Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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 - ACRL de 27-09-2023   Aviso de greve. Serviços mínimos.
Sumário da responsabilidade da Relatora (art.663.° n.° 7 do CPC)
Tendo o AAA, no aviso prévio de greve, indicado para cumprir os serviços mínimos todos os oficiais de justiça a exercer funções em cada juízo ou serviços do Ministério Público/DIAP materialmente competente, à luz dos princípios da necessidade e da proporcionalidade podia o Colégio Arbitral reduzir os meios indicados.
Proc. 1225/23.6YRLSB 4ª Secção
Desembargadores:  Maria Celina Nóbrega - Paula de Jesus Santos - -
Sumário elaborado por Carolina Costa
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Processo n.° 1225/23.6YRLSB
Acordam os Juízes na Secção Social do :
Relatório
Inconformado com o Acórdão do Colégio Arbitral de 10.03.2023, que definiu os meios necessários para o cumprimento dos serviços mínimos, na greve decretada pelo AAAA, a vigorar no período das 00h00 do dia 16 de Março e as 24h00 do dia 15 de Abril de 2023, para todos os funcionários de justiça a exercer funções em todas as unidades orgânicas de todos os Tribunais e serviços do Ministério Público, veio o AAA interpor recurso sintetizando as suas alegações nas seguintes conclusões:
1. A greve é um direito fundamental garantido aos trabalhadores, consagrado no art.57.° da CRP, na Lei (art.394.° da LTFP) para os trabalhadores com vínculo de emprego público e art.530.° do CT para os trabalhadores com contrato de trabalho) e reconhecido no art.11.° da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
2.0 art.57.° da LTFP não estabelece qualquer restrição quanto às formas de greve ou seus modos de desenvolvimento (desde que não se traduzam em dano de direitos ou bens constitucionalmente protegidos de outrem, para além do resultante da própria paralisação laborai (cfr. Gomes Canotilho, Vital Moreira, CRP anotada, pag.753).
3. Apesar do art.° 536° do CT dispor que a greve suspende o contrato de trabalho do trabalhador aderente, incluindo o direito à retribuição, esse efeito não tem aplicação à presente greve, por não implicar para o oficial de justiça aderente uma abstenção total da actividade laborai - só há paralisação aos actos referidos no aviso prévio;
4.Como os Oficiais de Justiça aderentes à greve continuam a praticar actos nos respectivos processos, designadamente no Citius ou no Sitaf.
5.Não podia o Colégio Arbitral concluir que o Recorrente não pode indicar para o cumprimento dos serviços mínimos todos os oficiais de justiça, por não ser admissível de acordo com os arts.522.° do CT e art.334° do CC.
6. O Colégio Arbitral não teve em consideração que compete aos sindicatos, nos termos do art.57.° da CRP definirem o âmbito de interesses a defender através da greve e tratando-se de áreas, como é o caso dos tribunais, que satisfaçam necessidades sociais impreteríveis, os sindicatos e os trabalhadores estão obrigados a assegurar também a prestação dos serviços mínimos indispensáveis à satisfação destas necessidades.
7. O Recorrente entendeu que, para esta greve, os serviços mínimos vão ser assegurados por todos os oficiais de justiça, que se mantém a trabalhar apesar de terem aderido à greve nos actos não previstos no aviso prévio de greve, atendendo à experiência do que se passou entre 15.2.2023 e 14.3.2023 na greve decretada pelo Recorrente em 16.1.2023 e ao aumento de actos definidos como serviços mínimos nesta greve (em comparação com os actos definidos como serviços mínimos para a greve que foi objecto do acórdão n.° 1/2023/DRCT-ASM pelo Colégio Arbitral).
8. Nada na CRP, no CT ou na LGTFP proíbe que uma associação sindical indique para cumprimento dos serviços mínimos todos os oficiais de justiça a exercer funções em cada juízo ou serviços do Ministério Público/DIAP materialmente competente.
9. A conclusão pelo Colégio Arbitral que a indicação pelo Recorrente de todos os oficiais de justiça para o cumprimento dos serviços mínimos, é contrária ao princípio da boa fé, previsto no artigo 522.° do CT e não é admissível pelo art.334° (abuso de direito) do Código Civil, não é correcta.
