1 - Perante um acidente de trabalho ocorrido em 2012 e nunca participado judicialmente, mas vindo a empregadora a reconhecer incapacidades dele derivadas e a pagar pensão delas decorrentes, com sucessivas apreciações de recidivas, alegando-se nova recidiva, a situação configura-se como de revisão de incapacidade.
2 — O prazo de caducidade do direito de ação pelos danos emergentes de acidente de trabalho só se inicia com a comunicação formal da alta clínica ao sinistrado.
3 — A entrega de um boletim de exame ou de acompanhamento médico, ainda que dele conste a referência à alta, não é apta a desencadear as consequências relativas à caducidade.
Proc. 21401/16.7T8LSB.L1 4ª Secção
Desembargadores: Manuela Fialho - Sérgio Manuel de Almeida - -
Sumário elaborado por Margarida Fernandes
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Proc° 21401/16.7T8LSB
Comarca de Lisboa
Juízo do Trabalho de Lisboa
Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa:
VRF... interpôs recurso do despacho saneador que declarou a caducidade do direito de ação.
Pede a respetiva revogação.
Alegou e concluiu nos termos seguintes:
1. No entendimento do A., não se verificam, no caso concreto, os pressupostos da exceção de caducidade invocada pela R. e que o Tribunal a quo considerou procedente.
2. Para o Tribunal a quo, se o «boletim de acompanhamento médico» emitido pela Ré foi entregue ao A. em 22.5.2015 e se a participação do acidente pelo A. só aconteceu em 26.8.2016, então, no momento dessa participação, já o prazo previsto no art. 179.° da Lei 98/2009 estava ultrapassado e o direito de ação tinha caducado.
3. Que o «boletim de acompanhamento médico» emitido pela Ré e entregue ao A. não seja o boletim de alta clínica referido pelo n.° 2 do art. 35.° da Lei 98/2009 e que a Ré fosse, à data, autosseguradora e tivesse incumprido o dever de participação do acidente ao tribunal previsto no art. 90.° do mesmo diploma não tem, para o Tribunal a quo, qualquer consequência que determine a improcedência da exceção de caducidade alegada pela Ré.
4. Com o presente recurso, pretende o A. que o entendimento constante da sentença seja revisto no sentido de se concluir pela tempestividade da participação de sinistro efetuada e a consequente improcedência da exceção de caducidade invocada pela Ré
5. O n.° 2 do art. 35.° da Lei 98/2009 prevê que, no final do tratamento do sinistrado, quer por este se encontrar curado ou em condições de trabalhar quer por qualquer outro motivo, o médico assistente emite um boletim de alta clínica, em que declare a causa da cessação do tratamento e o grau de incapacidade permanente ou temporária, bem como as razões justificativas das suas conclusões,
6. Acrescentando o n.° 3 do mesmo preceito que entende-se por alta clínica a situação em que a lesão desapareceu totalmente ou se apresenta como insuscetível de modificação com terapêutica adequada.
7. No «boletim de acompanhamento médico» entregue pela Ré ao A. não se refere qualquer fundamento para a decisão de atribuir alta com uma determinada desvalorização, limitando-se os serviços médicos da Ré a apontar a atribuição de alta com um grau de desvalorização de 30/prct. e a necessidade de realização de tratamentos de fisioterapia no futuro.
8. Entre a comunicação entregue ao A. em 22.5.2015 pela Ré e o «boletim de alta clínica» previsto no n.° 2 do art. 35.° da Lei 98/2009 as diferenças são essenciais, fundamentais, pelo que não podiam ter sido equiparados, como fez o Tribunal a quo.
9. Assim sendo, não tendo ainda o A. recebido a comunicação de alta relativa ao acidente ocorrido em 16.12.2012, a participação do acidente efetuada em 26.8.2016 tem de se considerar tempestiva, devendo a decisão sub judice ser revogada em consonância com o ora exposto.
10. Neste sentido se pronunciam os Acórdãos da Relação do Porto de 19.22.2012 (o conhecimento não formal do sinistrado da data da alta, não tem a virtude de fazer desencadear o início do prazo da caducidade a que alude o artigo 32° da LAT, o qual só ocorrerá na data em que é feita a entrega efetiva do boletim ao sinistrado) e de 16.10.2016 (o prazo de caducidade do direito de ação previsto na Base XXXVIII da Lei 2127 (e atual art. 32°, 1 da Lei 100/97), só começa a contar da data da entrega do boletim de alta ao sinistrado, terminado que esteja o seu tratamento, quer se encontre curado ou em condições de trabalhar).
