Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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 - ACRL de 26-06-2019   Distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviços.
A distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviços centra-se na existência ou inexistência de subordinação jurídica a qual se concretiza numa situação de dependência ou de sujeição do trabalhador face às ordens, regras ou orientações, do empregador que, necessariamente, terá de cumprir. Ou seja, numa relação laboral, o empregador traça, define e impõe ordens e directrizes quanto à execução da actividade e segundo a quais o trabalhador a deve desenvolver.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Proc. 6632/18.3T8LSB.L1 4ª Secção
Desembargadores:  Maria Celina Nóbrega - Paula de Jesus Santos - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Processo n° 6632/18.3T8LSB.L1
Acordam os Juízes na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
Relatório
HMS..., residente em Rua …, com o patrocínio do Ministério Público, veio propor acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum emergente de contrato individual de trabalho contra FO..., com sede na Rua …, pedindo que esta seja julgada procedente por provada e em consequência:
- seja reconhecido como contrato individual de trabalho de duração indeterminada o contrato celebrado entre o Autor e a Ré, cuja execução se iniciou a …2016;
- sejam repostos os direitos do Autor inerentes a tal reconhecimento, designadamente a sua inscrição na Segurança Social como trabalhador subordinado, com a consequente reposição da sua situação contributiva desde …2016, a cargo da Ré;
- seja a Ré condenada no pagamento da retribuição e respectivo subsídio referentes aos 12 dias de férias vencidos e não gozados do ano de 2016, no montante de €560;
- seja a Ré condenada no pagamento da retribuição e respectivo subsídio referentes às férias gozadas no ano de 2017, o que totaliza €1.400;
- seja a Ré condenada no pagamento do proporcional do subsídio de Natal relativo ao ano de 2016, no montante de €350;
- seja declarado ilícito o despedimento movido pela Ré, sendo esta consequentemente condenada na reintegração do Autor, com salvaguarda da sua categoria profissional e antiguidade;
- seja a Ré condenada no pagamento das retribuições que o Autor deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial, aqui se incluindo o subsídio de Natal vencido em Dezembro de 2017;
- seja a Ré condenada nos juros de mora vencidos e vincendos, até efectivo e integral pagamento.
Invocou para tanto, em síntese, que:
- No dia …2016, o Autor e a Ré, representada pela Presidente da Junta de Freguesia, RSF..., celebraram um contrato denominado de prestação de serviços, que começou a ser executado no dia …2016;
-O contrato foi celebrado com o prazo de 6 meses, podendo ser renovado por dois períodos sucessivos de 12 meses, vindo a ser renovado em 1 de Janeiro de 2017 e em 1 de Janeiro de 2018;
-O Autor foi contratado para prestar, em regime de avença, serviços de jardineiro em áreas ajardinadas e arborizadas da freguesia dos O…, até ao limite de 140 horas mensais;
- Contra o pagamento de uma quantia anual de €8.400, pagável em 12 prestações mensais de €700 cada;
- Apesar de, por imposição da Ré, a relação contratual ter sido designada de prestação de serviços, face ao seu conteúdo e respectiva execução, trata-se, na verdade, de um contrato de trabalho posto que:
- o Autor esteve sempre integrado numa equipa de jardineiros, cujo número oscilou entre 4 e 7 elementos, todos vinculados através de contratos denominados de prestação de serviços;
- foi-lhe entregue um conjunto de fardamento de jardineiro pertencente à Ré, destinado a ser por aquele envergado enquanto estivesse no desempenho da sua actividade profissional para a Ré;
- esteve sempre adstrito a um horário de trabalho de 40 horas semanais, sendo o seu período de trabalho compreendido entre as 9 horas e as 17 horas, de segunda a sexta-feira, folgando aos fins-de-semana;
- o Autor e restantes jardineiros estavam hierarquicamente subordinados a AM..., responsável da secção de jardins da Junta de Freguesia e a SB..., este enquanto responsável pela organização diária do trabalho dos jardineiros, sendo que estes organizavam diariamente o trabalho desenvolvido pelos jardineiros, determinando os locais nos quais cada um trabalhava e quais as tarefas concretas de jardinagem a realizar, fiscalizando constantemente o modo como essas tarefas eram desempenhadas e dando, amiúdes vezes, ordens concretas sobre algum aspecto da actividade de jardinagem que estava a ser realizada, que pretendiam ver corrigido, instruções e ordens que o Autor sempre acatou;
- o Autor sempre se deslocou para os espaços verdes em que trabalhava diariamente em viaturas automóveis pertencentes à Ré;
- sempre utilizou, no desempenho das suas tarefas profissionais de jardineiro, apenas os equipamentos, utensílios e máquinas de jardinagem pertencentes à Ré e trabalhando para a Ré de forma exclusiva;
-No dia 12 de Dezembro de 2017, o Autor foi convocado para comparecer nas instalações da Junta de Freguesia, para uma reunião com a chefe de divisão, tendo-lhe sido dito que estava despedido e que deixaria de trabalhar a partir do dia seguinte, tendo-lhe sido entregue uma notificação assinada pela Presidente da Junta, que dava conta da rescisão do contrato com efeitos imediatos, com fundamento em incumprimento contratual por banda do Autor, não sendo, todavia, aduzido qualquer comportamento ou facto concreto que o justificasse, apenas se invocando a cláusula contratual respectiva;
-Durante o período de tempo em que o Autor trabalhou para a Ré esteve colectado em sede fiscal como trabalhador independente / prestador de serviços, emitindo mensalmente a favor da Ré um designado recibo verde correspondente ao valor mensal que esta última lhe pagava e esteve inscrito na Segurança Social igualmente como trabalhador independente, assegurando integralmente os pagamentos pelas contribuições obrigatórias devidas;
-No ano de 2016, o Autor não gozou qualquer dia de férias, nem recebeu qualquer valor a que tivesse direito pelos dias de férias não gozados, no ano de 2017 gozou 22 dias úteis de férias durante o mês de Maio, não recebendo qualquer remuneração e subsídio de férias, não recebeu qualquer valor a título de subsídio de Natal referente ao ano de 2016, não recebeu os proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de 2017, nem recebeu qualquer importância a título compensatório ou indemnizatório decorrente da cessação do contrato; e
- Estão alegados e provar-se-ão factos concretos dos quais resultarão preenchidas as 4 primeiras alíneas do n.° 1 do artigo 12.° do CT, pelo que será de presumir a existência de um verdadeiro contrato de trabalho entre o Autor e a Ré, desde 1 de Julho de 2016.
Realizou-se a audiência de partes não se obtendo a sua conciliação.
Regularmente citada, a Ré contestou por excepção e por impugnação.
Por excepção, invocou a incompetência absoluta do Tribunal do Trabalho em razão da matéria e a nulidade do contrato por falta de capacidade de exercício de direito privado por parte da Ré.
Por impugnação, alegou que o pedido de reconhecimento do contrato como de trabalho de duração indeterminada e consequente reintegração é nulo por violação da LGTFP, o Autor não possui habilitações literárias para poder integrar um posto de trabalho na Ré, o Autor foi vinculado ao abrigo de um contrato de prestação de serviços na sequência de procedimento de ajuste directo e não pagou nenhuma quantia ao Autor em situação de ausência deste, nem subsídios de férias, nem proporcionais, dado que a relação mantida foi de prestação de serviços.
Pediu, a final, que a contestação seja julgada procedente, declarando-se procedente a excepção de incompetência material do Tribunal, sendo a Ré absolvida da instância ou, caso tal não proceda, seja a Ré absolvida dos pedidos.
O Autor respondeu pugnando pela improcedência de toda a matéria de excepção invocada pela Ré.
Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção da incompetência absoluta em razão da matéria e julgou competente para conhecer do litígio o Tribunal do Trabalho, dispensando, ainda, o Tribunal a quo a fixação da base instrutória.
