Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Laboral
Assunto    Área   Frase
Processo   Sec.                     Ver todos
 - ACRL de 26-06-2019   Procedimento disciplinar. Nulidades.
1 - O procedimento disciplinar deve assumir, em situações em que a entidade empregadora pretenda despedir o trabalhador com fundamento em justa causa disciplinar, forma escrita e ser devidamente organizado e estruturado, lógica e cronologicamente, em função das fases da acusação, defesa, instrução e decisão, que, em regra, devem ser sequenciais e contínuas e encontrarem-se devidamente refletidas e expressas em tal processo disciplinar.
2 - Existe um número fechado e típico de causas insanáveis de invalidade do procedimento disciplinar que provocam a sua ilicitude, já não derivando das outras irregularidades procedimentais que possam ser assacadas a tal processo disciplinar a nulidade deste último mas, quanto muito, as consequências adjetivas e substantivas derivadas dos números 4 do artigo 387.° e número 2 do artigo 389.° do CT/2009.
3 - O facto de a Autora não ter tido conhecimento, quer do teor da Nota de Culpa, bem como da carta em que a Ré lhe comunicava a sua intenção de a despedir, quer ainda da decisão de despedimento com justa causa, respetivo relatório final da instrutora do procedimento disciplinar assim como da missiva que informava a trabalhadora de que havia sido despedida, não pode ser imputada a esta última mas antes à instrutora do procedimento disciplinar nomeada pela Apelante, e, em última análise, a esta última.
4 - Tal não receção por parte da recorrida dos ditos documentos escritos acaba por se reconduzir às nulidades do procedimento disciplinar constantes da alínea a) (fala da nota de culpa), da alínea b) (falta da comunicação da intenção de despedimento junta à nota de Culpa), da alínea c) (impossibilidade do exercício do direito de audição prévia e defesa) e alínea d) (não comunicação da decisão do despedimento com justa causa) do número 2 do artigo 382.° do CT/2009.
5 - O tipo de nulidades acima encontradas e que se acham previstas no número 2 do artigo 382.° do CT/2009 não se reconduzem ou podem configurar como constituindo as irregularidades do procedimento disciplinar que se acham mencionadas no número 2 do artigo 389.° do mesmo diploma legal mas já dão lugar à aplicação ao disposto no número 4 do artigo 387.° do CT/2009, o que implica, face à total ausência de prova quanto aos factos que integram a justa causa do despedimento, que a Decisão sobre a Matéria de Facto seja anulada, assim como a sentença, na parte não julgada e confirmada por este tribunal de recurso, com vista a que haja lugar à ampliação daquela Decisão quanto aos mencionados factos e a outros com eles conexionados e que não tenham sido alvo de apreciação anterior pelo tribunal recorrido, à subsequente reformulação do seu conteúdo e da sua motivação e, finalmente, à prolação de uma nova sentença que incida sobre esses novos factos e as questões de direito que suscitam.
(Simário elaborado pelo Relator)
Proc. 2771/17.6T8BRR.L1 4ª Secção
Desembargadores:  José Eduardo Sapateiro - Alves Duarte - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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RECURSO DE APELAÇÃO N.° 2771/ 17.6T8BRR.L1 (4.a Secção)
Apelante: FOO..., LDA.
Apelada: ECM...
(Processo n.° 2771/17.6T8BRR - Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa -
Juízo do Trabalho do Barreiro - Juiz 2)
ACORDAM NESTE Tribunal da Relaçãode Lisboa:
I - RELATÓRIO
ECM..., contribuinte n.° 148..., residente na R…, veio, em 18/07/2017, propor a presente ação declarativa de condenação com processo comum laboral, contra FOO..., LDA., pessoa coletiva n.° 500..., com sede na P..., pedindo que se declare a ilicitude do despedimento e, consequente e cumulativamente, se a condene no pagamento de:
q € 46.668,60, a título de indemnização de antiguidade;
q No valor das retribuições vencidas desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão;
q € 10.000,00, a título de indemnização por danos morais;
q € 314,26, por conta da retribuição das férias não gozadas no ano 2016;
q € 75,42, por conta da retribuição das férias não gozadas no ano 2015, Tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral e efetivo pagamento.

Para tanto alegou a Autora, em síntese, o seguinte:
- Que foi admitida ao serviço da Ré no dia 28/07/1983 para sob a sua autoridade, direção e fiscalização exercer as funções de escriturária, mediante o pagamento de € 797,48 mensais a título de retribuição base acrescido de diuturnidade e subsídio de refeição, e que esteve de baixa médica, por doença, de 02/05/2016 a 11/08/2016.
- Que a Ré lhe devolveu, por via postal, o certificado de incapacidade temporária emitido para o período de 13/06/2016 a 12/07/2016, justificando a devolução com o facto de já não ser sua trabalhadora desde 30/06/2016, sendo que nunca foi notificada da pendência de qualquer processo disciplinar nem de que o contrato havia cessado, pelo que voltou a remeter as baixas médicas devolvidas e a nova baixa médica prorrogada, voltando a Ré a devolver-lhe a documentação enviada, afirmando que o contrato de trabalho já havia cessado, tendo então tomado conhecimento, no dia 21/07/2016, de que o contrato havia cessado, facto que lhe provocou insegurança, desalento, frustração e desânimo porquanto, desprovida do salário, teve que recorrer à ajuda económica de amigos e familiares.
- Que a Ré não lhe pagou a retribuição das férias proporcionalmente vencida no ano da cessação, sendo que concedia, por regra, 25 dias úteis de férias/ano, e ainda, que no ano 2016 gozou apenas 23 dias de férias, estando em falta o gozo de 2 dias úteis de férias.

Foi agendada data para a realização da Audiência de partes (despacho de fls. 18), tendo a Ré sido citada por carta registada com Aviso de Receção, como resulta de fls. 24.
Mostrando-se inviável a conciliação das partes e tendo a Ré sido notificada para, no prazo e sob a cominação legal contestarem (fls. 26 e 27), veio a mesma fazê-lo dentro do prazo legal.
A Ré FOO..., LDA contestou, a fls. 28 e seguintes, alegando, em síntese, o seguinte:
- Que a Autora passou a exercer funções de empregada de balcão a partir de 1996;
- Que a Autora trabalhou até 30/04/2016, tendo entrado de baixa médica a 02/05/2016, situação que manteve até ao dia em que foi notificada da decisão de despedimento proferida no processo disciplinar que lhe moveu, comunicada a 01/07/2016 mas que aquela recusou recebei., o mesmo Lendo feito corri a nota de culpa que a mandatária constituída pela Ré lhe remeteu, devolvendo-a no dia 09/06/2016 com a menção de desconhecido, sendo que a conhece há mais de 15 anos, sabe que ela é a advogada da Ré e que a carta tratava assunto relacionado com a Ré;
- Que lhe pagou € 478,65 por conta da retribuição de férias proporcionalmente vencida com a cessação do contrato de trabalho, € 523,36 por conta de 12 dias de férias não gozados no ano 2015 e que deixou de conceder 25 dias úteis de férias a partir do momento em que a lei deixou de majorar a assiduidade.
A Autora, notificada para o efeito, veio responder à contestação da Ré dentro do prazo legal (Fls. 115 e seguintes), alega que nunca foi notificada da nota de culpa nem da decisão de despedimento.
As cartas foram dirigidas a ECM... quando se chama ECM..., o que motivou a sua devolução porquanto não habita ninguém na habitação com aquele nome nem as cartas poderiam ser levantadas no correio.

Foi designada Audiência Prévia (despacho de fls. 122), que se realizou a fls. 132 e 133 (tendo a Ré aí junto cópia do procedimento disciplinar), tendo depois sido proferido, a fls. 138 a 139 e com data de 10/1/2018, despacho saneador, no qual foi atribuído à ação o valor de € 57.058,28, definido o objeto do litígio, dispensada a enunciação dos temas da prova, atenta a simplicidade da causa, admitido os róis de testemunhas das partes e designada data para a realização da Audiência de Discussão e Julgamento.
Procedeu-se à realização da Audiência de Discussão e Julgamento com observância do legal formalismo, tendo a prova aí produzida sido objeto de registo-áudio (fls. 176 a 179).

Foi então proferida a fls. 181 a 205 e com data de 26/05/2018, sentença que, em síntese, decidiu o litígio nos termos seguintes:
Pelo exposto, o Tribunal decide:
1. Declarar ilícito o despedimento de «ECM...».
2. Condenar a «FOO..., LDA» a pagar a «ECM...» o valor correspondente às retribuições deixadas de auferir desde 18/06/2017 até à data do trânsito em julgado da presente decisão, pelo valor ilíquido mensal de € 833,81, sem prejuízo das deduções legais e impostos/contribuições a que haja lugar, a que acrescem juros de mora, à taxa de 4/prct. ao ano, desde a citação até integral e efetivo pagamento.
3. Condenar a «FOO..., LDA» a pagar a «ECM...» o valor correspondente à indemnização de antiguidade a calcular de 28/07/1983 até ao trânsito em julgado da presente decisão, sendo € 833,81/ano, acrescida da quantia devida por conta de juros de mora, à taxa de 4/prct. ao ano, desde a citação até integral e efetivo pagamento.
4. Absolver a «FOO..., LDA» do demais peticionado por «ECM...».
5. Condenar «ECM...» e «FOO..., LDA» a pagarem as custas processuais, na proporção do decaimento, sem prejuízo da dispensa de pagamento de que a primeira beneficia.
DN: registo, notificação e baixa. [2]
A Ré FOO..., LDA, inconformada com tal sentença, veio, a fls. 208 e seguintes, interpor recurso da mesma, que foi admitido a fls. 257 verso dos autos, como de Apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

A Apelante apresentou, a fls. 208 verso e seguintes, alegações de recurso, onde, formulou as seguintes conclusões:
A - Efetuada a análise circunstanciada e pormenorizada da decisão ora recorrida, nos termos supra descritos, entende a recorrente impugnar a decisão proferida sobre o facto provado 17 nos termos do art.° 640.', n.° 1, als. a), b) e c) todos os C.P.C. e impugnar a douta sentença nos termos do art.° 639.°, n.° 2, al. a) e b) por errada interpretação dos art.°s 353.°, n.° 1, 357.°, n° 6 e 7 e 381.°, al. c) todos do C.T. e 224.°, n.°s 1 e 2 do C. C., porquanto:
B - O facto 17 dos factos provados define que: A Autora chama-se ECM....