11. De resto, importa lembrar que, à data do acidente e até ao início de 2016, a Ré não tinha seguro de acidentes de trabalho para os trabalhadores que entraram para a empresa antes de 1992, funcionando como autosseguradora.
12. Seja em consequência de um acidente de trabalho, de uma gripe de inverno ou de uma doença congénita, o procedimento interno na Ré é o mesmo (no caso de trabalhadores que entraram para os quadros da empresa antes de 1992), ou seja, o trabalhador que tenha queixas e necessite de assistência médica é submetido a uma junta médica que fará a avaliação da situação e o reencaminhamento devido.
13. Esta indistinção procedimental torna-se mais grave quando as formalidades exigidas em cada situação específica são preteridas, como sucedeu, no caso concreto, com a comunicação de alta que a Ré deveria ter enviado ao A., que, manifestamente, não cumpria com os requisitos previstos no n.° 2 do art. 35.° da Lei 98/2009.
14. No caso concreto, a gravidade da atuação da Ré aumenta ainda pela circunstância de as suas avaliações médicas terem sido sistematicamente revistas, incluindo pelas perícias já realizadas no âmbito do presente processo, confirmando que a situação clínica do A. nunca se estabilizou realmente, pelo menos, antes da data da participação do acidente ao Tribunal do Trabalho de Lisboa.
15. Estabelece o n.° do 2 do art. 90.° da Lei 98/2009 que a seguradora participa ao tribunal competente, por escrito, no prazo de oito dias a contar da alta clínica, o acidente de que tenha resultado incapacidade permanente e, imediatamente após o seu conhecimento, por correio eletrónico, telecópia ou outra via com o mesmo efeito de registo escrito de mensagens, o acidente de que tenha resultado a morte,
16. Acrescentando o n.° 3 que a seguradora participa ainda ao tribunal competente, por escrito, no prazo de oito dias a contar da sua verificação, todos os casos de incapacidade temporária que, consecutiva ou conjuntamente, ultrapassem 12 meses.
17. Conforme resulta da leitura dos acima citados n.°s 2 e 3 do art. 90.°, cabia à Ré, na qualidade de autosseguradora, proceder à participação do acidente que envolveu o A..
18. Com efeito, quer com base no disposto no n.° 2, pelo facto de o A. ter ficado com uma incapacidade permanente, quer por apelo ao n.° 3, pelo facto de o A. ter estado numa situação de incapacidade temporária por um período superior a 12 meses, a Ré devia ter participado o acidente nos termos previstos na lei.
19. A Ré, ao não cumprir o seu dever de participar o acidente que envolveu o A. em 16.10.2012, impossibilitou-o de promover o incidente de revisão de incapacidade previsto no art. 145.° do CPT.
20. Note-se que o n.° 8 do art. 145.° prevê a possibilidade de se requerer o incidente de revisão da incapacidade nos casos em que, sendo responsável uma seguradora, o acidente não tenha sido participado ao tribunal por o sinistrado ter sido considerado curado sem incapacidade, o que não se aplica ao caso concreto, uma vez que o A. ficou curado com desvalorização.
21. Nesta medida, tem de se concluir que o Tribunal a quo cometeu um erro de julgamento, fazendo uma interpretação e aplicação da lei contra o próprio texto legal e contra o sentido e alcance das normas. Com efeito, e salvo melhor opinião, a decisão sub judice, enquanto afasta de forma injustificada e contra legem a possibilidade de o A. exercer o direito de ação conferido pela Lei 98/2009, põe em causa, não apenas a sistemática e teleologia do regime de acidentes de trabalho como também o acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, garantia constitucional prevista no art. 20.° da CRP.
CCC..., SA. apresentou contra-alegações nas quais pugna pela manutenção da sentença.