Do despacho que julgou o Tribunal competente a Ré recorreu para o que, por acórdão de 19 de Dezembro de 2019, confirmou a decisão proferida pelo Tribunal de 1 a instância.
De novo inconformada, a Ré recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão datado de 10 de Abril de 2019, negou a revista.
Procedeu-se ao julgamento com observância do legal formalismo conforme decorre da acta que antecede.
Após, foi proferida a sentença que finalizou com o seguinte dispositivo:
Por tudo o exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente, e, em consequência, condeno a R. a pagar ao A. os créditos laborais em dívida, no valor de €3.010, correspondentes a férias, subsídio de férias e subsídios de natal, do ano de 2016 e 2017, devidos por força de um contrato de trabalho que uniu as partes, o qual sendo nulo produziu os seus efeitos como válido durante o tempo em que foi executado, até dezembro de 2017.
Custas a cargo do A. e da R. na proporção de 10/prct. para o primeiro e 90/prct. para o segundo, sem prejuízo da isenção de que beneficia o A.., cfr. art. 527°, n.° 1, do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.
Inconformada com a decisão, a Ré arguiu a sua nulidade e recorreu sintetizando as alegações nas seguintes conclusões:
a) O constante do artigo 21.° dos factos provados, a saber, 21. (...) não podendo o A. escolher a máquina ou instrumentos que pretendia usar para cada tarefa, foi dado como provado sem prejuízo de não ter sido invocado, e, por consequência, não contraditado, violando os artigos 3.°, n.° 3 e 608.°, n.° 2, do CPC o que vicia a sentença de excesso de pronúncia — cf. artigo 615.°, n.° 1, alínea d) do CPC;
b) O constante do artigo 19.° dos factos provados, - 19. (...), aplicando sanções em caso de não cumprimento, não podia ter sido dado como provado já que nenhuma das testemunhas inquiridas afirmou, fosse quando fosse, que eram aplicadas sanções em caso de não cumprimento (CC... — 0.00 a 19.58, RR... — 0.00 a 9.32 - MAN... — 0.00 a 33.00);
c) O constante do artigo 20.° dos factos dados como provados - 20. (...) e com as indicações que a R. lhe transmitisse, não podia ter sido dado como provado, dado que dá a ideia errónea de que, para além do plano de trabalhos, existiam outras indicações, quando não foi o que foi dito, até porque, como se reconheceu na alínea a) dos factos dados como não provados, os prestadores não recebiam ordens;
d) Já que a tal se opõe o depoimento de MAN... (15.40 a 16.43);
e) O constante do artigo 24.° dos factos dados como provados 24. No ano de
2017, o Autor gozou 22 dias úteis de férias durante o mês de Maio (...), não podia ter sido dado como provado, já que, tendo sido reconhecido que o Autor esteve ausente durante esse período, não resulta de nenhum dos depoimentos, que tivesse estado de férias (CC… —0.00 a 19.58, RR… — 0.00 a 9.32 - MAN... — 0.00 a 33.00);
f) Tendo o Tribunal dado como não provado que o Autor recebesse ordens concretas (...) sobre algum aspecto da actividade de jardinagem que estava a ser realizada e que pretendiam ver corrigido ou alterado sendo esse facto determinante para qualificação de uma prestação como de prestação de serviços ou de trabalho, qualifique a prestação como de trabalho, não foi provado que o Autor tivesse a sua prestação dirigida pela Ré;
g) E, de facto, esta apenas recebia o resultado da mesma, não a conformando, não determinado como nem quando, nem de que forma, ele exercia tal actividade — aliás, como sucedia com a empresa que o precedeu;
h) Ocorreu, por consequência, violação do disposto no artigo 1154.° do Código Civil
já que, de forma incorrecta, se entendeu estarem os factos subsumidos no artigo 1152.° do
mesmo diploma legal;
Termos em que, deve a sentença ser revogada substituindo-se por outra que declare
não provada a existência de contrato de trabalho entre Autor e Ré, sendo esta absolvida da
instância.
O Autor contra-alegou e sem formular conclusões pugnou pela confirmação da
sentença recorrida.
O Tribunal a quo pronunciou-se sobre a invocada nulidade da sentença no sentido de
que não se verifica.
O recurso foi admitido na forma, modo de subida e efeito adequados.
Subidos os autos a este Tribunal, manteve-se a admissão do recurso e foram colhidos
os vistos.
Cumpre, agora, apreciar e decidir.
Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso limitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas
conclusões das suas alegações (arts. 635° n° 4 e 639° do CPC, ex vi do n° 1 do artigo 87° do
CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608° n°
2 do CPC), no presente recurso importa saber:
- Se a sentença é nula por excesso de pronúncia.
- Se deve ser alterada a decisão que recaiu sobre a matéria de facto.
- Se entre o Autor e a Ré inexistiu um contrato de trabalho.
Fundamentação de facto
A sentença considerou provados os seguintes factos:
1. A Ré é uma pessoa colectiva pública, pertencente à Administração Autárquica Local, e que tem por base territorial a Freguesia dos O..., em Lisboa;
2. No dia 28 de Junho de 2016, o Autor e a Ré, representada pela Presidente da Junta de Freguesia RSF..., celebraram um contrato denominado de prestação de serviços, que começou a ser executado no dia 1 de Julho de 2016;
3. O contrato foi celebrado com o prazo de 6 meses, podendo ser renovado por dois períodos sucessivos de 12 meses;
4. O contrato foi assim renovado em 1 de Janeiro de 2017 e em 1 de Janeiro de 2018;
5. O Autor foi contratado para prestar, em regime de avença, serviços de jardineiro em áreas ajardinadas e arborizadas da freguesia dos O..., até ao limite de 140 horas mensais;
6. Contra um pagamento de uma quantia anual de € 8.400, pagável em 12 prestações mensais de € 700 cada;
7. No dia 12 de Dezembro de 2017, o Autor foi convocado para comparecer nas instalações da Junta de Freguesia, para uma reunião com a chefe de divisão MAN...;
8. Tendo sido dito ao mesmo que tinha sido dispensado e que deixaria de trabalhar a partir do dia seguinte, 13 de dezembro de 2017;
9. Foi entregue ao Autor uma notificação assinada pela Presidente da Junta, que dava conta da rescisão do contrato com efeitos imediatos, com fundamento em incumprimento contratual por banda do Autor, não sendo, todavia, aduzido qualquer comportamento ou facto concreto que o justificasse, apenas se invocando a cláusula contratual respectiva;
10. Nessa comunicação escrita o Autor foi ainda intimado a devolver o fardamento e restantes bens pertencentes à Ré, de que fosse mero detentor, ficando o acerto final de contas dependente dessa entrega
11. Durante o período de tempo em que o Autor trabalhou para a Ré esteve colectado em sede fiscal como trabalhador independente / prestador de serviços;
12. Emitindo mensalmente a favor da Ré um designado recibo verde correspondente ao valor mensal que esta última lhe pagava.
