Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Laboral
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 - ACRL de 23-10-2019   Acção de reconhecimento da existência de um contrato de trabalho.
1 - Não obstante entendermos que da leitura dos factos em questão resulta com suficiente clareza o alcance e sentido do seu texto, apesar da utilização das duas referidas menções a trabalhador e empregadora, achamos preferível, na situação concreta vivida nos autos, substituir tais expressões por outras relativamente mais neutras e inócuas como as de «prestador da atividade» e «beneficiário da atividade».
2 - No que toca às demais alíneas sugeridas pela Ré, as mesmas não podem ser aditadas à Factualidade dada como Provada, pois inexistem factos alegados pelas partes que os suportem e é sabido que a mera apresentação dos documentos não substitui a articulação mínima dos factos a que esses documentos respeitam.
3 - O tribunal recorrido encontrava-se juridicamente obrigado a discriminar os factos que considerou não terem sido demonstrados pelas partes, em função dos diversos elementos probatórios produzidos na ação, de maneira a permitir aos litigantes (Ministério Público e Ré e seus mandatários) e depois aos membros do coletivo deste Tribunal da Relação de Lisboa (ou ao seu relator, no caso de proferição de Decisão Sumária que não seja objeto de reclamação para Conferência) e aos juízes conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça ou do Tribunal Constitucional se debruçarem e analisarem, com rigor, objetividade e certeza, toda a factualidade considerada nos autos, quer na sua vertente positiva, como negativa.
4 - A factualidade dada como assente e não assente, assim como a restante matéria conclusiva, jurídica, instrumental ou inócua, é apurada, em primeira linha e obrigatoriamente, pelos tribunais da 1. a instância, sob pena de não o fazendo, impossibilitarem um completo, seguro e necessário conhecimento (e julgamento) por parte das diversas entidades anteriormente referenciadas do litígio concreto em discussão na ação; admitir a fixação total ou parcial dos factos provados e não provados pelos tribunais da relação é violar, de uma forma sub-reptícia, a exigência constitucional da existência de um duplo grau de jurisdição, nessa vertente fáctica dos pleitos trazidos a juízo.
5 - Movemo-nos no âmbito de uma ação de reconhecimento da existência de um contrato de trabalho, com processo especial e natureza urgente, previsto e regulado nos artigos 26.°, números 1, alinea i) e 6 e 186.1)-K a 186.11-R do CPT/2009, que se reconduz a uma ação de mera apreciação positiva (artigo 10.°, números 2 e 3, alínea a) do NCPC) que visa obter o reconhecimento e a declaração da natureza laboral de um determinado vínculo jurídico-profissional a partir da data do seu começo ou daquela que se lograr demonstrar nos autos, beneficiando o apuramento de tal realidade da presunção constante do artigo 12.° do CT/2009 em todas as situações que se tenham iniciado no dia 17/2/2009 ou em data posterior.
6 - Para a obtenção da declaração jurídica de existência do contrato de trabalho, não basta ao autor alegar e provar os factos tendentes a fazer funcionar a referida presunção de laboralidade prevista no artigo 12.° do CT/2009, mas importa também que o réu não consiga ilidir a mesma com os factos que igualmente venha alegar e demonstrar nos autos e que sejam suscetíveis de fazer inquinar o mencionado funcionamento da dita presunção.
7 - Os factos que foram alegados pela recorrente na sua contestação e que, em seu entender, deveriam ter sido dados como assentes pelo tribunal da 1.a instância podem não impor apenas a sua discriminação expressa em sede da Decisão sobre a Matéria de Facto dada como Provada, na parte da Factualidade dada como Não Assente, como, pela sua relevância factual e jurídica, são ainda suscetíveis de eventualmente implicar também à prévia reabertura por parte do Tribunal do Trabalho de Lisboa da Audiência Final, se ele assim o entender, com vista à produção de prova complementar por Autor e Ré e oficiosamente pelo próprio julgador, para efeitos das suas devidas consideração e ponderação, pois os mesmos não mereceram uma expressa e necessária pronúncia por banda do tribunal da 1.a instância.
8 - Há, assim, que determinar a anulação da Decisão sobre a Matéria de Facto ao abrigo do número 2, alínea c), do artigo 662.° do NCPC, com vista à ampliação da matéria de facto, traduzida, pelo menos, na elencagem de todos os factos considerados como não provados, no seu todo ou em parte.
Proc. 2467/17.9T8CSC.L2 4ª Secção
Desembargadores:  José Eduardo Sapateiro - Alves Duarte - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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RECURSO DE APELAÇÃO N.° 2467/ 17.9T8CSC.L2 (4.a Secção)
Apelante: MINISTÉRIO PÚBLICO
Apelada: RRR..., SA
(Processo n.° 2467/ 17.9T8CSC - Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa
Juízo do Trabalho de Lisboa - Juiz 3)
ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
- RELATÓRIO
O MINISTÉRIO PÚBLICO colocado junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo do Trabalho de Cascais - Juiz 2, veio apresentar, em 26/07/2017, petição inicial relativa a ação declarativa de reconhecimento da existência de contrato de trabalho com processo especial regulada nos artigos 186.°¬K e seguintes do Código do Processo do Trabalho, contra a Ré RRR..., SA, NIPC n.° 500 ... e com sede na ..., n.° …, 1800-225 Lisboa, pedindo, com referência a FRS..., com o Cartão de Cidadão n.° ..., NIF ... e residência na Rua ..., 2755-327 Lisboa, o seguinte:
«Nestes termos, e nos mais de direito, deve a presente ação ser julgada procedente, por provada, declarando-se a existência de um contrato de trabalho, tal como é definido no art.° 11.° do C.T. entre o trabalhador FRS... e a Ré, nos termos acima expostos com efeitos a partir de Setembro de 2016».
O Ministério Público alegou para o efeito o seguinte (fls. 48 e seguintes):
- A Ré é uma Sociedade Anónima que tem por objeto a prestação dos serviços públicos de rádio e de televisão, nos termos das Leis da Rádio e da Televisão e dos respetivos contratos de concessão. (CAE 60200).
2.° - Na sequência de ação inspetiva realizada a 23 de Maio de 2017, cerca das 15 h, apurou-se que FRS... estava a preparar conteúdos (escrevia pesquisas e dados para as entrevistas) para enviar à apresentadora e guionista do programa 5 pra 1/2 noite que iria ser gravado na 5. a feira (25 de Maio de 2017) naquele local e sede da Ré na Av. a ... n.° 37 em Lisboa.
3.° - Com efeito, foi verificado que FRS..., titular do CC ..., com o NIF ... e NISS ..., com domicílio na Rua ... Alcabideche, se encontrava nas instalações da Ré, mais concretamente na sala 05 da ala C, do 1° andar, do edifício principal sito na Av.ª … n.° 37 em Lisboa onde desenvolvia a atividade de jornalista.
4.° - Na realidade foi verificado que o trabalhador se encontrava a prestar a sua atividade de jornalista, com as seguintes características:
- Desenvolvia a atividade de jornalista, que, para além das tarefas que desempenhava no momento da visita inspetiva, incluía a marcação de convidados, a receção dos mesmos no dia do programa, a pesquisa de conteúdos, entrevistas, elaboração dos conteúdos (informações, propostas de questões a convidados, etc.);
- Essa atividade estava parametrizada pelas necessidades do serviço e do tempo definido, estando o prestador da atividade inserido na organização da beneficiária, obedecendo às determinações da chefia na pessoa de RR... (coordenadora de conteúdos) - que por sua vez dependia do subdiretor, GNM... - a quem reportava as ausências, comunicava férias e que reorganizava as equipas no caso de tal suceder, distribuindo as tarefas de cada membro da equipa, verificando a qualidade do trabalho realizado e dando as ordens, orientações e instruções necessárias para esses efeitos;
- Utilizava os equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à beneficiária da atividade, com números de inventário da mesma, nomeadamente uma secretária, um computador, telefone, bem como material de escritório variado;
- Utilizava com assiduidade vários programas informáticos, nomeadamente o ONEDR1VE (nuvem informática), sendo a beneficiária da atividade a proprietária da licença para a sua utilização;
- Beneficiou de formação no âmbito do programa Windows 365, fornecida pela beneficiária da atividade;
- Observava horas de início e termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da atividade, entre as 10 horas e 30 minutos e as 19 horas, à exceção da 5. a feira (dia da gravação do programa) em que labora normalmente até pela 1h, descansando normalmente ao Sábado e Domingo;
- Laborava ininterruptamente para a beneficiária da atividade desde Setembro de 2016, tendo assinado para o efeito contrato de prestação de serviços, sendo certo que, desde 2007, com interrupções, laborava para a RRR;
- Nas suas deslocações, quando necessário, requisitava transporte ao sector dos transportes, sendo a RRR SA que pagava todas as despesas inerentes (tal como sucedeu, designadamente, no dia 4 de Maio de 2017, para ir buscar uma convidada do programa);
- Possuía um endereço eletrónico atribuído pela beneficiária da atividade para fins profissionais: FRS....RRR.pt;
- Participava em reuniões de equipa, semanais, nomeadamente uma com a equipa de conteúdos para planeamento (à 6. a feira) e outra realizada antes da gravação do programa 5 pra 1/2 noite;
- Trabalhava quase exclusivamente para a beneficiária da atividade, alocando a totalidade da sua atividade à mesma;
- Recebia da beneficiária da atividade, com a periodicidade mensal, uma quantia certa no valor de € 325,00, por cada programa, o que equivale a uma remuneração mensal no valor de € 1.300,00, paga por transferência bancária, não auferindo qualquer outro montante da parte da mesma, considerando que essa remuneração dependia tendencialmente do tempo de trabalho prestado;
- Exercia a referida atividade desde Setembro de 2016, de acordo com o prestador da mesma.
5.° - O trabalhador não tem obrigação de apresentar um resultado, concretamente definido, tendo apenas de prestar a sua atividade diária como qualquer outro trabalhador afeto à mesma atividade.
6.° - Na sequência da mencionada intervenção e ao abrigo do disposto no artigo 15.°-A da lei 107/2009 de 14 de Setembro, foi levantado pela ACT um auto por utilização indevida do contrato de prestação de serviços - cfr. auto de notícia e anexos;
Z0 - A Ré foi notificada nos termos e para os efeitos do n° 1 parte final do citado art.° 15. °-A para regularizar a situação do trabalhador ou pronunciar-se dizendo o que tivesse por conveniente.
8.° - A Ré, devidamente notificada, respondeu à mencionada notificação nos termos constantes dos anexos ao auto de notícia, concluindo, em síntese, não ser possível satisfazer a pretensão da ACT.
9.° - Atenta a não regularização da situação do trabalhador a ACT, em obediência ao disposto no artigo 15.°-A, n.° 3 da Lei 107/2009 de 14 de Abril, remeteu ao Ministério Público a participação aí aludida, a qual deu entrada na Procuradoria da República junto do Tribunal de Trabalho em 24/ 07/2017, cfr. fls. 1 dos autos.
10.° - Face aos elementos constantes dos autos é de considerar que o vínculo que o mencionado trabalhador mantém com a Ré, e que vem sendo executado ininterruptamente desde Setembro de 2016, tem a natureza de um verdadeiro contrato de trabalho, tal como definido no artigo 12.° do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 7/09 de 12/2.
11.° - Com efeito, embora sob a capa de contrato de prestação de serviços, o contrato celebrado entre a Ré e o trabalhador FRS..., na realidade, foi concebido, desde o seu início, como um verdadeiro contrato de trabalho.
12.0 - De tal forma que o trabalhador sempre prestou a sua atividade nas instalações da Ré mediante retribuição mensal fixa e regular, cumpre um horário de trabalho fixado por aquela, recebe ordens e diretivas da Ré e dos seus coordenadores, utiliza os equipamentos e instrumentos de trabalho dessa mesma entidade no âmbito de organização e sob sua autoridade.
