Sumário (da responsabilidade da Relatora) : A adequação do meio processual utilizado pelo autor deve ser aferida face ao pedido efectivamente formulado na petição inicial.
Proc. 14310/22.2T8LSB.L1 4ª Secção
Desembargadores: Francisca da Mata Mendes - Alves Duarte - Leopoldo Soares -
Sumário elaborado por Carolina Costa
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Acórdão
Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa :
1-Relatório
O Sindicato dos Trabalhadores do Grupo AAA, instaurou a presente especial de interpretação de cláusulas de convenções colectivas contra BBB, S.A., CCC, DDD, S.A., EEE, FFF, GGG, HHH, III, JJJ, KKK, LLL, MMM, NNN, OOO e PPP, pedindo que seja interpretado o ponto 6 do Protocolo 2018 do Acordo Colectivo de Trabalho da BBB, publicado no BTE n.° 00 de 00/00/2018 que consigna o seguinte: 6 — Incrementar a retribuição dos trabalhadores no activo com vencimentos base inferiores a 3.000,00E, entre 10,006 e 25, 00€ nos seguintes termos:
a. A interpretação de mencionado o ponto 6 do Protocolo 2018 do Acordo Coletivo de Trabalho da BBB, publicado no BTE n.° 00 de 00/00/2018, deverá ser realizada no sentido de que o incrementar a retribuição dos trabalhadores do activo tem o mesmo âmbito e efeitos que uma actualização salarial dos trabalhadores no activo;
b. E que os trabalhadores no activo com vencimentos base inferiores a 3.000,00e têm direito a atualizações salariais entre 10,00e e 25,00e
c. Para quaisquer efeitos, o mencionado incremento da retribuição dos trabalhadores no activo corresponde a uma actualização salarial dos trabalhadores no activo.
O Autor fundamentou a sua pretensão, alegando:
«1°
Foi publicado no BTE n.° 29 de 08/08/2018 o Acordo Colectivo da BBB o qual foi subscrito pelo Autor e por todos os R.R., acima identificados, conforme cópia do Boletim do Trabalho e Emprego que se anexa.
2°
Para além do A. e dos R.R. acima identificados o ACT foi também outorgado pelo Sindicato Português dos QQQ, sindicato este que foi extinto, sendo esta decisão de extinção publicada no BTE no 00 de 00/00/2021.
3.
Nos pontos 6 e 7 do Protocolo 2018 do ACT da BBB, identificado no artigo anterior e que integra este ACT, a folhas 2784 do BTE referido, as entidades empregadoras, ora 1' a 6' R.R., e as associações sindicais, 7a a 18' R.R., bem o Autor acordaram o seguinte relativamente a aumentos das retribuições dos trabalhadores no ativo:
6 — Incrementar a retribuição dos trabalhadores no activo com vencimentos base inferiores a 3.000,00€, entre 10,00€ e 25,00€.
7 — Manter sem actualização os valores da tabela de remunerações mínimas, constante do anexo IV do presente ACT, sem prejuízo da alteração decorrente da actualização do salário mínimo nacional.
4°
Ou seja, aquele incremento de retribuição dos trabalhadores do activo teve carácter geral e universal, para todos os trabalhadores que aufiram vencimentos base inferiores a 3.000,00€.
5°
Apesar de formalmente ter sido estabelecido no Protocolo que se mantinham sem actualizações os valores da tabela de remunerações mínimas, constante do anexo IV do ACT, efetivamente verificaram-se atualizações salariais dos trabalhadores do ativo, conforme alegado no artigo anterior.
6°
Aliás, a AAA, Grupo a que pertencem as ia a 6' R. R., divulgou amplamente na comunicação social que se verificaram aumentos salariais em 2018 na AAA, entre 1/prct. e 4/prct., conforme se exemplifica com os documentos que se juntam. (doc.1 a 4)
7º
E, segundo anunciou na comunicação social, tais aumentos salariais começarem nos 4/prct. para aqueles colaboradores que têm salários mais baixos e que, em média, chegam, para a maioria dos colaboradores, próximo do 1/prct. em termos médios. (doc. 1 a 4)
8°
Em termos concretos a R. efetuou as seguintes atualizações salariais: -Salários até 800€ inclusive, aumento de 25€.
-Salários a partir de 801€ até 1000€ inclusive, aumento de 20€.
-Salários a partir de 1001€ até 1500€ inclusive, aumento de 15€.