13. Por outro lado, durante a execução do contrato, o Autor esteve inscrito na Segurança Social igualmente como trabalhador independente, assegurando integralmente os pagamentos pelas contribuições obrigatórias devidas;
14. O A. desempenhou as suas funções numa equipa de outros trabalhadores, que desempenhavam as funções de jardineiros, os quais tinham igualmente um contrato de prestação de serviços;
15. Foi entregue ao Autor um conjunto de fardamento de jardineiro pertencente à Ré, destinado a ser por aquele envergado enquanto estivesse no desempenho da sua actividade profissional para a R.;
16. O Autor esteve sempre adstrito a um horário de trabalho de 40 horas semanais, sendo o seu período de trabalho compreendido entre as 9 horas e as 17 horas, de segunda a sexta-feira, folgando aos fins-de-semana;
17. O A. e restantes jardineiros recebiam as indicações quanto ao trabalho a desempenhar por parte de AM..., e por vezes de SB..., os quais por sua vez respondiam perante a R.;
18. A R. elaborava um plano de trabalho que devia ser desempenhado pelos jardineiros, e que transmitia ao A. ou por meio de uma das pessoas referidas no número anterior ou por meio de qualquer seu funcionário;
19. A R. procedia à fiscalização do trabalho efectuado pelo A. e demais jardineiros, ou por meio de uma das pessoas referidas no número anterior ou por meio de qualquer seu funcionário, aplicando sanções em caso de não cumprimento;
20. O A. exercia o seu trabalho de acordo com esse plano de trabalho e com as indicações que a R. lhe transmitisse;
21. O trabalho diário desempenhado pelo A. estava sempre previamente definido pela R., e era comunicado por SB..., e as máquinas que deviam ser usadas para proceder à tarefa em causa eram determinadas por SB..., não podendo o A. escolher a máquina ou instrumentos que pretendia usar para cada tarefa;
22. O Autor sempre se deslocou para os espaços verdes em que trabalhava diariamente, em viaturas automóveis pertencentes à Ré;
23. O Autor sempre utilizou, no desempenho das suas tarefas profissionais de jardineiro, apenas os equipamentos, utensílios e máquinas de jardinagem pertencentes à Ré e por esta a si disponibilizadas;
24. No ano de 2017, o Autor gozou 22 dias úteis de férias durante o mês de Maio, não recebendo qualquer remuneração e subsídio de férias;
25. O Autor não recebeu qualquer valor a título de subsídio de Natal referente ao ano de 2016;
26. Nada recebendo igualmente no que respeita aos proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de 2017, ano da cessação do contrato.
27. Finalmente, o Autor não recebeu qualquer importância a título compensatório ou indemnizatório decorrente da cessação do contrato;
28. O A. nasceu em 1979 e tem de habilitações literárias o 4° ano de escolaridade;
29. A contratação do A. feita em termos que constam do artigo 2° dos factos assentes resultou de um procedimento de ajuste direto.
A sentença considerou não provados os factos seguintes:
a) AM..., responsável da seção de jardins da R., e SB... davam ordens concretas ao A. sobre algum aspeto da actividade de jardinagem que estava a ser realizada e que pretendiam ver corrigido ou alterado;
b) O Autor, enquanto trabalhou para a Ré, fê-lo de forma exclusiva, não exercendo qualquer outra actividade profissional por conta própria ou, de forma subordinada para terceiros.
c) No ano de 2016, o Autor não gozou qualquer dia de férias, nem recebeu qualquer valor a que tivesse direito pelos dias de férias não gozados
Fundamentação de direito
Tendo a Recorrente observado o disposto no artigo 77° do CPT, apreciemos, então, a primeira questão suscitada no recurso e que se traduz em saber se a sentença é nula por excesso de pronúncia.
A este propósito invoca a Recorrente que o constante do artigo 21.° dos factos provados, 21. (...) não podendo o A. escolher a máquina ou instrumentos que pretendia usar para cada tarefa, foi dado como provado sem prejuízo de não ter sido invocado, e, por consequência, não contraditado, violando os artigos 3.°, n.° 3 e 608.°, n.° 2, do CPC o que vicia a sentença de excesso de pronúncia nos termos do artigo 615.°, n.° 1, alínea d) do CPC.
Sustenta o Recorrido, por sua banda, que o facto em causa foi alegado no artigo 18.° da petição inicial, pelo que deverá improceder a arguida nulidade da sentença.
O Tribunal a quo pronunciou-se sobre a invocada nulidade da sentença referindo: O tribunal justificou o facto contra o qual a R.se insurge tenha sido dado por provado, o qual foi objecto de discussão, produção de prova e alegações, tendo a sua prova e consequente inclusão nos factos assentes ocorrido ao abrigo do artigo 72° n° 1 do CPT.
Por tal motivo, cremos improceder a nulidade arguida.
Vejamos:
Como é sabido, as causas de nulidade da sentença encontram-se taxativamente previstas no artigo 615.° do CPC, aplicável ao caso por força do artigo 1.° n.° 2 al.a) do CPT.
E reportando-se aos vícios que geram a nulidade da sentença, escreve-se no Acórdão do STJ de 12.5.2016,in www.dgsi.pt Qualquer dos mencionados vícios encerra um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutiliza o julgado na parte afectada.
Dispõe a al.d) do n° 1 do artigo 615.° do CPC que a sentença é nula quando O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
No caso, invoca a Recorrente o excesso de pronúncia previsto, pois, na 2.a parte da citada alínea d).
Sobre o excesso de pronúncia e em anotação ao artigo 615.°, escrevem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre no Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.° Artigos 362.° a 626.°, 3a Edição, Almedina, pag.737 Não podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de excepções não deduzidas na exclusiva disponibilidade das partes (art.608-2), é nula a sentença em que o faça.
Também sobre esta causa de nulidade da sentença ensina o Professor Alberto dos Reis no Código de Processo Civil Anotado, Vol.V, pag. 143: O juiz conheceu na sentença, de questão, de que não podia tomar conhecimento. Quando isso suceder, a sentença é nula.
É evidente que esta nulidade está em correlação com o 2° período da 2° alínea do art.660° Proíbe-se aqui ao juiz que se ocupe de questões que as partes não tenham suscitado, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso. Portanto a nulidade prevista na 2° parte do n° 4 do artigo 668° desenha-se assim: A sentença conheceu de questões que nenhuma das partes submeteu à apreciação do juiz. Mas não existe nulidade, se por lei o juiz tinha o poder ou o dever de conhecer ex officio da questão respectiva.
E como elucida o Acórdão do STJ de 26.3.2019, pesquisa em www.dgsi.pt (...) constituem questões, por exemplo, cada uma das causas de pedir múltiplas que servem de fundamento a uma mesma pretensão, ou cada uma das pretensões, sob cumulação, estribadas em causas de pedir autónomas, ou ainda cada uma das exceções dilatórias ou perentórias invocadas pela defesa ou que devam ser suscitadas oficiosamente.
Por fim, como se afirma no Acórdão do STJ de 18.10.2012, igual pesquisa, / - Há excesso de pronúncia sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não se identifique com o pedido.
Ora, sendo este o alcance e significado da causa de nulidade da sentença prevista na parte da alínea d) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC, salvo o devido respeito, entendemos que a alegada circunstância do Tribunal a quo ter considerado provado um facto que não terá sido alegado nem contraditado pelas partes não se enquadra no vício da própria sentença, mas na eventual violação dos procedimentos processuais previstos no artigo 72.° do CPT relativo à discussão e julgamento da matéria de facto e no artigo 3.° n.° 3 do CPC que consagra o princípio do contraditório.
Sucede que a violação de tais preceitos legais, a ter existido, consubstanciaria uma nulidade processual secundária na medida em que se trata da omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreve (art.195.° n.° 1, 2.ª parte do CPC), que não é de conhecimento oficioso e deve ser arguida mediante reclamação perante o tribunal que proferiu a decisão e no prazo a que alude o artigo 199.°, o que não se verifica no caso.
Por conseguinte, é de concluir que não se verifica a arguida nulidade da sentença por excesso de pronúncia.
Acresce que, tendo o Autor no artigo 18° da petição inicial invocado que O Autor sempre utilizou, no desempenho das suas tarefas profissionais de jardineiro, apenas os equipamentos, utensílios e máquinas de jardinagem pertencentes à Ré e por esta a si disponibilizadas sempre teríamos de entender que o ponto 21 dos factos provados não é mais do que a concretização da matéria alegada.
