Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Laboral
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 - ACRL de 16-01-2019   Princípio da imunidade de jurisdição. Imunidade de execução. Medidas de execução a uma embaixada.
I - A extensão do princípio da imunidade de jurisdição não tem contornos precisos e imutáveis, evoluindo de acordo com a prática, designadamente jurisprudencial, dos diversos Estados que integram a comunidade internacional.
II — No contexto da imunidade de jurisdição dos Estados soberanos — que se suscita quando um Estado é demandado no tribunal de um outro Estado em virtude de actos neste praticados — autonomiza-se a imunidade de execução que se suscita quando se pretende adoptar contra um Estado distinto do Estado do foro uma medida coactiva contra os seus bens situados no território do foro.
III — Enquanto no que concerne à imunidade de jurisdição dos Estados tende hoje a prevalecer urna concepção restrita, a imunidade de execução é generalizadamente aceite com uma latitude maior, entendendo-se a mesma como uma prerrogativa institucional de carácter mais abrangente.
IV — Da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961, que se aplica directamente ao Estado português, decorre que não existe uma impossibilidade absoluta de se proceder à aplicação de medidas de execução a uma Embaixada, pois que tal impossibilidade apenas se verifica quando estamos perante bens afectos à finalidades da missão diplomática.
V — Também a Convenção das Nações Unidas sobre Imunidades dos Estados, de 2 de Dezembro de 2004, admite que a execução possa atingir o património de um Estado estrangeiro sito no Estado do foro, ainda que apenas nos casos e dentro dos limites estabelecidos no próprio instrumento internacional.
VI — Em resultado do teor dos textos convencionais que sucessivamente foram sendo publicados e da jurisprudência que foi sendo emitida nos diversos Estados, a imunidade de execução foi-se relativizando, admitindo-se a possibilidade de execução da sentença condenatória do Estado que não salde espontaneamente a sua dívida, ainda que a execução apenas possa prosseguir quanto a um certo tipo de bens.
VII — Embora as denominadas convenções internacionais de Basileia e das Nações Unidas sobre Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos seus Bens não estejam em vigor na ordem jurídica portuguesa, deve conferir-se relevância ao seu conteúdo, revelador do dos contornos da evolução da regra costumeira da imunidade de execução, na medida em que o costume internacional é fonte formal de direito.
VIII — Se no requerimento executivo o exequente não nomeou à penhora bens da Embaixada, o tribunal da 1.a instância não tinha quaisquer elementos para afirmar que os eventuais bens que viessem a ser penhorados no futuro se enquadrariam nas hipóteses de imunidade de execução reconhecidas pelo direito internacional, vg. que os mesmos se destinassem a ser utilizados para as finalidades da missão, e não é possível afirmar a incompetência internacional dos tribunais portugueses para tramitar a execução da sentença que, em acção declarativa, condenou aquela Embaixada no pagamento ao trabalhador exequente de créditos indemnizatórios e retributivos.
Proc. 12515/16.4T8LSB.L1 4ª Secção
Desembargadores:  Maria José Costa Pinto - Manuela Fialho - -
Sumário elaborado por Margarida Fernandes
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Processo n.° 12515/16.4T8LSB.2.L1
4.ª Secção
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. SC..., veio dar inicio à presente execução de sentença contra a EE..., invocando corno título executivo a sentença proferida no dia 05 de Setembro de 2016 na acção declarativa a que os presentes autos se mostram apensos, intentada pelo autor/trabalhador SC... contra a ré/empregadora EE....
Tal sentença decidiu 1.) declarar ilícito o despedimento; 2.) condenar a Ré/Empregadora a pagar ao Autor/Trabalhador uma indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de trabalho ou fração de antiguidade desde o despedimento até ao trânsito em julgado da presente sentença, a qual não pode ser inferir a três meses de retribuição base e diuturnidades. 3) Condenar a Ré/Empregadora a pagar ao Autor/Trabalhador as retribuições que este deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão e veio a ser liquidada em incidente de liquidação por decisão de 05 de Março de 2018 que decidiu 1) Liquidar a indemnização por antiguidade a pagar pela Ré/Empregadora ao Autor/Trabalhador por força da sentença proferida nos autos principais no montante total de C 70.618,22 (setenta mil seiscentos e dezoito euros e vinte e dois cêntimos), acrescida de juros de mora vincendos desde a presente data até integral e efectivo pagamento, calculados à taxa legal de 4/prct. ou a outra que vier a ser legalmente fixada; 2) Liquidar as retribuições intercalares a pagar pela Ré/Empregadora ao Autor/Trabalhador por força da sentença proferida nos autos principais no montante total de 25.275,62 (vinte e cinco mil duzentos e setenta e cinco euros e sessenta e dois cêntimos), quantia esta que fica sujeita aos respectivos descontos para IRS quer para TSU, acrescida de juros de mora vincendos desde a presente data até integral e efectivo pagamento, calculados à taxa legal de 4/prct. ou a outra que vier a ser legalmente fixada;(...).
Notificado oficiosamente o exequente, nos termos dos arts. 6°, 7°, e 417°, n.° 1 do CPC de 2013, para esclarecer a presente pretensão executiva atento a circunstância de se mostrarem impenhoráveis os bens do executado (despacho de fls. 10), veio o mesmo alegar que desconhece os bens a que se refere o Mmo. Juiz e, ainda, que existem bens da Embaixada ora executada que poderão ser penhorados, sem que tal signifique urna violação da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, devendo ser proferido despacho a aceitar liminarmente o requerimento executivo.
O Mmo. Julgador a quo indeferiu liminarmente o requerimento executivo, em razão de reconhecer à executada a imunidade de execução, julgando verificada a excepção de incompetência absoluta dos Tribunais Portugueses para preparar e julgar a presente execução.