13.° - Mostram-se, assim, preenchidas as características descritas e previstas no artigo 12.° do C. Trabalho, alíneas a) a d), ou seja, a relação que une ao Ré e o trabalhador FRS... consubstancia um genuíno contrato de trabalho subordinado, por tempo indeterminado».
Tal petição inicial do Ministério Público fundou-se na Participação de Utilização indevida de contrato de prestação de serviços, sem data, elaborada por um Inspetor da ACT e que se mostra junto a fls. 1 e seguintes dos autos.
A participação comunica o procedimento imputado à arguida (e aqui Ré), constatado no dia 23/5/2017 e que se traduzia no facto da mesma ter FRS... ao seu serviço profissional, como jornalista, ao abrigo de um contrato de prestação de serviços, quando a forma quotidiana como aquele desenvolvia a sua atividade indiciava a existência de uma relação de índole laboral, tendo sido levantado no dia 12/6/2017 e ao abrigo do artigo 15.°-A, n.° 1, da Lei n.° 107/2009, de 14/9, o correspondente Auto de utilização indevida de contrato de prestação de serviços em condições análogas ao contrato de trabalho (fls. 14 a 15 verso).
Notificada a arguida, veio a mesma apresentar os requerimentos de fls. 26 e 27 e de 33 a 36, onde, muito em síntese, pugnava pela natureza autónoma, entre diversos outros, do vínculo estabelecido com o referido jornalista FRS... e propunha uma ação de regularização das relações profissionais que pudessem ser reconduzidas à previsão do art.° 12.° do CT/2009, desde que tal seja consentido pela legislação especial já publicada (Lei do Orçamento para o ano de 2017, PREVPAP e Resolução do Conselho de Ministros n.° 33/2017, de 9/2) e ainda a publicar, em execução do aludido Programa de Regularização Extraordinária de Vínculos precários na Administração Pública.
Houve diversas reuniões entre responsáveis da ali arguida e aqui Ré com a ACT para tentar encontrar uma via de solução consensual para as diversas situações encontradas na RRR e que fundaram o levantamento oportuno dos respetivos Autos e a posterior participação ao MP, conforme ressalta do teor das mensagens eletrónicas juntas aos autos e do próprio texto do segundo requerimento da empresa.
A ACT, face a tal posição da RRR..., SA, procedeu à participação ao Ministério Público do expediente junto a fls. 1 a 47, nos termos n.° 3 do artigo 15.°-A da Lei n.° 107/2009, de 14 de Setembro.
A Ré, na sequência do despacho judicial de fls. 51 e 52, foi citada e apresentou a
contestação de fls. 53 a 97 + documentos de fls. 147 a 126, tendo suscitado as
seguintes questões prévias de cariz material e formal:
I - Exceções e nulidades
A - TÍTULO PRINCIPAL
a) «Limitações (proibições) à constituição de relações de trabalho subordinado com entidades do setor público empresarial» (artigos 3.° a 19.° do Ponto 1.1.1, a fls. 55 a 57);
b) «Da impossibilidade da RRR reconhecer eventuais situações de trabalho dependente» (artigos 20.° a 26.° do Ponto 1.1.2, a fls. 57 a 60);
c) «Da impossibilidade do Tribunal reconhecer eventuais situações de trabalho dependente celebradas pela RRR» (artigos 27.° a 30.° + 1.° do Ponto 1.1, a fls. 54 e 60);
d) «Invalidade da Participação da ACT» (artigos 1.° e 2.° do Ponto 1.1, artigos 31.° a 42.° do Ponto 1.2.1 a fls. 60 a 62 - «Da ausência de um comportamento culposo» -, artigos 43.° a 50.° do Ponto 1.2.2, a fls. 62 e 63 - «Da determinação para a prática de um ato ilegal» -, artigos 51.° a 61.° do Ponto 1.2.3, a fls. 63 a 65 - «Da inexistência de ilicitude»);
e) «Vigência do PREVPAP e da regularização dos contratos somente por esta via» (artigos 62.° a 75.° do Ponto 1.3, a fls. 65 a 68);
f) «Inaplicabilidade da ação de reconhecimento de contrato de trabalho à RRR» (artigos 1.° e 2.° do Ponto 1.1 e 76.° a 87.° do Ponto 1.4., a fls. 68 a 70);
g) «Litispendência «especial» ou «atípica» e do risco de casos julgados opostos» (artigos 88.° a 109.° do Ponto 1.5, a fls. 70 a 74);
h) «Extemporaneidade da participação da ACT» (artigos 110.° a 115.° do Ponto
1.6, a fls. 74 e 75;
Subsidiariamente
i) «Suspensão da presente ação durante o PREVPAP» (artigos 116.° a 123.° do Ponto 1.7, a fls. 75 a 77)
II - A TÍTULO SUBSIDIÁRIO
i) «Violação do direito de defesa e da consequente invalidade da ação promovida
pelo M.1º) (artigos 124.° a 140.° do Ponto 1.8, a fls. 77 a 79);
III - SUMÁRIO DOS DIVERSOS FUNDAMENTOS QUE IMPEDEM A PROSSECUÇÃO DA PRESENTE AÇÃO (Ponto 1.9)
«(i) A Ré é uma empresa pública que integra o setor empresarial do Estado e está sujeita às limitações (proibições) do OE 2017 e respetivo Decreto de Execução Orçamental;
(ii) Nos termos do OE 2017 e respetivo Decreto de Execução Orçamental a con.tratação de trabalhadores encontra-se vedada, sem a necessária autorização governamental, a qual é requisito prévio e de validade a respetiva contratação;
(iii) A constituição, ab initio ou no âmbito da ação inspetiva, de relações de trabalho subordinado com a Ré sem a prévia obtenção da autorização governamental tem como consequência a assunção de uma relação jurídica nula e cuja invalidade é insuprível;
(iv) Não é possível regularizar os alegados vínculos precários através de uma decisão judicial proferida na presente ação da situação, porquanto tal sentença não é suficiente para suprir a nulidade decorrente da falta de autorização governamental;
(v) A falta de reconhecimento pela Ré da existência de eventuais situações de trabalho dependente não representou um ato livre e intencional da Ré, mas antes o cumprimento de uma estipulação legal;
(vi) A ACT sabia da limitação (proibição) de contratar aplicável a Ré e, mesmo assim, não se coibiu de notificar a RRR para regularizar uma situação que sabia ser ilegal e que representa atuação contra legem;
(vii) Na hierarquização dos deveres em colisão, a Ré satisfez aquele que tinha valor superior - cumprimento das disposições orçamentais -, estando, por este motivo, afastada qualquer ilicitude;
(viii) Enquanto os procedimentos do PREVPAP não estiverem finalizados é legalmente impossível à Ré reconhecer licitamente, por sua própria iniciativa e sem prévia autorização governamental, que a situação dos autos configura uma relação de trabalho dependente;
(ix) Com efeito, mesmo que a Ré reconheça que a situação dos autos poderá configurar um contrato de trabalho, não tem qualquer liberdade contratual para constituir/ reconhecer uma relação laboral;
(x) Adicionalmente, durante o PREVPAP e na constância dos autos, está-se perante uma situação de litispendência especial ou atípica quanto ao pedido de reconhecimento pela Ré da existência de um contrato de trabalho com o Prestador, o que constitui uma exceção dilatória inominada que conduz absolvição da Ré da instância;
(xi) Caso assim não se entenda, impõe-se aguardar pelo parecer do CAB e homologação de tal parecer pelo Governo, sem o qual a presente ação não pode prosseguir os seus termos, sob pena de este Tribunal ser colocado na situação de reconhecer um contrato de trabalho nulo;
(xii) A Participação da ACT que deu início aos presentes autos, para além de inválida é também ela extemporânea, e esta circunstância representa uma invalidade formal da Participação que não pode ser descurada e impossibilita o Ministério Público de patrocinar a presente ação por falta de legitimidade para o efeito;
(xiii) O procedimento inspetivo cuja realização é pressuposto indispensável propositura da ação nos termos do artigo 186. °-K do CPT não é válida, dado que o mesmo foi conduzido com flagrante violação do direito de defesa da Ré e do princípio do contraditório.»
IV - IMPUGNAÇÃO DE FACTO E DIREITO
A Ré veio, finalmente, impugnar grande parte dos factos alegados pelo Ministério Público, assim como articular outros tantos que ilidem a presunção de laboralidade do artigo 12.° do C.T./2009 (artigos 142.° a 206.°), pugnando pela inexistência da relação de trabalho subordinado invocada pelo Ministério Público (artigos 142.° a 225.°, a fls. 82 a 94), impugnando especificadamente os factos articulados pelo Ministério Público (artigos 226.° a 230.°, a fls. 94 e 95) e pedindo, em síntese, o seguinte:
«Termos em que:
a) Devem as invocadas exceções ser julgadas procedentes e, em consequência, determinada a absolvição da Ré da instância;
b) Caso assim não se entenda, deve ser determinada a suspensão da presente instancia ate a decisão final a produzir no âmbito do PREVPAP;
c)Deve, em qualquer caso, ser a presente ação julgada improcedente, por não provada, e a Ré absolvida do pedido.»
O Ministério Público, a fls. 127 e seguintes, veio responder às diversas exceções arguidas pela Ré na sua contestação, tendo pugnado pela improcedência de todas elas (fls. 127 a 133).

Foi o Tribunal do Trabalho de Cascais declarado incompetente em razão do território para conhecer do presente litígio por despacho judicial de fls. 135 e 136, datado de 26/10/2017 e já transitado em julgado, tendo o Tribunal do Trabalho de Lisboa para onde os autos forma remetidos aceite tal competência (cf. fls. 134 a 137).
Procedeu-se à citação do colaborador FRS..., conforme ressalta de fls. 138 a 147, não tendo o mesmo tido qualquer intervenção na presente ação.
Foi então prolatado a fls. 148 e 149 e com data de 14/03/2018, despacho judicial, onde o juiz do processo determinou o seguinte:
«A questão prévia da suspensão da instãncia.
Atento o princípio da primazia da composição amigável dos litígios laborais, uma vez que, como é do domínio público, está em curso um programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública e no sector empresarial do Estado, conforme previsto na Portaria n.° 150/2017, de 03/05, procedimento administrativo que poderá abranger a situação contratual vigente entre a RRR..., S.A. e FRS..., apesar da natureza urgente da presente ação especial, considero que ocorre motivo justificado para a suspensão da instância, nos termos do disposto no art.° 272.°, n.° 1, 2.' parte, do CPC.
Na verdade, no limite, o prosseguimento destes autos poderá inviabilizar a normal tramitação do aludido procedimento administrativo em curso, o qual também visa avaliar a situação relativa ao mesmo vínculo contratual.
Sendo que, deverá entender-se que o legislador, ao consagrar o referido programa de regularização, elegeu tal solução como via preferencial para a regularização dos casos como o que nos ocupa, uma vez que não poderia desconhecer a possibilidade de recurso ao presente meio processual.
Pelo exposto e sem necessidade de mais alongadas considerações, suspendo a presente instância até à decisão final do programa de regularização extraordinária dos vínculos precários existentes na RRR..., S.A., designadamente até à avaliação definitiva da situação contratual de FRS....
Notifique».
O ilustre magistrado do Ministério Público, inconformado com tal despacho, veio, a fls. 150 e seguintes, interpor recurso da mesma, que foi admitido a fls. 168 dos autos, como de Apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo o mesmo sido instruído com as alegações do recorrente e da recorrida

O colaborador FRS... não requereu a sua intervenção processual nos autos, não tendo, nessa medida e por tal motivo, sido apresentadas contra-alegações dentro do prazo legal.