10. Por um lado, a adesão de um oficial de justiça a esta greve não tem como consequência a aplicação de falta ao oficial de justiça aderente a greve, nos termos do art.536.° do CT, porque o oficial de justiça não está ausente do serviço, nos termos do art.133.° da LGTFP, já que continua a trabalhar nos actos não previstos no aviso prévio;
11.Pelo que não é correcta a conclusão do Colégio Arbitral que a indicação de todos os oficiais de justiça para o cumprimento dos serviços mínimos visa impedir que a greve interfira na remuneração.
12.Por outro lado, no acórdão recorrido não constam preenchidos os pressupostos do abuso de direito, nos termos do art.334.° do CC, para permitir reduzir os meios indicados pelo Recorrente para o cumprimento dos serviços mínimos com esse fundamento.
13.0 Recorrente, enquanto Associação Sindical, é livre para indicar para o cumprimento dos serviços mínimos os meios que entende, e numa lógica jurídica que quem pode o mais, pode o menos ou a maiori ad minus, o Recorrente pode indicar mais oficiais de justiça para o cumprimento dos serviços mínimos do que o mínimo.
14.Por outro lado, a DGAJ não podia ter convocado num primeiro momento a reunião prevista no art.398° da LGTFP e, num segundo momento, o Colégio Arbitral para reduzir os serviços mínimos indicados no aviso prévio da greve de uma associação sindical.
15. Pelo que o acórdão recorrido viola os art.s 57° e 18° da CRP, art.s 530° e 536° do CT. e dos art.s 133°, 396°, 398°, 403° e 404° n.° 2 da LGTFP devendo, por essa razão, ser anulado.
Termos em que, devem V.Ex.as julgar procedente, por provado, o recurso e, em consequência, deverá ser revogado o acórdão recorrido, fazendo assim a habitual JUSTIÇA!
O Ministério da Justiça/Direcção Geral da Administração da Justiça contra-alegou.
O recurso foi admitido.
Subidos os autos a este Tribunal, foi proferido despacho que, ao abrigo do disposto no artigo 24.° do CPC, determinou a notificação do Ministério Público das alegações e contra alegações por não resultar dos autos que o Recorrido constituiu mandatário.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Considerando que as contra-alegações apresentadas pelo Ministério da Justiça/DGAJ não se mostram assinadas por advogado, não se admite a sua junção aos autos, termos em que se determina o seu desentranhamento e entrega à parte.
Sem custas por delas estar isento o Recorrido.

Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635.° n.° 4 e 639.° do CPC, ex vi do n° 1 do artigo 87.° do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608.° n° 2 do CPC), no presente recurso cumpre apreciar a seguinte questão:
-Se a decisão arbitral errou ao concluir que o Recorrente não pode indicar para o cumprimento dos serviços mínimos todos os oficiais de justiça a exercer funções em cada juízo ou serviços do Ministério Público/DIAP materialmente competente por tal não ser admissível face ao disposto nos artigos 522.° do CT e 334.° do CC e, consequentemente, se o Colégio Arbitrai não podia ter reduzido os serviços mínimos indicados pelo SFJ.

Fundamentação de facto
No Acórdão indicou-se os seguintes factos:
1.0 AAA dirigiu às entidades competentes um aviso prévio referente ao período entre as 00h00 do dia 16 de março de 2023 e as 24h00 do dia 15 de abril de 2023, para todos os funcionários de justiça a exercer funções em todas as unidades orgânicas de todos os Tribunais e Serviços do Ministério Público, nos termos seguintes:
a)A INTERROGATÓRIOS DE ARGUIDOS NÃO
DETIDOS/DILIGÊNCIAS/INQUIRIÇÕES/DEBATES INSTRUTÓRIOS E Audiências DE DISCUSSÃO E JULGAMENTO EM TODAS AS UNIDADES ORGÂNICAS, para todos os Oficiais de Justiça a exercer funções em todas as unidades orgânicas de todos os Tribunais e Serviços do Ministério Público;
b) AOS SEGUINTES ATOS CONTABILÍSTICOS: registo de depósitos autónomos, emissão de guias para pagamento antecipado de encargos (preparo para despesas) e pagamentos/adiantamentos da remuneração a Administradores de Insolvência (cfr.Lei n.° 22/2013, de 26/02).