2. O exequente, inconformado, interpôs recurso desta decisão e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
A. O Recorrente vem recorrer da Sentença de fls..., que indeferiu liminarmente ...a presente execução instaurada pelo Exequente contra o Executado, em razão de se reconhecer a esta imunidade de execução, o que conduz à exceção da verificação de incompetência absoluta dos Tribunais portugueses para preparar e julgar a presente execução;
B. Considerou o Tribunal a quo que se verifica a exceção da incompetência absolta do tribunal por infração das regras de competência internacional e, em consequência, absolveu a Executada, ora Recorrida, EE... em Portugal, da instância;
C. Não pode nem deve o Recorrente conformar-se com esta decisão por considerar que a mesma viola matéria de Direito.
Vejamos:
D. O processo de cuja Sentença agora se recorre viu a sua génese ocorrer no ano de 2016, altura em que o Recorrente deu início a uma ação judicial contra a Recorrida EE..., nos termos da qual foi requerido que fosse declarado ilícito o despedimento promovido por esta;
E. O Recorrente viu a sua pretensão ser julgada procedente no âmbito do referido processo de Impugnação da Regularidade e Licitude do Despedimento e foi proferida Sentença a condenar a Recorrida a pagar: uma indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de trabalho ou fração de antiguidade desde o despedimento até ao trânsito em julgado da Sentença e ainda ...as retribuições que este deixou de auferir desde a data do despedimento até à data do trânsito em julgado da Sentença;
F. O Recorrente procedeu à liquidação da referida Sentença, tendo à mesma sido atribuído o valor de 95.890,84 Euros, montante que é devido pela Recorrida e que o Recorrente, através da ação executiva instaurada, pretende que lhe seja pago (ainda que de forma coerciva);
G. É hoje pacificamente defendido que a imunidade dos Estados Estrangeiros tem um âmbito restrito, abrangendo apenas os atos de gestão pública;
H. Quanto à imunidade da execução, a Doutrina e a Jurisprudência internacional mais recente tem defendido que a mesma, à semelhança do que já ocorre com a de jurisdição, deve ter um âmbito restrito;
I. A Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas no seu art. 22.°, n.° 3 estipula que os locais da missão, o seu mobiliário e demais bens neles situados, assim como os meios de transportes da missão, o seu mobiliário e demais bens nele situados, assim como os meios de transporte da missão, não poderão ser objeto de busca, requisição, embargo ou medida de execução;
J. Apenas são considerados impenhoráveis os bens que estão afetos à missão diplomática, ou seja, não existe uma impossibilidade absoluta de se proceder à aplicação de medidas de execução;
K. A doutrina e a jurisprudência internacional têm defendido nos últimos anos que a imunidade de execução já não tem um caráter absoluto, mas sim, relativo, sujeito ao cumprimento de determinados requisitos;
L. Podem sem alvo de penhora os bens que não estão afetos a atividades governamentais ou comerciais e ainda aqueles, que embora no passado pudessem estar afetos a essa missão, por algum motivo, deixaram de o ser;
M. Cabe à EE…, ora Recorrida, depois de penhorados os seus bens, nomeadamente, saldos bancários, exibir de forma detalhada os valores que compõem o seu orçamento e as despesas efetivadas e pendentes com as atividades de representação diplomática;
N. O Tribunal a quo, ao proferir decisão nos moldes em que o fez, demitiu-se do seu papel de dar efetividade ao princípio da dignidade humana e em total contradição com o que têm sido as decisões internacionais sobre esta matéria opta por beneficiar o prevaricador e por desproteger um ex-trabalhador ilicitamente despedido;
O. Não é possível afirmar que a imunidade de execução tem, nos dias que correrem, um caráter absoluto;
P. A Convenção das Nações Unidas sobre imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus bens, no seu art. 19.° refere as situações em que podem ser tomadas
medidas de execução posteriores ao julgamento contra os bens de um Estado;
O. Uma das exceções referidas no art. 19.° é aquela a que o Recorrente se referiu anteriormente, ou seja„ a de que podem ser tomadas medidas de execução se ...for demonstrado que os bens são especificamente utilizados ou destinados a ser utilizados pelo Estado com outra finalidade que não a do serviço público sem fins comerciais e estão situados no território do Estado do foro, o que neste caso seria Portugal;
R. O art. 21.° da Convenção especifica ainda quais os tipos de bens que não são considerados como bens especificamente utilizados ou destinados a ser utilizados pelo Estado com outra finalidade que não a de serviço público sem fins comerciais, o que pode ser um importante auxílio no momento de se verificar que bens podem ser penhorados;
S. Apesar da Convenção das Nações Unidas sobre Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens ainda não ter entrado em vigor, a verdade, é que foi ratificado por Portugal e tem sido entendido pela doutrina e jurisprudência que deve constituir uma base importante para os Tribunais;
T. Na ordem jurídica interna vigora a regra consuetudinária (costume internacional de âmbito geral — art. 8.°, n.° 1 da Constituição da República Portuguesa), pelo que não poderia o Tribunal, sob pena de tal violar de forma flagrante a Convenção referida e ainda as tendências internacionais sobre esta matéria, pela existência da imunidade absoluta de execução;
U. Não sendo reconhecida essa imunidade como sendo absoluta, tal como tem defendido o Recorrente, os Tribunais portugueses são competentes para conhecer do presente processo;
V. Estamos perante uma execução fundada numa decisão proferida pelo Tribunal do Trabalho, motivo pelo qual, seria sempre o Tribunal do Trabalho o competente para conhecer do presente processo;
W. Defendendo-se que os Tribunais Portugueses tiveram competência para julgar a ação de regularidade e licitude do despedimento que opôs em primeira linha o Recorrente à Recorrida, por maioria de razão, deverá reconhecer-se essa competência para conhecer e julgar a ação executiva onde se visa — apenas — obter de forma coerciva o ressarcimento da quantia em causa;
X. À luz dos arts. 20.° e 21.° do Regulamento (EU) n.° 281/2015, de 25/02, e partindo da consideração que as embaixadas constituem estabelecimento para efeitos do disposto no n.° 2 do art. 20.°, deve afirmar-se a competência internacional dos tribunais portugueses, enquanto Tribunal do Estado onde se encontra domiciliada a ora Recorrida, para conhecer da execução contra si instaurada;
Y. À luz do art. 10.° e 14.° do Código do Processo do Trabalho deve o Tribunal do Trabalho de Lisboa, em Portugal, ser considerando competente em razão da matéria para conhecer do presente processo;
Z. Não reconhecendo a imunidade de execução absoluta da Executada, ora Recorrida, deve ser considerado competente o Tribunal do Trabalho de Lisboa, em Portugal, para preparar e julgar o presente processo;
AA. O Tribunal a quo, ao ter considerando que estamos perante uma situação de incompetência absoluta dos Tribunais Portugueses para preparar e julgar a execução, violou o disposto nos artigos 59.°, 62.°, alínea a), 65.° do Código do Processo Civil; artigos 10.a e 14.a do Código do Processo do Trabalho; artigo 8.°, n.° 4 da Constituição da República Portuguesa; artigo 20.° do Regulamento (UE) n.° 281/2015, de 25/02, artigos 19.° e 21.° da Convenção Internacional das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos seus Bens, aprovada pela resolução da Assembleia da República n.° 46/2006, ratificada pelo decreto do presidente da república n.° 57/2006 e publicada no DR, 1.° série, de 20 de Junho de 2006;
BB. Assim, considerando que a imunidade de execução das Embaixadas não é absoluta, mas sim relativa, deverá ser revogada a Sentença proferida por outra que determine a prossecução dos autos de execução e que considere os Tribunais Portugueses (em particular o Juízo do Trabalho de Lisboa do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa) competente (em razão das regras de competência internacional) para apreciar e julgar a ação executiva em apreço.