Remetido esse recurso depois a este Tribunal da Relação de Lisboa, onde veio a julgado por Decisão Sumária de 14/6/2018, que decidiu o mesmo, a final, nos seguintes moldes:
«Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.° do Código do Processo do Trabalho e 656.° e 663.° do Novo Código de Processo Civil e mediante Decisão Sumária, prolatada neste Tribunal da Relação de Lisboa, julga-se procedente o presente recurso de apelação interposto por MINISTÉRIO PÚBLICO,
revogando-se, nessa medida, o despacho recorrido e ordenando-se a normal e subsequente tramitação dos autos, nos moldes acima expostos.
Custas a cargo da Ré - artigo 527./prct. n.° 1 do Novo Código do Processo Civil.
Registe e notifique.»

Tal Decisão Sumária foi objeto de Reclamação e da subsequente Conferência de fls. 206 a 216 verso e de Acórdão de 12/9/2018, que confirmou tal Decisão, muito embora a segunda adjunta tenha ficado vencida quanto à admissão do recurso interposto do despacho que decretou a suspensão da instância.
Os presentes autos desceram então ao Tribunal do Trabalho de Lisboa, onde foi proferido despacho saneador, no qual foi indeferida a prestação de declarações de parte do colaborador FRS... e designada a data para a Audiência de Discussão e Julgamento, cuja produção de prova será objeto de gravação e onde as três testemunhas do MP serão a apresentar.
Procedeu-se à realização da Audiência de Discussão e Julgamento com observância do legal formalismo, tendo a prova aí produzida sido objeto de registo-áudio (fls. 273 a 276).

Foi então proferida a fls. 290 a 301 e com data de 14/03/2019, sentença que, em síntese, decidiu o litígio nos termos seguintes:
Por tudo o que ficou exposto, nos termos das disposições legais citadas, julgo a presente acção procedente e, em consequência, declaro a existência, entre a RRR..., S.A. (empregadora) e FRS... (trabalhador), de um contrato de trabalho por
tempo indeterminado, desde Setembro de 2016.

Fixo à causa o valor de € 30.000,01 - art.° 186.°-Q, n.° 2, do CPT.

Custas pela empregadora - art.° 527.°, n°s 1 e 2, do CPC.

Registe e notifique.

Cumpra o disposto no art.° 186.°-O, n.° 9, do CPT.

D.N..

A Ré RRR..., SA, inconformada com tal sentença, veio, a fls. 305 e seguintes, interpor recurso da mesma, que foi admitido a fls. 337 dos autos, como de Apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com
efeito meramente devolutivo.

A Apelante apresentou, a fls. 306 e seguintes, alegações de recurso, onde, formulou as seguintes conclusões:
«1. Com o devido respeito, a sentença a quo enferma de grave erro de análise quanto à matéria de facto e de grave erro de interpretação na aplicação do Direito, devendo, por conseguinte, ser revogada e ser proferida decisão no sentido do não reconhecimento da existência de um vínculo de natureza laboral entre a Apelante e FRS....
Impugnação da matéria de facto:
II. O acervo factual assente, em particular o ponto D dos Factos Provados, não reflete minimamente a realidade material da relação contratual estabelecida entre a Recorrente e FRS....
III. O Tribunal a quo não valorou devidamente a prova testemunhal produzida e desconsiderou, inexplicável, mas censuravelmente, a prova documental carreada para os autos pela Recorrente -contratos celebrados entre esta e FRS... e recibos verdes emitidos por este.
IV. As designações trabalhador e empregadora usadas pelo Tribunal a quo, por encerrarem um juízo valorativo-conclusivo, devem ser substituídas pelas designações FRS... e Ré, respetivamente.
V. O facto Laborava para a empregadora desde Setembro de 2016, tendo assinado para o efeito contrato de prestação de serviços deve ser eliminado e, em sua substituição - face à prova documental carreada e ao depoimento das testemunhas GNM... [11 e RCC... [2], considerando o alegado pela Ré na contestação - devem, por se afigurarem essenciais à boa decisão da causa, ser aditados os seguintes:
a) A Ré e FRS... celebraram um contrato, intitulado de prestação de serviços, em 6 de Outubro de 2016, com início nesta data e termo a 31 de Dezembro, por via do qual FRS... passou a (co)laborar com aquela - adaptação do artigo 154.° da contestação comprovado pelo contrato de prestação de serviços junto aos autos;
b) Este contrato teve como objeto a prestação do serviço de conteúdos e de convidados para o programa «5 para a meia-noite» - artigo 157.° contestação comprovado pelo contrato de prestação de serviços junto aos autos;
c) Por aditamento celebrado entre a Ré e FRS... em 30 de Dezembro de 2016, o referido contrato foi renovado pelo prazo de 7 meses, com início em 1 de Janeiro de 2017 e termo a 31 de Julho de 2017;
d) A Ré e FRS... celebraram um contrato, intitulado de prestação de serviços, em 11 de Setembro de 2017, com início em 4 de Setembro de 2017 e termo a 31 de Dezembro de 2017;
e) A Ré e FRS... celebraram um contrato, intitulado de prestação de serviços, em 18 de Dezembro de 2017, com início em 18 de Dezembro de 2017 e termo a 1 de Janeiro de 2018;
f) A Ré e FRS... celebraram um contrato, intitulado de prestação de serviços, em 18 de Dezembro de 2017, com início em 1 de Janeiro de 2018 e termo a 30 de Junho de 2018;
g) Por aditamento celebrado entre a Ré e FRS... em 11 de Julho de 2018, este último contrato foi renovado pelo prazo de 1 mês, com inicio em 1 de Julho de 2018 e termo a 31 de Julho de 2018;
h) A Ré e FRS... celebraram um contrato, intitulado de prestação de serviços, em 30 de Agosto de 2018, com início nesta data e termo a 31 de Dezembro de 2018;
i) Todos os contratos celebrados tiveram como objeto a prestação do serviço de conteúdos e de convidados para o programa «5 para a meia-noite», com exceção do contrato referido em e), cujo objeto foi a prestação do serviço de conteúdos e de convidados para o programa «5 para a meia-noite» - Volta ao mundo 2017/2018, Especial fim de ano - todos resultantes dos documentos / contratos juntos aos autos;
j) O programa «5 para a meia-noite» é emitido semanalmente pela Ré, às quintas-feiras, tendo corno apresentadora FC... - artigo 158.° da contestação comprovado pelos depoimentos das testemunhas GNM... e RR...;
VI. Os factos A atividade por si desenvolvida incluía a marcação de convidados, a receção dos mesmos no dia do programa, a pesquisa de conteúdos, entrevistas, elaboração dos conteúdos (informações, propostas de questões a convidados, etc.) e Essa atividade estava parametrizada pelas necessidades do serviço e do tempo definido, estando o trabalhador inserido na equipa de conteúdos da empregadora, coordenada por RR..., a quem reportava as ausências devem ser objeto de reformulação - dado conterem expressões conclusivas e não retratarem corretamente a verdade material tal como foi esclarecido pelas testemunhas GNM... e RR... - passando a ter a seguinte redação:
k) A atividade desenvolvida por FRS... consistia na pesquisa e marcação de convidados, receção dos mesmos no dia do programa, pesquisa e elaboração de conteúdos (informações, propostas de questões a convidados, etc.) no âmbito do programa «5 para a meia-noite»;
1) Essa atividade estava parametrizada pelos objetivos e pela emissão semanal do programa «5 para a meia-noite», fazendo FRS... parte da equipa de conteúdos do referido programa, coordenada por RR..., a quem comunicava eventuais ausências que pudessem pôr em causa a emissão do programa;
VII. Com base nos depoimentos prestados pelas supra referidas testemunhas e por se afigurarem relevantes para a boa decisão da causa, devem os seguintes factos (alegados nos artigos que adiante se indicam da Contestação) ser aditados:
m) FRS... não estava sujeito a um horário de trabalho determinado pela Ré, tendo de assegurar a atividade contratada nas instalações da Ré em função das necessidades editoriais e programáticas do programa «5 para a meia-noite» - adaptação dos artigos 176.°, 177.° e 181.° da contestação comprovados pela prova testemunhal indicada;
n) FRS... não era sujeito a um controlo de pontualidade, nem de assiduidade por parte da Ré, não tendo a obrigação de justificar situações de ausências ao serviço - adaptação dos artigos 187.° a 190.° da contestação comprovados pela prova testemunhal indicada;
VIII. O facto Possuía um endereço de correio eletró nico atribuído pela empregadora deve - face à sua incompletude e ao alegado pela Ré na contestação, comprovado pelo depoimento das testemunhas GNM... e SCL... [31- ser reformulado, passando a ter a seguinte redação:
o) FRS... possuía um endereço de correio eletrônico atribuído pela Ré, contendo a referência ext, diferenciando-se do endereço atribuído por aquela aos seus trabalhadores ¬adaptação dos artigos 217.° e 218.° da contestação comprovados pela prova testemunhal indicada;
IX. O facto Participava em reuniões de equipa, semanais, com a equipa de conteúdos da empregadora, para planeamento, à 6. a feira deve - por não retratar corretamente a verdade material tal como foi esclarecida pelas testemunhas GNM... e RR... - ser reformulado, passando a ter a seguinte redação:
p) FRS... participava em reuniões de equipa, semanais, com a equipa de conteúdos do programa 5 para a meia-noite, para planeamento desse programa, à 6. feira - comprovado pelos depoimentos supra transcritos.
X. O facto Recebia da empregadora, com periodicidade mensal, uma quantia certa no valor de € 325,00 por cada programa, equivalendo a uma remuneração média mensal no valor de 1.400 deve ser eliminado - por distorcer a verdade material - e, em sua substituição - face à prova documental carreada para os autos conjugada com o depoimento da testemunha RR... - devem ser aditados os seguintes factos (alegados nos artigos que adiante se indicam da Contestação e por se afigurarem determinantes para a boa decisão da causa):
q) FRS... recebia da Ré a quantia de € 325,00 por cada programa 5 para a meia-noite, que era paga no final de cada mês em função dos programas em que aquele prestasse os seus serviços - adaptação dos artigos 199.° e 200.° da contestação comprovados pela prova documental e testemunhal supra indicada;
r) Nos períodos em que o programa 5 para a meia-noite não é emitido, FRS... não recebe qualquer quantia da Ré - adaptação dos artigos 201.° e 202.° da contestação comprovados pela prova documental e testemunhal supra indicada;
s) Nos meses de Agosto de 2017 e de Agosto de 2018, FRS... não recebeu qualquer quantia da Ré - adaptação do artigo 204.° da contestação comprovado pela prova documental e testemunhal supra indicada;
Impugnação de Direito (não dependente da de Facto):
XI. A sentença a quo é merecedora de reparo porquanto, para além de uma fundamentação acrítica e superficial, validou erradamente os factos apurados, desconsiderou erroneamente o contexto contratual estabelecido (sendo flagrante a desatenção conferida à prova documental) bem como a falta de indícios determinantes de subordinação jurídica, concluindo censuravelmente pela existência de contrato de trabalho entre a Recorrente e FRS....
XII. Da factualidade tida por apurada não resulta um qualquer indício que a atividade desenvolvida por FRS... o fosse sob autoridade e direção da Recorrente, isto é, que aquele estivesse sujeito a ordens ou instruções com natureza laboral ou que sobre ele impendesse um poder hierárquico conformador da sua atividade.
XIII. Destarte, da permanência de FRS… nas instalações da Recorrente não se intui, nem muito menos se retira que aquele estivesse sujeito a qualquer horário de trabalho imposto e controlado por esta.
XIV. A natureza dos serviços a prestar por FRS... impunha a sua presença nas instalações da Recorrente, sendo que, tal como é entendimento jurisprudencial, tal facto não permite concluir pela existência de uma relação laboral.