O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Apresentamos uma breve exposição da questão em discussão que originou a decisão recorrida:
VRF... vem intentar ACÇÃO EMERGENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO COM PROCESSO ESPECIAL contra CCC..., pedindo a condenação da R.:
- A pagar ao A. uma pensão anual calculada com base no grau de incapacidade permanente que vier a ser fixado pela junta médica requerida;
- A pagar ao A. a quantia de € 2.851,38, a título de diferenças de indemnização pelo período em que o A. esteve na situação de incapacidade temporária, acrescida de juros de mora;
- A pagar ao A. a quantia de € 2.147,10, a título de reembolso das despesas suportadas em consequência do acidente com transportes, tratamentos e medicação, acrescida de juros de mora;
- A pagar ao A. a quantia de € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais;
Na contestação invocou a ré a caducidade do direito de ação alegando em síntese o seguinte: (i) no dia 16.10.2012 o autor sofreu um acidente em serviço, e do qual teve alta sem atribuição de IPP, concedida pelo seu médico assistente em 25.05.2015; (ii) a alta foi consignada pelo seu médico, no documento designado Boletim de Acompanhamento Médico que o seu médico preencheu e o qual foi entregue à entidade patronal pelo próprio trabalhador, na data que se apresentou ao trabalho; (iii) entre a data da alta —25.05.2015 — e a participação do acidente ao Tribunal do Trabalho —26.06.2016 - caducou o direito de ação do autor.
O autor respondeu à exceção dizendo que o acidente de trabalho que o vitimou ocorreu em 16.10.2012, tendo o autor ficado em situação de incapacidade temporária absoluta até 22.05.2015, data em que lhe foi atribuída alta com desvalorização de 30/prct.. Em 3.07.2015, o autor deu nova queda durante a execução do serviço, tendo sido reaberto o processo de sinistro laboral com uma recidiva sendo que mais tarde, em 19.03.2016, o autor voltou a sentir queixas fortes tendo solicitado reapreciação da sua condição de saúde, tendo em vista a possibilidade de se estar perante uma nova situação de recidiva da lesão provocada pelo acidente ocorrido em 2012. No entanto a junta médica recusou a caracterização da situação como recidiva, tendo o autor sido colocado de baixa por doença até 31.05.2016.
Foi proferido despacho saneador que julgou procedente a exceção de caducidade do direito de ação invocada pela ré e, em consequência, absolveu-a de todos os pedidos formulados pela autora.
As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.° 608°/2 e 635°/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, é a seguinte a questão a decidir, extraída das conclusões: não se verificam, no caso concreto, os pressupostos da exceção de caducidade?
OS FACTOS:
Com relevo, o Tribunal recorrido considerou estão assentes os seguintes factos:
1. Em 16.10.2012 o autor sofreu um acidente no exercício das suas funções quando cumpria as suas tarefas de distribuição postal, ao serviço da sua entidade empregadora CCC..., SA.
2. O evento referido em 1 consistiu ao executar o giro de distribuição de encomendas postais.
3. Em 22.05.2015 foi atribuída alta ao autor com a atribuição de uma IPP de 30/prct..
4. Em consequência do pedido de reavaliação da sua situação clínica pelo autor, em 24.11.2015, a junta médica da entidade empregadora alterou o grau de desvalorização atribuído ao autor para 45/prct..
5. Em 08.04.2016, o autor apresentou pedido de recidiva tendo a junta médica concluído em 12.04.2016 que não parece haver nexo de causalidade entre as queixas atuais e o acidente de 16.10.2012, tendo o autor tomado conhecimento em 13 .05.2016.
6. Em 14.06.2016, o autor apresentou novo pedido de recidiva tendo a junta médica concluído em 14.06.2016 que a junta médica mantém o seu parecer de 12.04.2016, tendo o autor tomado conhecimento em 23.06.2016.
7. À data referida em 1 o autor auferia a retribuição anual de € 20.093,49 ilíquidos.
8. À data referida em 1 entidade empregadora não tinha a responsabilidade emergente de acidente de trabalho transferida para qualquer companhia de seguros, beneficiando os trabalhadores que entraram para os quadros da empresa até Maio de 1992 de um regime de sinistros de trabalho específico baseado no Decreto-Lei n.° 503/99 de 20.11.
9. O autor efetuou a participação de acidente de trabalho no dia 26 de Agosto de 2016.
O DIREITO:
Concluiu-se na sentença recorrida pela caducidade do direito de ação decorrente da circunstância de desde a data da comunicação formal da alta clínica até que foi feita a participação do acidente de trabalho decorreu o prazo a que alude o Art° 179°/1 da LAT.
Para assim concluir a sentença deteve-se numa análise do dever de participação do sinistro, afirmando que o recebimento da participação é o momento que consubstancia o começo da instância, devendo atender-se a tal data para efeitos de caducidade do direito de ação. Estribando-se na análise efetuada no Ac. do STJ de 22/0272017, que amplamente transcreve, do qual emerge que no âmbito do Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais apenas a alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado despoleta o início da contagem do prazo de caducidade estipulado no seu Art° 32° (Lei n° 100/97 de 13/09) , a sentença veio a concluir que o boletim de acompanhamento médico consubstancia um documento equivalente ao boletim de alta, habilitando o autor a exercer os seus direitos.