NESTES TERMOS e nos melhores de Direito deverá o presente recurso ser julgado procedente e determinar-se:
A revogação da Sentença Recorrida quanto à questão de Direito referida supra e, consequentemente considerar-se o Tribunal competente em razão das regras de competência internacional em vigor — para apreciar e julgar a ação executiva em apreço;(...)
3. O recurso foi admitido por despacho documentado a fls. 41, que determinou a notificação da executada para os termos do recurso e para os termos da execução, com a advertência das cominações legais — arts. 852°, 629°, n.° 3, alínea c), e 641°, n.° 7 do CPC, aplicáveis ex vi dos arts. 98°-A e 1°, n.° 2, alínea a) do CPT.
4. A executada, não apresentou contra- alegações.
5. Recebidos os autos nesta Relação, e uma vez ultrapassada a questão da fixação do valor da acção, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer no sentido de que deve proceder o recurso.
Nenhuma das partes se pronunciou sobre este douto Parecer.

6. Cumprido o disposto na primeira parte do n° 2 do artigo 657° do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.° 41/2013, de 26 de Junho, aplicável ex vi do art. 87.°, n.° 1, do Código de Processo do Trabalho, e realizada a Conferência, cumpre decidir.
7. Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente — artigo 635.°, n.° 4 e 639.°, n.°s 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art. 87.°, n.° 1, do Código de Processo do Trabalho —, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal consiste em aferir da competência internacional dos tribunais portugueses para tramitar a presente acção executiva.

8. Dos factos provados
Com interesse para a decisão da questão da competência internacional dos tribunais portugueses, cabe atentar na factualidade que emerge do relatório deste texto.

9. Da competência internacional dos tribunais portugueses

8.1. A decisão sob recurso concluiu pelo reconhecimento da imunidade absoluta de execução à aqui executada EE... na presente acção executiva e, por via disso, pela incompetência internacional dos tribunais portugueses para preparar e julgar a execução em apreço.
Sustentou a sua posição, em resumo, na seguinte argumentação:
- a imunidade de execução prevista no artigo 22.° da Convenção de Viena sobre as relações diplomáticas (aprovada pelo Estado Português através do Decreto-Lei n.° 48295, de 27 de Março de 1968) é absoluta, já que eventuais decisões judiciais ou administrativas desfavoráveis à Missão ou aos diplomatas não podem ser cumpridas à força pelas autoridades do Estado acreditado;
- a norma contida naquele art. 22° da Convenção prevalece sobre o direito ordinário português nos termos do art. 8.°, n.° 2 da CRP, através da cláusula geral de recepção plena, sujeita à conditio da publicação do direito convencional recepcionado, nos quais se incluem os tratados solenes e os acordos formalmente simplificados, impondo-se as respectivas disposições sobre a legislação ordinária interna em tudo o que seja conflituante com esta, sendo que a referida imunidade de execução consubstancia um privilégio de direito internacional que impede que se penhore qualquer bem da titularidade das missões diplomáticas;
- nesta isenção estão incluídos bens cuja existência, pela sua natureza, tem que estar fora do espaço físico da missão, como é o caso das contas bancárias;
- a norma especial consubstanciada no referido art. 22°/1 da Convenção afasta as normas gerais sobre execução (nomeadamente, penhoras) que seriam aplicáveis, determinando que a missão diplomática não possa ser objecto de cumprimento à força pelas autoridades do Estado acreditado, uma vez que, no plano dos princípios, tal execução é um ato de sujeição incompatível com a soberania dos Estados;
- este entendimento quanto à verificação da imunidade de execução, não torna impossível ou inviável a efectiva satisfação do direito do exequente, já que o mesmo deve proceder ao reconhecimento da sentença que pretende executar junto das autoridade judiciais americanas e depois, aí sim, promover a respectiva execução;
- verifica-se a incompetência absoluta (em razão das regras da incompetência internacional), que constitui uma excepção dilatória, que é sempre do conhecimento oficioso do tribunal (arts. 97° e 577°/a) do CPC, aplicáveis ex vi do art. 1°/2a) do CPTe art. 61°/2 deste diploma), e que impede que o Tribunal conheça do mérito da causa e implica a absolvição da executada da instância, devendo a execução ser liminarmente indeferida — cfr. arts. 99°, 278°/1a), 577°/a), 578°, e 726°/2b) do CPC, aplicáveis ex vi dos arts. 1°/2a) e 98°A do CPT;
- esta execução nunca poderá prosseguir para penhora de outras bens do Estado Soberano (EUA), distintos dos bens da missão diplomática, já que a Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens de 17 de Janeiro de 2005 (aprovada pela Resolução da Assembleia da República n°46/2006, de 20/06), ainda que aderindo à teoria da imunidade de jurisdição relativa, estatuiu no seu art. 19°, a imunidade dos Estados relativamente a medidas de execução posteriores ao julgamento, determinando que «não poderão ser tomadas, em conexão com um processo judicial num tribunal de outro Estado, quaisquer medidas de execução posteriores ao julgamento contra os bens de um Estado, tais como o arrolamento, arresto ou penhora», salvo se se verificar algumas das situações previstas nas diversas alíneas desse preceito, o que não ocorre, nem foi invocado, na situação em apreço;
- daqui resulta a verificação da imunidade de jurisdição de execução do próprio Estado (EUA), e consequente incompetência absoluta dos Tribunais Portugueses.
O recorrente, por seu turno, defende que não existe nenhuma incompetência dos Tribunais Portugueses em conhecer da execução em apreço e que a imunidade de execução das Embaixadas não é absoluta, mas sim relativa, devendo determinar-se a prossecução dos autos de execução e considerar-se o Juízo do Trabalho de Lisboa do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa com competência internacional para conhecer do litígio, atendendo também a que as embaixadas constituem estabelecimento para efeitos do disposto no n.° 2 do art. 20.° do Regulamento (EU) n.° 281/2015, de 25/02, pelo que também por este motivo os tribunais portugueses têm competência internacional, enquanto tribunais do Estado onde se encontra domiciliada a ora recorrida, para conhecer da execução contra si instaurada.
Vejamos.