XV. A remuneração de FRS... foi estabelecida em função de cada programa em que aquele participasse, o que significa que aquele recebia em função dos serviços prestados, facto este ¬típico de uma relação de prestação de serviços - que deve ser objeto de devida valoração.
XVI. Para além da manifesta insuficiência dos factos tido como apurados, é por demais notório o não apuramento de indícios relevantes, nem de factos concretos que efetivamente caracterizam a existência de uma relação de trabalho subordinado.
XVII. À luz dos critérios doutrinais e jurisprudenciais mencionados na sentença em crise e verificando cada uma das (3) realidades que abrangem a subordinação técnico jurídica entendida num sentido amplo, bem como analisando os indícios que pressupõem tais realidades, constata-se uma clara derrota da tese que o Tribunal a quo, incompreensivelmente, acabou por abraçar.
XVIII. In casu, o julgador não está dispensado de proceder a um juízo crítico e corretivo do resultado da aplicação da presunção de laboralidade, pelo que na situação vertente não pode senão concluir-se pela inexistência de contrato de trabalho, que deve assim ser declarada por este Venerando Tribunal.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a Sentença do Juízo do Trabalho de Lisboa.
Assim decidindo, farão V. Exas. inteira JUSTIÇA!»
O Ministério Público veio, a fls. 334 e seguintes, apresentar contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
«/// - Em conclusão, pelo que sucintamente fica exposto entendemos que a douta sentença recorrida não merece qualquer reparo pois enquadrou convenientemente a matéria de facto dada como provada e efectuou correcta aplicação das disposições legais.
Deverá por isso ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida na sua íntegra.
Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, decidirão como for de JUSTIÇA!»
Tendo os autos ido a visto, cumpre apreciar e decidir.
II - OS FACTOS
«Discutida a causa, resultaram provados os factos que a seguir se indicam, com interesse para a decisão da causa.
A) - A RRR..., S.A., tem como objeto social a prestação de serviços públicos de rádio e de televisão.
B) - Na sequência de uma ação inspetiva realizada em 01/03/2017 pela Autoridade para as Condições do Trabalho na Av. ..., n.° 37, em Lisboa, foi elaborada a participação de fls. 2 a 5 verso dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
C) - No dia da ação inspetiva, referida em B), o prestador da atividade encontrava-se, nas instalações da beneficiária da atividade', a preparar conteúdos (a fazer pesquisas) para o programa 5 pra 1/2 noite.
D) - O prestador da atividade encontrava a prestar a sua atividade de jornalista/ guionista criativo, com as seguintes características:
D1) - A atividade por si desenvolvida incluía a marcação de convidados, a receção dos mesmos no dia do programa, a pesquisa de conteúdos, entrevistas, elaboração dos conteúdos (informações, propostas de questões a convidados, etc.);
D2) - Essa atividade estava parametrizada pelas necessidades do serviço e do tempo definido, estando o prestador da atividade' inserido na equipa de conteúdos da beneficiária da atividade, coordenada por RR..., a quem reportava as ausências;
D3) - Utilizava os equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à beneficiária da atividade, nomeadamente uma secretária, um computador, telefone, bem como material de escritório variado;
D4) - Permanecia diariamente nas instalações da beneficiária da atividade entre as 11 horas e as 18 horas, à exceção da 5. feira (dia da gravação do programa) em que normalmente saía à meia-noite/ lh e da 6.' feira em que só ia à tarde;
D5) - Laborava para a beneficiária da atividade desde 6 de Outubro de 2016, tendo assinado, para o efeito, com ela, um contrato intitulado de prestação de serviços, com início naquela mesma data e termo a 31 de Dezembro de 2016 e cujo objeto era o de prestação do serviço de conteúdos e de convidados para o programa «5 para a meia-noite»;
[D5 - Laborava para a beneficiária da atividade desde Setembro de 2016, tendo assinado para o efeito contrato de prestação de serviços;]
D6) - Nas suas deslocações em serviço, quando necessário, a RRR, S.A., pagava as despesas inerentes;
D7) - Possuía um endereço de correio eletrónico atribuído pela beneficiária da atividade;
D8) - Participava em reuniões de equipa, semanais, com a equipa de conteúdos da beneficiária da atividade, para planeamento, à 6.' feira;
D9) - Recebia da beneficiária da atividade, com periodicidade mensal, uma quantia certa no valor de € 325,00, por cada programa, equivalendo a uma remuneração média mensal no valor de € 1.400,00.
E) - A ACT procedeu à notificação da beneficiária da atividade, para os efeitos previstos no art.° 15.°-A, n.° 1, parte final, da Lei n.° 107/2009 de 14/09, aditado pelo art.° 4.° da Lei n.° 63/2013 de 27/08, nos termos expressos no ofício cuja cópia consta de fls. 13 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
F) - A beneficiária da atividade respondeu à notificação, referida em E), nos termos expressos na carta cuja cópia consta de fls. 33 a 36 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
II - FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram quaisquer outros factos, constantes da petição inicial ou da contestação, com interesse para a decisão da causa.»
NOTA: Para uma melhor e mais imediata identificação e compreensão dos Pontos de Facto impugnados pela Ré decidimos atribuir a cada um dos nove aspetos em que se desdobra a alínea D) da Factualidade dada como Assente nove subalíneas entre Dl) a D9).
Mostram-se já inseridas no local próprio da Factualidade dada como Provada a nova redação (a negrito) dos Pontos de Facto alterados C), D), E) e F), na sequência do julgamento de parte da impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto deduzida pela Ré e da intervenção oficiosa deste tribunal da 2.' instância, nos termos do artigo 662.°, número 1, do NCPC encontrando-se a anterior redação do Ponto de Facto D5) por debaixo do mesmo, em letra mais pequena, em itálico e entre parênteses.
III - OS FACTOS E O DIREITO
É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.° do Código do Processo do Trabalho e 639.° e 635.° n.° 4, ambos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.° n.° 2 do NCPC).

A - REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS
Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos presentes autos, atendendo à circunstância da instância da presente ação ter-se iniciado em 26/07/2017 (na sequência de uma primeira fase, de índole administrativa, que foi iniciada e tramitada na e pela ACT, tendo a participação da infração constante do Auto de Utilização Indevida do contrato de prestação de serviços de 12/6/2017 (por referência a factos constatados em inspeção realizada no dia 23/5/2017) dado entrada nos serviços do Ministério Público em 24/7/2017, vindo a petição inicial a ser apresentada depois no dia 26/7/2017) ou seja, depois da entrada em vigor das alterações introduzidas no Código do Processo do Trabalho pelo Decreto-Lei n.° 295/2009, de 13/10 e depois pela Lei n.° 63/2013, que se tornaram juridicamente efetivas no dia 1 de Setembro de 2013 (cfr. artigo 6.° de tal diploma legal).
Esta ação, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjetivo comum, foi instaurada depois da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, que ocorreu no dia 1/9/2013.
Será, portanto e essencialmente, com os regimes legais decorrentes da atual redação do Código do Processo do Trabalho e do Novo Código de Processo Civil como pano de fundo adjetivo, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de Apelação.
Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais - aprovado pelo Decreto-Lei n.° 34/2008, de 26/02, retificado pela Declaração de Retificação n.° 22/2008, de 24 de Abril e alterado pelas Lei n.° 43/2008, de 27-08, Decreto-Lei n.° 181/2008, de 28-08, Lei n.° 64-A/2008, de 31-12, Lei n.° 3-B/2010, de 28 de Abril, Decreto-Lei n.° 52/2011, de 13 de Abril com início de vigência a 13 de Maio de 2011, Lei n.° 7/2012, de 13 Fevereiro, retificada pela Declaração de Retificação n.° 16/2012, de 26 de Março, Lei n.° 66-B/2012, de 31 de Dezembro, Decreto-Lei n.° 126/2013, de 30 de Agosto, Lei n.° 72/2014, de 2 de Setembro, Lei n.° 7-A/2016, de 30 de Março, Lei n.° 42/2016, de 28 de Dezembro, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2017 e Lei n.° 114/2017, de 29 de Dezembro, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2018 -, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data.
Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos terem ocorrido na vigência do Código do Trabalho de 2009, que entrou em vigor em 17/02/2009, sendo, portanto, o regime do mesmo derivado que aqui irá ser chamado à colação em função da factualidade em julgamento.
B - IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
Vem a Apelante Ré interpor recurso da decisão da Matéria de Facto, com referência aos factos descritos nas suas conclusões e que, na opinião da Ré, deveriam ter sido julgados de forma diversa pelo tribunal recorrido, sendo tal impugnação feita nos termos e para os efeitos dos artigos 80.°, número 3, 87.°, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 640.° do Novo Código de Processo Civil, importando, nessa medida, ter presente o seu número 1, alíneas a) a c), quando
estatui que 1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, dizendo por seu turno o seu número 2 que 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes., ao passo que o artigo 622.°,
números 1 e 2, alíneas a) a d) do NCPC determina a este propósito e na parte que nos interessa o seguinte:
Artigo 662.°
Modificabilidade da decisão de facto
1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a
credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.a instãncia, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria dc facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.a instãncia a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
3 (...)
A recorrente, nesta matéria, dá um cumprimento mínimo e suficiente às exigências de natureza material e processual que se mostram elencadas nas normas acabadas de transcrever, sendo que, conforme ressalta do Relatório deste Aresto, as declarações de parte e a prova testemunhal produzida em Audiência de Discussão e Julgamento foi objeto de gravação, tendo este Tribunal da Relação de Lisboa procedido à sua integral audição, bem como à leitura, interpretação e conjugação dos documentos juntos aos autos e ao seu confronto com tais depoimentos e com os factos assentes que resultaram da confissão ou acordo das partes.
Passemos então a abordar as questões de facto suscitadas pela Ré, começando por transcrever a fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto constante da sentença, conforme consta de fls. 293, reproduzindo-se depois e para esse efeito, o teor dos pontos de facto que, na perspetiva da Apelante Ré, foram objeto de um incorreto julgamento pelo tribunal da 1.a instância e que, nessa medida, merecem a sua contestação:
FUNDAMENTAÇÃO
1 DOS FACTOS PROVADOS
Os factos constantes da alínea A) assentaram no acordo das partes, corno se extrai do confronto entre o alegado no artigo 1° da petição inicial e no artigo 230° da contestação.
Os factos constantes das alíneas E) e F), assentaram no teor dos documentos nelas referidos, não impugnados.
Os factos constantes das alíneas B) e C), assentaram na análise critica do depoimento da testemunha Saúl Lourenço, Inspetor do Trabalho que elaborou a participação que deu origem aos presentes autos e que, nessa qualidade, teve que se deslocar às instalações da empregadora, onde viu o trabalhador a prestar a sua atividade, assentando, ainda, os constantes da alínea B) no teor do documento nela referido, não impugnado.
Os factos constantes da alínea D) assentaram na análise crítica do depoimento da testemunha Gonçalo Regado, que trabalha na empregadora desde 2008, exercendo há cerca de 3 anos as funções de Diretor da RRR Memória e Sub Diretor da RRR 1, e do depoimento da testemunha RR..., que trabalha na empregadora desde 2014, desempenhando as funções de Coordenadora de Conteúdos.
2 - DOS FACTOS NÃO PROVADOS
Não se consideraram provados quaisquer outros factos, em virtude de não ter sido produzida prova bastante, por quem tinha o respetivo ónus, sobre a sua ocorrência (art.° 342. °, n.° 1, do Cód. Civil), sendo que, a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita (art.° 414.° do CPC).»