Na apelação o Apelante vem questionar este entendimento, afirmando que não tendo recebido a comunicação de alta relativa ao acidente de 2012, a participação que efetuou tem que se considerar tempestiva.
Contra-alegou a Apelada afirmando que do acidente de 2012 o A. teve alta em Maio de 2015, alta que lhe foi comunicada.
Afigura-se-nos que a abordagem efetuada nos autos não teve em conta a situação jurídica em causa e acerca da qual o acervo fático não deixa margem para dúvidas.
A caducidade do direto de ação vem, aliás, apenas a ser suscitada na contestação sem que na tentativa de conciliação perante o Ministério Público durante a fase conciliatória a mesma tivesse, sequer, sido aflorada.
Da análise dos autos decorre que em 16/10/2012 ocorreu um acidente que vitimou o A.. Acidente esse tido como acidente em serviço e no âmbito do qual foi fixada a IPP de 30/prct. e a respetiva pensão que a R. pagou. Esta situação veio a ser revista, tendo o processo de sinistro sido reaberto por diversas ocasiões e vindo o grau de IPP a ser fixado em 45/prct..
Isto mesmo se invoca desde a participação de acidente de trabalho que constitui fls. 1 dos autos, sendo percetível também quer por força da petição inicial, quer da contestação.
Na verdade, na PI alega-se que ao longo dos anos o A. se submeteu a várias juntas médicas da R. que foram confirmando a gravidade da lesão e a dificuldade e lentidão da recuperação (Art° 16°), matéria que a R. não impugnou.
Depois, a própria R. nos Art° 45° e ss. da contestação confirma a atribuição em 24/11/2015 de uma IPP de 45/prct., bem como a atribuição de pensão que o A. passou a receber com início em 26/09/2015. E, nos Art° 55° e ss. alega-se recidiva em 7/09/2015 com pagamento de pensão por ITA, bem como recidiva em 19/03/2016 com alta em 17/04/2016.
Também não despicienda é a constatação de que na tentativa de conciliação supra referida a ora Apelada aceitou a IPP de 45/prct. com alta em 25/09/2015 tendo a entidade patronal procedido ao pagamento de pensão anual de 374,91€ e atualizada nos termos legais, não aceitando nova recidiva de 20/03/2016 e o pagamento de despesas.
Por outro lado, e mais importante ainda, é que do acervo fático cuja prova se obteve resulta que:
- Em 16.10.2012 o autor sofreu um acidente no exercício das suas funções quando cumpria as suas tarefas de distribuição postal, ao serviço da sua entidade empregadora CCC..., SA.
-Em 22.05.2015 foi atribuída alta ao autor com a atribuição de uma IPP de 30/prct..
-Em consequência do pedido de reavaliação da sua situação clínica pelo autor, em 24.11.2015, a junta médica da entidade empregadora alterou o grau de desvalorização atribuído ao autor para 45/prct..
-Em 08.04.2016, o autor apresentou pedido de recidiva tendo a junta médica concluído em 12.04.2016 que não parece haver nexo de causalidade entre as queixas atuais e o acidente de 16.10.2012, tendo o autor tomado conhecimento em 13.05.2016.
-Em 14.06.2016, o autor apresentou novo pedido de recidiva tendo a junta médica concluído em 14.06.2016 que a junta médica mantém o seu parecer de 12.04.2016, tendo o autor tomado conhecimento em 23.06.2016.
-No dia 26 de Agosto de 2016 é efetuada participação ao Tribunal.
É, assim, claro para nós que o que está em causa não é o acidente de
trabalho de 2012. É uma situação de recidiva para a qual é adequado, atento
o disposto no Art° 70° da Lei 98/2009 de 4/09, o incidente de revisão da incapacidade.
Pronunciou-se a sentença recorrida pela caducidade do direito de ação no pressuposto de participação de um acidente nunca tramitado ou reconhecido
o que não é, manifestamente o caso.
0 Are 179°/1 da LAT dispõe, efetivamente, que o direito de ação respeitante a prestações fixadas na lei caduca no prazo de 1 ano a contar da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado ou, se do evento resultar a morte, a contar desta.
Só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do ato a que a lei ou a convenção atribua efeito impeditivo (Art° 331°/1 do CC).