-Salários a partir de 1500 até 3000€ inclusive, aumento de 10€. (de 3001 a 3009 euros passa para 3010)
-Salários acima de 3010€ inclusive, sem atualização.
9º
Sucede que as 1ª a 6ª R.R. não interpretam o Incrementar a retribuição dos trabalhadores no activo com vencimentos base inferiores a 3.000,00€, entre 10,00€ e 25,00€, que consta do Ponto 6 do Protocolo 2018 do ACT da BBB, acima mencionado no artigo 2° desta p.i., como sendo uma efetiva actualização salarial dos trabalhadores do activo.
10°
Ou seja, por constar do Ponto 7 do Protocolo 2018 do ACT da BBB, acima mencionado no artigo 2° desta p.i. que se mantém sem actualização os valores da tabela de remunerações mínimas, constante do anexo IV do ACT de 2018, as 1ª a 6ª R.R. concluem que não se verificaram face ao ACT em causa quaisquer atualizações dos trabalhadores no ativo.
11°
Ora efetivamente o consignado no ponto Ponto 6 do Protocolo 2018 do ACT da BBB, acima mencionado no artigo 2° desta p.i., consagrou uma actualização salarial dos trabalhadores do ativo, concretizada nos termos do artigo 7° desta p.i..
12°
A interpretação realizada pelas mencionadas R.R. empregadoras do Ponto 6 do Protocolo 2018 do ACT da BBB, no sentido de que não existiram atualizações salariais dos trabalhadores do ativo não corresponde, ao que foi literalmente consagrado.
13°
Ora a interpretação das R.R de que não existiram atualizações salariais dos trabalhadores no ativo, face ao Protocolo citado do ACT de 2018, tem implicações jurídicas.
14°
Designadamente para com trabalhadores das P a C R.R. que se encontram em situação de suspensão de contratos de trabalho e em pré-reforma, nos quais se encontra consignado que os montantes da prestação serão atualizados anualmente, simultaneamente com a atualização salarial dos trabalhadores do ativo e com base na aplicação do valor percentual idêntico ao que vier a ser fixado, em termos médios, para a tabela salarial dos mesmos.
15°
Pois as 1ª a 6ª R.R., com base na interpretação dos Pontos 6 e 7 do Protocolo 2018 do ACT da BBB, não atualizaram as prestações de pré-reforma e de suspensão de contrato dos seus trabalhadores, pois consideram que não existiram atualizações salariais dos trabalhadores do activo.
16°
Houve trabalhadores pré-reformados que instauraram ações individuais a quem foi reconhecido o direito à atualização da sua prestação de pré-reforma como foi o caso de ARCJ a quem foi reconhecido por sentença, proferida no Juiz 7 deste Tribunal, no processo no 0000/19.1T8LSB o direito à atualização da respetiva prestação de pré-reforma por aquele auferida nos mesmos termos dos pontos 6 e 7 do Protocolo 2018 do ACT da BBB. (doc. 5)»
Pela Exma Juiz a quo foi proferido a seguinte decisão :
« Resulta do artigo 183°, n.° 1, do Código de Processo de Trabalho que, [Nas acções respeitantes à anulação e interpretação de cláusulas de convenções colectivas de trabalho, deve o autor, na petição inicial, identificar todas as entidades outorgantes e expor os fundamentos da sua pretensão.
Para que se possa recorrer a esta forma de processo especial é necessário que cláusula do instrumento de regulamentação colectiva esteja em desconformidade com a lei ou que a sua interpretação seja dúbia.
Como resulta do artigo 4° do Código de Processo de 'Trabalho, as associações sindicais e as associações de empregadores outorgantes de convenções colectivas de trabalho, bem como os trabalhadores e os empregadores directamente interessados, são partes legítimas nas acções respeitantes à anulação e interpretação de cláusulas daquelas convenções.
No caso resulta que o autor, pretende obter com esta acção é a actualização dos vencimentos dos trabalhadores no activo inferiores a € 3.000,00 de € 10,00 e € 25,00.
A acção a que o autor se refere e junta a sentença aos autos procedeu à interpretação da cláusula 4.ª contida no acordo celebrado entre o aí autor e ré.
O autor, em rigor, não põe em crise a validade ou interpretação do referido Protocolo mas pretende que o Tribunal decrete a sua aplicação em concreto aos trabalhadores.
O que o Sindicato pretende é a pronúncia do Tribunal sobre os aumentos salariais de vencimentos inferiores a € 3.000,00, que conclua pela sua aplicação em concreto.