C - Acontece que do documento junto com a P.I. como Doc. n.° 1 intitulado Contrato, que se trata do contrato de trabalho da recorrida, o nome que aí se encontra aposto é ECM... e da assinatura da recorrida aposta no referido documento, é possível visualizar antes do apelido Ma… a preposição de.
D - Igualmente da certidão de nascimento informatizada da recorrida, que se encontra junta aos autos, através do requerimento apresentado pela mesma em 22/11/2017, com a referência CITIUS 17023766, consta na frente da mesma que o nome da recorrida é ECM... e do verso, nomeadamente do averbamento n.° 2 de 2011-05-19, consta que o nome da recorrida após o divórcio passou a ser ECM....
E - Com o passar dos tempos, e por uma questão de simplificação, as locuções prepositivas existentes nos nomes, como por exemplo de, da, do, dos e das foram sendo eliminadas, acontecendo tal situação com a informatização dos assentos.
F - Ora existindo vários documentos juntos aos autos em que o nome da recorrida aparece com e sem a preposição de, deveria a Mma Juiz ter dado como provado que o nome da autora é ECM..., mas que também usa ECM....
G - Consequentemente, de acordo com os documentos juntos aos autos, ao facto 17 deverá ser dada a seguinte redação: A Autora chama-se ECM... mas também usa ECM....
H - A Mma Juiz ad quo fundamenta a douta sentença no facto da Autora não ter sido notificada do processo disciplinar por facto que não lhe é imputável, considerando que a carta que lhe foi dirigida em 18/7/2016 consubstanciou um despedimento, que por não ter sido precedido de procedimento disciplinar, é ilícito, resultando tal conclusão no facto de considerar que as cartas dirigidas à Autora pela instrutora do processo disciplinar e pela ora recorrida, que consubstanciavam a notificação da nota de culpa e da decisão de despedimento, terem um lapso na identificação do destinatário que a impedia de as receber.
I - Não pode a recorrida aceitar tal conclusão, por entender que o lapso de um apelido não determina a não identificação do destinatário da declaração, senão vejamos:
J - Na carta registada com aviso de receção contendo a nota de culpa, enviada pela instrutora do processo disciplinar, em 9/6/16 consta o nome de ECM... e a seguinte morada: R....
K - De igual forma na carta enviada pela recorrida à autora, com a decisão de despedimento no processo disciplinar, datada de 30/6/16, consta o mesmo nome e a mesma morada.
L - Ambas as missivas foram remetidas para a morada da Autora, provada através do facto 19, constando de ambas os seus dois nomes próprios e dois dos seus apelidos, verificando-se um lapso no último apelido indicado.
M - Importa aferir se um destinatário deixa de ser identificável porque um dos apelidos não corresponde ao seu nome, situação sindicada por inúmera jurisprudência, que é unânime em afirmar que a simples divergência de um apelido não conduz falta de citação.
N - No caso em apreço trata-se de um lapso num dos elementos da composição da identidade, mas que não a afeta, não invalidado, por isso, a notificação que se pretende.
m - O facto de as cartas terem sido remetidas para a morada da Autora, com os nomes próprios da autora e dois dos seus apelidos, com um terceiro apelido que não é o seu, trata-se de um erro involuntário na identificação parcial do destinatário, que não resulta em qualquer incerteza quanto à sua identidade e quanto à sua envolvência na situação em apreço, sendo por demais suficientes os restantes elementos de identificação, que a tornam distinta de qualquer outra pessoa.
P - Aliás dada a extensão do nome da Autora e à correta identificação da maioria dos vocábulos do seu nome, a troca de um dos apelidos por outro não é relevante para a sua não identificação, mormente pode ser considerado como facto relevante para a sua não notificação do processo disciplinar.
Q - Ademais, os dois nomes próprios da autora ECM... não são nomes comuns, que levem a dúvidas na identificação do destinatário. Não são muitas, com toda a certeza, as ECM... residentes na C... e naquela morada.
R - Acresce que da certidão de nascimento junta pela Autora constam vários apelidos que foram sendo acrescentados e retirados ao nome da Autora e nem por isso a mesma terá deixado alguma vez de ser identificada e identificável.
S - Por outro lado, resultou provado que os remetentes das cartas eram conhecidos da Autora tanto a instrutora do processo, como a sua entidade patronal.
T - Ou seja, a Autora sabia que aquelas cartas, provenientes daqueles remetentes lhe eram dirigidas, só a si e só não as recebeu porque não quis, colocando-se, voluntariamente na situação prevista no art.° 224.°, n.° 2 do CC.
U - Determina este art.° no seu n.° 2 que é também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida.
ü - Ora as duas cartas a notificar a Autora, ora recorrida, do procedimento disciplinar e da decisão de despedimento chegaram ao destinatário e só não foram por ele recebidas, por este as ter recusado, colocando-se, por isso, a autora em situação voluntária de não receber o que lhe era dirigido.
W - Contrariamente ao afirmado na douta sentença é exigível à recorrida que, sendo-lhe dirigidas as referidas cartas como o foram, com o lapso de um único apelido, a mesmas as deveria ter recebido, não colhendo o fundamento que a douta sentença lança mão considerando hipotéticas situações, como a de lhe ser deixado aviso para levantar a carta no posto de correio, ou se se tivesse que identificar junto de qualquer outra instituição: um banco ou uma repartição pública.
X - Ficou provado nos factos n.° 13 e 15 que a primeira carta foi devolvida com a menção desconhecido e que a segunda carta foi devolvida com a menção recusado, não tendo ficado provado que em nenhuma das situações a Autora tenha sido impedida de as receber pelos correios, ou por qualquer outra instituição.
Y - Decide a sentença em contradição com os próprios fundamentos que avoca, ao fazer menção do Ac. TRL de 30/4/97 e do referido pelos autores Pires de Lima e Antunes Varela «É o caso, por exemplo, de este se ausentar para parte incerta ou de se recusar a receber a carta, ou de não a ir levantar à posta-restante como o fazia usualmente.», ciente que deu como provada a recusa da carta por parte da Autora e surpreendentemente, considera o despedimento ilícito, por determinar que a sua notificação não é efetuada por nenhuma das cartas recusadas, mas sim da carta datada de 18/7/2016, sem ser precedida de processo disciplinar.
Z - Cumpridas as notificações à Autora, para a sua verdadeira morada, de todos os documentos a que estava obrigada, nos termos dos artigos 353.° n.° 1 e 357.°, n.° 6 ambos do CT, que não as recebeu por voluntariamente assim entender, por não ser o lapso de um apelido eficaz para invalidar tais notificações, só se poderá concluir pela licitude do despedimento efetuado pela recorrente.
AA - No entanto, e por mero dever de cautela sempre se refere que, não sendo revogada a douta sentença de que se recorre, sendo mantida a decisão de ilicitude do despedimento, sempre se refere que não pode a recorrente conformar-se com o valor de indemnização atribuído calculado com base em ... 30 dias de retribuição base e diuturnidade por cada ano ou fração atento o grau de ilicitude da conduta da Ré....
BB - Bem sabe o tribunal a quo que na determinação do grau de ilicitude do despedimento devem ser tidos em conta os motivos elencados no art.° 381.° do CT.
CC - Na fixação da indeminização terá sempre de se atender ao índice de censurabilidade que a conduta da entidade empregadora possa ter revelado, quer no que se refere à observância dos direitos processuais, quer no que se refere ao respeito pela dignidade pessoal e humana do trabalhador visado.
DD - Se atentarmos em toda a prova carreada para os autos e aos factos dados como provados constantes dos n.°s 11 a 14 inclusivo, ficou provado que a Recorrente procedeu à instauração de processo disciplinar, com notificação à recorrida da nota de culpa e da decisão de despedimento, factos que, sem qualquer dúvida, mitigam a ilicitude e a culpa da recorrente, na cessação do contrato de trabalho aqui em causa.
EE - Acresce que os factos constantes do procedimento disciplinar, alegados na contestação, são de tal forma graves que a sanção aplicada só poderia ser a justa causa de despedimento da recorrida, não se podendo assim concluir no presente processo, que a recorrente tenha agido de má-fé.
FF - Ora não é um mero lapso num apelido, razão para aferir da conduta ilícita da recorrente. GG - Assim, prevendo o art.° 391.° do CT a determinação da indemnização entre o valor de 15
e de 45 dias de acordo com o a retribuição mensal e o grau de ilicitude da recorrente, verificando-se
o grau mitigado, ou inexistente deveria a sentença determinar um valor equivalente ao mínimo, ou próximo do mínimo.
HH - Nestes termos deve ser revogada a sentença sub judicio, absolvendo-se a Recorrente de todos os pedidos, e caso assim não se entenda deverá ser reduzido ao mínimo o valor da indemnização, como é de inteira JUSTIÇA!
A Autora não apresentou contra-alegações dentro do prazo legal, na sequência da notificação que para esse efeito lhe foi feita.
m ilustre magistrado do Ministério Público deu parecer no sentido da improcedência do recurso de Apelação (fls. 226 a 234), não tendo as partes se pronunciado acerca do mesmo, dentro do prazo legal, apesar de notificadas para o efeito.

Tendo os autos ido aos vistos, cumpre apreciar e decidir.
II - OS FACTOS
m tribunal da 1.a instância considerou provados os seguintes factos: «A. FACTOS PROVADOS
É a seguinte a factualidade provada:
1. A Ré tem por objeto o comércio de artigos de ótica e fotografia.
2. Tem sede na P....
3. A Autora foi admitida ao serviço da Ré no dia 28/07/1983 para exercer funções de escriturária sob a sua autoridade, direção e fiscalização, mediante o pagamento de 15.000$00 a título de retribuição mensal.
4. Posteriormente, passou a fazer atendimento ao balcão da ótica, auferindo, no ano 2016, € 797,48 a título de retribuição base mensal acrescido de € 36,33 a título de diuturnidade e € 4,27 a título de subsídio de refeição por cada dia de trabalho prestado.
5. A Autora entrou de baixa médica, por doença natural, no dia 02/05/2016, o que se manteve até 13/05/2016.
6. A baixa médica foi prorrogada para o período de 14/05/2016 a 12/06/2016, de 13/06/2016 a 12/07/2016 e de 13/07/2016 a 11/08/2016.
7. Em data não concretamente apurada de junho/julho de 2016, a Autora remeteu à Ré o certificado de incapacidade temporária para o trabalho relativo ao período de 13/06/2016 a 12/07/2016.
8. A Ré, por carta datada de 18/07/2016, rececionada pela Autora, devolveu o certificado de incapacidade temporária, dizendo-lhe o seguinte:
Exma. Sra.