Porém, para a revisão da incapacidade não estabelece a lei qualquer prazo de caducidade do respetivo direito, conforme emerge de quanto se dispõe no Art° 70° da Lei 98/2009.
Da conclusão 12a emerge a instituição no seio da Apelada de um procedimento específico para tramitação dos acidentes.
Vem, certamente daí a tramitação dada ao caso com atribuição de pensões pelas diversas incapacidades reconhecidas.
Situação de facto que não desonera os interessados do recurso aos processos legalmente tipificados.
Não podemos, porém, alhear-nos de quanto a este propósito se alegou na PI — a existência no seio da empresa de um regime de sinistros de trabalho especial baseado na conjugação do que se dispunha no DL 503/99 de 27/11 e da Lei 98/2009, sistema que ficou em crise com a publicação da Lei 59/2008 de 11/09, que veio introduzir alterações ao DL 503/99.
Este diploma estabelece, como se sabe, o regime legal aplicável aos acidentes em serviço - acidentes ocorridos ao serviço de entidades empregadoras públicas.
A partir de 2008, com aquela lei, veio a consagrar-se que o disposto no DL 503/99 é aplicável a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, nas modalidades de nomeação ou de contrato de trabalho em funções públicas, nos serviços da administração direta e indireta do Estado e bem assim que, aos trabalhadores que exerçam funções em entidades públicas empresariais ou noutras entidades não abrangidas pelo disposto nos números anteriores é aplicável o regime de acidentes de trabalho previsto no Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.° 99/2003, de 27 de Agosto, devendo as respetivas entidades empregadoras transferir a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho nos termos previstos naquele Código (nova redação do Art° 2°).
O Ministério Público refere-se à problemática no seu parecer dando nota da divergência de opinião entre os tribunais judiciais e os administrativos quanto á competência material para conhecer dos acidentes de trabalho de trabalhadores dos CTT, problemática que viria a ser dirimida pelo Tribunal de Conflitos no Ac. de 11/01/2017 onde se reconheceu a competência dos tribunais judiciais para a tramitação processual relativa à reparação dos danos emergentes de um acidente sofrido por trabalhador quando já estava em vigor o DL 503/99 de 20/11 com a redação introduzida pela Lei 59/2008 de 11/09.
Não surpreende, pois, a tramitação e reconhecimento pela R. do acidente de trabalho ocorrido em 2012.
Acidente cujas consequências decorrentes da alta de 22/05/2015 não está em discussão.
E nem sequer as consequências subsequentemente reconhecidas através da sucessiva reabertura do procedimento interno que levou à atribuição de uma IPP de 45/prct..
O que verdadeiramente está em discussão é um pedido de revisão posteriormente apresentado. Mais propriamente em 14/06/2016 (a fazer fé no relato factual supra exarado) e sobre o qual a junta médica interna se pronunciou, tendo o A. tomado conhecimento da respetiva decisão., ei23/06/2016.
Tudo para dizer que a questão da caducidade não pode equacionar-se partindo do pressuposto do exercício do direito de ação pelas consequências: derivadas da ocorrência de acidente de trabalho, visto não ser isto que está em causa nos autos.
A questão, estando nós perante alegação de recidiva, terá que equaciona:-se à luz do regime legal substantivo aplicável ao incidente respetivo, ou seja, o incidente de revisão da incapacidade.
Incidente que, aliás, seria o adequado à tramitação, mas cuja imposição nos está agora vedada por força do regime processual legal aplicável ( Art° 200°/2 do CPC).
Contudo, invocando-se caducidade do direito de ação nada obsta a que a exceção se equacione em presença da concreta situação relatada nos autos e, muito concretamente, do disposto no Art° 70° da Lei 98/2009.
É certo que o A. reclama o pagamento de despesas realizadas desde 2012 até 18/11/2016 alegando que a R. se recusa a pagar-lhas por entender ser aplicável à sua reclamação o prazo prescrito no Art° 151° da Lei 98/2009. Também este pedido deverá ser equacionado na perspetiva referida.
Nunca o acidente foi participado judicialmente como se impunha à empregadora (Art° 88° da Lei 98/2009) e era mera faculdade do sinistrado (Art° 92°/a).
Não nos parece, contudo, que em presença das concretas circunstâncias reveladas nos autos, tal seja razão suficiente para descartar a apreciação da recidiva invocada.
Ora, a revisão da incapacidade atribuída e com base na qual a Apelada vem pagando pensão, não está dependente de qualquer prazo.
Razão pela qual improcede a invocada exceção.
Ainda que assim não se entenda, a exceção de caducidade do direito de ação, também não pode proceder.