Assim e porquanto não estamos perante uma situação de validade ou interpretação de cláusulas de convenções colectivas a pretensão do autor apenas podia e pode ser apreciada no processo comum, com a apresentação de uma petição e demais termos regulados nos arts. 54° e ss. CPT e relativamente aos trabalhadores identificados em concreto.
Houve, pois, erro na forma do processo.
Dispõe o art. 193° CPC, o erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei (n.° 1). Por seu turno o n.° 2 estabelece que não devem porém, aproveitar-se os actos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu.
No caso subscrevemos a opinião, que o erro cometido não permite o aproveitamento de qualquer acto do processo. E a esta conclusão chegamos, tendo mesmo presente que a partir da apresentação das alegações/articulados pelas partes a acção em apreço segue os termos do processo comum ainda que com algumas especificidades (artigo 185°, n.° 1, CPT).
Contudo, a petição inicial apresentada não contém os requisitos de uma petição inicial porquanto dela não consta, nomeadamente, os casos concretos, um pedido concreto que terá naturalmente de ser formulado em relação a cada um dos trabalhadores que se encontre naquela situação com a alegação dos respectivos factos.
Acresce que o n.° 2 do art. 193° CPC refere que apenas se devem aproveitar os actos já praticados, se desse facto não resultar uma diminuição de garantias do réu.
Nesta conformidade, considerando o disposto no art. 193° n.° 1 e 2 CPC impõe-se que seja declarada a nulidade de todo o processo, excepção dilatória insuprível de conhecimento oficioso (artigos 278.°, n.° 1, al. b) e 557.°, al. b) do CPC) e que nesta fase conduz ao indeferimento liminar da petição inicial.
Nos termos e fundamentos expostos indefiro liminarmente a petição inicial.
Custas a cargo do autor sem prejuízo da isenção que beneficia
Fixo o valor da causa em € 5.000,01 (cinco mil euros e um cêntimo).»
O A. recorreu desta decisão e formulou as seguintes conclusões :
1-O tribunal a quo concluiu, indevidamente, que aquilo que o Autor pretende obter com esta ação é a atualização dos vencimentos dos trabalhadores no ativo inferiores a € 3.000,00.
2-Expressamente consignou que aquilo que o Sindicato pretende é a pronúncia do Tribunal sobre os aumentos salariais de vencimentos inferiores a € 3.000,00, que conclua pela sua aplicação em concreto.
3- Ora as conclusões contidas na douta sentença, ora recorrida, não têm correspondência nem com o alegado pelo Autor, nem com o pedido formulado.
4- O pedido essencial formulado pelo Autor foi no sentido de ser interpretado o ponto 6 do Protocolo 2018 do Acordo Coletivo de Trabalho da BBB, publicado no BTE n.° 00 de 00/00/2018 que consigna o seguinte: Incrementar a retribuição dos trabalhadores no ativo com vencimentos base inferiores a 3.000,00€, entre 10,00€ e 25,00€
5- Devendo a peticionada interpretação ser realizada no sentido de que o incrementar a retribuição dos trabalhadores do ativo tem o mesmo âmbito e efeitos que uma atualização salarial dos trabalhadores no ativo.
6 - O Autor não pede ao tribunal a atualização dos vencimentos dos trabalhadores no ativo, assim como a causa de pedir não é conducente ao pedido de atualização dos vencimentos dos trabalhadores no ativo inferiores a € 3.000,00 de € 10,00 e 25,00.
7 — Como matéria de facto, sujeita a prova, o A. alegou, no artigo 8° da sua p.i., os termos em que a R. BBB deu cumprimento ao incremento da retribuição dos trabalhadores no ativo, com vencimentos base inferiores a 3.000,00€, para auxiliar na interpretação da expressão incrementar a retribuição dos trabalhadores do ativo, porquanto, a mesma é dúbia.
8- Pois para as entidades empregadoras, que subscreveram o mencionado ACT de 2018, tal expressão não é interpretada como uma atualização salarial dos trabalhadores do ativo, enquanto o Autor entende que a mesma deve ser interpretada como se tratando de uma atualização salarial dos trabalhadores no ativo.
9 - A interpretação é tanto mais dúbia e contraditória, porquanto, no ponto 7 do Protocolo 2018 do Acordo Coletivo da BBB publicado no BTE n.° 00 de 00/00/2018, a folhas 2784 do BTE, foi consignado o seguinte: — Manter sem atualização os valores da tabela de remunerações mínimas, constante do anexo IV do presente ACT, sem prejuízo da alteração decorrente da atualização do salário mínimo nacional.