Vimos por este meio devolver o documento de baixa médica, que nos foi enviado em virtude de a
senhora não ser funcionária desta empresa desde 30 de Junho de 2016.».
9. A Autora, por carta datada de 12/08/2016, rececionada pela Ré, remeteu o certificado devolvido e o da prorrogação da baixa de 13/06/2016 a 12/07/2016, dizendo o seguinte:
Exmos. Senhores,
No seguimento da vossa carta de 18 de Julho de 2016, referente à devolução dos meus documentos de baixa médica, junto envio a respetiva documentação, bem como a continuação da baixa devidamente atualizada.
A referida carta lnenciona que não sou funcionária da empresa desde 30 de Junho de 2016, devendo no entanto existir algum equívoco, pois a minha baixa deu início no dia 2 de Maio de 2016 e não recebi qualquer carta de despedimento, nem foi por mim apresentada demissão.
Perante o exposto, agradeço que esta situação seja devidamente esclarecida..
10. A Ré, por carta datada de 23/08/2016, rececionada pela Autora no dia 26/08/2016, informou-a do seguinte:
Exma. Sra.
Reiteramos o já informámos na nossa anterior carta e qualquer esclarecimento sobre o processo disciplinar deverá ser solicitado à advogada da empresa, ACA..., com escritório na Av. ... com o telefone: ....
Aproveitamos para devolver toda a documentação que nos foi dirigida e a solicitar que proceda o quanto antes à devolução do recibo da empresa devidamente assinado.
11. A Ré procedeu à abertura de inquérito e processo disciplinar no dia 01/06/2016.
12. Feitas diligências, no dia 09/06/2016, a Sra. Instrutora nomeada pela Ré, Dra. ACA..., remeteu a nota de culpa de fls. 113-121 dos autos disciplinares apensos por linha, cujo teor se reproduz na íntegra, para o seguinte destinatário e morada:
ECM...
R. R....
13. A missiva a que se alude em 12) foi devolvida à Sra. Instrutora com a menção de Desconhecido.
14. Por carta datada de 30/06/2016, a Ré, no dia 01/07/2016, remeteu a decisão de despedimento de fls. 124-132 dos autos disciplinares apensos por linha, cujo teor se reproduz na íntegra, para o seguinte destinatário e morada:
ECM...
R. ….
Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos presentes autos, atendendo à circunstância da presente ação ter dado entrada em tribunal em 18/07/2017, ou seja, depois da entrada em vigor das alterações introduzidas no Código do Processo do Trabalho pelo Decreto-Lei n.° 295/2009, de 13/10, que segundo o seu artigo 6.°, só se aplicam às ações que se iniciem após a sua entrada em vigor, tendo tal acontecido, de acordo com o artigo 9.° do mesmo diploma legal, em 1/01/2010.
Esta ação, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjetivo comum, foi instaurada depois da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, que ocorreu no dia 1/9/2013.
Será, portanto e essencialmente, com os regimes legais decorrentes da atual redação do Código do Processo do Trabalho e do Novo Código de Processo Civil como pano de fundo adjetivo, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de Apelação.
Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais - aprovado pelo Decreto-Lei n.° 34/2008, de 26/02, retificado pela Declaração de Retificação n.° 22/2008, de 24 de Abril e alterado pelas Lei n.° 43/2008, de 27-08, Decreto-Lei n.° 181/2008, de 28-08, Lei n.° 64-A/2008, de 31-12, Lei n.° 3-B/2010, de 28 de Abril, Decreto-Lei n.° 52/2011, de 13 de Abril com início de vigência a 13 de Maio de 2011, Lei n.° 7/2012, de 13 Fevereiro, retificada pela Declaração de Retificação n.° 16/2012, de 26 de Março, Lei n.° 66-B/2012, de 31 de Dezembro, Decreto-Lei n.° 126/2013, de 30 de Agosto, Lei n.° 72/2014, de 2 de Setembro, Lei n° 7-A/2016, de 30 de Março, Lei n.° 42/2016, de 28 de Dezembro, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2017 e Lei n.° 114/2017, de 29 de Dezembro, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2018 -, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data.
Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos terem ocorrido sucessivamente na vigência da LCT e legislação complementar assim como dos Códigos do Trabalho de 2003 (que conheceu o início da sua vigência em 1/12/2003) e de 2009 (que entrou em vigor em 17/02/2009), sendo, portanto, os regimes deles decorrentes que aqui irão ser chamados à colação em função dos factos analisados.
B - IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
Vem a Apelante interpor recurso da decisão da Matéria de Facto, com referência ao facto descrito nas suas conclusões [31 e que, na opinião da Ré, deveria
15. A missiva a que se alude em 14. foi devolvida à Sra. Instrutora com a menção de Recusado.
16. Aquando da tentativa de entrega de uma das missivas a que se alude em 12. e 14. foi o companheiro da Autora que recebeu o carteiro, tendo-o informado de que na morada indicada não residia destinatário com aquela identificação.
17. A Autora chama-se ECM....
18. À data, a Autora estava a ser seguida por médico psiquiatra.
19. A Autora habita na Rua R..., o que sucedia em 2016.
20. A Autora conhece a mandatária constituída pela Ré, Dra. ACA....
21. A Autora nasceu a 11/06/1963.
22. A Autora não gozou 12 dias úteis de férias vencidos a 01/01/2016, reportados ao trabalho prestado no ano de 2015.
23. Em julho de 2016 a Ré pagou à Autora € 1.002,01 por conta da retribuição das férias proporcionalmente vencidas e dos 12 dias de férias não gozados, 471,40 a título de subsídio de natal e € 478,65 por conta do subsídio de férias proporcionalmente vencido.
24. A presente ação foi instaurada pela Autora no dia 18/07/2017.
B. FACTOS NÃO PROVADOS
É a seguinte a factualidade não provada:
a) A Autora sempre exerceu funções de escriturária.
b) A Autora passou a exercer funções de empregada de balcão a partir de 1996.
c) A Ré, no ano 2015/2016, atribuía 25 dias úteis de férias a cada trabalhador.
d) A Autora desempenhou, com zelo e dedicação, as funções que exercia.
e) A Autora recebeu propostas de trabalho, que declinou pela dedicação e estima
que tinha pelo trabalho e pelas pessoas com quem trabalhava.
J) A Ré atravessou dificuldades financeiras aquando da crise económica.
g) A Autora, com o despedimento, sentiu desalento, frustração, desânimo e insegurança.
h) O descrito em g) agravou a doença psiquiátrica de que a mesma era portadora.
i) Tal sucedeu por ter perdido o salário que assegurava a sua subsistência e a do seu agregado familiar.
j) Teve que recorrer a ajuda económica de amigos e familiares.
k) A Autora está desempregada e sem expectativa de emprego.
I) A Autora conhece a mandatária constituída pela Ré há mais de 15 anos.
m) A Autora sabia que a carta a que se alude em 14. tratava de assunto
relacionado com a Ré.».
III - OS FACTOS E O DIREITO
É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.° do Código do Processo do Trabalho e 639.° e 635.°, n.° 4, ambos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.° n.° 2 do NCPC).

A - REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS
ter sido julgado de forma diversa pelo tribunal recorrido, sendo tal impugnação feita nos termos e para os efeitos dos artigos 80.°, número 3, 87.°, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 640.° do Novo Código de Processo Civil, importando,
nessa medida, ter presente o seu número 1, alíneas a) a c), quando estatui que 1 -Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, dizendo por seu turno o seu número 2 que 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes., ao passo que o artigo 622.°, números 1 e 2, alíneas a) a d) do NCPC determina a este propósito e na parte que nos interessa o seguinte:
Artigo 662.°
Modificabilidade da decisão de facto
1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.a instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.a instãncia a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
3 (...)
A recorrente, nesta matéria, dá cumprimento suficiente às exigências de natureza material e processual que se mostram elencadas nas normas acabadas de
D - Igualmente da certidão de nascimento informatizada da recorrida, que se encontra junta aos autos, através do requerimento apresentado pela mesma em 22/11/2017, com a referência CITIUS 17023766, consta na frente da mesma que o nome da recorrida é ECM... e do verso, nomeadamente do averbamento n.° 2 de 2011-05-19, consta que o nome da recorrida após o divórcio passou a ser ECM....
E - Com o passar dos tempos, e por uma questão de simplificação, as locuções prepositivas existentes nos nomes, como por exemplo de, da, do, dos e das foram sendo eliminadas, acontecendo tal situação com a informatização dos assentos.
F - Ora existindo vários documentos juntos aos autos em que o nome da recorrida aparece com e sem a preposição de, deveria a Mma Juiz ter dado como provado que o nome da autora é ECM..., mas que também usa ECM....
G - Consequentemente, de acordo com os documentos juntos aos autos, ao facto 17 deverá ser dada a seguinte redação: A Autora chama-se ECM... mas também usa ECM....»
transcrever, o que permite conhecer o recurso, nesta primeira vertente da impugnação da matéria de facto dada como provada pelo tribunal recorrido.
Impõe-se realçar que, conforme ressalta do Relatório deste Aresto, a prova testemunhal produzida em Audiência de Discussão e Julgamento foi objeto de gravação, tendo este procedido à sua integral audição, bem como à leitura, interpretação e conjugação dos documentos juntos aos autos e ao seu confronto com tais depoimentos e com os factos assentes que resultaram da confissão ou acordo das partes.
Passemos então a abordar as questões de facto suscitadas pela Ré, começando por transcrever a fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto, conforme consta de fls. 187 e 188 e reproduzindo-se depois e para esse efeito, o teor do Ponto de Facto que, na perspetiva da Apelante, foi objeto de um incorreto julgamento pelo tribunal da 1.a instância e que, nessa medida, merece a sua contestação:
FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Os factos 1) e 2) resultam da certidão permanente de fls. 19-23 dos autos.
Os factos 3) e 4) resultam do acordo das partes, do contrato escrito de fls. 7-verso, dos recibos de
vencimento juntos a fls. 8-10 dos autos e, no que tange às funções, do que as testemunhas arroladas
pela Ré, melhor identificadas na ata, declararam, sobre este ponto, em sede de audiência de discussão
e julgamento.
Os factos 5) a 10) resultam da documentação de fls. 11-13 e 38-39 dos autos.
Os factos 11) a 15) resultam do processo disciplinar, apenso por linha.
O facto 16) resulta do depoimento prestado pelo companheiro da Autora, JO...,
cujo teor nos convenceu pela forma espontânea, inocente e lógica como foi prestado.
