estabilidade das decisões não recorridas, proibindo que a posição do recorrente seja agravada por virtude do recurso que interpôs. VIII - O cumprimento da obrigação (acessória) de formação por parte do empregador não suspende, antes impõe, o cumprimento da obrigação principal de pagamento da retribuição ao trabalhador.
IX — Apesar de a Lei 15/97 de 31 de Maio não prever o pagamento, como obrigatório, do subsídio de férias, ele é devido por via contratual, aplicando-se o disposto no artigo 264º nº2 do CT (cfr. art. 9º).
X - Tendo a primeira instância decidido que o direito da empregadora a impugnar a resolução do contrato levada a efeito pelo empregador já havia caducado à data dessa impugnação, formou-se caso julgado sobre tal questão, o que preclude o conhecimento da licitude ou ilicitude da resolução do contrato pelo trabalhador.
A Relatora