A Ré recorrente sustenta que os Pontos de Facto a seguir indicados e que foram dados como assentes pelo Tribunal do Trabalho de Lisboa deveriam ter merecido uma ponderação e convicção distinta por parte do julgador da 1.a Instância, possuindo tais Pontos a seguinte redação:
C - PONTOS DE FACTO PROVADOS - SUA ALEGAÇÃO E OPOSIÇÃO - ALTERAÇÃO (SUBPONTOS SUBLINHADOS)
A Apelante foca a sua atenção no Ponto de Facto complexo que se mostra identificado sob a alínea D) da Matéria de Facto radica o seu teor no artigo 4.° da Petição Inicial que peca igualmente pela sua redação extensa e muito condensada (ainda que não ignoremos, naturalmente, que segundo o número 3 do artigo 186.°-L do CPT, a petição inicial e a contestação não tem de ser articuladas):
«4.° - Na realidade foi verificado que o trabalhador se encontrava a prestar a sua atividade de jornalista, com as seguintes características:
- Desenvolvia a atividade de jornalista, que, para além das tarefas que desempenhava no momento da visita inspetiva, incluía a marcação de convidados, a receção dos mesmos no dia do programa, a pesquisa de conteúdos, entrevistas, elaboração dos conteúdos (informações, propostas de questões a convidados, etc.);
- Essa atividade estava parametrizada pelas necessidades do serviço e do tempo definido, estando o prestador da atividade inserido na organização da beneficiária, obedecendo às determinações da chefia na pessoa de RR... (coordenadora de conteúdos) - que por sua vez dependia do subdiretor, GNM... - a quem reportava as ausências, comunicava férias e que reorganizava as equipas no caso de tal suceder, distribuindo as tarefas de cada membro da equipa, verificando a qualidade do trabalho realizado e dando as ordens, orientações e instruções necessárias para esses efeitos;
- Utilizava os equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à beneficiária da atividade, com números de inventário da mesma, nomeadamente uma secretária, um computador, telefone, bem como material de escritório variado;
- Utilizava com assiduidade vários programas informáticos, nomeadamente o ONEDRIVE (nuvem informática), sendo a beneficiária da atividade a proprietária da licença para a sua utilização;
- Beneficiou de formação no âmbito do programa Windows 365, fornecida pela beneficiária da atividade;
- Observava horas de início e termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da atividade, entre as 10 horas e 30 minutos e as 19 horas, à exceção da 5. a feira (dia da gravação do programa) em que labora normalmente até pela lh, descansando normalmente ao Sábado e Domingo;
- Laborava ininterruptamente para a beneficiária da atividade desde Setembro de 2016, tendo assinado para o efeito contrato de prestação de serviços, sendo certo que, desde 2007, com interrupções, laborava para a RRR;
- Nas suas deslocações, quando necessário, requisitava transporte ao sector dos transportes, sendo a RRR SA que pagava todas as despesas inerentes (tal como sucedeu, designadamente, no dia 4 de Maio de 2017, para ir buscar uma convidada do programa);
- Possuía um endereço eletrónico atribuído pela beneficiária da atividade para fins profissionais: FRS.RRR.pt;
- Participava em reuniões de equipa, semanais, nomeadamente uma com a equipa de conteúdos para planeamento (à 6. a feira) e outra realizada antes da gravação do programa 5 pra 1/2 noite;
- Trabalhava quase exclusivamente para a beneficiária da atividade, alocando a totalidade da sua atividade à mesma;
- Recebia da beneficiária da atividade, com a periodicidade mensal, uma quantia certa no valor de € 325,00, por cada programa, o que equivale a uma remuneração mensal no valor de € 1.300,00, paga por transferência bancária, não auferindo qualquer outro montante da parte da mesma, considerando que essa remuneração dependia tendencialmente do tempo de trabalho prestado;
- Exercia a referida atividade desde Setembro de 2016, de acordo com o prestador da mesma.»
Esse artigo 4.° da Petição Inicial do Ministério Público foi objeto da impugnação constante dos artigos 154.° a 218.° da contestação da Ré e que culminou com o resumo/síntese constante do artigo 219.°, com o seguinte teor:
«219. - Em suma e no sentido da qualificação da situação sub judice como uma relação de trabalho autónomo verifica-se que:
a) O local de execução e os equipamentos e instrumentos utilizados são impostos pela natureza dos serviços contratados e da própria atividade da Ré, não sendo, portanto, tradução da hetero-determinação da atividade contratada;
b) O Prestador não está sujeito a um horário de trabalho definido e imposto pela Ré, sendo os parâmetros temporais de execução acordados pelas partes, em função dos serviços a executar;
c) O Prestador não estava inserido na estrutura organizacional da Ré nem sujeito a relações de reporte hierárquico ou chefia no âmbito das quais são exercidos os poderes de direção e autoridade característicos do trabalho subordinado;
d) Não cabe à Ré fiscalizar a execução dos serviços contratados, mas apenas verificar se se o resultado final dos mesmos corresponde ao serviço que o Prestador se obrigou a prestar;
e) O programa contratual que as Partes acordaram, por escrito, para a execução dos serviços contratados consagra expressamente a autonomia e independência do Prestador nessa execução;
f) A Ré não dispõe de poderes de autoridade sobre o Prestador e, por isso mesmo, nunca este foi sujeito, como não podia ser, ao poder disciplinar que a Ré exerce sobre quem para ela trabalha em regime de subordinação;
g) O Prestador não está sujeito aos deveres de assiduidade e pontualidade típicos do trabalho subordinado;
h) Não se aplicam ao Prestador os regimes laborais de férias e de faltas ao trabalho;
i) O Prestador não se vinculou a qualquer dever de exclusividade do serviço prestado à Ré, nem esta tal lhe exigiu, não estando também aquele obrigado a informar a Ré do desempenho de outras atividades, como sucede com os trabalhadores da Ré;
j) O Prestador recebia em função dos serviços efetivamente prestados;
k) Aos rendimentos auferidos pelo Prestador as partes sempre aplicaram o regime fiscal e de segurança social próprio das situações de trabalho independente ou autónomo;
1) E as partes também nunca aplicaram o regime de acidentes de trabalho próprio dos trabalhadores subordinados;
m) À relação contratual do Prestador nunca as partes aplicaram o regime convencional coletivo consagrado no Acordo de Empresa que a Ré aplica aos seus trabalhadores».
A impugnação recursória da Ré traduz-se, quanto a este Ponto D), nas suas diversas facetas, à sua modificação nos seguintes moldes:
D) - O trabalhador encontrava a prestar a sua atividade de jornalista/ guionista criativo, com as seguintes características:
Dl - A atividade por si desenvolvida incluía a marcação de convidados, a receção dos mesmos no dia do programa, a pesquisa de conteúdos, entrevistas, elaboração dos conteúdos (informações, propostas de questões a convidados, etc.);
D2 - Essa atividade estava parametrizada pelas necessidades do serviço e do temp definido, estando o trabalhador inserido na equipa de conteúdos da empregadora, coordenada por RR..., a quem reportava as ausências;
Dl e D2 - VI. Os factos A atividade por si desenvolvida incluía a marcação de convidados, a receção dos mesmos no dia do programa, a pesquisa de conteúdos, entrevistas, elaboração dos conteúdos (informações, propostas de questões a convidados, etc.) e Essa atividade estava parametrizada pelas necessidades do serviço e do tempo definido, estando o trabalhador inserido na equipa de conteúdos da empregadora, coordenada por RR..., a quem reportava as ausências devem ser objeto de reformulação - dado conterem expressões conclusivas e não retratarem corretamente a verdade material tal como foi esclarecido pelas testemunhas GNM... e RR... - passando a ter a seguinte redação:
k) A atividade desenvolvida por FRS... consistia na pesquisa e marcação de convidados, receção dos mesmos no dia do programa, pesquisa e elaboração de conteúdos (informações, propostas de questões a convidados, etc.) no âmbito do programa «5 para a meia-noite»;
1) Essa atividade estava parametrizada pelos objetivos e pela emissão semanal do programa «5 para a meia-noite», fazendo FRS... parte da equipa de conteúdos do referido programa, coordenada por RR..., a quem comunicava eventuais ausências que pudessem pôr em causa a emissão do programa
D3 - Utilizava os equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à empregadora, nomeadamente uma secretária, um computador, telefone, bem como material de escritório variado;
D4 - Permanecia diariamente nas instalações da empregadora entre as 11 horas e as 18 horas, à exceção da 5.' feira (dia da gravação do programa) em que normalmente saía à meia-noite/1h e da 6.' feira em que só ia à tarde;
D5 - Laborava para a empregadora desde Setembro de 2016, tendo assinado para  efeito contrato de prestação de serviços;
D5 - V. O facto Laborava para a empregadora desde Setembro de 2016, tendo assinado para o efeito contrato de prestação de serviços deve ser eliminado e, em sua substituição - face à prova documental carreada e ao depoimento das testemunhas GNM... [7] e RCC... [9], considerando o alegado pela Ré na contestação - devem, por se afigurarem essenciais à boa decisão da causa, ser aditados os seguintes:
a) A Ré e FRS... celebraram um contrato, intitulado de prestação de serviços, em 6 de Outubro de 2016, com início nesta data e termo a 31 de Dezembro, por via do qual FRS... passou a (co)laborar com aquela - adaptação do artigo 154.° da contestação [9] comprovado pelo contrato de prestação de serviços junto aos autos;
b) Este contrato teve como objeto a prestação do serviço de conteúdos e de convidados para o programa «5 para a meia-noite» - artigo 157.° da contestação [19] comprovado pelo contrato de prestação de serviços junto aos autos;
c) Por aditamento celebrado entre a Ré e FRS... em 30 de Dezembro de 2016, o referido contrato foi renovado pelo prazo de 7 meses, com início em 1 de Janeiro de 2017 e termo a 31 de Julho de 2017;
d) A Ré e FRS... celebraram um contrato, intitulado de prestação de serviços, em 11 de Setembro de 2017, com início em 4 de Setembro de 2017 e termo a 31 de Dezembro de 2017;
e) A Ré e FRS... celebraram um contrato, intitulado de prestação de serviços, em 18 de Dezembro de 2017, com início em 18 de Dezembro de 2017 e termo a 1 de Janeiro de 2018;
f) A Ré e FRS... celebraram um contrato, intitulado de prestação de serviços, em 18 de Dezembro de 2017, com início em 1 de Janeiro de 2018 e termo a 30 de Junho de 2018;
g) Por aditamento celebrado entre a Ré e FRS... em 11 de Julho de 2018, este último contrato foi renovado pelo prazo de 1 mês, com inicio em 1 de Julho de 2018 e termo a 31 de Julho de 2018;
h) A Ré e FRS... celebraram um contrato, intitulado de prestação de serviços, em 30 de Agosto de 2018, com início nesta data e termo a 31 de Dezembro de 2018;
i) Todos os contratos celebrados tiveram como objeto a prestação do serviço de conteúdos e de convidados para o programa «5 para a meia-noite», com exceção do contrato referido em e), cujo objeto foi a prestação do serviço de conteúdos e de convidados para o programa «5 para a meia-noite» - Volta ao mundo 201 7/ 2018, Especial fim de ano - todos resultantes dos documentos/contratos juntos aos autos;
j) O programa «5 para a meia-noite» é emitido semanalmente pela Ré, às quintas-feiras, tendo como apresentadora FC... - artigo 158.° da contestação [11] comprovado pelos depoimentos das testemunhas GNM... e RR...;
D6 - Nas suas deslocações em serviço, quando necessário, a RRR, S.A., pagava as despesas inerentes;
D7 - Possuía um endereço de correio eletrónico atribuído pela 'empregadora;
D7 - VIII. O facto Possuía um endereço de correio eletrónico atribuído pela empregadora deve ¬face à sua incompletude e ao alegado pela Ré na contestação, comprovado pelo depoimento das testemunhas GNM... e SCL... 1121- ser reformulado, passando a ter a seguinte redação:
o) FRS... possuía um endereço de correio eletrónico atribuído pela Ré, contendo a referência ext, diferenciando-se do endereço atribuído por aquela aos seus trabalhadores ¬adaptação dos artigos 217.° e 218.° da contestação [13] comprovados pela prova testemunhal indicada;
D8 - Participava em reuniões de equipa, semanais, com a equipa de conteúdos da empregadora, para planeamento, à 6.a feira;
D8 - IX. O facto Participava em reuniões de equipa, semanais, com a equipa de conteúdos da empregadora, para planeamento, à 6. a feira deve - por não retratar corretamente a verdade material tal como foi esclarecida pelas testemunhas GNM... e RR... - ser reformulado, passando a ter a seguinte redação:
p) FRS... participava em reuniões de equipa, scmanais, com a equipa de conteúdos do programa 5 para a meia-noite, para planeamento desse programa, à 6.' feira - comprovado pelos depoimentos supra transcritos.