O facto 17) e 21) resulta de fls. 11 dos autos.
Os factos 18) a 20) foram atestados pelo companheiro da Autora, sendo que também as
testemunhas arroladas pela Ré frisaram que o acompanhamento psiquiátrico da Autora já vem de há
muito tempo porquanto a mesma faltava, por regra, vários dias no ano por razões de índole emocional,
assim como o conhecimento pela autora da identificação da ilustre causídico. da Ré.
O facto 22) foi confessado pela Ré.
O facto 23) resulta do recibo de vencimento de fls. 40 dos autos.
O facto 24) resulta de fls. 17 dos autos.
A não prova dos factos supra elencados de a) a m) resulta da circunstância de sobre o seu teor
não ter sido feita prova cabal, suficiente a um juízo de certeza, o que não resulta da documentação
junta aos autos nem dos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas em audiência de
discussão e julgamento.
Não se atendeu aos demais factos alegados pelas partes nos articulados, nomeadamente aos factos invocados no processo disciplinar, por serem irrelevantes para a decisão da decisão da causa, ponderadas as soluções plausíveis de direito à luz da alegação, do pedido e da causa de pedir.»
A recorrente sustenta que o Ponto de Facto n.°s 17. não deveria ter sido dados
como provados pelo Tribunal do Trabalho do Barreiro nos moldes em que o foi,
possuindo tal Ponto a seguinte redação:
REDAÇÃO ATUAL:
«17. A Autora chama-se ECM....»
REDAÇÃO PROPOSTA:
«A Autora chama-se ECM... mas também usa
ECM....»
C - PONDERAÇÃO GLOBAL DA PROVA PRODUZIDA
Tendo compulsado os documentos juntos aos autos que poderão ter alguma relevância nesta matéria - tendo os meios probatórios em causa de possuir fundamentalmente essa natureza e não indicando a Ré qualquer outro tipo de prova na sua impugnação - e depois de fazer a devida ponderação de cada um desses meios de prova, quer em si como entre si, diremos que, a nossa convicção é idêntica à formada pelo tribunal da 1.a instãncia, no que toca ao nome da Autora - ECM... - sendo de destacar, para tal efeito, as cópias das certidões de nascimento da filha da Autora (fls. 120 e 121) assim como a certidão de nascimento da própria (fls. 128 e 129 [41), as cartas remetidas pela Ré à Autora (fls. 13 e 14), o expediente relativo ao pedido de apoio judiciário formulado pela trabalhadora (fls. 15 a 17), as cópias de recibos de remunerações emitidos pela mesma (fls. 8 a 10 e 40), os certificados de incapacidade temporária para o trabalho de fls. 11 a 12 verso, o «Atestado Médico» de fls. 130 e Registo do envio do mesmo à Ré (fls. 131).
Os atos judiciais e de secretaria praticados nos autos também fazem sempre menção ao nome da Autora como sendo o de «ECM...».
Em sentido diverso encontramos a cópia do «Contrato», junta a fls. 7 verso e 45, estando o seu teor manuscrito por pessoa não identificada e datado de 28/7/1983, onde o nome da Autora tem inserido um «de» (mas já não a assinatura, que não consegue ser legível a esse nível e com a certeza necessária, ao contrário do que afirma a Apelante), o mesmo acontecendo com o «Termo de abertura do Procedimento disciplinar de fls. 42 verso», a Nota de Culpa e a carta que a remete à Autora (fls. 99 verso a 105), Relatório Final da instrutora do procedimento disciplinar (fls., 106 verso a 110) Decisão de despedimento com justa causa (Fls. 106) e carta que os remete à Autora - fls. 105 verso e 133 a 134 verso.
Estes últimos documentos são todos eles, presumivelmente redigidos por terceiros («Contrato») ou com certeza, elaborados pela instrutora do procedimento disciplinar instaurado pela Ré contra a Autora - estando no centro da invalidade desse procedimento disciplinar as duas missivas enviadas à aqui recorrida, de onde consta o nome de «ECM...» -, o que, no confronto com os documentos oficiais ou emanados de entidades oficiais ou até da própria empregadora, não logram se sobrepor (antes pelo contrário), em termos probatórios, ao valor destes últimos.
Mesmo que se aceitasse a versão da Ré no sentido do aludido contrato possuir uma assinatura da Autora com a aposição do «de» entre «Cl…» e «Ma…», tal documento, desacompanhado de qualquer outro que, desde 1983 em diante, fosse da sua autoria ou, pelo menos, assinado por ela e em que tal «de» intercalado também constasse, não consente que se fale de usos por parte da recorrida, no sentido da aposição no seu nome dessa palavra «de».
Sendo assim, julga-se improcedente o recurso de Apelação da Ré nesta sua primeira vertente de impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto.
D - OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES JURÍDICAS
As questões de direito que se suscitam no ãmbito deste recurso de Apelação são as seguintes:
a) Validade do procedimento disciplinar;
b) Valor da indemnização que foi atribuída pelo tribunal da 1.a instância à Autora, em função do despedimento ilícito de que foi lavo.
E - SENTENÇA RECORRIDA
A decisão impugnada, acerca destas questões, desenvolveu a seguinte
argumentação jurídica:
«B. CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO.
ILICITUDE DO DESPEDIMENTO

De acordo com o disposto no artigo 340.° do Código do Trabalho: «Para além de outras modalidades legalmente previstas, o contrato de trabalho pode cessar por:
a) Caducidade;
b) Revogação;
c) Despedimento por facto imputável ao trabalhador;
d) Despedimento coletivo;
e) Despedimento por extinção de posto de trabalho;
f) Despedimento por inadaptação;
g) Resolução pelo trabalhador;
h) Denúncia pelo trabalhador.».
m despedimento por facto imputável ao trabalhador constitui uma das formas de
cessação unilateral do contrato de trabalho, levada a cabo pelo empregador mediante a aplicação da sanção disciplinar mais grave, o que faz no uso do poder disciplinar.
Enquanto vigorar o contrato de trabalho o empregador ou o superior hierárquico do trabalhador com competência disciplinar tem direito de exercer poder disciplinar sobre trabalhador ao seu serviço, aplicando-lhe, desde que proporcional à gravidade da infração, à culpa e observados os limites fixados pelo n.° 3 do artigo 328.° do Código do Trabalho, uma das sanções legalmente estabelecidas: a repreensão, a repreensão registada, a sanção pecuniária, a perda de dias de férias, a suspensão do trabalho com perda de retribuição e antiguidade ou a sanção disciplinar mais grave, o despedimento sem lugar a indemnização ou compensação (cfr. artigos 98.°, 328.0, 329.° e 330.° do Código do Trabalho).
A aplicação da sanção disciplinar de despedimento depende, porém, da existência de justa causa, ou seja, em face do que preceitua o artigo 351.°, n.° 1, do Código do Trabalho, da verificação de um: «1. (...) comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Pois, conforme estatui o artigo 338.° do Código do Trabalho: «É proibido o despedimento sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos.». [
Depende, por outro lado, da instauração de um procedimento disciplinar, no qual terão que ser praticados vários atos destinados ao apuramento dos factos imputados ao trabalhador, à instrução, à defesa e à decisão final, no que se incluem, a nota de culpa, a resposta à nota de culpa, atos de instrução e a decisão de despedimento, sendo a sua falta geradora de ilicitude.
Para tanto, basta que o empregador dirija ao trabalhador uma declaração de vontade destinada a fa7er cessar o contrato de trabalho para o futuro.
Deve estar em causa uma declaração vinculada - porque condicionada à verificação de determinados motivos que a lei considera como justificativos da cessação da relação laboral -constitutiva - porquanto o ato de vontade do empregador tem efeitos por si mesmo, sendo uma forma de cessação de exercício extrajudicial - e recipienda - porque só é eficaz depois de ter sido recebida pelo destinatário.
Destarte, para que se possa afirmar que houve um despedimento é preciso que se alegue e prove que o empregador emitiu, expressa ou tacitamente, uma declaração de vontade a pôr termo à relação de trabalho, exteriorizada em condições de não suscitar dúvida plausível sobre o seu exato significado.
Em suma, o empregador deve anunciar ao trabalhador - por escrito, verbalmente ou até por mera atitude -, de modo absolutamente inequívoco, a vontade de extinguir a relação laboral. Is]
Como doutamente se entendeu, entre outros, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/ 06/2008: «A decisão de despedimento tanto pode ser «externada» pela entidade empregadora por intermédio de uma declaração de vontade recetícia dirigida ao trabalhador e que, por si só, dada a clareza ou explicitação, não possa deixar de ser entendida como revelando a intenção de terminar com a relação jurídica resultante do negócio laborai firmado entre ela e o trabalhador, como pode, à míngua daquelas clareza e explicitação, vir a ser deduzida de factos praticados pela referida entidade e dos quais, com acentuada plausibilidade, resulte inequívoca a vontade de cessação da relação de trabalho.».
No caso em apreço, a Autora fundamenta a sua pretensão no facto de ter estado de baixa médica de 02/ 05/2016 a 11/ 08/2016 e a Ré lhe ter devolvido, por via postal, o certificado de incapacidade temporária emitido para o período de 13/ 06/2016 a 12/ 07/2016, justificando a devolução com o facto de já não ser sua trabalhadora desde 30/ 06/2016, o que sucedeu sem que alguma vez tenha sido notificada da pendência de qualquer processo disciplinar, ação que a empregadora repetiu com nova baixa remetida e devolvida a 21/ 07/2016.
A ré insurge-se, alegando que a autora foi notificada da decisão de despedimento proferida no processo disciplinar, comunicada a 01/ 07/ 2016, tendo recusado receber a carta, o mesmo tendo feito com a nota de culpa que a mandatária constituída pela ré lhe remeteu, devolvida a 09/ 06/ 2016, com a menção de desconhecido.
Mais alega que a autora conhece a ilustre mandatária da ré há mais de 15 anos, sabe que ela é a advogada da Ré e que as cartas que lhe foram dirigidas tratavam de assunto relacionado com a Ré.