Aliás, a Recorrente apenas põe em causa o segmento do facto provado sob 21. não podendo o A. escolher a máquina ou instrumentos que pretendia usar para cada tarefa o qual é a consequência lógica da factualidade constante da 1' parte do mesmo facto provado (O trabalho diário desempenhado pelo A. estava sempre previamente definido pela R., e era comunicado por SB..., e as máquinas que deviam ser usadas para proceder à tarefa em causa eram determinadas por SB...) e que nem foi impugnada.
Em conclusão, improcede a arguida nulidade da sentença.
Analisemos, agora, se deve ser alterada a decisão que recaiu sobre a matéria de facto.
Dispõe o n° 1 do artigo 662° do CPC, que A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
A propósito da alteração da matéria de facto pela Relação, escreve o Exm.° Conselheiro António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, pags. 221 e 222 Fica seguro que a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.n instância.
E a pags. 235 e 236 da mesma obra lemos: É verdade que a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.° não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter.
Mas se a Relação, procedendo à reapreciação dos meios de prova postos à disposição do tribunal a quo, conseguir formar, relativamente aos .concretos pontos impugnados a convicção acerca da existência de erro deve proceder à correspondente modificação da decisão.
Por outro lado, sobre o recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto recaem ónus que devem ser observados, sob pena de imediata rejeição do recurso os quais estão enunciados no artigo 640° do CPC (anterior artigo 685°-B do CPC, embora com algumas alterações) e que estabelece:
1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto
impugnadas.
2- No caso previsto na al. h) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso, na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os
depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3- O disposto nos n°s 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n° 2 do artigo 636°
Analisadas as conclusões e as alegações, logo constatamos que a Recorrente cumpriu os mencionados ónus pelo que resta apreciar a sua pretensão.
Entende a Recorrente que:
1-O facto provado 19 na parte em que refere (...) aplicando sanções em caso de não cumprimento não podia ter sido dado como provado já que nenhuma das testemunhas inquiridas (MAS..., CC... e RR...) afirmou fosse quando fosse, que eram aplicadas sanções em caso de não cumprimento.
O facto provado 19 tem a seguinte redacção:
A Ré procedida à fiscalização do trabalho efectuado pelo A. e demais jardineiros, ou por meio de uma das pessoas referidas no número anterior ou por meio de qualquer seu funcionário aplicando sanções em caso de não cumprimento.
2- O facto provado 20 na parte em que refere (...) e com as indicações que a Ré lhe transmitisse, não podia ter sido dado como provado, ou a dar-se como provado, deveria ser especificado que tais indicações eram a comunicação do plano de trabalhos.
Indicou para sustentar o seu entendimento o depoimento da testemunha MAS....
O facto provado 20 tem a seguinte redacção:
O A. exercia o seu trabalho de acordo com esse plano de trabalhos e com as indicações que a R. lhe transmitisse.
O Tribunal a quo fundamentou a matéria de facto em causa nos seguintes termos:
Mais do que a alegação conclusiva de serem dadas ordens, instruções e dever-se obediência por parte do A. a AM... ou SB..., que quer CC..., quer RR... deixaram claro serem estes quem lhes dava as ordens de trabalho e comunicava o plano de trabalho, sendo que na ótica de ambos, as ordens eram do primeiro mas transmitidas pelo segundo. O alegado de 13° a 16° da p.i. encontrava-se alegado de modo conclusivo, sendo as palavras empregues o protótipo das definições usadas para o contrato de trabalho. Por esse motivo tentou-se fugir a estas e procurar a realidade existente. E o que relevou foi o que resultou inequívoco do depoimento de MAN.... Esta, na parte final do seu depoimento, deixa claro que era a Junta quem organizava os serviços de acordo com o que pretendia e necessitava na gestão do vasto espaço verde existente e assim elaborava o plano de trabalho que tinha de ser transmitido aos trabalhadores. Esclarece que era transmitido quer por AM..., SB... ou qualquer outra pessoa. E sobretudo era fiscalizado não apenas por estes mas por várias pessoas na Junta que aleatoriamente faziam uma fiscalização e agiam em conformidade se o plano não estivesse a ser cumprido (o que foi confirmado por CC... que diz que por vezes, ocasionalmente, alguém da R. passava por lá). E exactamente isso mesmo se deu por assente em 17° a 20° dos factos provados. O que aliás resulta não apenas da versão desta testemunha mas igualmente dos demais jardineiros, colegas do A., CC... e RR... que de modo inequívoco afirmam que o trabalho deles e do A. era definido por AM... e SB....
CC... afirma ainda algo de crucial: não era apenas o trabalho que era assim definido, mas inclusivamente as máquinas que deviam ser usadas para proceder à tarefa em causa era determinada por SB..., não podendo os mesmos escolher o que pretendiam usar para cada tarefa. E isso se deu por provado em 21° dos factos provados.
Vejamos:
Para uma melhor compreensão ouviu-se, na íntegra, o depoimento das testemunhas indicadas.
Quanto ao facto 19 na parte impugnada, a testemunha CC... (jardineiro, fez um estágio na Ré entre Março e Abril de 2017 e, posteriormente, trabalhou para a Ré também como jardineiro desde Maio de 2017 até Dezembro de 2017 fazendo parte da equipa onde se encontrava o Autor) relatou um episódio que qualificou de chefe para empregado e relacionado com as idas ao café, segundo o qual uma das pessoas que ia ao terreno fiscalizar o trabalho, AM..., apareceu no local onde se encontrava a trabalhar no momento em que tinha ido ao café e descontou-lhe uma hora.
A testemunha RR... (exerceu funções na Ré como jardineiro durante um ano e alguns meses desde 1 de Agosto de 2016), nada disse sobre a eventual aplicação de sanções.
A testemunha MAN..., Chefe de Divisão de Ambiente Urbano na Ré, a exercer funções na Ré desde 2015, começou por referir que o trabalho que era feito pelo Autor e outros jardineiros era executado por empresas a quem eram adjudicados, mediante concurso público e que eram os trabalhadores dessas empresas que executavam os trabalhos em causa.
Acrescentou que, no ano 2016, houve um processo de rescisão sancionatória com a empresa que prestava tais serviços, processo que começou em Junho de 2016 e terminou em Outubro do mesmo ano, que a partir de Outubro de 2017 e após concurso público adjudicaram os trabalhos a outra empresa e que durante o período de tempo em que decorreu o concurso público tiveram que arranjar uma solução e recorreram à prestação de serviços por parte de pessoas singulares.
Também disse que, às empresas, tal como às pessoas singulares, era dado um plano de trabalhos que podia ser alterado, que havia fiscalizações por parte da Junta (aleatórias e as que eram feitas na semana seguinte à execução do trabalho), que os trabalhadores das empresas também usavam a farda da Junta de freguesia e que até os carros das empresas tinham de usar a identificação da Ré.
Acrescentou que a Ré quis contratar pessoas mediante prestação de serviços para o corte de ramos, desmatação e corte de prados, que tinha e manteve os planos anuais e semanais a serem cumpridos quer pelas empresas, quer pelas pessoas singulares, para além do cumprimento de outras necessidades que, entretanto, surgissem, como por ex. a queda de um ramo etc.
Também disse que os planos de trabalho eram transmitidos pela Ré ao Autor por alguém da Junta ou pelo Sr. AM... em nome da Junta (prestador de serviços da Junta), que o Autor e os restantes trabalhadores estavam obrigados a cumprir esses planos e que para além desses planos de trabalho também estavam obrigados a executar outros trabalhos que pudessem surgir mesmo que esporadicamente e que não constavam do plano de trabalhos, sendo certo que estes últimos trabalhos também eram executados mediante indicações da Ré através de pessoas como AM... que se encarregava de as transmitir ao Autor e aos restantes jardineiros.
Questionada pela Mma Juiz, ainda disse que havia um plano de trabalho que tinha de ser cumprido e que era fiscalizado e que se esse plano não fosse observado tinham que reagir, tal como reagiram contra a empresa.