9.2. A competência dos tribunais em geral resulta da medida de jurisdição atribuída aos diversos tribunais, do modo como entre si fraccionam e repartem o poder jurisdicional que, tomado em bloco, pertence ao conjunto dos tribunais. A competência internacional é a competência dos tribunais portugueses no seu conjunto, em face dos tribunais estrangeiros. Como refere o Professor Manuel de Andrade, verdadeiramente do que aqui se trata é dos limites de jurisdição do Estado português; de definir quando é que este se arroga o direito e se impõe o dever de exercitar a sua função jurisdicional1
Conforme constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, a competência do tribunal é apreciada em função dos termos em que a acção é proposta, determinando-se pela forma como o autor estrutura o pedido e os respectivos fundamentos, independentemente da apreciação do seu acerto substancial.
Mais uma vez na palavra do Prof. Manuel de Andrade, [a] competência do tribunal não depende, pois, da legitimidade das partes nem da procedência da acção. É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do Autor (compreendidos aí os respectivos fundamentos), não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão.
É perante os termos em que é estruturada a petição inicial — ou, tratando-se de execução, o requerimento executivo — que se afere se, atentos os contornos objectivos (pedido e seus fundamentos) e subjectivos (identidade das partes) da acção, a sua apreciação se enquadra na competência dos tribunais portugueses ou se existe regra de direito interno ou internacional que afaste essa competência.
9.3. No caso assume relevo a específica qualidade da executada contra quem é dirigido o requerimento executivo, enquanto Embaixada (missão diplomática permanente dirigida por um embaixador) com funções de representação de um Estado soberano estrangeiro — os Estados Unidos da América — e sem autonomia jurídica em relação ao Estado acreditante.
9.3.1. A lei portuguesa não tem regras específicas destinadas a regular os problemas relacionados com a imunidade jurisdicional dos Estados estrangeiros, razão por que deve remeter-se a resolução de tais problemas para as regras do ordenamento jurídico internacional.
Um primeiro princípio basilar do direito internacional público a atender, como é reconhecida na decisão da 1.° instância, é o princípio consuetudinário, fundado na máxima secular par in parem non habet jurisdictionem, de que os Estados soberanos gozam, nas suas relações recíprocas, de imunidade de jurisdição.
No ordenamento jurídico português não existe norma que regule a questão da imunidade jurisdicional dos Estados estrangeiros perante os tribunais portugueses, problemática que tem de ser apreciada à luz das normas e dos princípios de direito internacional geral ou comum, que, segundo o n.° 1 do artigo 8.° da Constituição da República Portuguesa, fazem parte integrante do direito português.
De acordo com o princípio da imunidade jurisdicional, que constitui corolário do princípio básico da igualdade soberana entre as nações e se funda no desejo de manter relações amigáveis entre as mesmas, nenhum Estado soberano está, como tal, sujeito à jurisdição dos tribunais de outro Estado, salvo se nisso consentir, renunciando à referida imunidade. Ou seja, em regra nenhum Estado soberano pode ser submetido, contra sua vontade, à condição de parte perante o foro doméstico de outro Estado. Este princípio tem o valor do costume internacional, enunciado como fonte de Direito Internacional no artigo 38.°do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça e cuja vigência na ordem interna portuguesa é reconhecida no já referido artigo 8.°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa (costume internacional de âmbito geral ou comum).
A extensão do princípio da imunidade de jurisdição não tem contornos precisos e imutáveis, evoluindo de acordo com a prática, designadamente jurisprudencial, dos diversos Estados que integram a comunidade internacional.
Actualmente predomina na comunidade internacional, sendo reconhecida pela doutrina
e pela jurisprudência, a perspectiva da imunidade jurisdicional relativa, em detrimento da teoria da imunidade jurisdicional absoluta, que era reconhecida pelo simples facto de o Estado ser demandado. De acordo com a perspectiva da imunidade relativa, os Estados beneficiam de imunidade para os actos jure imperii, mas não para os actos jure gestionis, por tal se entendendo aqueles em que os Estados intervêm como pessoa de direito privado em relações de direito privado, não exercendo poderes públicos no contexto dessas relações'. Constituem actos de gestão privada, designadamente, os que o Estado pratica quando actua como comerciante ou como empregador, em condições de igualdade com os particulares, não se justificando quanto a estes actos que se aplique a imunidade jurisdicional dos Estados. Para proceder à distinção entre os actos jure imperii e os actos jure gestionis que não justificam a concessão da imunidade por constituírem actos de direito e interesse privados, além da relevância que se tem conferido à natureza do contrato e à natureza e objectivo das funções exercidas quando se trate de litígios laborais, permite-se ainda a interferência de outro tipo factores na decisão sobre a imunidade, designadamente relacionados com a eventual qualidade diplomática ou consular do trabalhador, a sua nacionalidade e o próprio objecto do processo.
9.3.2. No contexto da imunidade de jurisdição dos Estados soberanos — que se suscita quando um Estado é demandado no tribunal de um outro Estado em virtude de actos neste praticados — autonomiza-se a imunidade de execução.
A imunidade de execução suscita-se quando se pretende adoptar contra um Estado distinto do Estado do foro uma medida coactiva, como a execução de sentença, contra os seus bens situados no território deste Estado.
Enquanto no que concerne à imunidade de jurisdição dos Estados tende hoje a prevalecer a referida concepção restrita da imunidade, a imunidade de execução é generalizadamente aceite com uma latitude maior, entendendo-se a mesma como uma prerrogativa institucional de carácter mais abrangente ressalvadas algumas hipóteses excepcionais de renúncia, por parte do Estado estrangeiro, à prerrogativa da intangibilidade dos seus próprios bens.
Como refere Jónatas Machado, mesmo nas situações em que não é oponível a imunidade de jurisdição, os Estados conservam prerrogativas de imunidade relativamente a actos processuais de natureza coercitiva e executiva .
Não obstante, em resultado do teor dos próprios textos convencionais que sucessivamente foram sendo publicados, a própria imunidade de execução foi-se relativizando, admitindo-se a possibilidade de execução da sentença condenatória do Estado que não salde espontaneamente a sua dívida, ainda que a execução apenas possa prosseguir quanto a um certo tipo de bens, vg. os bens que, embora pertencentes ao Estado estrangeiro, não tenham qualquer afectação às finalidades essenciais inerentes à representação diplomática ou consular.