D9 - Recebia da empregadora, com periodicidade mensal, uma quantia certa no valor de € 325,00, por cada programa, equivalendo a uma remuneração média mensal no valor de € 1.400,00.
D9 - X. O facto Recebia da empregadora, com periodicidade mensal, uma quantia certa no valor de 325,00 por cada programa, equivalendo a uma remuneração média mensal no valor de € 1.400 deve ser eliminado - por distorcer a verdade material - e, em sua substituição - face à prova documental carreada para os autos conjugada com o depoimento da testemunha RR... - devem ser aditados os seguintes factos (alegados nos artigos que adiante se indicam da Contestação e por se afigurarem determinantes para a boa decisão da causa):
q) FRS... recebia da Ré a quantia de € 325,00 por cada programa 5 para a meia-noite, que era paga no final de cada mês em função dos programas em que aquele prestasse os seus serviços - adaptação dos artigos 199.° e 200.° da contestação comprovados pela prova documental e testemunhal supra indicada;
r) Nos períodos em que o programa 5 para a meia-noite não é emitido, FRS... não recebe qualquer quantia da Ré - adaptação dos artigos 201.° e 202.° da contestação 1161 comprovados pela prova documental e testemunhal supra indicada;
s) Nos meses de Agosto de 2017 e de Agosto de 2018, FRS... não recebeu qualquer quantia da Ré - adaptação do artigo 204.° da contestação comprovado pela prova documental e testemunhal supra indicada.
D - PONTOS DE FACTOS A ADITAR À FACTUALIDADE DADA COMO PROVADA
A Ré defende ainda que sejam aditados à Matéria de Facto dada como Provada os seguintes Pontos de Facto novos:
VII. Com base nos depoimentos prestados pelas supra referidas testemunhas e por se afigurarem relevantes para a boa decisão da causa, devem os seguintes factos (alegados nos artigos que adiante se indicam da Contestação) ser aditados:
m) FRS... não estava sujeito a um horário de trabalho determinado pela Ré, tendo de assegurar a atividade contratada nas instalações da Ré em função das necessidades editoriais e programáticas do programa «5 para a meia-noite» - adaptação dos artigos 176.°, 177.° e 181.° da contestação [18] comprovados pela prova testemunhal indicada;
n) FRS... não era sujeito a um controlo de pontualidade, nem de assiduidade por parte da Ré, não tendo a obrigação de justificar situações de auséncias ao serviço - adaptação dos artigos 187.° a 190.° da contestação [19] comprovados pela prova testemunhal indicada;
E - IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO - ASPETOS GERAIS -MODIFICAÇÃO OFICIOSA - ARTIGO 662.°, NÚMERO 1 DO NCPC
A Ré e Apelante RRR começa por contestar a utilização na Matéria de Facto dada como Provada das expressões trabalhador e empregadora, que afirmarão de alguma forma logo em termos factuais o que o tribunal deve extrair e concluir dos factos dados como provados e não provados.
Escusado será relembrar que é o próprio legislador laboral que no regime adjetivo da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho (ARECT) constante dos artigos 186.°-K a 186.°-R do CPT, quando aí se refere a empregador e a trabalhador, denominando os intervenientes desde logo com a qualidade que a ação em questão visa demonstrar, através da declaração da constituição de uma relação laboral, desde a data dada como provada, entre a demandada e o prestador da atividade profissional a esta última, que poderá vir ou a ser parte na dita ação.
Importa referir que o uso pelo Tribunal do Trabalho de Lisboa das palavras trabalhador e empregadora acautelou qualquer eventual confusão que daí pudesse advir, ao colocá-las entre «aspas», dessa forma alertando o intérprete da sentença de que tal menção era apenas formal e não substancial, não se pretendendo de forma alguma antecipar ou adiantar o juízo de valor jurídico que o mesmo iria fazer em sede de fundamentação de direito.
Ainda assim e não obstante entendermos que da leitura dos factos em questão resulta com suficiente clareza o alcance e sentido do seu texto, apesar da utilização das duas referidas menções a trabalhador e empregadora, achamos preferível, na situação concreta vivida nos autos, substituir tais expressões por outras relativamente mais neutras e inócuas como as de «prestador da atividade» e «beneficiário da atividade».
Sendo assim, a atual Factualidade dada como Assente deverá passar a ter a seguinte redação:
C) - No dia da ação inspetiva, referida em B), o prestador da atividade encontrava-se, nas instalações da beneficiária da atividade, a preparar conteúdos (a fazer pesquisas) para o programa 5 para 1/2 noite.
D) - O prestador da atividade encontrava a prestar a sua atividade de jornalista/ guionista criativo, com as seguintes características:
Dl) - A atividade por si desenvolvida incluía a marcação de convidados, a receção dos mesmos no dia do programa, a pesquisa de conteúdos, entrevistas, elaboração dos conteúdos (informações, propostas de questões a convidados, etc.);
D2) - Essa atividade estava parametrizada pelas necessidades do serviço e do tempo definido, estando o prestador da atividade inserido na equipa de conteúdos da beneficiária da atividade, coordenada por RR..., a quem reportava as ausências;
D3) - Utilizava os equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à beneficiária da atividade, nomeadamente uma secretária, um computador, telefone, bem como material de escritório variado;
D4) - Permanecia diariamente nas instalações da beneficiária da atividade entre as 11 horas e as 18 horas, à exceção da 5.' feira (dia da gravação do programa) em que normalmente saía à meia-noite/ 1h e da 6.a feira em que só ia à tarde;
D5) - Laborava para a beneficiária da atividade desde Setembro de 2016, tendo assinado para o efeito contrato de prestação de serviços;
D6) - Nas suas deslocações em serviço, quando necessário, a RRR, S.A., pagava as despesas inerentes;
D7) - Possuía um endereço de correio eletrónico atribuído pela beneficiária da atividade
D8) - Participava em reuniões de equipa, semanais, com a equipa de conteúdos da beneficiária da atividade, para planeamento, à 6.a feira;
D9) - Recebia da beneficiária da atividade, com periodicidade mensal, uma quantia certa no valor de € 325,00, por cada programa, equivalendo a uma remuneração média mensal no valor de € 1.400,00.
E) - A ACT procedeu à notificação da beneficiária da atividade, para os efeitos previstos no art.° 15.°-A, n.° 1, parte final, da Lei n.° 107/2009 de 14/09, aditado pelo art.° 4.° da Lei n.° 63/2013 de 27/08, nos termos expressos no ofício cuja cópia consta de fls. 13 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
F) - A beneficiária da atividade respondeu à notificação, referida em E), nos termos expressos na carta cuja cópia consta de fls. 33 a 36 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
F - CONTRATOS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - SUA ALEGAÇÃO E INTEGRAÇÃO NA FACTUALIDADE DADA COMO PROVADA
A Ré vem ainda requerer que sejam aditados os pontos seguintes ao D5), fazendo-o nos seguintes moldes:
«a) A Ré e FRS... celebraram um contrato, intitulado de prestação de serviços, em 6 de Outubro de 2016, com início nesta data e termo a 31 de Dezembro, por via do qual FRS... passou a (co)laborar com aquela - adaptação do artigo 154.° da contestação 120] comprovado pelo contrato de prestação de serviços junto aos autos;
b) Este contrato teve como objeto a prestação do serviço de conteúdos e de convidados para o programa «5 para a meia-noite» - artigo 157.° da contestação [21] comprovado pelo contrato de prestação de serviços junto aos autos;
c) Por aditamento celebrado entre a Ré e FRS... em 30 de Dezembro de 2016, o referido contrato foi renovado pelo prazo de 7 meses, com início em 1 de Janeiro de 2017 e termo a 31 de Julho de 2017;
d) A Ré e FRS... celebraram um contrato, intitulado de prestação de serviços, em 11 de Setembro de 2017, com início em 4 de Setembro de 2017 e termo a 31 de Dezembro de 2017;
e) A Ré e FRS... celebraram um contrato, intitulado de prestação de serviços, em 18 de Dezembro de 2017, com início em 18 de Dezembro de 2017 e termo a 1 de Janeiro de 2018;
I) A Ré e FRS... celebraram um contrato, intitulado de prestação de serviços, em 18 de Dezembro de 2017, com início em 1 de Janeiro de 2018 e termo a 30 de Junho de 2018;
g) Por aditamento celebrado entre a Ré e FRS... em 11 de Julho de 2018, este último contrato foi renovado pelo prazo de 1 mês, com inicio em 1 de Julho de 2018 e termo a 31 de Julho de 2018;
h) A Ré e FRS... celebraram um contrato, intitulado de prestação de serviços, em 30 de Agosto de 2018, com início nesta data e termo a 31 de Dezembro de 2018;
i) Todos os contratos celebrados tiveram como objeto a prestação do serviço de conteúdos e de convidados para o programa ff 5 para a meia-noite», com exceção do contrato referido em e), cujo objeto foi a prestação do serviço de conteúdos e de convidados para o programa «5 para a meia-noite» - Volta ao mundo 2017/2018, Especial fim de ano - todos resultantes dos documentos/contratos juntos aos autos; (...)»
Ora, se tivermos em atenção o alegado no artigo 11.° da PI - «Com efeito, embora sob a capa de contrato de prestação de serviços, o contrato celebrado entre a Ré e o trabalhador FRS..., na realidade, foi concebido, desde o seu início, como um verdadeiro contrato de trabalho» - e nos artigos 154.° e 157.° da contestação, antes reproduzidos em nota de
pé de página, assim como ao documento junto a fls. 254 e 255 e que, com o título de «Contrato de prestação de serviço - colaboração em programas ou conteúdos audiovisuais e/ ou radiofónicos [comentário: prestações artísticas (artistas, intérpretes e executantes)]» e com data de 06/10/2016, se mostra assinado pela Ré e por FRS..., ainda podemos admitir a alteração proposta e constante das alíneas a) c b).
Já no que toca às demais alíneas sugeridas - c) a i) -, tal não pode acontecer, pois inexistem factos alegados pelas partes que os suportem e é sabido que a mera apresentação dos documentos não substitui a articulação mínima dos factos a que esses documentos respeitam.
Logo, defere-se parcialmente a presente impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto, ordenando-se a modificação do Subponto D5), que, nessa medida, passará a ter a seguinte redação:
D5) - Laborava para a beneficiária da atividade desde 6 de Outubro de 2016, tendo assinado, para o efeito, com ela, um contrato intitulado de prestação de serviços, com início naquela mesma data e termo a 31 de Dezembro de 2016 e cujo objeto era o de prestação do serviço de conteúdos e de convidados para o programa «5 para a meia-noite»;
G - EXPRESSA MENÇÃO DOS FACTOS NÃO PROVADOS
Importa realçar que, nos presentes autos, numa aplicação do regime do NCPC ¬que, ao contrário da versão do CPT em vigor até 9/10/2019, que previa ainda a separação cntrc os dois momentos decisórios, determinava c determina a congregação num só ato do julgamento de facto e de direito -, cumulou-se, em termos espaciais e temporais, na decisão recorrida, a Decisão sobre a Matéria de Facto, a respetiva motivação c a prolação da sentença propriamcntc dita, com a interpretação e aplicação do direito à Factualidade dada corno Provada.