Consequentemente, da conjugação do depoimento das testemunhas CC... e MAN... é de concluir, como concluiu o Tribunal a quo, que a Ré podia aplicar sanções em caso de incumprimento, pelo que é de manter o ponto 19 dos factos provados nos seus exactos termos
Quanto ao facto 20 na parte impugnada, a Recorrente não põe em causa a fundamentação do Tribunal a quo nos depoimentos das testemunhas CC... e RR..., especificando apenas que o depoimento da testemunha MAN... põe em causa que, para além do plano de trabalhos, houvesse outras indicações da Ré.
Sobre tal matéria, a testemunha MAN... referiu, em resumo, que a Ré tinha planos anuais e semanais que o Autor e os restantes jardineiros tinham de cumprir, tal como sucedia com as empresas que foram contratadas e que, a par desses planos, os jardineiros ainda tinham de executar outras tarefas que, entretanto, surgissem como por ex: a queda de um ramo, de uma árvore, etc, sendo que esses trabalhos também eram transmitidos e fiscalizados por AM... em nome da Junta.
Por conseguinte, para além do trabalho constante dos planos de trabalho, o Autor ainda poderia ter de executar outros trabalhos que não constassem desses planos e que lhe fossem indicados pela Ré, pelo que o depoimento da testemunha indicada não impõe a alteração do facto provado em 20, que se mantém.
3- Ainda entende a Recorrente que o facto provado 24 foi incorrectamente dado como provado e não podia ter sido dado como provado na parte em que refere No ano de 2017,o Autor gozou 22 dias úteis de férias durante o mês de Maio (...) f f .
Para tanto, invoca que nenhuma das testemunhas (CC..., RR... e MAS...) pôde afirmar tal.
O facto 24 tem a seguinte redacção:
No ano de 2017, o Autor gozou 22 dias úteis de férias durante o mês de maio, não recebendo qualquer remuneração e subsídio de férias.
O Tribunal a que quo fundamentou a resposta a este facto escrevendo o seguinte:
Apesar de impugnado o art. 27° a 31° da p. i., a verdade é que a própria R. acaba por admitir em 48° e 50° da contestação que não efectuou esse pagamento, discordando apenas da qualificação jurídica de férias e chamando-a de ausência. CC... e RR... atestam que o A. foi de férias, assim como eles, e a prova do pagamento, porquanto se trata de um facto negativo, a existir teria de ser feita pela R., que não o fez.
E assim se deu tal por provado em 24° a 27° dos factos provados.
A testemunha CC..., questionado pela Mma Juiz confirmou que, em 2017, o Autor gozou férias, mas que não sabia é quantos dias foram e se pagaram alguma coisa a esse título.
A testemunha RR..., por seu turno, declarou que o Autor, tal como ele, também foi de férias e que a ele (à testemunha), foi pago o mês, mas nada de subsídio de férias.
A testemunha MAN... limitou-se a enquadrar a situação do Autor num contrato de prestação de serviços, nada referindo acerca das férias do Autor.
Assim, face à mencionada prova e posto que nada foi apontado no sentido de descredibilizar o depoimento das testemunhas CC... e RR..., entendemos que não se impõe a alteração do facto 24 que se mantém.
Concluindo, improcede na totalidade a impugnação da matéria de facto.
Analisemos, por fim, se entre o Autor e a Ré inexistiu um contrato de trabalho.
Sobre a qualificação do contrato que se estabeleceu entre o Autor e a Ré, escreve-se na
sentença recorrida o seguinte:
Antes de mais uma palavra impõe-se como esclarecimento prévio. Não resulta dos factos assentes constantes desta decisão, por não ter sido alegado, mas de alguma prova produzida.
Não se levou tal matéria aos factos provados precisamente por não ter sido alegado, e pela escassa relevância que se deu a tal matéria.
A R. tinha uma empresa a prestar serviços de jardinagem em regime de prestação de serviços, num procedimento público que lançou para o efeito. Como todos os procedimentos públicos tendo sido posto termo ao mesmo, por via de uma rescisão sancionatória, alguns prazos tiveram de ser observados não cessando a prestação de serviços dessa empresa de imediato. Nessa medida, e por via da necessidade de ter os serviços verdes tratados, enquanto uma nova empresa não podia ser contratada, a R. recorreu a contratos de prestação de serviços com diversas pessoas singulares, de entre os quais o A..
Quis a testemunha fazer passar a ideia, em tribunal, que a relação que a Junta tinha com o A. era exactamente igual à que tinha com a empresa. Mas sem se duvidar que para a testemunha, e para a Junta, pudesse ser, cremos que a questão essencial nada tem a ver com esta. É que em causa não está, desde logo, analisar se a situação do A. é análoga à havida entre o relacionamento da R. com a empresa. Nem se esse relacionamento é uma correta prestação de serviços. Mas sim e apenas analisar o que efetivamente sucedeu na relação contratual existente entre o A. e a R. e qualificar a mesma, independentemente da qualificação de quem antecedeu o A. no trabalho/serviço que desempenhava.
E mais se dirá. É que se o objectivo da R. era apenas contratar temporariamente mão-de-obra que efectuasse o serviço que antes era desempenhado por uma empresa de jardinagem, até que esta fosse substituída, e considerando os prazos dos procedimentos públicos inerentes, então o que cabia à R. efetuar era recorrer a contratos de trabalho a termo, com a condição precisamente de verificação quando o concurso público para adjudicação da nova empresa estivesse concluso.
Mas não o fez e optou por recorrer a prestação de serviços.
Nessa medida, tudo se resume em saber se agiu bem e se a realidade existente entre o A. e a R. era de facto de natureza de prestação de serviços ou de cariz laboral, pois como é sabido não é o nome atribuído aos contratos que define a realidade que lhe subjaz.
Tudo reside pois, repete-se em saber se a realidade contratual era consentânea com a denominação jurídica do referido contrato. Este, é sabido e foi dado por assente, é um contrato de prestação de serviços. Mas tudo nesta ação se resume a saber se a situação de facto consubstancia uma verdadeira prestação de serviços, ou um camuflado contrato de trabalho.
E disto mesmo se trata afinal. Verificar que tipo de realidade contratual existia.
Pugnando o A. pela existência de um contrato de trabalho, invoca a R. que a mesma tem a natureza de contrato de prestação de serviços. Temos assim que, se enquanto facto constitutivo do direito, é ao A. que incumbe a alegação e prova de que o alegado contrato, desde o seu início e até que cessou, consubstanciou um verdadeiro contrato de trabalho.
Por outro lado, na análise dos ónus da prova cumpre considerar a presunção de existência de contrato de trabalho prevista no art. 12° do CT, presunção que pode ser ilidida.
Vejamos pois que realidade contratual ocorreu. E para tal curial será saber quais os traços distintivos de uma e outra realidade.
Certo é que com os factos que temos por assentes, a noção de contrato de trabalho prevista no art. 11° do CT não se encontra preenchida, pois o A. não se inseria numa organização da R.
Cumpre assim apelar ao artigo 12.° do Código do Trabalho, o qual desde 2009 veio consagrar as presunções da existência de contrato de trabalho, consagrando legalmente indícios que antes eram discutidos amiúde na doutrina e na jurisprudência como sendo os mais ou menos relevantes para a distinção entre uma realidade contratual e a outra.
Analisemos assim detalhadamente cada um dos indícios legalmente consagrados.
Estatui o n° 1 do art. 12° que presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;
Estes dois factos lograram-se provar à evidência. A actividade era realizada onde a R. determinava, e para o que conduzia o A. e os demais jardineiros em carro próprio da R. para o local. O trabalho estava já previamente definido pela R., sem qualquer margem de intervenção do A. e as próprias máquinas (instrumentos de trabalho) eram pertença da R. mas determinadas por esta. Também o fardamento usado pelo A. era da R..