9.3.2.1. Ao nível do direito escrito, três convenções internacionais versam sobre esta matéria.
9.3.2.1.1. Em primeiro lugar, a Convenção de Viena sobre as relações diplomáticas celebrada em 18 de Abril de 1961 e aprovada pelo Estado Português através do Decreto-Lei n.° 48295, de 27 de Março de 1968
A Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas constitui um tratado internacional que, segundo o seu preâmbulo, tem em consideração o reconhecimento, desde tempos remotos, pelos povos de todas as nações do estatuto dos agentes diplomáticos, os propósitos e princípios reconhecidos na Carta das Nações Unidas da igualdade soberana dos Estados, de manutenção da paz e da segurança internacional e do desenvolvimento das relações de amizade entre as nações e estabelece regras sobre relações, privilégios e imunidades diplomáticas, no convencimento de que estas contribuirão para o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações, independentemente da diversidade dos seus regimes constitucionais e sociais e reconhecendo que a finalidade de tais privilégios e imunidades não é beneficiar indivíduos, mas sim a de garantir o eficaz desempenho, das funções das missões diplomáticas enquanto representantes dos Estados.
Esta convenção cuida das imunidades e privilégios pessoais dos agentes diplomáticos (imunidades diplomáticas) e não propriamente da imunidade do Estado acreditante, enquanto pessoa jurídica de direito público, face à jurisdição local do acreditado (imunidades jurisdicionais), a não ser quando nos seus artigos 22.° e 23.° estabelece regras sobre a inviolabilidade dos bens da missão, o que, por se tratar de matéria atinente a imunidades de execução do Estado acreditante, convoca a sua análise no caso vertente.
No artigo 22° da Convenção estabelece-se que:
«1. Os locais da missão são invioláveis. Os agentes do Estado acreditador não poderão neles penetrar sem o consentimento do chefe de missão.
2. O Estado acreditador tem a obrigação especial de adoptar todas as medidas apropriadas para proteger os locais contra qualquer intrusão ou dano e evitar perturbações que afectem a tranquilidade da missão ou ofensas à sua dignidade.
3. Os locais da missão, o seu mobiliário e demais bens neles situados, assim como os meios de transporte da missão, não poderão ser objecto de busca, requisição, embargo ou medida de execução.»
Quanto ao artigo 23.° rege o mesmo sobre impostos e taxas nacionais'''.
Finalmente, definindo o que deve entender-se por locais de missão, diz a alínea i) do artigo 1.° que os mesmos são os edifícios, ou parte dos edificios e terrenos anexos, seja quem for o seu proprietário, utilizados para as finalidades da missão, inclusive a residência do chefe da missão.
Nos termos do artigo 8.°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa, as normas desta convenção internacional a que Portugal se vinculou, porque regularmente adoptadas pelo Estado Português e publicadas na forma legal, prevalecem sobre o direito interno infraconstitucional, em tudo que seja conflituante com este, motivo por que os tribunais devem recusar a aplicação de lei ou norma jurídica que a viole.
9.3.2.1.2. Em segundo lugar, a denominada Convenção de Basileia sobre a Imunidade dos Estados surgida no âmbito do Conselho da Europa e aberta à assinatura dos Estados membros e à adesão dos Estados não membros em 16 de Maio de 1972.
A Convenção de Basileia, de cujo preâmbulo consta que se manifesta no direito Internacional uma tendência para restringir os casos em que um Estado pode invocar a imunidade diante dos tribunais dum outro Estado, enuncia de modo específico as situações e relações jurídicas relativamente às quais é aplicável a excepção ao princípio da imunidade dos Estados estrangeiros (artigos 1.° a 14.°). Com interesse para este foro laboral dispõe no seu artigo 5.° que:
1- Um Estado contratante não pode invocar imunidade de jurisdição perante um tribunal de um outro Estado contratante se o processo se relacionar com um contrato de trabalho celebrado entre o Estado e uma pessoa singular, se o trabalho dever ser realizado no território do Estado do foro.
2 — O parágrafo 1 não se aplica:
a) se a pessoa física tiver a nacionalidade do Estado empregador na altura em que o processo foi instaurado;
b) se na altura da celebração do contrato a pessoa singular não tinha a nacionalidade do Estado do foro nem residia habitualmente nesse Estado; ou
c) se as partes do contrato acordaram em sentido contrário, por escrito, a menos que, de acordo com a lei do Estado do foro, os tribunais desse Estado tivessem jurisdição exclusiva em virtude do objeto do processo
E no seu artigo 23.°, já relativamente à imunidade de execução, que:
Não podem ser tomadas medidas de execução ou medidas preventivas contra a propriedade de um Estado Contratante no território de outro Estado Contratante, salvo se, e na medida, em que o Estado consentiu expressamente, por escrito, na aplicação de tais medidas.
Portugal assinou esta Convenção em 10 de Maio de 1979, mas nunca a ratificou13, razão por que não se encontra em vigor na ordem jurídica interna. A tal obsta o artigo 8.°, n.° 2 da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual [a]s normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português.
9.3.2.1.3. Em terceiro lugar, e uns anos mais tarde, foi aprovada no âmbito das Nações Unidas, a Convenção sobre Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos seus Bens. A Comissão de Direito Internacional (CDI) iniciou em 1978 os trabalhos de codificação sobre imunidades jurisdicionais dos Estados, vindo a ser aberta à assinatura em Nova Iorque em 17 de Janeiro de 2005 esta que veio a designar-se corno a Convenção das Nações Unidas sobre Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos seus Bens (ou Convenção de Nova Iorque).
Em Portugal, a Convenção das Nações Unidas sobre Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos seus Bens foi aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.° 46/2006, de 20 de Junho e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.° 57/2006, ambos publicados no DR, 1ª série, de 20 de Junho de 2006, tendo o instrumento de ratificação sido depositado junto do Secretário-Geral das Nações Unidas em 14 de Setembro de 2006, conforme aviso n.° 698/2006, publicado no DR, 1ª série, de 12 de Outubro de 2006.
O artigo 5.° da Convenção de Nova Iorque define como regra a imunidade dos Estados ao dispor que [s]ob reserva das disposições da presente Convenção, uni Estado goza, em relação a si próprio e aos seus bens, de imunidade de jurisdição junto dos tribunais de um outro Estado.
Mas, num evidente acolhimento da teoria da imunidade jurisdicional relativa no que diz respeito a acções declarativas, os seus artigos 10.° a 16.° enunciam os actos sujeitos a restrição à imunidade.
A propósito dos contratos de trabalho, o artigo 11.° rege do seguinte modo:
1—Salvo acordo em contrário entre os Estados em questão, um Estado não pode invocar a imunidade de jurisdição num tribunal de outro Estado que seja competente para julgar o caso num processo judicial que diga respeito a um contrato de trabalho entre o Estado e uma pessoa singular para um trabalho realizado ou que se deveria realizar, no todo ou em parte, no território desse outro Estado.