10 - Ou seja, o ACT consigna que é incrementada a retribuição dos trabalhadores do ativo com vencimentos base inferiores a 3.000,00€, entre 10,00€ e 25,00€, por um lado e, por outro, consigna que são mantidas sem atualização os valores da tabela de remunerações mínimas, constante do anexo IV do presente ACT.
11 - Por conseguinte, é desta contradição que se suscitam dívidas de interpretação da expressão incrementar a retribuição dos trabalhadores do ativo, sendo que o Autor considera que a mesma, em termos interpretativos, tem o mesmo sentido que uma atualização salarial dos trabalhadores no ativo.
12 — Contrariamente ao consignado na douta sentença, o Autor não pretende obter quaisquer efeitos individuais para cada um dos trabalhadores no ativo com remunerações inferiores a €3000,00, nem tal resulta do seu pedido.
13- Mas a interpretação da expressão incrementar a retribuição dos trabalhadores do ativo é relevante para outros efeitos.
14- A título de exemplo, se em futura negociação coletiva as entidades empregadoras alegarem que no Acordo Coletivo da BBB publicado no BTE n.° 00 de 00/00/2018 não existiram atualizações salariais dos trabalhadores, tal não corresponde à realidade face ao incremento da retribuição dos trabalhadores do ativo com vencimentos base inferiores a 3.000,00€.
15- Não está sequer em causa discutir quais os valores concretos em que foram incrementadas as retribuições dos trabalhadores do ativo com vencimentos base inferiores a €3.000,00 e também dúvidas interpretativas não há, pela própria redação da norma convencional, que o incremento de retribuição dos trabalhadores do ativo teve carácter geral e universal, para todos os trabalhadores que aufiram vencimentos base inferiores a 3.000,00€.
16 - Não há assim fundamento jurídico para a afirmação, contida na douta sentença, de que ora se recorre, de que o Autor pretende obter a actualização dos vencimentos dos trabalhadores no ativo, com vencimentos inferiores a 3.000,00€, de €10,00 e €25,00.
Terminou, pugnando pela revogação da decisão recorrida e pela continuação dos autos, nos termos do disposto no artigo 184° e seguintes do Código do Processo do Trabalho.
O Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
II- Importa apreciar no âmbito do presente recurso se ocorre erro na forma do processo.
III- Apreciação
Conforme resulta do disposto no art. 193°, n°1 do CPC, o erro na forma do processo configura uma nulidade e tem como consequência «a anulação dos actos que não podem ser aproveitados, devendo praticar-se os actos que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei».
Estatui o art. 183°, n°1 do CPT : « Nas acções respeitantes à anulação e interpretação de cláusulas de convenções colectivas de trabalho, deve o autor, na petição, identificar todas as entidades outorgantes e expor os fundamentos da sua pretensão.»
Os arts. 184° a 186° do CPT regulam os termos posteriores desta forma de processo especial, sem a previsão de despacho liminar.
No caso concreto foi proferido despacho liminar, tendo a decisão recorrida considerado que não tinham sido efectuados os pedidos concretos necessários ao aproveitamento dos actos praticados
Ora, é face ao pedido formulado que deve ser aferida a forma de processo.
O que significa que é relevante, neste domínio, o pedido efectivamente formulado e não, ao contrário do referido na decisão recorrida, o pedido que deveria ter sido formulado.
Na situação em apreço, verificamos que o autor pede que normas protocolares ( de cariz programático ) inseridas numa convenção colectiva sejam interpretadas no sentido por si defendido, o que se ajusta à forma de processo especial indicada.
Conforme refere o Acórdão desta Relação, de 22.02.2007- www.dgs.pt : « (...) importa, desde logo, não confundir a impropriedade da forma de processo com a inadequação da pretensão deduzida em relação ao fundamento invocado (...) Ou seja: a forma de processo é aferível em função do tipo de pretensão formulada pelo autor e não em referência à pretensão que devia ser por ele deduzida.»
Concluímos, por isso, que não ocorre erro na forma do processo.
Procede, desta forma, o recurso de apelação.
IV- Decisão
Em face do exposto, o Tribunal acorda em julgar procedente o recurso de
apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir
os ulteriores termos processuais, caso a tal nada obste.
Sem custas.
Registe e notifique.
Lisboa, 14 de Dezembro de 2023
Francisca Mendes
Alves Duarte
Leopoldo Soares
Sumário : A adequação do meio processual utilizado pelo autor deve ser aferida face ao pedido efectivamente formulado na petição inicial.