Em suma, os dois indícios as duas primeiras alíneas estão claramente verificadas.
Nem serve alegar, como muitas vezes sucede, que atenta a natureza da actividade prestada pela R. fosse perfeitamente natural que fosse esta a proporcionar os meios e os instrumentos específicos e necessários ao exercício desta actividade. Um particular que contrata um jardineiro para que lhe corte a relva, ou apare as sebes do jardim, não fornece o corta relvas, nem o corta sebes. Seja o jardineiro uma empresa ou um jardineiro particular.
São os próprios jardineiros contratados para esse fim que trazem os instrumentos adequados e em regra o cliente nem se imiscui nessa tarefa.
Pelo que a R. não se limitou a contratar uns jardineiros, como sucede com o cidadão normal que recorre a um serviço especifico que careça (por exemplo cortar a relva que cresce) mas sim a contratar umas pessoas, que desempenhavam as funções de jardineiros, para que usando os materiais da R. seguissem o plano desta para desempenhar as funções que esta precisava, delimitava e fiscalizava.
Se um cidadão contrata um jardineiro para cortar umas sebes do seu jardim pode naturalmente dizer-lhe como quer as sebes cortadas, pois é para isso que contrata alguém, para ter o serviço que pretende realizado, mas não diz de que modo é que o jardineiro há-de cortá-las, por onde há-de começar, e que máquinas deve usar, pois isso seria já interferir com a autonomia própria de quem realiza o trabalho. Pelo contrário, quem tem jardineiros a seu cargo, como trabalhadores dependentes, fornece instruções relativas a tudo, como fez a R., desde as máquinas a utilizar, até ao trabalho diário a ser feito.
Cremos que estes dois indícios fazem presumir a existência de um contrato de trabalho, mas muito mais pode ser afirmado a este respeito.
Vejamos pois os demais indícios patentes no art. 12°.
Estatui a alínea c) do artigo em apreço que:
a) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
Prova-se que o A. tinha um horário de trabalho e este era imutável. Ao contrário do que poderia suceder numa prestação de serviços em que existe uma tarefa que tem de ser feita e de acordo com o horário que ele próprio entendesse, segundo os interesses do projecto para o qual foi contratado e que ele tinha de observar, podendo gerir o seu horário, nada disto sucedia no caso do A.
No entanto, em abono da verdade se diga que tal por si só pode ser pouco para sustentar a existência de um contrato de trabalho posto que a R. fiscalizava a actividade dos jardineiros (fosse esta exercida por uma empresa ou por pessoas singulares como o A.) e dado que a R. tem um horário de funcionamento, compreende-se que o horário do desempenho das tarefas fosse durante esse horário de funcionamento da Junta. Por isso a existência de um horário de trabalho não se assume muito reveladora, quanto a nós, precisamente, porque pode corresponder aos interesses da R. que o serviço seja efectuado em período em que esta o possa fiscalizar, e por forma a ser visto pelos utentes da junta.
Por fim, da análise do art. 12° do CT (dado que a alínea e) não encontra aplicação, resta apreciar a alínea d).
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma.
A norma faz apelo ao conceito de «quantia certa», o que pressupõe um quantitativo pré-determinado, líquido, com uma dimensão tendencialmente fixa.
A quantia fixa e periodicamente paga tem inerente um cariz de estabilidade que evidencia uma relação de subordinação jurídica.
Ora, provou-se que o A. era pago de forma mensal mas por um valor que era fixado anualmente e repartido por doze meses. Não recebia subsídio nem de natal, nem de férias, nem de alimentação precisamente porque os termos da prestação de serviço acordado não o previam, e o que era previsto era a realização de um trabalho com um valor anualmente fixado.
De forma linear poder-se-á afirmar que também aqui o indicio se verifica, nada tendo sido alegado que o infirmasse.

Ainda assim, verificados todos os indícios supra referidos ainda alguma margem de dúvidas pode restar para distinguir as realidades, e alguma relutância poderia eventualmente surgir para ilidir a aplicação da presunção.
Caberia à R. fazê-lo, pois como vimos a presunção verifica-se, e claramente a R. não
o fez. Mas a prova efectuada permite-nos, a nosso ver, ir mais longe.
Na medida em que na prestação de serviços a obtenção do resultado implica a realização de trabalho, o critério diferenciador será, na maioria dos casos, a existência ou não de subordinação jurídica.
A subordinação jurídica consiste numa situação de sujeição, em que se encontra o trabalhador, de ver concretizado, por iniciativa da entidade empregadora, o dever de prestar a que está adstrito.
Mesmo naquelas situações em que o trabalhador goza de grande independência técnica, o que corresponde, em regra, a um elevado grau de qualificação, determinando que
o núcleo da própria actividade escape à esfera das instruções do empregador, não goza de autonomia na programação e na organização da actividade: o tempo, o local e os meios de realização da prestação são definidos por este último, havendo, pois, subordinação.
Na verdade, a subordinação jurídica importa uma supremacia da entidade empregadora, ditando ordens, orientações que são acatadas pela outra parte e que têm ainda inerente o poder disciplinar em caso de incumprimento.
Assim, como características ou índices mais relevantes da existência de subordinação jurídica podem apontar-se os elencados no preceito referido (art. 12°) que já analisamos e outros antes deste diploma de 2009 acresciam a este elenco, como a prestação de uma actividade em si mesma, a sujeição do trabalhador à disciplina da empresa e às ordens do empregador, a organização do trabalho por quem o atribui, a existência de outros trabalhadores subordinados ao mesmo empregador e a exclusividade da actividade laborai em proveito de uma única entidade por parte do trabalhador.
Atentemos então no que se provou.
Como vimos, provou-se que o A. tinha um horário de trabalho, usava apenas os instrumentos de trabalho da R., e previamente escolhidos por esta, desempenhava a sua actividade diariamente onde a R. indicava e para onde era transportado pela R., era pago de forma regular e periódica.
Provou-se ainda que a determinação do trabalho era feita pela R. (socorrendo-se esta de outros prestadores ou dos seus funcionários) e a fiscalização do trabalho era igualmente feita pela R. com consequentes sanções em caso de incumprimento. Ou seja, a R. definia todo o trabalho, e o A. tinha de o observar sob pena de ser sancionado. E esta sanção mais não é do que uma demonstração do poder disciplinar, e a observância desse plano de trabalho, mais não é que a obediência ao poder de direcção da R., e a própria escolha dos instrumentos de trabalho mais não é que a revelação da total ausência de autonomia. Todas revelam quanto a nós, inequivocamente, uma subordinação jurídica a que o A. estava adstrito.
O A. não tinha liberdade para exercer o seu trabalho como entendesse mas tudo no mesmo estava definido diariamente e sujeito a fiscalização e sanção em caso de incumprimento. E mais subordinação que esta é difícil de encontrar.
É certo que não se provou que a R. desse ordens de como devia o trabalho ser corrigido ou alterado. Mas verdade se diga que ao fiscalizar está a fazê-lo, e por outro lado, e como refere uma das testemunhas, o trabalho era apenas cortar relva, pois havia mais jardineiros para outras funções. Pelo que o único elemento de autonomia que poderia haver, como a escolha da máquina adequada, nomeadamente de um corta relvas trator, ou de um manual, ou até de uma roçadora, estava vedado ao A. pois mesmo isso era definido pela R.. Da conjugação dos elementos que se apuraram nos autos, concluímos estarem verificadas as características essenciais relevantes em termos de sujeição do A. às ordens, direcção e fiscalização da R., pelo que concluímos que a relação contratual existente entre ambos era de cariz laboral.