Com relevo, provou-se que:
A Autora entrou de baixa médica, por doença natural, no dia 02/ 05/ 2016, o que manteve até 11/ 08/ 2016;
Em data não concretamente apurada de junho/julho de 2016, a autora remeteu à ré o certificado de incapacidade temporária para o trabalho relativo ao período de 13/ 06/2016 a 12/07/2016;
A Ré, por carta datada de 18/ 07/2016, rececionada pela Autora, devolveu o certificado de incapacidade temporária, dizendo-lhe que: Vimos por este meio devolver o documento de baixa médica, que nos foi enviado em virtude de a senhora não ser funcionária desta empresa desde 30 de Junho de 2016. ;
A Autora, por carta datada de 12/ 08/ 2016, rececionada pela Ré, remeteu o certificado devolvido e o da prorrogação da baixa de 13/ 06/ 2016 a 12/ 07/ 2016, dizendo que: No seguimento da vossa carta de 18 de Julho de 2016, referente à devolução dos meus documentos de baixa médica, junto envio a respetiva documentação, bem como a continuação da baixa devidamente atualizada.
A referida carta menciona que não sou funcionária da empresa desde 30 de Junho de 2016, devendo no entanto existir algum equívoco, pois a minha baixa deu início no dia 2 de Maio de 2016 e não recebi qualquer carta de despedimento, nem foi por mim apresentada demissão.
Perante o exposto, agradeço que esta situação seja devidamente esclarecida. ;
1 E ainda que, a Ré, por carta datada de 23/ 08/2016, rececionada pela autora no dia 26/ 08/ 2016, informou-a do seguinte: Reiteramos o já informámos na nossa anterior carta e qualquer esclarecimento sobre o processo disciplinar deverá ser solicitado à advogada da empresa, ACA..., com escritório na Av. ... com o telefone: ....
Aproveitamos para devolver toda a documentação que nos foi dirigida e a solicitar que proceda o quanto antes à devolução do recibo da empresa devidamente assinado. .
Mais se provou em sede disciplinar que:
A Ré procedeu à abertura de inquérito e processo disciplinar no dia 01/ 06/ 2016;
E Que feitas diligências, no dia 09/ 06/2016, a Sra. Instrutora nomeada pela Ré, Dra. ACA..., remeteu a nota de culpa de fls. 113-121 dos autos disciplinares apensos por linha, cujo teor se reproduz na íntegra, para o seguinte destinatário e morada: ECM..., R. …
A missiva foi devolvida à Sra. Instrutora com a menção de Desconhecido;
E Por carta datada de 30/ 06/ 2016, a ré, no dia 01/ 07/ 2016, remeteu a decisão de despedimento de fls. 124-132 dos autos disciplinares apensos por linha, cujo teor se reproduz na íntegra, para a mesma morada supra indicada;
A missiva veio novamente devolvida com a menção de 'Recusado;
E ainda que, aquando da tentativa de entrega daquelas cartas, foi o companheiro da
autora que recebeu o carteiro, tendo-o informado de que na morada indicada não residia
destinatário com aquela identificação.
Provou-se, por fim que:
A Autora chama-se ECM...;
A Autora habita na Rua …, o que sucedia em 2016;
A Autora conhece a mandatária constituída pela Ré, Dra. ACA...;
A Autora nasceu a 11/ 06/ 1963;
E ainda que, à data, a Autora estava a ser seguida por médico psiquiatra.
Quid iuris?
A notificação da nota de culpa e da decisão de despedimento constituem formalidades
indispensáveis do processo disciplinar (cfr. artigos 353. °, n.° 1, e 357.0, n.° 6, do Código do Trabalho).
m contrato de trabalho só cessa quando a decisão de despedimento chega ao poder do trabalhador, é dele conhecida ou o mesmo não a recebeu, oportunamente, por culpa sua (cfr. artigos 357. °, n.° 7, do Código do Trabalho).
Conforme decorre do disposto no artigo 357. °, n. °s 6 e 7, do Código do Trabalho, a decisão de despedimento deve ser: «6. ( ...) comunicada, por cópia ou transcrição, ao trabalhador (...)
7. (...) determina a cessação do contrato logo que chega ao poder do trabalhador ou é dele conhecida ou, ainda, quando só por culpa do trabalhador não foi por ele oportunamente recebida.».
Concretizou aqui o legislador a regra geral plasmada no artigo 224.°, n. °s 1 e 2, do Código Civil, segundo a qual: «1. A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chegue ao seu poder ou é dele conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada.
2. É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente conhecida. (...)».
A doutrina tem ensinado que no n.° 1 daquele normativo se adotaram critérios de coincidência na receção e o conhecimento da declaração, não se exigindo a prova do seu efetivo conhecimento por parte do destinatário porquanto basta que a declaração tenha chegado ao seu poder para que o seu conhecimento se presuma iuris et de iure.
As declarações têm declaratários, e por isso, a sua eficácia ocorre quando o conteúdo esteja em condições de ser conhecido pelo declaratário. Uma declaração validamente emitida não é uma declaração vinculante. Ela pressupõe o conhecimento ou a cognoscibilidade pelo seu declaratário. [12]
No n.° 2 daquele preceito tutela-se a posição do declarante, considerando-se eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele recebida.
Na doutrina, Pires de Lima e Antunes Varela exemplificam: «É o caso, por exemplo, de este se ausentar para parte incerta ou de se recusar a receber a carta, ou de não a ir levantar à posta-restante como o fazia usualmente.»
Oliveira Ascensão acrescenta: «Assim se frustram atos de má-fé, de quem manda desligar os telefones ou não recebe telegramas, para tirar eficácia a declarações alheias.». [15] 12 [16]
A jurisprudência tem considerado, comummente, que sendo o despedimento uma declaração negocial recipienda, aquela declaração só produz efeitos quando chega ao conhecimento do destinatário ou pode ser por ele conhecida.
Como doutamente se entendeu no Acórdão do de 30/ 04/ 1997 pn: «I - A declaração de rescisão do contrato de trabalho é uma declaração unilateral recetícia que só surte efeito quando chega ao conhecimento do declaratário.
II - É, porém, considerada igualmente válida e eficaz a declaração rescisória do contrato de trabalho que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida.
III - Diz-se que age com culpa, para este efeito, o trabalhador que, tendo-lhe sido remetida pela entidade patronal, carta registada, com aviso de receção, dirigida para o respetivo domicílio, para os fins indicados, supra, em II, não a recebeu, ou por se ter ausentado para parte incerta, ou porque se recusou a recebê-la, ou porque a não foi levantar à estação dos CTT, não obstante ter recebido um aviso para o fazer. ».¡1s]/]19]
No caso em apreço, está demonstrado que as cartas foram remetidas para a morada da residência da Autora.
Também está demonstrado que a Autora conhecia os remetentes das cartas: a Ré, sua empregadora, e como se provou, a instrutora do processo disciplinar, Advogada da Ré.
Porém, como também se provou, o nome do destinatário das cartas não corresponde ao nome da Autora! A Autora chama-se ECM... e as cartas foram endereçadas para ECM....
Ora, há lapso na identificação do destinatário das cartas. Intercalou-se a locução prepositiva essencial de entre o nome próprio C… e o apelido M… e apôs-se o apelido A… quando a Autora tem o apelido N….
Por tais razões, temos dificuldade em afirmar que a Autora estava obrigada a receber tais cartas e que só por culpa sua é que não as conheceu.
A Autora, embora conhecesse os remetentes, não foi quem recebeu o carteiro em pelo menos uma das vezes. Como se provou, numa das ocasiões, quem recebeu o carteiro foi o companheiro da Autora, que logo o informou de que na morada indicada não residia destinatário com aquela identificação.
Estão em causa, por outro lado, cartas registadas com aviso de receção, e portanto, que exigem especiais cautelas a quem as remete e a quem as recebe por força dos efeitos que a sua remessa/ receção normalmente convoca.
São Muitos os cidadãos que têm nomes idênticos ou muito semelhantes.
Donde, não pode exigir-se à Autora que recebesse o que a Ré incorretamente lhe dirigiu.
A Autora, se lhe tivesse sido deixado aviso para levantar a carta no posto de correio, não o conseguiria fo7er face à divergência do nome, do que o funcionário dos CTT estaria legitimado.
O mesmo se para o efeito tivesse que se identificar junto de qualquer outra instituição: um banco ou uma repartição pública.
Com todo o respeito, a Ré é que ignorou especiais cautelas que só ela tinha que cumprir porquanto detentora do poder, do procedimento e do processo disciplinar:
.11 A Ré viu a nota de culpa devolvida com a menção de desconhecido e nada fez;
A Ré viu a decisão de despedimento devolvida com a menção de recusado e nada fez;
1 A Ré foi informada pela trabalhadora na carta datada de 12/ 08/ 2016 de que havia equívoco na menção de que já não era mais sua funcionária desde 30/ 06/ 2016 porquanto se encontrava de baixa médica desde 02/ 05/2016, como aliás atestou com documentos que aquela ignorou, tendo respondido, por carta datada de 23/ 08/ 2016 rececionada pela autora a 26/ 08/ 2016, que mantinha a posição anterior, portanto, que a autora não era mais sua funcionária desde 30/06/2016;
A Ré foi ainda informada pela Autora naquela carta, de que não tinha recebido qualquer carta de despedimento nem tinha apresentado a demissão, solicitando que a situação fosse devidamente esclarecida, ao que respondeu nos termos sobre ditos!
Ora, era a ré que devia ter verificado as cartas que remeteu! Devia ter verificado e corrigido o lapso em que só ela incorreu, facultando à trabalhadora o direito de exercer o contraditório e, se assim o entendesse, requerer a suspensão do despedimento e/ ou impugná-lo por meio da respetiva ação de impugnação judicial da licitude/ regularidade do despedimento.
Como se sabe, os trabalhadores dispõem de prazos de caducidade para o fazer, notificados que se tenham da decisão de despedimento (cfr. artigos 386.° e 387.0, n.° 2, do Código do Trabalho).
Pelo que estamos em crer, em face da firme convicção da Ré, que à Autora só restava lançar mão da presente ação declarativa, o que fez no dia 18/ 07/2017, por forma a que seja ser interpretada, à luz do direito, a afirmação feita pela ré logo na carta datada de 18/ 07/2016, irrelevando as cartas posteriores.
Como se provou, na carta datada de 18/ 07/ 2016, rececionada pela autora, a ré devolveu o certificado de incapacidade temporária que a autora lhe havia remetido, dizendo que: Vimos por este meio devolver o documento de baixa médica, que nos foi enviado em virtude de a senhora não ser funcionária desta empresa desde 30 de Junho de 2016..
Ora, esta afirmação é quanto basta para uma declaração de vontade destinada a fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro. É expressa, vinculada, constitutiva e foi rececionada pela trabalhadora.
Donde, está o Tribunal convencido de que, ao assim atuar, a ré despediu a autora, tendo-o feito de forma ilícita porquanto não o precedeu de válido e regular procedimento (cfr. artigo 381.0, alínea c), do Código do Trabalho).