2 — O n.° 1 não se aplica se:
a) O trabalhador foi contratado para desempenhar funções específicas que decorrem do exercício de poderes públicos;
b) O trabalhador for:
i) Um agente diplomático, tal como definido na Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas de 1961;
ii) Um funcionário consular, tal como definido na Convenção de Viena sobre as Relações Consulares de 1963;
iii) Um membro do pessoal diplomático das missões permanentes junto de organizações internacionais, de missões especiais, ou se for contratado para representar um Estado numa conferência internacional; ou
iv) Uma qualquer outra pessoa que goze de imunidade diplomática;
c) O processo judicial se referir à contratação, renovação do contrato ou reintegração do trabalhador;
d) O processo judicial se referir à cessação unilateral do contrato ou ao despedimento do trabalhador e, se assim for determinado pelo chefe de Estado, chefe de governo ou ministro dos negócios estrangeiros do Estado empregador, esse processo puser em causa os interesses de segurança desse Estado;
e) O trabalhador for nacional do Estado empregador no momento da instauração do processo judicial, salvo se a pessoa em causa tiver residência permanente no Estado do foro; ou
f) O Estado empregador e o trabalhador acordaram diversamente por escrito, sob reserva de considerações de ordem pública conferindo aos tribunais do Estado do foro jurisdição exclusiva em função do objecto do processo.
No que diz respeito à execução, rege o artigo 19.°, sob a epígrafe Imunidade dos Estados relativamente a medidas de execução posteriores ao julgamento, nos seguintes termos:
«Não poderão ser tomadas, em conexão com um processo judicial num tribunal de outro Estado, quaisquer medidas de execução posteriores ao julgamento contra os bens de um Estado, tais como o arrolamento, arresto ou penhora, salvo se e na medida em que:
a) O Estado consentiu expressamente na aplicação de tais medidas:
i) Por acordo internacional;
ii) Por acordo de arbitragem ou por contrato escrito; ou
iii) Por declaração num tribunal ou por comunicação escrita após o litígio entre as partes ter surgido; ou
b) O Estado reservou ou afectou bens para satisfação do pedido que constitui o objecto desse processo; ou
c) For demonstrado que os bens são especificamente utilizados ou destinados a ser utilizados pelo Estado com outra finalidade que não a do serviço público sem fins comerciais e estão situados no território do Estado do foro, com a condição de que as medidas de execução posteriores ao julgamento sejam tomadas apenas contra os bens relacionados com a entidade contra a qual o processo judicial foi instaurado.»
Depois de no seu artigo 20.° a mesma Convenção referenciar o efeito do consentimento para o exercício da jurisdição sobre a adopção de medidas cautelares e de execução (norma que no caso não releva, pois não está demonstrado qualquer consentimento do Estado americano)'4, o artigo 21.° enumera exemplificativamente categorias de bens do Estado que não são considerados como bens especificamente utilizados ou destinados a ser utilizados pelo Estado com outra finalidade que não a de serviço público sem fins comerciais ao abrigo da alínea c) do artigo 19.°.
Não serão assim considerados, de acordo com a norma do artigo 21.°, nomeadamente:
«a) Os bens, incluindo qualquer conta bancária, utilizados ou destinados a ser utilizados no exercício das funções da missão diplomática do Estado ou dos seus postos consulares, missões especiais, missões junto de organizações internacionais, ou delegações junto de órgãos de organizações internacionais ou de conferências internacionais;
b) Os bens de natureza militar ou utilizados ou destinados a serem utilizados no exercício de funções militares;
c) Os bens do banco central ou de outra autoridade monetária do Estado;
d) Os bens que fazem parte do património cultural do Estado ou dos seus arquivos e que não estão à venda ou que não são destinados a serem vendidos;
e) Os bens que fazem parte de uma exposição de objectos de interesse científico, cultural ou histórico e que não estão à venda ou que não são destinados a serem vendidos.»
Quanto a estas categorias de bens que o Estado estrangeiro detenha no território do Estado do foro, vale integralmente a imunidade de execução.
O n.° 2 do preceito indica que o seu n.° 1 se aplica sem prejuízo do disposto nos artigos 18.° (que rege sobre a imunidade dos Estados relativamente a medidas cautelares anteriores ao julgamento) e nas alíneas a) e b) do artigo 19.°.
A referida Convenção não se encontra em vigor na medida em que, de acordo com o seu artigo 30.°, apenas vigorará no 30. ° dia seguinte à data do depósito do 30.° instrumento de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão junto do Secretário-Geral das Nações Unidas e no momento presente há 28 assinaturas e apenas 21 países a ratificaram, aceitaram ou aprovaram 15.
Ainda que nestes países se inclua Portugal, não tem a Convenção força vinculativa a se, não podendo ser directamente invocada.
9.3.2.1.4. Como vimos, a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas vincula Portugal nos termos do artigo 8.°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa.
Quanto às Convenções de Basileia e de Nova Iorque, embora nenhuma destas convenções internacionais se encontre em vigor na ordem jurídica portuguesa, tal não significa que não se deva conferir relevância ao seu conteúdo, na medida em que o costume internacional é fonte formal de direito (artigo 8.°, n.° 1 da CRP e art. 38.° n.° 1 do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça) e o conteúdo destes instrumentos é revelador da evolução do pensamento dos Estados no que respeita à imunidade de execução, é revelador do crescente peso que vem assumindo na comunidade internacional, tal como na doutrina e na jurisprudência dos diversos países, a concepção restrita da imunidade judiciária dos Estados, bem como é, igualmente, revelador da configuração das excepções ao seu afastamento.
Conforme tem constituído entendimento pacífico da jurisprudência portuguesa, o facto de estas convenções sobre a imunidade dos Estados não serem vinculativas a se não as torna inócuas, na medida em que, evidenciando uma certa tendência na definição do princípio da imunidade dos Estados estrangeiros, na prática internacional, pode ajudar a definir o conteúdo, a marcha evolutiva e o sentido actual da correspondente regra consuetudinária, o que deve dizer-se quer quanto à Convenção de Basileia, quer quanto à Convenção das Nações Unidas sobre Imunidades dos Estados e dos seus Bens'''.
Também o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem afirmado que os preceitos da Convenção de Nova Iorque — ainda que esta não tenha sido ratificada pelo Estados em causa nas suas decisões —, têm força vinculativa na medida em que reflectem o direito internacional consuetudinário.