Discorda a Recorrente do entendimento do Tribunal a quo, sustentando para tanto, em resumo, que os factos dados por provados e os não provados demonstram que a relação jurídica entre Autor e Ré era de mera prestação de serviços, que impressiona que, tendo até então o serviço sido prestado por uma empresa mediante contrato de prestação de serviços, o simples facto de ter passado a ser desempenhado por pessoas singulares, mantendo-se na sua estrutura exactamente o mesmo já permita que o vínculo se transmutasse em contrato de trabalho, que impressiona sobretudo, tendo o Tribunal dado como não provado que o Autor recebesse ordens concretas (...) sobre algum aspecto da actividade de jardinagem que estava a ser realizada e que pretendiam ver corrigido ou alterado sendo esse facto determinante para qualificação de uma prestação como de prestação de serviços ou de trabalho, qualifique a prestação como de trabalho, que não tendo tal sido provado, não foi provado que o Autor tivesse a sua prestação dirigida pela Ré, que a Ré apenas recebia o resultado da mesma, não a conformando, não determinado como nem quando, nem de que forma, ele exercia tal actividade, aliás, como sucedia com a empresa que o precedeu, pelo que foi violado o disposto no artigo 1154.° do Código Civil já que, de forma incorrecta, se entendeu estarem os factos subsumidos no artigo 1152.° do mesmo diploma legal.
Vejamos:
Antes do mais, importa referir que o que está em causa na presente acção é saber se a relação que se estabeleceu entre o Autor e a Ré configura uma relação laboral.
Por outro lado, a alegada circunstância do Autor ter passado a executar as tarefas que anteriormente eram executadas por empresas mediante contrato de prestação de serviços não implica, necessariamente, nem impõe, que se conclua que o contrato que a Ré estabeleceu com o Autor tenha a mesma natureza daqueles que celebrou com as empresas para a realização das mesmas tarefas.
Na verdade, como refere o Tribunal a quo É que em causa não está, desde logo, analisar se a situação do A. é análoga à havida entre o relacionamento da R. com a empresa.
Nem se esse relacionamento é uma correta prestação de serviços. Mas sim e apenas analisar o que efetivamente sucedeu na relação contratual existente entre o A. e a R. e qualificar a mesma, independentemente da qualificação de quem antecedeu o A. no trabalho/serviço que desempenhava.
E foi exactamente isso que fez a sentença recorrida.
Mas invoca a Recorrente que os factos dados por provados e os não provados demonstram que a relação jurídica entre Autor e Ré era de mera prestação de serviços.
Sucede que nem nas alegações, nem nas conclusões, a Recorrente indica com precisão quais são os factos provados que demonstram que a relação era de mera prestação de serviços, ou melhor, que a relação não revestia natureza laboral.
De qualquer modo, entendemos que não assiste razão à Recorrente.
Vejamos:
Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta. (artigo 1152° do Código Civil).
Por seu turno, o artigo 11° do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.° 7/2009 de 12 de Fevereiro, aplicável ao caso, define o contrato de trabalho nos seguintes termos:
Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.
E o artigo 1154° do Código Civil define o contrato de prestação de serviços assim: Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a
proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem
retribuição.
Elucidativo sobre a distinção entre estas duas figuras é o Acórdão do de 25.01.2012, in www.dgsi.pt cujo entendimento temos perfilhado e onde se escreve:
Dos conceitos vazados nos artigos 1152° e 1154° do Código Civil decorre que as diferenças entre ambos são estabelecidas através, por um lado, da obrigatoriedade da retribuição (presente no contrato de trabalho, mas não necessariamente no contrato de prestação de serviços, embora na realidade também nele exista retribuição, na maior parte dos casos); por outro, na prestação objecto do contrato - uma obrigação de meios (actividade, no contrato de trabalho) ou de resultado (no contrato de prestação de serviços) ¬e, por último, na existência ou não de subordinação jurídica do prestador de trabalho ao respectivo credor.
Os dois primeiros elementos distintivos são pouco relevantes porque, por um lado, como se disse, serão actualmente muito raros os casos de contratos de prestação de serviços sem retribuição, face à total desadequação da gratuitidade do trabalho, no contexto de uma sociedade com as características da contemporânea; por outro lado, porque, mesmo quando o objecto da prestação é a actividade, em última análise, pretende-se sempre retirar dessa actividade uma utilidade, um resultado, que não é indiferente e, por outro lado ainda, em muitos contratos de prestação de serviços cuja qualificação não oferece quaisquer dúvidas, como seja, por exemplo, o estabelecido entre o médico e o seu paciente ou entre o advogado e o seu cliente, o que aquele tem de prestar é apenas a sua actividade, não o resultado, que é aleatório.
Decisivo para a distinção acaba, pois, por ser o elemento subordinação jurídica que consiste na circunstância de o prestador do trabalho desenvolver a sua actividade sob a autoridade e direcção do empregador, o que significa a possibilidade de o credor do trabalho determinar o modo, o tempo e o lugar da respectiva prestação. A prestação de trabalho nesses casos é heterodeterminada (pelo empregador), contrapondo-se ao trabalho autodeterminado em que, em princípio, cabe apenas ao próprio trabalhador a definição do modo, tempo e lugar da prestação. No trabalho heterodeterminado o grau de dependência do prestador do trabalho da autoridade e direcção do empregador pode ser maior ou menor, sobretudo no que se refere ao modo da prestação, diminuindo, sensivelmente à medida que aumenta a especificidade técnica exigida para o desempenho da actividade (...) Assume particular relevo como manifestação do poder de direcção e fiscalização do empregador, a existência na esfera do empregador dos poderes regulamentar e disciplinar. Mesmo que esse poder não seja exercido, terá de existir, ainda que em potência, correspondendo-lhe, da parte do trabalhador, uma situação de sujeição.
Em suma, a distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviços centra-se na existência ou inexistência de subordinação jurídica a qual se concretiza numa situação de dependência ou de sujeição do trabalhador face às ordens, regras ou orientações, do empregador que, necessariamente, terá de cumprir. Ou seja, numa relação laboral, o empregador traça, define e impõe ordens e directrizes quanto à execução da actividade e segundo as quais o trabalhador deve desenvolver essa actividade.
Mas se no plano teórico essa distinção se afigura simples, a verdade é que a complexidade da vida, por vezes, dificulta essa distinção, especialmente nas profissões que revelam uma maior autonomia na sua execução.
E ciente de tal dificuldade, o legislador, a partir do Código do Trabalho de 2003, criou a denominada presunção de contrato de trabalho, umas vezes com mais sucesso, outras com menos, presunção a que o Código do Trabalho de 2009 deu a seguinte forma:
1- Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade,.
c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.
(-).
Perante a citada norma temos vindo a entender que, para que opere a presunção, basta que se prove duas das características enunciadas no n° 1 do artigo 12°.
Com efeito, como se escreve no sumário do Acórdão do de 3.12.2014, cujo entendimento temos perfilhado: (...)3. A presunção de laboralidade prevista no art. 12° n. ° 1 do CT de 2009 apresenta duas grandes diferenças em relação à prevista no art. 12° do CT de 2003: a primeira tem a ver com o tipo de indícios de subordinação indicados pelo legislador, que são agora indícios em sentido próprio, porque não se confundem com os elementos essenciais do contrato de trabalho, antes apontam para tais elementos, designadamente para o elemento de subordinação do trabalhador; a segunda diferença tem a ver com a natureza do enunciado legal destes indícios, que passou a ser exemplificativa, bastando assim teoricamente que apenas dois desses indícios ocorram para que possa ser presumida a existência de um contrato de trabalho;
E como também escreve João Leal Amado na obra Contrato de Trabalho, 3a Edição Reimpressão, pag. 79, A lei selecciona um determinado conjunto de elementos indiciários, considerando que a verificação de alguns deles (dois?) bastará para a inferência da subordinação jurídica. Assim sendo, a tarefa probatória do prestador de actividade resulta consideravelmente facilitada. Doravante provando o prestador que, in casu, se verificam algumas daquelas características, a lei presume que haverá um contrato de trabalho, cabendo à contraparte fazer prova em contrário.