Sendo ilícito o despedimento, a autora tem direito a ser indemnizada pelos danos patrimoniais causados, e portanto, às retribuições (valor base + diuturnidade) deixadas de auferir desde o 30.° dia anterior à propositura da ação - 18/06/2017 - até ao trânsito em julgado da decisão, sem prejuízo das deduções a que alude o artigo 390.0/ 2 do Código do Trabalho (subsídio de desemprego; retribuição relativa ao período decorrido entre o despedimento e os 30 dias anteriores à propositura da ação; quantias obtidas com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento) e à indemnização de antiguidade.
A indemnização de antiguidade, em face do mediano valor da retribuição e do grau de licitude da conduta da Ré, deve ser fixado em 30 dias de retribuição base + diuturnidade por cada ano completo/fração de antiguidade, € 833,81, sendo a calcular desde a data da admissão, 28/07/1983, até à data em que a presente decisão transitar em julgado.
Os juros de mora, à taxa de 4/prct. ao ano, são devidos, por força do princípio do pedido, desde a citação até integral e efetivo pagamento (cfr. Portaria n.° 291/ 03, de 08/ 04, e ainda, artigos 804.°, 805.°, n. °s 1 e 3, 806.0, n. °s 1 e 2, do Código Civil).
A indemnização por danos não patrimoniais peticionada terá que improceder porquanto a Autora não logrou demonstrou que os sofreu, ónus que sobre si impendia dado estarem em causa factos constitutivos do direito de que se arroga titular.
Termos em que, neste ponto, naufraga o pedido, do que a Ré deve ser absolvida»
F - PROCEDIMENTO DISCIPLINAR - FORMA, REQUISITOS MÍNIMOS E ESTRUTURA
Movendo-nos nós no quadro de um despedimento com justa causa, as regras que regulam o correspondente procedimento disciplinar são as constantes do artigo 329.° a 332.° (na parte aplicável) e 352.° a 358.° do CT/2009.
Tal procedimento disciplinar tem de ser obrigatoriamente escrito, existindo essa necessidade mesmo no caso de estarmos perante microempresas (artigo 358.°), conforme refere ALCIDES MARTINS, ao afirmar o seguinte:
«(...) Desde logo, a partir de 1975, criou-se uma corrente jurisprudencial [211 no sentido de que a decisão para aplicar qualquer sanção disciplinar, e não só a de despedimento, apenas era juridicamente válida mediante a instauração de processo, que deveria observar determinado procedimento, que, frequentemente, se apelida de disciplinar. Porém, só a partir do Código do Trabalho de 2003, se menciona, expressamente, na lei (no art.° 329.°) o procedimento disciplinar como requisito necessário para o empregador (em regime de direito do trabalho) poder aplicar qualquer sanção, sendo certo que muitas convenções coletivas de trabalho já o previam.
Parafraseando o Professor Castro Mendes, o procedimento, como sinónimo de processo, será a sequência de atos destinados à averiguação e ponderação de comportamentos desenvolvidos, no âmbito de uma organização, passíveis de constituírem infração disciplinar que, tanto quanto possível, deverão ser formalizados em autos, consubstanciados em documentos escritos. Deste modo passará a existir um registo que permitirá melhor apreciação dos factos e a sua análise ou reapreciação, no futuro.
Anote-se que, fora dos casos de despedimento, em rigor, a lei continua a não exigir, pelo menos expressamente, o processo documental escrito, mencionando, outrossim, apenas o procedimento disciplinar na epígrafe e no n.° 5 do referido art.° 329.°. Impõe, tao somente, que a sanção disciplinar não pode ser aplicada sem audiência prévia do trabalhador (n.° 6). Ora, como parece óbvio, esta audiência pode fazer-se verbalmente.
De resto, as referências ao procedimento disciplinar constante dos n. °s 2 e 3 do mesmo art.° 329.° também não são decisivas, pois tais procedimentos podem-se cumprir, e bem, sem ficarem documentados por escrito. No mesmo sentido, escreve o Professor Monteiro Fernandes: «a única verdadeira exigência legal, para todos os casos em que não estão em jogo o despedimento, é a de audiência prévia do trabalhador (art.° 329.°/6), que pode assumir muitas formas, mas que nada impõe que seja preenchida através de escritos» .
Todavia, a jurisprudência tem quase unanimemente julgado indispensável o processo escrito sob pena de nulidade, admitindo apenas alguma dela, que tal processo seja dispensável no caso da sanção disciplinar se quedar por simples repreensão, o que também não resulta do direito positivo. Como escreve Abílio Neto de acordo com a jurisprudência dominante, embora sem lei expressa que o imponha, o processo deve ser sempre reduzido a escrito, porquanto só assim fica garantida a reapreciação judicial da sanção aplicada ao trabalhador, entendimento este que sufragamos, salvo no que toca à repreensão simples . Talvez se possa sintetizar a posição dos nossos tribunais mediante a invocação do Acórdão do Supremo, assim sumariado: a aplicação de qualquer sanção disciplinar implica a organização de um processo disciplinar que deve revestir a forma escrita, pelo menos em relação às diligências essenciais, e deve a nota de culpa ser formalizada por escrito.
Também a doutrina acabou por secundar tal posição. Para tanto, argumentam os autores que a mencionada audiência prévia tem de ficar documentada por escrito; que a apreciação judicial da aplicação da sanção só poderá ser efetuada mediante o processo e que se deve aplicar, analogicamente, o preceituado para o procedimento do despedimento com justa causa e ainda que as sanções disciplinares têm de ser registadas (art.° 332. °), o que implica o processo escrito para a sua comprovação.
Vamos, pois, considerar que é juridicamente exigível o processo ser documentado por escrito para que seja aplicada qualquer sanção disciplinar e, isto, independentemente da dimensão da empresa, isto é, quer esta tenha um ou três trabalhadores (como é vulgar), quer tenha dois ou três mil, como é cada vez mais raro.»
Chegados aqui, importará também ter uma noção da estrutura dinâmica que, segundo o autor antes citado, possui o procedimento disciplinar (obra citada, páginas 279 e 280):
«O procedimento disciplinar, tendo em conta a orientação jurisprudencial estabelecida, independentemente da forma que venha a assumir, desenvolve-se através das seguintes fases essenciais:
a) Acusação - por meio de comunicação contendo nota de culpa (a notificar formalmente ao visado) com a descrição pormenorizada dos comportamentos (ações ou omissões) imputados ao arguido ou acusado, com algum grau de culpa deste e cuja indiciação deverá resultar do anterior processo de inquérito, para além da indicação dos preceitos legais, convencionais ou regulamentares violados.
Nesta fase, nos termos do n.° 5 do art.° 329.°, ou até mesmo antes (por aplicação analógica do disposto no n.° 2 do art.° 354.0), pode ser ordenada ao trabalhador arguido a suspensão da prestação do trabalho sem perda de retribuição, desde que a sua presença no local de trabalho se mostre inconveniente (art.° 354. °, n.° 1), o que deve ser justificado. Nesta situação, caso o trabalhador tenha sido eleito para as estruturas de representação coletiva, haverá que respeitar as restrições impostas pelo art.° 410. °.
b) Defesa - apresentada pelo trabalhador acusado ou arguido, com a resposta à nota de culpa, no prazo mínimo de dez dias úteis após a sua notificação, impugnando, explicitando ou confessando aqueles comportamentos e indicando os meios de prova, que deverão ser atendidos;
c) Instrução - audição das testemunhas com redução dos seus depoimentos em auto, realização dos meios probatórios requeridos e recolha de parecer da comissão de trabalhadores e, eventualmente, da associação sindical;
d) Decisão - após ponderação das provas e na sequência de relatório final, será tomada uma decisão, no sentido do arquivamento ou da aplicação de sanção, que deve ser objeto de formal comunicação ao acusado.
e) Havendo intenção de despedimento, o processo terá de obedecer a mais outras formalidades como adiante se evidenciará.» (cfr., ainda a este respeito, o que o Dr. ALCIDES MARTINS refere mais à frente, a páginas 286 a 298).
Pretendemos com estas longas transcrições da obra do autor em questão frisar dois aspetos que nos parecem essenciais: o procedimento disciplinar deve assumir, em situações em que a entidade empregadora pretenda despedir o trabalhador com fundamento em justa causa disciplinar, forma escrita e ser devidamente organizado e estruturado, lógica e cronologicamente, em função das fases acima referidas e que e, em regra, devem ser sequenciais e contínuas e encontrarem-se devidamente refletidas e expressas em tal processo disciplinar.
G - VÍCIOS DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR - REGIME LEGAL
O tribunal da 1. a instância entendeu que, com a carta datada de 18/7/2016, a Ré emitiu uma declaração de vontade destinada a fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro e despediu a Autora, tendo-o feito de forma ilícita porquanto não o precedeu de válido e regular procedimento (cfr. artigo 381.°, alínea c) do Código de Trabalho, importando chamar à colação as disposições legais que regulam tal matéria no âmbito do Código do Trabalho de 2009 e que são as seguintes:
SUBSECÇÃO II
Ilicitude de despedimento
Artigo 381.°
Fundamentos gerais de ilicitude de despedimento
Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes ou em legislação específica, o despedimento por
iniciativa do empregador é ilícito:
a) Se for devido a motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que com invocação de motivo diverso;
b) Se o motivo justificativo do despedimento for declarado improcedente;
c) Se não for precedido do respetivo procedimento;
d) Em caso de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador durante o gozo de licença parental inicial, em qualquer das suas modalidades, se não for solicitado o parecer prévio da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.
Artigo 382.°
Ilicitude de despedimento por facto imputável ao trabalhador
1 - O despedimento por facto imputável ao trabalhador é ainda ilícito se tiverem decorrido os prazos estabelecidos nos n.°s 1 ou 2 do artigo 329.° [29], ou se o respetivo procedimento for inválido.
2 - O procedimento é inválido se:
a) Faltar a nota de culpa, ou se esta não for escrita ou não contiver a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador;
b) Faltar a comunicação da intenção de despedimento junta à nota de culpa;
c) Não tiver sido respeitado o direito do trabalhador a consultar o processo ou a responder à nota de culpa ou, ainda, o prazo para resposta à nota de culpa;
d) A comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento e dos seus fundamentos não for feita por escrito, ou não esteja elaborada nos termos do n.° 4 do artigo 357.° [30] ou do n.° 2 do artigo 358.°.