Ora, se na Fundamentação de Facto foram dados como assentes pelo tribunal da 1.a instância 14 Pontos de Facto (considerando o desdobramento por nós efetuado da alínea D) em nove pontos], verifica-se que, quanto aos factos não provados, nenhum, foi expressamente identificado, lendo-se, a esse respeito e no último parágrafo desse despacho o seguinte:
- FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram quaisquer outros factos, constantes da petição inicial ou da contestação, com interesse para a decisão da causa.». (sublinhado nosso a negrito)
Realce-se, aliás, a esse respeito, o que em sede de Motivação da Decisão Fáctica afirma o tribunal recorrido:
`2 - DOS FACTOS NÃO PROVADOS
Não se consideraram provados quaisquer outros factos, em virtude de não ter sido produzida prova bastante, por quem tinha o respetivo ónus, sobre a sua ocorrência (art.° 342. °, n.° 1, do Cód. Civil), sendo que, a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita (art.° 414.° do CPC).»
Salvo melhor opinião, não se trata de um capricho formalista deste tribunal da 2.' instância (anulado, aliás, pelo disposto no artigo 218.° do NCPC), que surge em contramão ou à revelia da interpretação do regime constante do artigo 662.° do NCPC que faz a nossa melhor doutrina, dado entendermos que, dentro dos limites da razoabilidade, honestidade e boa-fé funcionais, há que separar, com nitidez, as atribuições que recaem sobre o juiz da 1.' instância ao nível da fundamentação fáctica das suas decisões daquelas competências, necessariamente mais restritas, específicas e reguladas e condicionadas por regras jurídicas próprias, que nessa mesma matéria possuem as relações, sob pena destas últimas, para além de terem de fazer o seu trabalho, se acharem na obrigação de fazer aquele que os tribunais de comarca têm o dever de realizar mas que, por várias razões que não vêm ao caso, não concretizam devida e/ou corretamente.
A factualidade dada como assente e não assente, assim como a restante matéria conclusiva, jurídica, instrumental ou inócua, é apurada, em primeira linha e obrigatoriamente, pelos tribunais da 1. instância, sob pena de não o fazendo, impossibilitarem um completo, seguro e necessário conhecimento (e julgamento) por parte das diversas entidades anteriormente referenciadas do litígio concreto em discussão na ação.
Admitir a fixação total ou parcial dos factos provados e não provados pelos tribunais da relação é violar, de uma forma sub-reptícia, a exigência constitucional da existência de um duplo grau de jurisdição, nessa vertente fáctica dos pleitos trazidos a juízo.
Logo, da simples leitura de tal despacho e da inerente Motivação, parece resultar que os factos dados como provados foram todos os alegados pelas partes nos seus articulados e com relevância para o litígio dos autos, em função das diversas soluções plausíveis de direito.
Mas tal não corresponde, factualmente, à realidade que emerge dos autos, conforme ressalta com clareza das alegações de recurso da Ré e da conjugação que deve ser feita com a contestação da mesma, dado se concluir que, afinal, existem outros factos invocados pela Ré que, simplesmente, estão omissos na Decisão sobre a Matéria de Facto.
Impõe-se recordar aqui o que estatui, a este respeito, o artigo 607.° do NCPC (também sublinhado nosso):
Artigo 607.°
Sentença
1 - Encerrada a audiência final, o processo é concluso ao juiz, para ser proferida sentença no prazo de 30 dias; se não se julgar suficientemente esclarecido, o juiz pode ordenar a reabertura da audiência, ouvindo as pessoas que entender e ordenando as demais diligências necessárias.
2 - A sentença começa por identificar as partes e o objeto do litígio, enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre solucionar.
3 - Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
4 - Na fundamentação da sentenca, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
5 - O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
6 - No final da sentença, deve o juiz condenar os responsáveis pelas custas processuais, indicando a proporção da respetiva responsabilidade.
O tribunal recorrido encontrava-se assim juridicamente obrigado a discriminar os factos que considerou não terem sido demonstrados pelas partes, em função dos diversos elementos probatórios produzidos na ação, de maneira a permitir aos litigantes (Ministério Público e Ré e seus mandatários) e depois aos membros do coletivo deste Tribunal da Relação de Lisboa (ou ao seu relator, no caso de proferição de Decisão Sumária que não seja objeto de reclamação para Conferência) e aos juízes conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça ou do Tribunal Constitucional se debruçarem e analisarem, com rigor, objetividade e certeza, toda a factualidade considerada nos autos, quer na sua vertente positiva, como negativa.
H - ARECT E PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE
Movemo-nos, convirá não esquecê-lo, no âmbito de uma ação de reconhecimento da existência de um contrato de trabalho, com processo especial e natureza urgente, previsto e regulado nos artigos 26.°, números 1, alínea i) e 6 e 186.°-K a 186.°-R do CPT/2009, que se reconduz a uma ação de mera apreciação positiva (artigo 10.°, números 2 e 3, alínea a) do NCPC) que visa obter o reconhecimento e a declaração da natureza laborai de um determinado vínculo jurídico-profissional a partir da data do seu começo ou daquela que se lograr demonstrar nos autos, beneficiando o apuramento de tal realidade da presunção constante do artigo 12.° do CT/2009 em todas as situações que se tenham iniciado no dia 17/2/2009 ou em data posterior.
Essa presunção de laboralidade conhece hoje, no artigo 12.° do Código de Trabalho de 2009, a seguinte previsão legal:
Artigo 12.°
Presunção de contrato de trabalho
1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade;
c) O prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de atividade desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgãnica da empresa.
2 - Constitui contraordenação muito grave imputável ao empregador a prestação de atividade, por forma aparentemente autónoma, em condições características de contrato de trabalho, que possa causar prejuízo ao trabalhador ou ao Estado.
3 - Em caso de reincidência, é aplicada a sanção acessória de privação do direito a subsídio ou beneficio outorgado por entidade ou serviço público, por período até dois anos.
4 - Pelo pagamento da coima, são solidariamente responsáveis o empregador, as sociedades que com este se encontrem em relações de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, bem como o gerente, administrador ou diretor, nas condições a que se referem o artigo 334.° e o n.° 2 do artigo 335.0
A nossa doutrina e jurisprudência estão essencialmente de acordo quanto ao facto de se tratar de uma presunção legal ilidível, que implica a inversão do ónus da prova no que toca à demonstração da existência de um contrato de trabalho, cabendo unicamente ao trabalhador (no caso da ARECT, ao magistrado do Ministério Público, como Autor de tal ação especial) a alegação e posterior demonstração cumulativa de dois ou mais dos elementos, índices ou características elencadas nas diversas alíneas do número 1 do artigo 12.° do C.T./2009 1271 para fazer funcionar a mesma, muito embora sem prejuízo da possibilidade da Ré alegar e demonstrar, por seu turno e concomitantemente, factos que, não obstante o preenchimento formal de duas ou mais dessas alíneas, consigam contraditar e afastar essa presunção de laboralidade.
JOÃO LEAL AMADO, acerca de tal «presunção de laboralidade», afirma o seguinte:
«O novo art.° 12.° do CT não é, naturalmente, uma norma perfeita e isenta de críticas. Mas penso que, à terceira tentativa, o legislador finalmente acabou por estabelecer uma «presunção de laboralidade» com algum sentido útil. A lei seleciona um determinado conjunto de elementos indiciários, considerando que a verificação de alguns deles (dois?) bastará para a inferência da subordinação jurídica. Assim sendo, a tarefa probatória do prestador de atividade resulta consideravelmente facilitada. Doravante, provando o prestador que, in casu, se verificam algumas daquelas características, a lei presume que haverá um contrato de trabalho, cabendo à contraparte fazer prova em contrário. Assim, provando-se, p. ex., que a atividade é realizada em local pertencente ao respetivo beneficiário e nos termos de um horário determinado por este, ou provando-se que os instrumentos de trabalho pertencem ao beneficiário da atividade, o qual paga uma retribuição certa ao prestador da mesma, logo a lei presume a existência de um contrato de trabalho. Tratando-se de uma presunção juris tantum (art.° 350.° do C. Civil), nada impede o beneficiário da atividade de ilidir essa presunção, demonstrando que, a despeito de se verificarem aquelas circunstâncias, as partes não celebraram qualquer contrato de trabalho. Mas, claro, o onus probandi passa a ser seu (dir-se-ia que a bola passa a estar do seu lado), pelo que, não sendo a presunção ilidida, o tribunal qualificará aquele contrato como um contrato de trabalho, gerador de uma relação de trabalho subordinado.
Pelo exposto, também para o julgador esta presunção reduz a complexidade da valoração a empreender, dado que, pelo menos num primeiro momento, ele poderá concentrar-se nos dados que integram a presunção, circunscrevendo a base factual da sua apreciação. De certa forma, esta presunção representa uma simplificação do método indiciário tradicional, visto que, como ponto de partida, ela dispensa o intérprete de proceder a uma valoração global de todas as características pertinentes para a formulação de um juízo conclusivo sobre a subordinação»
Acerca das presunções legais, RUI MANUEL DE FREITAS RANGEL, afirma o seguinte (páginas 219 a 221): Dentro da categoria geral das presunções é possível distinguir entre as presunções legais ou de direito e as presunções naturais, judiciais ou de facto que também se designam simples ou hominis. (...)
As presunções legais ou de direito são as que decorrem da própria lei, ou seja, é na norma legal que, verificado determinado facto, dá como provado um outro facto33.
Nas presunções legais, como já dissemos, o princípio da livre apreciação da prova, isto é, a liberdade de apreciação do julgador, fica, de certa forma, comprometida, como iremos demonstrara mais à frente.
O art.° 350.0, n. °s 1 e 2 do C. Civil que trata das presunções legais, estabelece que, quem tem a seu favor tal presunção escusa de provar o facto a que ele conduz (n.° 1), e que estas podem ser ilididas mediante prova em contrário, exceto nos casos em que a lei o proibir (n.° 2) - cfr. com os art. °s 2517.° e 2518. °, do Código de Seabra; art. °s 1350.° e 1352.0, do Código Civil Francês; e art.° 2728.° do Código Civil Italiano).
Estas, como se sabe, se admitem prova do contrário, isto é, se podem ser ilididas, denominam-se relativas ou iuris tantum. As que não admitem. prova do contrário são in.ilidíveis, isto é, não podem ser afastadas e, por isso, são absolutas ou iuris et de fure.
Resulta assim, do art.° 350, n.° 1 do Código Civil que, havendo uma presunção legal, provar o facto que serve de base à presunção equivale a provar o facto presumido. Daí que sempre que exista uma presunção legal a favor da pretensão de alguma das partes em litígio, incumbe a essa parte apenas alegar e provar o facto que serve de base à presunção. À contraparte incumbe, se pretender destruir a prova feita através de prova da presunção, fazer a prova do contrário ou do facto que serve de base à presunção legal ou do próprio facto presumido. Se a parte contrária conseguir demonstrar uma das duas situações enumeradas, compete à parte favorecida com a presunção legal o ónus da prova de rebater essa prova do contrário.
Consequentemente quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto que a ela conduz, embora tenha sempre de provar o facto que conduz, na expressão de Antunes Varela e outros a fonte da presunção, podendo no preenchimento desse ónus recuado a parte socorrer-se de qualquer dos procedimentos probatórios previstos na lei processual.
Segundo Miguel Teixeira de Sousa, a eventual dificuldade de prova não justifica, em si mesmo, fundamento para se operar a inversão do ónus probandi; o direito positivo está atento a esta dificuldade e foi por isso que tentou preveni-la por uma de duas soluções legislativas, ou através do estabelecimento de presunções legais com dispensa da prova dos factos presumidos (art.° 350.0, n.° 1 do Código Civil) o que, normalmente, se traduz num beneficio para a parte onerada com a prova do facto presumido, ou, ainda, na permissão do julgamento segundo a equidade, design.a.dam.ente, em situações em que a prova é difícil ou impossível.