Dispõe o Art° 179°/1 da Lei 98/2009 que o direito de ação respeitante às prestações fixadas na lei caduca no prazo de um ano a contar da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado.
No caso o único facto cuja prova se obteve que reporta à alta diz-nos que em 22.05.2015 foi atribuída alta ao autor com a atribuição de uma IPP de 30/prct..
Ora, como bem se explicita no Ac. do STJ amplamente citado na sentença recorrida (Ac. de 22/02/2017, com referências também ao Ac. de 3/10/2000), a caducidade do direito de ação ocorre se a ação não for intentada observando a triplicidade cumulativa que se enuncia:
- não ter sido proposta no prazo de um ano;
- a contar da data da alta clínica;
-alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado.
Donde, o prazo de um ano só começa a contar a partir da alta clínica e desde que esta observe o último requisito assinalado — o da comunicação formal dessa alta clínica ao sinistrado.
Na verdade, como ali se diz, a alta clínica, com a referida formalidade, assume aqui o elemento fulcral para que a contagem do prazo de um ano se inicie.
Ora, nenhum dos factos exarados nos permite concluir pela observância da formalidade exigida legalmente.
Ponderou-se, a este propósito na sentença, que o referido documento, conferindo ao autor a situação de alta, foi-o com a menção de Incapacidade Permanente Parcial de 30/prct., mostrando-se corporizado por via do documento de folhas 5 e 6.
É certo que o documento em causa não tem, ipsis verbis, a denominação de boletim de alta clínica; contudo podemos dizer que face à legislação aplicável ao caso à data é um boletim de acompanhamento médico que consubstancia um documento equivalente do qual se extrai, sem dúvida que se nos afigure de relevo, que foi atribuída alta ao sinistrado, no qual está declarada a cessação do tratamento — a cura com desvalorização fixada e 30/prct. - e, ainda, que foi entregue ao autor e que este entregou à sua entidade patronal, como esta própria o confessa. Vale o exposto por dizer que o documento em causa, apesar de, como dito, se não intitular boletim de alta clínica é um documento que, na sua essência, lhe correspondente na justa medida em que dele constam todos os elementos que, para o sinistrado, são essenciais, a saber: a situação de alta clínica e a situação de cura com desvalorização. Mais, trata-se de documento que, face ao seu teor, habilitaria o autor a exercer os seus direitos caso não concordasse com a situação a desvalorização que lhe tivesse sido atribuída.
Não sufragamos este entendimento.
O Art° 35° da Lei 98/2009 distingue claramente entre boletim de alta e boletim de exame e o Art° 1790/1 é claro na referência à alta formalmente comunicada.
Daí que a jurisprudência dos tribunais superiores venha enveredando pelo caminho reportado nos acórdãos citados, da qual emerge que não basta a comunicação de alta. Antes se exige a formal comunicação dessa situação, o que ocorre com a entrega do boletim de alta (e só com ela), mas ainda assim, com uma formalidade acrescida — a comunicação formal da alta.
Significa isto que o conhecimento não formal da situação de alta não tem a virtualidade de desencadear o início do prazo de caducidade.
Donde, pretendendo a Apelada retirar consequências tão gravosas do conhecimento da alta, teria que alegar e provar que comunicou formalmente ao sinistrado a situação de alta clínica.
Falhando este pressuposto — note-se que a R. se limita a alegar que o A. teve conhecimento da alta através da consignação da mesma e entrega pelo médico no boletim de acompanhamento médico - , improcede a exceção de caducidade.
Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogar o saneador sentença, ordenando o prosseguimento dos autos.
Custas pela Apelada.
Notifique.
Elabora-se o seguinte sumário:
1 - Perante um acidente de trabalho ocorrido em 2012 e nunca participado judicialmente, mas vindo a empregadora (CTT) a reconhecer incapacidades dele derivadas e a pagar pensão delas decorrentes, com sucessivas apreciações de recidivas, alegando-se nova recidiva, a situação configura-se como de revisão de incapacidade.
2 — O prazo de caducidade do direito de ação pelos danos emergentes de acidente de trabalho só se inicia com a comunicação formal da alta clínica ao sinistrado.
3 — A entrega de um boletim de exame ou de acompanhamento médico, ainda que dele conste a referência à alta, não é apta a desencadear as consequências relativas à caducidade.
Lisboa, 27-03-2019
MANUELA BENTO FIALHO
Sérgio Almeida
FRANCISCA MENDES