Importa ainda chamar também aqui à boca de cena os artigos 353.°, 355.°, 357.°, 387.° e 389.° do mesmo diploma legal, que possuem a seguinte redação:
Artigo 353.°
Nota de culpa
1 - No caso em que se verifique algum comportamento suscetível de constituir justa causa de despedimento, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que o tenha praticado a intenção de proceder ao seu despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados.
2 - Na mesma data, o empregador remete cópias da comunicação e da nota de culpa à comissão de trabalhadores e, caso o trabalhador seja representante sindical, à associação sindical respetiva.
3 - A notificação da nota de culpa ao trabalhador interrompe a contagem dos prazos estabelecidos nos n.°s 1 ou 2 do artigo 329.°.
4 - Constitui contraordenação grave, ou muito grave no caso de representante sindical, o despedimento de trabalhador com violação do disposto nos n.°5 1 ou 2.
Artigo 355.°
Resposta à nota de culpa
1 - O trabalhador dispõe de 10 dias úteis para consultar o processo e responder à nota de culpa, deduzindo por escrito os elementos que considera relevantes para esclarecer os factos e a sua participação nos mesmos, podendo juntar documentos e solicitar as diligências probatórias que se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade.
2 - Constitui contraordenação grave, ou muito grave no caso de representante sindical, o
despedimento de trabalhador com violação do disposto no número anterior.
Artigo 357.°
Decisão de despedimento por facto imputável ao trabalhador
1 - Recebidos os pareceres referidos no n.° 5 do artigo anterior ou decorrido o prazo para o efeito, o empregador dispõe de 30 dias para proferir a decisão de despedimento, sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção.
2 - Quando não exista comissão de trabalhadores e o trabalhador não seja representante sindical, o prazo referido no número anterior conta-se a partir da data da conclusão da última diligência de instrução.
3 - (Revogado.)
4 - Na decisão são ponderadas as circunstâncias do caso, nomeadamente as referidas no n.° 3 do artigo 351°, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador e os pareceres dos representantes dos trabalhadores, não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade.
5 - A decisão deve ser fundamentada e constar de documento escrito.
6 - A decisão é comunicada, por cópia ou transcrição, ao trabalhador, à comissão de trabalhadores, ou à associação sindical respetiva, caso aquele seja representante sindical ou na situação a que se refere o n.° 6 do artigo anterior.
7 - A decisão determina a cessação do contrato logo que chega ao poder do trabalhador ou é dele conhecida ou, ainda, quando só por culpa do trabalhador não foi por ele oportunamente recebida.
8 - Constitui contraordenação grave, ou muito grave no caso de representante sindical, o
despedimento de trabalhador com violação do disposto nos n.°s 1, 2 e 5 a 7.
Artigo 387.°
Apreciação judicial do despedimento
1 - A regularidade e licitude do despedimento só pode ser apreciada por tribunal judicial.
2 - O trabalhador pode opor-se ao despedimento, mediante apresentação de requerimento em formulário próprio, junto do tribunal competente, no prazo de 60 dias, contados a partir da receção da comunicação de despedimento ou da data de cessação do contrato, se posterior, exceto no caso previsto no artigo seguinte.
3 - Na ação de apreciação judicial do despedimento, o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes de decisão de despedimento comunicada ao trabalhador.
4 - Em casos de apreciação judicial de despedimento por facto imputável ao trabalhador, sem
prejuízo da apreciação de vícios formais, o tribunal deve sempre pronunciar-se sobre a verificação e
procedência dos fundamentos invocados para o despedimento.
Artigo 389.°
Efeitos da ilicitude de despedimento
1 - Sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado:
a) A indemnizar o trabalhador por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais;
b) Na reintegração do trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, salvo nos casos previstos nos artigos 391.° e 392.°.
2 - No caso de mera irregularidade fundada em deficiência de procedimento por omissão das diligências probatórias referidas nos n.°s 1 e 3 do artigo 356.°, se forem declarados procedentes os motivos justificativos invocados para o despedimento, o trabalhador tem apenas direito a indemnização correspondente a metade do valor que resultaria da aplicação do n.° 1 do artigo 391.°
3 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto no n.° 1.
Ora, a primeira conclusão que há que retirar de tal quadro legal é que existe um número fechado e típico de causas insanáveis de invalidade do procedimento disciplinar que provocam a sua ilicitude, já não derivando das outras irregularidades procedimentais que possam ser assacadas a tal processo disciplinar a nulidade deste último mas, quanto muito, as consequências adjetivas e substantivas derivadas dos números 4 do artigo 387.° e número 2 do artigo 389.° do CT/2009.
H - INVALIDADES DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR INSTAURADO CONTRA A AUTORA
Compulsado o Processo Disciplinar, na sua versão original (apensa por linha à presente ação), verifica-se que a aqui recorrida e ali arguida nunca recebeu, na fase e momento próprios, a Nota de Culpa e a respetiva comunicação de intenção de despedimento com justa causa, assim como, no termo do procedimento disciplinar, a decisão da entidade empregadora que concretizou tal propósito, o relatório final da instrutora do processo disciplinar e a carta que acompanhava esses dois documentos.
Tal cenário resulta dos seguintes Pontos de Facto:
«11. A Ré procedeu à abertura de inquérito e processo disciplinar no dia 01/06/2016.
12. Feitas diligências, no dia 09/ 06/2016, a Sra. Instrutora nomeada pela Ré, Dra. ACA..., remeteu a nota de culpa de fls. 113-121 dos autos disciplinares apensos por linha, cujo teor se reproduz na íntegra, para o seguinte destinatário e morada:
ECM...
R.
.
13. A missiva a que se alude em 12) foi devolvida à Sra. Instrutora com a menção de Desconhecido.
14. Por carta datada de 30/ 06/ 2016, a Ré, no dia 01/ 07/ 2016, remeteu a decisão de despedimento de fls. 124-132 dos autos disciplinares apensos por linha, cujo teor se reproduz na íntegra, para o seguinte destinatário e morada:
ECM...
R.
.
15. A missiva a que se alude em 14. foi devolvida à Sra. Instrutora com a menção de Recusado.
16. Aquando da tentativa de entrega de uma das missivas a que se alude em 12. e 14. foi o companheiro da Autora que recebeu o carteiro, tendo-o informado de que na morada indicada não residia destinatário com aquela identificação.
17. A Autora chama-se ECM....»
Não será despiciendo atender, ainda, no âmbito da presente análise aos
seguintes Pontos de Facto:
5. A Autora entrou de baixa médica, por doença natural, no dia 02/ 05/2016, o que se manteve até 13/ 05/2016.
6. A baixa médica foi prorrogada para o período de 14/ 05/ 2016 a 12/ 06/ 2016, de 13/06/2016a 12/ 07/2016 e de 13/07/2016a 11/08/ 2016.
18. À data, a Autora estava a ser seguida por médico psiquiatra.
19. A Autora habita na Rua R..., o que sucedia em 2016.
20. A Autora conhece a mandatária constituída pela Ré, Dra. ACA....»
A Ré, na sua contestação e nas suas alegações de recurso, sustenta que os lapsos de escrita registados no nome da destinatária aposto nas cartas enviadas à Autora e que continham os referidos documentos, não é suficiente para justificar o não recebimento, por «desconhecimento» ou por «recusa», de tais missivas por parte da trabalhadora, atendendo, designadamente, à circunstância de as divergências em questão - inserção de «de» e substituição de «N…» por «M…» - não desvirtuarem suficientemente a identificação daquela, que nessa medida, tinha a obrigação - assim como quem com ela coabitava - de as receber, para mais quando as mesmas foram remetidas para a morada correta da Apelada, pela advogada da Apelante, que aquela conhecia já há 15 anos, o que certamente indiciaria que abordariam assuntos relativos ou relacionados com a sua entidade empregadora.
Muito embora compreendamos a argumentação da Ré, temos de concordar com a decisão judicial do Tribunal do Trabalho de Loures na análise que faz da questão em apreço, pois que não apenas não se demonstraram, total ou parcelarmente, os dois últimos factos acima referidos (alíneas 1) e m) da Factualidade dada como Não Assente [32], por confronto com o Ponto 20.), como existem cidadãos nacionais ou até de outras nacionalidades em que se usa o idioma português, com nomes iguais ou muito parecidos entre si, como razões de cariz formal, que se prendem com as ditas diferenças nominativas e com as regras do serviço postal, não permitiriam que as referidas cartas fossem recebidas pela Autora.
Admitimos que caso as divergências antes assinaladas se reduzissem à existência ou não do «de», não existiria fundamento factual e jurídico que justificasse uma qualquer atitude de recusa daquelas cartas, mas já a errónea substituição de «N…» por «M…», que surge em conjunto com aquela outra, não é de nenhuma forma inócua, supérflua, acessória ou secundária e, nessa medida, suscetível de ser ignorada ou suprida pela Autora ou por terceiros.
Trata-se de um infeliz e lamentável lapso da instrutora do procedimento disciplinar ou de quem a secretariou na sua instrução, mas certo é que a devolução da carta onde se enviava à trabalhadora a Nota de Culpa e a respetiva comunicação de intenção de despedimento devia ter constituído um alerta ou alarme para as mesmas e delas exigido uma atenção e diligência acrescidas que manifestamente não tiveram, tendo certamente preferido pensar que tinha havido simplesmente uma atitude má-fé na não receção daquelas documentos.
Tal conduta deveria ter sido ainda mais cautelosa, considerando a circunstância de a Autora estar de baixa por doença (psiquiátrica?) desde o dia 2/5/2016, situação que se manteve até 11/8/2016, ou seja, ao longo de todo o procedimento disciplinar instaurado contra aquela pela Ré.
Logo, temos de concluir que o facto de a Autora não ter tido conhecimento, quer do teor da Nota de Culpa, bem como da carta em que a Ré lhe comunicava a sua intenção de a despedir, quer ainda da decisão de despedimento com justa causa, respetivo relatório final da instrutora do procedimento disciplinar assim como da missiva que informava a trabalhadora de que havia sido despedida, não pode ser imputada a esta última mas antes à instrutora do procedimento disciplinar nomeada pela Apelante, e, em última análise, a esta última.
Tal não perceção por parte da recorrida dos ditos documentos escritos acaba por se reconduzir às nulidades do procedimento disciplinar constantes da alínea a) (fala da nota de culpa), da alínea b) (falta da comunicação da intenção de despedimento junta à nota de Culpa), da alínea c) (impossibilidade do exercício do direito de audição prévia e defesa) e alínea d) (não comunicação da decisão do despedimento com justa causa) do número 2 do artigo 382.° do CT/2009.