Todavia, se o ónus da prova se inverte, esse ónus não acompanha os ónus de alegação uma vez que a prova não compete à parte favorecida com a demonstração do facto e onerada com a sua alegação, mas sim à parte que pode beneficiar do facto contrário»
Logo, tendo como pano de fundo o quadro legal indicado e a interpretação que dele faz a nossa doutrina, há que apurar, por um lado, se, no caso dos autos foram preenchidos, pelo menos, dois desses elementos de facto indiciários de uma relação de índole laborai - dado a relação jurídico-profissional relativa a FRS... ter sido firmada, segundo a factualidade dada como assente no Ponto D5), em setembro de 2016, muito embora, segundo os documentos juntos, nos pareça que tal aconteceu realmente em 6 de outubro de 2016 -, e, por outro, se a Ré, não obstante tal preenchimento aparente ou formal desses dois ou mais índices de laboralidade, logra contrariar essa presunção de laboralidade e demonstrar, ao invés, que o tipo de vínculo jurídico-profissional em causa não se reconduz, afinal, a um contrato de trabalho ou que é também compatível com um distinto quadro negociai, que não é reconduzível ou configurável como laborai.
Tal significa que não basta ao autor alegar e provar os factos tendentes a fazer funcionar a referida presunção de laboralidade prevista no artigo 12.° do CT/2009 para a obtenção da referida declaração jurídica de existência do contrato de trabalho, mas se impõe também que o réu não consiga ilidir a mesma com o conjunto de factos que igualmente venha alegar e demonstrar nos autos e que sejam suscetíveis de fazer inquinar o mencionado funcionamento da dita presunção.
F - SITUAÇÃO CONCRETA VIVIDA NOS AUTOS
A Apelante defende, desde logo, que «VII. Com base nos depoimentos prestados pelas supra referidas testemunhas e por se afigurarem relevantes para a boa decisão da causa, devem os seguintes factos (alegados nos artigos que adiante se indicam da Contestação) ser aditados:
m) FRS... não estava sujeito a um horário de trabalho determinado pela Ré, tendo de assegurar a atividade contratada nas instalações da Ré em função das necessidades editoriais e programáticas do programa «5 para a meia-noite» - adaptação dos artigos 176.°, 177.° e 181.° da contestação [34] comprovados pela prova testemunhal indicada;
n) FRS... não era sujeito a um controlo de pontualidade, nem de assiduidade por parte da Ré, não tendo a obrigação de justificar situações de ausências ao serviço - adaptação dos artigos 187.° a 190.° da contestação [35) comprovados pela prova testemunhal indicada».
Essa mesma recorrente vem sustentar a modificação dos factos dados como assentes em algumas das subalíneas do Ponto D) com base em diversos artigos da sua contestação que igualmente se acham transcritos em diversas notas de pé de página, com complemento da impugnação recursória levada a cabo pela RRR, SA.
Se olharmos para os termos em que o pleito dos autos está delineado, deparamo-nos com uma relação jurídica entre a Ré e FRS..., que o Ministério Público qualifica como sendo fundada num contrato de trabalho ao passo que a segunda a radica em múltiplos contratos de prestação de serviços que se sucederam ao longo do tempo, alegando cada uma das partes os factos que julgam relevantes para esse efeito e que já tivemos oportunidade de transcrever em Ponto anterior.
Ora, se assim é, não pode haver dúvidas quanto à legitimidade processual da aqui demandada e recorrente, por força da pertinência substantiva dos mesmos, em articular na sua contestação/alegações de recurso e pretender ver esses factos discutidos e provados por este tribunal da 2.a instância, em sede da impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto que constitui a primeira vertente da presente Apelação da Ré, dado os mesmos não terem merecido uma resposta expressa por parte do tribunal da 1.a instância.
Perante os termos da decisão, não é claro se o tribunal a quo os reputou de provados, ou não provados, ou se simplesmente omitiu decisão por os considerar irrelevantes ou conclusivos.
Logo, esse conjunto de factos que foram alegados pela aqui recorrente na sua contestação devem ter uma clara e objetiva discriminação em sede da Decisão sobre a Matéria de Facto dada como Provada ou não Provada.
Com esse fim, poderá o Tribunal do Trabalho de Lisboa determinar a prévia reabertura da Audiência Final, se assim o entender necessário, com vista à produção de prova complementar sobre os mesmos para efeitos da sua devida consideração e ponderação (dado poder retirar-se do excerto que antes reproduzimos que só os factos dados como provados - e que se mostram acima transcritos em sede da Fundamentação de Facto - terão sido, para o tribunal da I.' instância, considerados relevantes segundo as diversas soluções plausíveis de direito).
G - ANULAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
Chegados aqui e constatando-se, por um lado, que o tribunal da 1. instância não emitiu decisão expressa sobre os factos articulados pela Ré e agora identificados em sede da sua impugnação recursória de cariz factual e, por outro, que, devendo, formalmente, a matéria de facto dada como não provada dever ter sido toda identificada e autonomizada em moldes semelhantes ao da Factualidade dada como Assente, tal obrigação adjetiva não foi cumprida, o cenário exposto impõe que cstc tribunal da 2.' instância lance mão do mecanismo processual constante do artigo 662.°, número 2, alínea c) do NCPC e anule a Decisão sobre a Matéria da Facto e, consequentemente, a sentença recorrida.
Tal anulação visa a ampliação de tal Decisão sobre a Matéria de Facto, com eventual reabertura da Audiência Final, nos moldes antes expostos, pelo Tribunal do Trabalho de Lisboa e a inerente produção de prova complementar com referência aos factos constantes dos artigos da contestação da Ré e que foram objeto da sua impugnação fáctica, de maneira a que sobre eles incida as devidas consideração e ponderação por banda do tribunal recorrido, tudo sem prejuízo do estatuído no artigo 72.° ou na alínea c) do número 3 do artigo 662.° do NCPC, sendo oportuna e devidamente elencados todos os factos considerados provados e não provados, no seu todo ou em parte, por referência aqueles que foram articulados ou que resultaram da discussão da causa (artigo 72.° do CPT), bem como exarada a correspondente motivação quanto aos mesmos.
A atuação futura do tribunal da 1.' instância assim como das partes, no quadro dos autos, não deverá olvidar o que foi já decidido por este Tribunal da Relação de Lisboa nos Pontos E) e F) da fundamentação do presente Aresto.
IV - DECISÃO
Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.° do Código do Processo do Trabalho e 662.° do Novo Código de Processo Civil, acorda-se neste Tribunal da Relação de Lisboa no seguinte:
a) Em julgar parcialmente procedente a impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto deduzida pela RRR..., SA, com a inerente alteração da redação das subalíneas D2), D5), D7), D8) e D9) da Factualidade dada como Assente;
b) Em determinar a modificação oficiosa das alíneas C), D), E) e F) da Factualidade dada como Assente, nos termos do número 1 do artigo 662.° do NCPC;
c) Em anular a Decisão sobre a Matéria da Facto na parte restante e, consequentemente, a sentença recorrida, com vista ao tribunal da 1.»- instância proceder nos moldes anteriormente definidos na fundamentação do presente Aresto.
Sem custas - artigo 527.°, n.° 1 do Novo Código do Processo Civil.
Registe e notifique.
Lisboa, 23 de outubro de 2019
José Eduardo Sapateiro
Alves Duarte
Maria José Costa Pinto
Sumário
I - Não obstante entendermos que da leitura dos factos em questão resulta com suficiente clareza o alcance e sentido do seu texto, apesar da utilização das duas referidas menções a trabalhador e empregadora, achamos preferível, na situação concreta vivida nos autos, substituir tais expressões por outras relativamente mais neutras e inócuas como as de «prestador da atividade» e «beneficiário da atividade».
II - No que toca às demais alíneas sugeridas pela Ré, as mesmas não podem ser aditadas à Factualidade dada como Provada, pois inexistem factos alegados pelas partes que os suportem e é sabido que a mera apresentação dos documentos não substitui a articulação mínima dos factos a que esses documentos respeitam.
III - O tribunal recorrido encontrava-se juridicamente obrigado a discriminar os factos que considerou não terem sido demonstrados pelas partes, em função dos diversos elementos probatórios produzidos na ação, de maneira a permitir aos litigantes (Ministério Público e Ré e seus mandatários) e depois aos membros do coletivo deste Tribunal da Relação de Lisboa (ou ao seu relator, no caso de proferição de Decisão Sumária que não seja objeto de reclamação para Conferência) e aos juízes conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça ou do Tribunal Constitucional se debruçarem e analisarem, com rigor, objetividade e certeza, toda a factualidade considerada nos autos, quer na sua vertente positiva, como negativa.
IV - A factualidade dada como assente e não assente, assim como a restante matéria conclusiva, jurídica, instrumental ou inócua, é apurada, em primeira linha e obrigatoriamente, pelos tribunais da 1. a instância, sob pena de não o fazendo, impossibilitarem um completo, seguro e necessário conhecimento (e julgamento) por parte das diversas entidades anteriormente referenciadas do litígio
concreto em discussão na ação; admitir a fixação total ou parcial dos factos provados e não provados pelos tribunais da relação é violar, de uma forma sub-reptícia, a exigência constitucional da existência de um duplo grau de jurisdição, nessa vertente fáctica dos pleitos trazidos a juízo.
V - Movemo-nos no âmbito de uma ação de reconhecimento da existência de um contrato de trabalho, com processo especial e natureza urgente, previsto e regulado nos artigos 26.°, números 1, alinea i) e 6 e 186.º)-K a 186.º-R do CPT/2009, que se reconduz a uma ação de mera apreciação positiva (artigo 10.°, números 2 e 3, alínea a) do NCPC) que visa obter o reconhecimento e a declaração da natureza laboral de um determinado vínculo jurídico-profissional a partir da data do seu começo ou daquela que se lograr demonstrar nos autos, beneficiando o apuramento de tal realidade da presunção constante do artigo 12.° do CT/2009 em todas as situações que se tenham iniciado no dia 17/2/2009 ou em data posterior.
VI - Para a obtenção da declaração jurídica de existência do contrato de trabalho, não basta ao autor alegar e provar os factos tendentes a fazer funcionar a referida presunção de laboralidade prevista no artigo 12.° do CT/2009, mas importa também que o réu não consiga ilidir a mesma com os factos que igualmente venha alegar e demonstrar nos autos e que sejam suscetíveis de fazer inquinar o mencionado funcionamento da dita presunção.
VII - Os factos que foram alegados pela recorrente na sua contestação e que, em seu entender, deveriam ter sido dados como assentes pelo tribunal da 1.a instância podem não impor apenas a sua discriminação expressa em sede da Decisão sobre a Matéria de Facto dada como Provada, na parte da Factualidade dada como Não Assente, como, pela sua relevância factual e jurídica, são ainda suscetíveis de eventualmente implicar também à prévia reabertura por parte do Tribunal do Trabalho de Lisboa da Audiência Final, se ele assim o entender, com vista à produção de prova complementar por Autor e Ré e oficiosamente pelo próprio julgador, para efeitos das suas devidas consideração e ponderação, pois os mesmos não mereceram uma expressa e necessária pronúncia por banda do tribunal da 1.a instância.
VIII - Há, assim, que determinar a anulação da Decisão sobre a Matéria de Facto ao abrigo do número 2, alínea c), do artigo 662.° do NCPC, com vista à ampliação da matéria de facto, traduzida, pelo menos, na elencagem de todos os factos considerados como não provados, no seu todo ou em parte.
José Eduardo Sapateiro