2.Para tanto indicou a seguinte proposta de serviços mínimos:
a)Apresentação de detidos e arguidos presos à autoridade judiciária e realização dos atos imediatamente subsequentes.
b)Realização de atos processuais estritamente indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas e os que se destinam a tutelar direitos, liberdades e garantias que de outro modo não possam ser exercidos em tempo útil.
c)A adoção das providências/atos cuja demora possa causar prejuízo aos interesses das crianças e jovens, nomeadamente as respeitantes à sua apresentação em juízo e ao destino daqueles que se encontrem em perigo;
d) Providências urgentes ao abrigo da Lei de Saúde Mental;
e) Nos serviços mínimos elencados nas alíneas anteriores, devem considerar-se ínsitas, designadamente, os atos/diligências do âmbito das providências cautelares, dos processos de acompanhamento de maior, dos processos de violência doméstica, bem como todos os procedimentos que visam garantir o superior interesse das crianças e jovens.
A presente greve não contempla serviços mínimos para atos não elencados no ponto 2,a), b), c), d) e e), afastando a imposição dos mesmos, pelo que se o ato in casu for considerado urgente por despacho, este terá de conter circunstâncias extraordinárias que se verifiquem no respetivo processo e que se revelem absolutamente prementes e de realização inadiável e urgente, nos termos da legislação em vigor, e desde que essas razões sejam devidamente enquadradas e fundamentadas, de facto e de direito pelo juiz do processo, ou pelo magistrado do Ministério Público no caso do inquérito, de maneira a poderem ser compreendidas e confirmadas pelos seus diversos destinatários, por forma a evitar, através da sua atuação, quaisquer restrições abusivas e infundadas ao correspondente direito à greve, devendo interpretar-se em conformidade com o já doutamente decidido no Acórdão do de 5 de dezembro de 2018 (PROC.2178/18.8YRLSB).
Para o que se indica, em termos de efetivos, e para todo o período da greve, todos os oficiais de justiça a exercer funções em cada Juízo ou Serviços do Ministério Público/DIAP materialmente competente.
3. Em face do aviso prévio, a Direcção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ) solicitou a intervenção da DGAEP ao abrigo do disposto no n.° 2 do artigo 398.° da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP) aprovada pela Lei n.° 35/2014, de 20 de Junho.
4. Assim, em cumprimento do disposto no n.° 2 do artigo 398.° da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP) aprovada em anexo à Lei ft° 35/2014 de 20 de Junho, realizou-se na DGAEP, no dia 07 de Março de 2023, uma reunião com vista à negociação de um acordo de serviços mínimos para a greve em referência, na qual estiveram presentes o SFJ e a DGAJ.
5.As partes lograram chegar a acordo quanto aos serviços mínimos, mas não quanto aos meios necessários para os assegurar uma vez que a DGAJ entende serem necessários, adequados e proporcionais, os seguintes:
a)1 (um) oficial de justiça por cada juízo e um oficial de justiça por cada secretaria do Ministério Público/DIAP materialmente competente;
b) 3 (três) oficiais de justiça no Tribunal Central de Instrução Criminal.
6. Foi, entretanto, promovida a formação deste Colégio Arbitral, que ficou assim constituído:
Árbitro Presidente-Dr. ZZZ
Árbitro Representante dos Trabalhadores-Dr. XXX
Árbitro Representante dos Empregadores Públicos-Dra. YYY.
7. Por ofícios (via comunicação electrónica) de 08 de Março de 2023, foram as partes notificadas, em nome do Presidente do Colégio Arbitral, para a audição prevista no n.° 2 do artigo 402.° da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP) aprovada pela Lei n.° 35/2014 de 20 de Junho.
8. As partes pronunciaram-se, em tempo, sobre os meios necessários para assegurar os serviços mínimos.
9.A DGAJ manteve a sua posição reiterando que os meios por si propostos afiguram-se necessários e justificados em função dos actos a praticar, propondo-se que sejam em número de dois oficiais de justiça (e 3 oficiais de justiça para o TCIC) por se revelarem essenciais à salvaguarda da prática de atos urgentes, à semelhança, aliás, do que ocorreu em idênticas situações que mereceram a concordância do Tribunal Arbitral (cfr. Processo n.° 04/2017/DRCT-ASM, Processo n.° 12/2019/DRCT-ASM, de 31 de maio de 2019 e Processo n.° 23/2019/DRCT-ASM e do que os próprios Sindicatos têm indicado em idênticas situações de greve, ou seja, greves decretadas para todos os oficiais de justiça e funcionários judiciais que prestam serviço nos diversos/todos Juízos e Tribunais.