Naturalmente que não ignoramos, nesta sede, os seguintes Pontos de Facto que foram dados como assentes:
«7. Em data não concretamente apurada de junho/ julho de 2016, a Autora remeteu à Ré o certificado de incapacidade temporária para o trabalho relativo ao período de 13/ 06/2016 a 12/ 07/2016.
8. A Ré, por carta datada de 18/ 07/2016, rececionada pela Autora, devolveu o certificado de incapacidade temporária, dizendo-lhe o seguinte:
Exma. Sra.
Vimos por este meio devolver o documento de baixa médica, que nos foi enviado em virtude de
a senhora não ser funcionária desta empresa desde 30 de Junho de 2016..
9. A Autora, por carta datada de 12/ 08/ 2016, rececionada pela Ré, remeteu o certificado devolvido e o da prorrogação da baixa de 13/ 06/2016 a 12/ 07/2016, dizendo o seguinte:
Exmos. Senhores,
No seguimento da vossa carta de 18 de Julho de 2016, referente à devolução dos meus documentos de baixa médica, junto envio a respetiva documentação, bem como a continuação da baixa devidamente atualizada.
A referida carta menciona que não sou funcionária da empresa desde 30 de Junho de 2016, devendo no entanto existir algum equívoco, pois a minha baixa deu início no dia 2 de Maio de 2016 e não recebi qualquer carta de despedimento, nem foi por mim apresentada demissão.
Perante o exposto, agradeço que esta situação seja devidamente esclarecida..
10. A Ré, por carta datada de 23/ 08/ 2016, rececionada pela Autora no dia 26/ 08/2016, informou-a do seguinte:
Exma. Sra.
Reiteramos o já informámos na nossa anterior carta e qualquer esclarecimento sobre o processo disciplinar deverá ser solicitado à advogada da empresa, ACA..., com escritório na Av. ... com o telefone: ....
Aproveitamos para devolver toda a documentação que nos foi dirigida e a solicitar que proceda o quanto antes à devolução do recibo da empresa devidamente assinado.».
Tal documentação e factualidade não tiveram lugar, por um lado, no quadro do procedimento disciplinar com intenção de despedimento da Autora e, por outro, não possuem a virtualidade jurídica de sanar ou validar as irregularidades ou vícios acima identificados e que acarretam a nulidade daquele.
Sendo assim, nada mais há a fazer que confirmar a sentença recorrida nesta matéria - ainda que por fundamento diferente, dado aquela ter fundado a ilicitude do despedimento da Autora no disposto no artigo 381.°, alínea c) e este o ter feito com base no artigo 382.°, n.°2, alíneas b), c) e d) do mesmo diploma legal -, assim se julgando improcedente o recurso de Apelação da Ré quanto à mesma.
I - NULIDADE DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR E REGIME DO ARTIGO 387.°, NÚMERO 4 DO CÓDIGO DE TRABALHO DE 2009
Chegados aqui, interessa referir que o tipo de nulidades acima encontradas e que se acham previstas no número 2 do artigo 382.° do CT/2009 não se reconduzem ou podem configurar como constituindo as irregularidades do procedimento disciplinar que se acham mencionadas no número 2 do artigo 389.° do mesmo diploma legal, dado não nos acharmos simplesmente perante a omissão de diligências probatórias referidas nos números 1 e 3 do artigo 356.° do CT/2009, mas antes face a um desconhecimento não culposo por parte da Autora da Nota de Culpa e da Decisão Final de Despedimento proferida contra ela pela Ré, o que, naturalmente, a impediu de exercer o seu direito de audição e defesa, através da oportuna apresentação da Resposta à Nota de Culpa e da prova que entendesse por pertinente ser produzida no seio do procedimento disciplinar.
Tais vícios de cariz formal do procedimento disciplinar dos autos já são, contudo, previstos e abrangidos pelo número 4 do artigo 387.° do CT/2009, quando determina que «Em casos de apreciação judicial de despedimento por facto imputável ao trabalhador, sem prejuízo da apreciação de vícios formais, o tribunal deve sempre pronunciar-se
sobre a verificação e procedência dos fundamentos invocados para o despedimento.».
Esta regra controversa e de interpretação e utilidade jurídica discutíveis parece obrigar, mesmo numa situação de nulidade de procedimento disciplinar como a da presente ação, a que nela ainda se discuta e valorize, em termos substanciais ou materiais, os fundamentos da justa causa do despedimento da Autora.
Ora, se essa será a conclusão a retirar do cenário derivado da referida nulidade do procedimento disciplinar, quando cruzado com o número 4 do artigo 387.° do CT/2009, não deixa de ser curioso constatar que nenhuma prova foi feita nos autos quanto aos factos de cariz inflacional e disciplinar que foram imputados à Apelada no referido procedimento, apesar de a Ré nos artigos 11.° e seguintes da sua contestação os ter articulado especificada e concretamente.
Tal significa que este tribunal de recurso não possui os elementos de facto necessários e suficientes à realização do juízo demandado pelo número 4 do artigo 387.° do CT/2009 - e que, em rigor, deveria e deverá ser feito, em primeiro nível ou grau, pelo Tribunal do Trabalho do Barreiro -, o que impõe a anulação da Decisão sobre a Matéria de Facto, com vista à sua necessária e inevitável ampliação.
Sendo assim, determina-se, em termos oficiosos, a anulação da Decisão sobre a Matéria de Facto e da inerente sentença judicial recorrida - na parte que não foi confirmada por este , a saber, no que concerne à improcedência da impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto (Ponto 17) e à declarada nulidade do procedimento disciplinar -, com a inerente reabertura da Audiência de Discussão e Julgamento, para produção de prova quanto aos factos motivadores da justa causa e os demais que com ela se relacionem e conexionem, seguindo-se-lhe a posterior reformulação daquela Decisão, da respetiva motivação e de uma nova sentença final, no que toca a essas matérias e às inerentes consequências da ilicitude do despedimento.
A presente anulação é determinada ao abrigo do artigo 662.°, números 1, 2, alínea c) e 3, alínea c) do NCPC.
Esta anulação e eventual ampliação da Decisão da Matéria de Facto não conflitua com a aplicação do artigo 72.° do. CPT, desde que sejam respeitadas as regras constantes da 2.a parte da alínea c) do número 3 do artigoº 662.° do NCPC.
IV - DECISÃO
Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.°, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 662.° e 663.° do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste , no seguinte:
a) Em julgar improcedente o presente recurso de Apelação interposto por FOO..., LDA, na sua vertente de impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto;
b) Em julgar improcedente o presente recurso de Apelação interposto por FOO..., LDA, no que respeita à validade do procedimento disciplinar instaurado contra a Autora, nessa parte se confirmando a sentença recorrida;
c) Nos termos do artigo 662.°, números 1, 2, alínea c) e 3, alínea c) do NCPC, determina-se, em termos oficiosos, a anulação da Decisão sobre a Matéria de Facto e da inerente sentença judicial recorrida - na parte que não foi confirmada por este , a saber, no que respeita à improcedência da impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto (Ponto 17) e à declarada nulidade do procedimento disciplinar -, com a inerente reabertura da Audiência de Discussão e Julgamento, para produção de prova quanto aos factos motivadores da justa causa e aos demais que com ela se relacionem e conexionem, seguindo-se-lhe a posterior reformulação daquela Decisão, da respetiva motivação e da proferição de uma nova sentença final, no que toca a essas matérias e às inerentes consequências da ilicitude do despedimento.
Custas do presente recurso a cargo da Apelante e da Apelada, na proporção de 2/2 e 1/3, respetivamente - artigo 527.°, número 1 do Novo Código de Processo Civil.
Registe e notifique.
Lisboa, 26 de junho de 2019
(Alves Duarte)
(Maria Jose Costa Pinto)
Sumário
I - O procedimento disciplinar deve assumir, em situações em que a entidade empregadora pretenda despedir o trabalhador com fundamento em justa causa disciplinar, forma escrita e ser devidamente organizado e estruturado, lógica e cronologicamente, em função das fases da acusação, defesa, instrução e decisão, que, em regra, devem ser sequenciais e contínuas e encontrarem-se devidamente refletidas e expressas em tal processo disciplinar.
II - Existe um número fechado e típico de causas insanáveis de invalidade do procedimento disciplinar que provocam a sua ilicitude, já não derivando das outras irregularidades procedimentais que possam ser assacadas a tal processo disciplinar a nulidade deste último mas, quanto muito, as consequências adjetivas e substantivas derivadas dos números 4 do artigo 387.° e número 2 do artigo 389.° do CT/2009.
III - O facto de a Autora não ter tido conhecimento, quer do teor da Nota de Culpa, bem como da carta em que a Ré lhe comunicava a sua intenção de a despedir, quer ainda da decisão de despedimento com justa causa, respetivo relatório final da instrutora do procedimento disciplinar assim como da missiva que informava a trabalhadora de que havia sido despedida, não pode ser imputada a esta última mas antes à instrutora do procedimento disciplinar nomeada pela Apelante, e, em última análise, a esta última.
IV - Tal não receção por parte da recorrida dos ditos documentos escritos acaba por se reconduzir às nulidades do procedimento disciplinar constantes da alínea a) (fala da nota de culpa), da alínea b) (falta da comunicação da intenção de despedimento junta à nota de Culpa), da alínea c) (impossibilidade do exercício do direito de audição prévia e defesa) e alínea d) (não comunicação da decisão do despedimento com justa causa) do número 2 do artigo 382.° do CT/2009.
V - O tipo de nulidades acima encontradas e que se acham previstas no número 2 do artigo 382.° do CT/2009 não se reconduzem ou podem configurar como constituindo as irregularidades do procedimento disciplinar que se acham mencionadas no número 2 do artigo 389.° do mesmo diploma legal mas já dão lugar à aplicação ao disposto no número 4 do artigo 387.° do CT/2009, o que implica, face à total ausência de prova quanto aos factos que integram a justa causa do despedimento, que a Decisão sobre a Matéria de Facto seja anulada, assim como a sentença, na parte não julgada e confirmada por este tribunal de recurso, com vista a que haja lugar à ampliação daquela Decisão quanto aos mencionados factos e a outros com eles conexionados e que não tenham sido alvo de apreciação anterior pelo tribunal recorrido, à subsequente reformulação do seu conteúdo e da sua motivação e, finalmente, à prolação de uma nova sentença que incida sobre esses novos factos e as questões de direito que suscitam.
José Eduardo Sapateiro