As duas identificadas Convenções de Basileia e de Nova Iorque, nas suas disposições sucessivas, traduzem uma tendência generalizada da prática dos Estados no sentido do alargamento — ainda que muito limitado — das excepções ao princípio da imunidade da execução dos Estados estrangeiros (que inicialmente se restringia aos casos de consentimento expresso na adopção das medidas de execução), sendo ainda indicativas de que hodiernamente não pode, em princípio, ser invocada a imunidade de execução se os bens se integrarem nas categorias das alíneas a) a c) do artigo 19.° da Convenção de Nova Iorque, o que tem reflexos na delimitação do conteúdo objectivo da referida regra costumeira, a atender nos termos do artigo 8.°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa.
9.3.3. Expostas estas considerações gerais, vejamos o caso sub judice.
Da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, citada na decisão sob recurso — e que se aplica directamente nos termos do artigo 8.° n.° 2 da Constituição da República Portuguesa — decorre que não existe uma impossibilidade absoluta de se proceder à aplicação de medidas de execução a uma Embaixada, pois que a impossibilidade apenas ocorre quando estamos perante bens afectos às finalidades da missão diplomática.
Na verdade, se é certo que no seu art. 22.°, n.° 3 a Convenção estabelece que [o]s locais da missão, o seu mobiliário e demais bens neles situados, assim como os meios de transporte da missão, não poderão ser objecto de busca, requisição, embargo ou medida de execução, é igualmente certo que, de acordo com a alínea i) do seu artigo 1.° os locais de missão vêm definidos como os edifícios, ou parte dos edifícios e terrenos anexos, seja quem for o seu proprietário, utilizados para as finalidades da missão, inclusive a residência do chefe da missão.
Ou seja, os bens da missão diplomática que estão excluídos da execução são os afectos às finalidades da missão (não estando excluído que possa haver bens com distinta afectação), não sendo exacta a afirmação do Mmo. Juiz a quo na decisão sob recurso de que a imunidade de execução consubstancia uni privilégio de direito internacional que impede que se penhore qualquer bem da titularidade das missões diplomáticas.
Perante a exigência convencional de que os bens sejam utilizados para as finalidades da missão para que se enquadrem no conceito de locais de missão salvaguardados das medidas de execução nos termos do artigo 22.°, n.° 3 da Convenção, é manifesto que, havendo bens que se não enquadrem em tal conceito, inexiste qualquer imunidade que os subtraia às medidas de execução.
Além disso, também a Convenção das Nações Unidas sobre Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos seus Bens, de 2 de Dezembro de 2004, admite que o direito de executar possa atingir o património de um Estado estrangeiro sito no Estado do foro, ainda que apenas nos casos e dentro dos limites estabelecidos no próprio instrumento internacional. Recorde-se que, embora não possam aplicar-se directamente as normas desta Convenção de Nova Iorque, uma vez que não se encontra ainda em vigor na ordem jurídica nacional, na ordem interna portuguesa vigora a regra consuetudinária internacional da imunidade jurisdicional (art. 8.° n.° 1 CRP), com o conteúdo e sentido que esta Convenção também actualiza.
Na verdade, a Convenção refere-se, na sua Parte IV, à imunidade dos Estados relativamente a medidas cautelares e de execução relacionadas com processos judiciais e no seu artigo 19.°, que versa sobre imunidades dos Estados relativamente a medidas de execução posteriores ao julgamento, elenca nas suas alíneas a) a c) as situações excepcionais em que podem ser tomadas medidas de execução posteriores ao julgamento contra os bens de um Estado. Por seu turno o respectivo artigo 21.° elenca algumas categorias de bens relativamente aos quais, por reporte à excepção constante da alínea c) do artigo 19.°, vale integralmente a imunidade de execução do Estado estrangeiro.
Ou seja, ainda que de maneira excepcional e restrita, e desde que a execução se confine aos casos e limites traçados na Convenção, a verdade é que esta admite a possibilidade de executar bens pertencentes ao Estado estrangeiro e sitos no Estado do foro.
Deve acrescentar-se que toda a restrição ao princípio da imunidade deve estar generalizadamente radicada na consciência jurídica das coletividades, o que impõe grande prudência e muita segurança na sua aplicação , pelo que é de considerar que o âmbito das restrições que podem admitir-se àquela regra consuetudinária da imunidade de execução dos Estados, não pode ultrapassar as restrições que constam da Convenção da ONU sobre Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos seus Bens, texto convencional este que mais recentemente expressou os contornos da regra consuetudinária em causa.
Quanto à jurisprudência, que também deve ser invocada para densificar o sentido actualizado da regra da imunidade, desconhecemos na jurisprudência portuguesa decisões que abordem esta matéria da imunidade de execução.
Na jurisprudência estrangeira, a jurisprudência espanhola e brasileira têm-se orientado no sentido de imunidade relativa e a prática americana em matéria de imunidade de execução, segundo dá nota Catherine Kessed-Jian, tem vindo também a sedimentar-se no sentido de uma imunidade de execução restrita.
Assim, tendo em consideração as prescrições da Convenção de Viena de 1961 [artigos 22.°, n.° 3 e 1.°, alínea i) e tendo em consideração que na ordem jurídica interna, vigora a regra consuetudinária emergente dos citados preceitos convencionais da Convenção da ONU de Nova Iorque, nos termos do artigo 8.°, n.°1 da Constituição da República Portuguesa (costume internacional de âmbito geral), regra que emerge também da jurisprudência que vem sendo emitida em vários Estados incluindo o americano, não podia o tribunal a quo concluir que existe imunidade absoluta de execução do Estado estrangeiro relativamente a medidas de execução posteriores ao julgamento e daí retirar a afirmação da incompetência internacional dos tribunais portugueses para tramitar a presente acção executiva, quando é certo que no requerimento executivo o ora recorrente não nomeou quaisquer bens à penhora.
Acresce que, de acordo com a nossa lei ordinária, nenhum motivo existe para denegar a competência internacional ao Juízo do Trabalho da Comarca de Lisboa.
Nos termos do artigo 126.a, n.° 1, alínea m), da Lei de Organização do Sistema Judiciário aprovada pela Lei n.° 23/2018, de 05 de Junho, compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível [d]as execuções fundadas nas suas decisões ou noutros títulos executivos, ressalvada a competência atribuída a outros tribunais.
A presente execução funda-se numa sentença proferida pelo Juízo do Trabalho da Comarca de Lisboa, sendo por isso competente este mesmo Juízo para conhecer do presente processo.