Regressando ao caso, constata-se, tal como constatou a sentença recorrida, que da factualidade provada resulta claro que o Autor logrou provar as características a que aludem as alíneas a) a d) do artigo 12° do Código do Trabalho.
Ou seja, no caso, das cinco características a que alude o artigo 12° do CT, o Autor provou quatro.
Senão vejamos.
Tendo ficado provado que o Autor foi contratado para prestar serviços de jardineiro contra um pagamento de uma quantia anual de € 8.400, pagável em 12 prestações mensais de €700,00 (cfr. factos provados 5 e 6), dúvidas não existem de que está verificada a característica da al.d) do artigo 12° do CT.
Também ficou provado que o Autor executava o trabalho nos locais indicados pela Ré, bem como se deslocava para os espaços verdes em que trabalhava diariamente, em viaturas automóveis pertencentes à Ré (cfr.facto provado 22), preenchendo-se, assim, a característica da alínea a).
Ainda se provou que as máquinas que deviam ser usadas para proceder às tarefas em causa eram determinadas por SB..., não podendo o Autor escolher a máquina ou instrumentos que pretendia usar para cada tarefa (cfr.facto provado 21) e que o Autor sempre utilizou, no desempenho das suas tarefas profissionais de jardineiro, apenas os equipamentos, utensílios e máquinas de jardinagem pertencentes à Ré e por esta a si disponibilizadas (cfr.facto provado 23) resultando, assim, provada a característica da alínea b) do artigo 12° do CT.
E conforme resulta do facto provado 16, o Autor esteve sempre adstrito a um horário de trabalho de 40 horas semanais, sendo o seu período de trabalho compreendido entre as 9horas e as 17 horas, de segunda a sexta-feira, folgando aos fins-de-semana. Ou seja, provada está a característica da alínea c) do artigo 12° do CT.
Consequentemente, nos termos do artigo 12° do CT, presume-se a existência de contrato de trabalho entre o Autor e a Ré.
E era à Ré que incumbia alegar e provar os factos que ilidissem essa presunção.
Sucede que, da factualidade provada, não se extraem quaisquer factos que permitam concluir que a Ré ilidiu a presunção de laboralidade, sendo de salientar que é o Tribunal a quo, certamente estribado nas regras da experiência comum, pois a Ré não alegou nem provou factos nesse sentido, que acaba por concluir que o horário de trabalho não é suficiente para caracterizar a relação como laboral, na medida em que a Ré fiscalizava o trabalho do Autor e tem um horário de funcionamento dentro do qual as tarefas deste deveriam ser cumpridas.
Admitimos que perante o invocado fundamento o indício em causa assume pouca relevância na qualificação do contrato celebrado entre o Autor e a Ré.
Contudo, para além dos indícios acima referidos, tal como considerou o Tribunal a quo, entendemos que outros factos ficaram provados que apontam, indubitavelmente, para a existência de uma situação de dependência ou de sujeição do Autor face às ordens, regras ou orientações da Ré que era quem traçava e definia os planos de trabalho segundo os quais o Autor deveria desenvolver a sua actividade.
Com efeito, tendo ficado provado que: O A. e restantes jardineiros recebiam as indicações quanto ao trabalho a desempenhar por parte de AM... e, por vezes, de SB..., os quais por sua vez respondiam perante a R. (facto 17); A R. elaborava um plano de trabalho que devia ser desempenhado pelos jardineiros, e que transmitia ao A. ou por meio de uma das pessoas referidas no número anterior ou por meio de qualquer seu funcionário (facto 18); A R. procedia à fiscalização do trabalho efectuado pelo A. e demais jardineiros, ou por meio de uma das pessoas referidas no número anterior ou por meio de qualquer seu funcionário, aplicando sanções em caso de não cumprimentos (facto 19); O A. exercia o seu trabalho de acordo com esse plano de trabalho e com as indicações que a R. lhe transmitisse (facto 20); e no ano de 2017 o Autor gozou 22 dias úteis de férias durante o mês de Maio (facto 24), é de concluir que estamos perante um quadro de subordinação jurídica do Autor perante a Ré, o que vale dizer que entre o Autor e a Ré existiu uma relação laboral.
Na verdade, perante a factualidade provada não podemos acompanhar a Recorrente quando afirma que a prestação do Autor não era dirigida pela Ré, que a Ré apenas recebia o resultado da mesma, que a Ré não conformava a prestação do Autor e que a Ré não determinava como nem quando, nem de que forma, ele exercia tal actividade; salvo o devido respeito, a factualidade provada diz-nos exactamente o contrário.
E nem se diga, como diz a Recorrente, que tendo o Tribunal dado como não provado que o Autor recebesse ordens concretas (...) sobre algum aspecto da actividade de jardinagem que estava a ser realizada e que pretendiam ver corrigido ou alterado não poderia ter qualificado a relação como de trabalho.
Ora, na al.a) dos factos não provados o Tribunal a quo considerou que não se provou que AM..., responsável da seção de jardins da R. e SB... davam ordens concretas ao A. sobre algum aspecto da actividade de jardinagem que estava a ser realizada e que pretendiam ver corrigido ou alterado, facto que foi alegado pelo Autor no artigo 15.° da petição inicial.
Na fundamentação do referido facto escreve-se na sentença recorrida: Com exceção do afirmado quanto às máquinas, ninguém em sede de julgamento se referiu a ordens concretas sobre algum aspecto da actividade de jardinagem que estava a ser realizada e que pretendiam ver corrigido e alterado, tal como alegado no artigo 15° da p. i., donde se deu tal por não provado.
Ora, mas se não ficou provado que AM... e SB... davam ordens concretas sobre algum aspecto da actividade de jardinagem que estava a ser realizada e que pretendiam ver corrigido ou alterado, o certo é que era a Ré que elaborava o plano de trabalho que devia ser executado pelo Autor e restantes jardineiros e que o Autor recebia instruções, quanto ao trabalho a desempenhar, de AM... e de SB... que, por sua vez, respondiam perante a Ré (factos 17 e 18).
E como refere o Tribunal a quo: É certo que não se provou que a R. desse ordens de como devia o trabalho ser corrigido ou alterado. Mas verdade se diga que ao fiscalizar está a fazê-lo, e por outro lado, e como refere uma das testemunhas, o trabalho era apenas cortar relva, pois havia mais jardineiros para outras funções. Pelo que o único elemento de autonomia que poderia haver, como a escolha da máquina adequada, nomeadamente de um corta relvas trator, ou de um manual, ou até de uma roçadora, estava vedado ao A. pois mesmo isso era definido pela R..
Consequentemente, não merece reparo a sentença recorrida ao concluir que entre o Autor e a Ré existiu um contrato de trabalho improcedendo, assim, o recurso.
Considerando o disposto nos n°s 1 e 2 do artigo 527° do CPC, as custas do recurso são da responsabilidade da Recorrente.
Decisão
Em face do exposto, acordam os Juízes deste Tribunal e Secção em:
- Julgar improcedente a impugnação da matéria de facto nos termos acima mencionados.
- Julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Registe e notifique.
Lisboa, 26 de Junho de 2019
Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Paula de Jesus Jorge dos Santos
António Santos Feteira
Sumário:
A distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviços centra-se na existência ou inexistência de subordinação jurídica a qual se concretiza numa situação de dependência ou de sujeição do trabalhador face às ordens, regras ou orientações, do empregador que, necessariamente, terá de cumprir. Ou seja, numa relação laboral, o empregador traça, define e impõe ordens e directrizes quanto à execução da actividade e segundo a quais o trabalhador a deve desenvolver.