Por outro lado, como bem diz o recorrente, não nos podemos olvidar que o que esteve na génese da instauração da presente execução, foi uma decisão condenatória proferida por um tribunal português e na qual foi o seu despedimento declarado ilícito e a recorrida condenada no pagamento de diversas quantias, quer a título de indemnização, quer a título de créditos salariais, sendo a acção declarativa apreciada e julgada em Portugal, nos termos do Regulamento (UE) n.° 281/2015, de 25/02 — que no n.° 2 do seu art. 20.° estipula que [s]e uni trabalhador celebrar um contrato individual de trabalho com uma entidade patronal que não tenha domicílio num Estado-Membro mas tenha uma filial, agência ou outro estabelecimento num Estado-Membro, considera-se, quanto aos litígios resultantes do funcionamento dessa filial, agência ou estabelecimento, que a entidade patronal tem o seu domicílio nesse Estado-Membro — em conformidade com o entendimento do Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 19 de Julho de 2012 (à luz do correspondente n.° 2 do art. 18.° do Regulamento CE n.° 44 /2001) de que o referido preceito deve ser interpretado no sentido de que uma Embaixada de uni Estado estrangeiro situado no território de um Estado-Membro constitui um estabelecimento na acepção desta disposição num litígio relativo a um contrato de trabalho celebrado entre esta em nome do Estado acreditante.
Em suma, radicada a competência internacional dos tribunais portugueses neste quadro normativo (bem como nos artigos 10.° e 14.° do Código de Processo do Trabalho, sobre os quais, de todo o modo, prevalece o Regulamento n.° 281/2015 — cfr. o artigo 59.° do CPC) e tendo em consideração que não é de reconhecer à ora recorrida imunidade absoluta de execução, não pode acompanhar-se a decisão final constante do despacho de indeferimento liminar.
Recorde-se que no requerimento executivo apresentado no caso sub judice o exequente não nomeou bens à penhora, razão por que o tribunal da 1.a instância não tinha quaisquer elementos para afirmar que os eventuais bens que viessem a ser penhorados nestes autos se enquadravam nas hipóteses de imunidade de execução reconhecidas pelo direito internacional, vg. que os mesmos se destinavam a ser utilizados para as finalidades da missão.
Pelo que inexistiam razões para afirmar a incompetência internacional dos tribunais portugueses para tramitar a presente acção executiva.
O recurso merece provimento e deve ser revogada a decisão da 1.a instância, determinando-se o prosseguimento da execução sem prejuízo, naturalmente, de se vir a reconhecer ulteriormente que a executada beneficia da imunidade de execução relativamente aos bens que se enquadrem nas disposições dos artigos 22.°, n.° 3, da Convenção de Viena de 1961 e 19.° da Convenção de Nova Iorque de 2004.
9.4. As custas em dívida a juízo serão suportadas pela recorrida, uma vez que decaiu (artigo 527.°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), não sendo a mesma responsável por taxa de justiça uma vez que não contra-alegou. Não havendo lugar a encargos, a sua responsabilidade restringe-se às custas de parte que haja.
10. Em face do exposto, concede-se provimento ao recurso e revoga-se a decisão da 1. instância que reconheceu a imunidade jurisdicional da EE... em Lisboa, determinando-se a prossecução dos presentes autos de execução instaurados pelo recorrente SC....
Condena-se a recorrida nas custas de parte que haja.
Nos termos do artigo 663.°, n.° 7, do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.° 41/2013, de 26 de Junho, anexa-se o sumário do presente acórdão.

Lisboa, 16 de Janeiro de 2019
Maria José Costa Pinto
Manuela Bento Fialho
Sérgio Almeida
Nos termos do artigo 663.°, 11.° 7, do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.° 41/2013, de 26 de Junho, lavra-se o sumário do antecedente acórdão nos seguintes termos:
I — A extensão do princípio da imunidade de jurisdição não tem contornos precisos e imutáveis, evoluindo de acordo com a prática, designadamente jurisprudencial, dos diversos Estados que integram a comunidade internacional.
II — No contexto da imunidade de jurisdição dos Estados soberanos — que se suscita quando um Estado é demandado no tribunal de um outro Estado em virtude de actos neste praticados — autonomiza-se a imunidade de execução que se suscita quando se pretende adoptar contra um Estado distinto do Estado do foro uma medida coactiva contra os seus bens situados no território do foro.
III — Enquanto no que concerne à imunidade de jurisdição dos Estados tende hoje a prevalecer urna concepção restrita, a imunidade de execução é generalizadamente aceite com uma latitude maior, entendendo-se a mesma como uma prerrogativa institucional de carácter mais abrangente.
IV — Da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961, que se aplica directamente ao Estado português, decorre que não existe uma impossibilidade absoluta de se proceder à aplicação de medidas de execução a uma Embaixada, pois que tal impossibilidade apenas se verifica quando estamos perante bens afectos à finalidades da missão diplomática.
V — Também a Convenção das Nações Unidas sobre Imunidades dos Estados, de 2 de Dezembro de 2004, admite que a execução possa atingir o património de um Estado estrangeiro sito no Estado do foro, ainda que apenas nos casos e dentro dos limites estabelecidos no próprio instrumento internacional.
VI — Em resultado do teor dos textos convencionais que sucessivamente foram sendo publicados e da jurisprudência que foi sendo emitida nos diversos Estados, a imunidade de execução foi-se relativizando, admitindo-se a possibilidade de execução da sentença condenatória do Estado que não salde espontaneamente a sua dívida, ainda que a execução apenas possa prosseguir quanto a um certo tipo de bens.
VII — Embora as denominadas convenções internacionais de Basileia e das Nações Unidas sobre Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos seus Bens não estejam em vigor na ordem jurídica portuguesa, deve conferir-se relevância ao seu conteúdo, revelador do dos contornos da evolução da regra costumeira da imunidade de execução, na medida em que o costume internacional é fonte formal de direito.
VIII — Se no requerimento executivo o exequente não nomeou à penhora bens da Embaixada, o tribunal da 1.a instância não tinha quaisquer elementos para afirmar que os eventuais bens que viessem a ser penhorados no futuro se enquadrariam nas hipóteses de imunidade de execução reconhecidas pelo direito internacional, vg. que os mesmos se destinassem a ser utilizados para as finalidades da missão, e não é possível afirmar a incompetência internacional dos tribunais portugueses para tramitar a execução da sentença que, em acção declarativa, condenou aquela Embaixada no pagamento ao trabalhador exequente de créditos indemnizatórios e retributivos.
Lisboa, 16 de Janeiro de 2019
Maria José Costa Pinto
Manuela bento Fialho