10.Mais alegou que se impõe ao Colégio Arbitral ponderar os interesses em presença, particularmente os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade (art.398.° n.° 7, da LTFP), subjacentes à fixação dos meios para garantir os serviços mínimos, que no caso em apreço, estão postos em causa de forma fraudulenta pelo SFJ e com o propósito ínvio de afastar os efeitos decorrentes da greve, concretamente os efeitos remuneratórios.
11. Ou seja, no caso concreto, a solução propugnada pelo SFJ, a serem os serviços mínimos assegurados por todos os oficiais de justiça a exercer funções em cada Juízo ou Serviço do Ministério Público/DIAP materialmente competente, tal corresponde a uma abrangência desproporcional dos meios necessários para assegurar os serviços mínimos, o que redundará na violação de outros direitos fundamentais, pois é uma greve que tende a contornar os efeitos legais que da mesma decorrem, violando desta forma as disposições legais, ultrapassando assim os limites funcionais do direito da greve, designadamente os efeitos remuneratórios dela decorrentes.
12. Por sua vez o SFJ sustentou que a fraude à lei ou a violação de lei não faz sentido ser arguida, neste momento, porque não compete à Administração fazer esse juízo, que é competência exclusiva dos Tribunais.
13.Mais referiu que o aviso prévio segue o formalismo imposto pela Lei visa assegurar os interesses dos cidadãos tendo o SFJ, com a definição destes serviços mínimos-actos e meios, pretendido que os processos abrangidos pelos serviços mínimos não sofressem atrasos para não colocar a opinião pública contra os oficiais de justiça.
14.Salienta ainda que é o SFJ que tem a competência para definir os serviços que entende serem os mínimos não podendo a DGAJ ou o Colégio Arbitral diminuir os serviços mínimos definidos pelo sindicato no aviso prévio de greve-o Colégio Arbitral pode, se entender que a greve coloca em causa as necessidades sociais impreteríveis, aumentar os serviços mínimos.
15.Nada na CRP, no CT ou na LGTFP proíbe que se indiquem para o cumprimento dos serviços mínimos todos os oficiais de justiça a exercer funções em cada juízo ou serviços do Ministério Público/DIAP materialmente competente.
Fundamentação de direito
Apreciemos, então, a questão submetida a este Tribunal e que consiste em saber se a decisão arbitral errou ao concluir que o Recorrente não pode indicar para o cumprimento dos serviços mínimos todos os oficiais de justiça a exercer funções em cada juízo ou serviços do Ministério Público/DIAP materialmente competente e se, consequentemente, o Colégio Arbitral não podia ter reduzido os serviços mínimos indicados pelo SFJ.
A Decisão Arbitral fixou os meios necessários a assegurar os serviços mínimos para a greve em causa nos seguintes termos:
Face ao exposto, o colégio Arbitral decide, por unanimidade, fixar os seguintes meios para assegurar os serviços mínimos da greve a realizar entre as 00h00 do dia 16 de março e as 24h00 do dia 15 de abril de 2023, para todos os funcionários de justiça a exercer funções em todas as unidades orgânicas de todos os Tribunais e Serviços do Ministério Público da seguinte forma:
a)1 (um) oficial de justiça por cada Juízo e 1 (um) oficial de justiça por cada secretaria do Ministério Público/DIAP materialmente competente;
b)3 (três) oficiais de justiça no Tribunal Central de Instrução Criminal, nomeadamente 2 (dois) por cada Juízo e 1(um) por cada secretaria do Ministério Público materialmente competente;
c) Para assegurar aqueles serviços, nos termos da alínea anterior, deverão ser convocados de forma rotativa, garantindo assim, a todos os trabalhadores que estejam ao serviço neste período o direito a fazer greve, não podendo ser indicados trabalhadores que, normalmente, não estejam afetos ao serviço materialmente competente para a realização dos mesmos.
d)Os trabalhadores designados para os serviços mínimos devem ser selecionados, preferencialmente, entre os trabalhadores que não aderem à greve.
E tal decisão foi fundamentada do modo seguinte:
Ora, compulsados os autos afere-se que a divergência entre ambas as partes, não incide, de todo, na necessidade de se assegurar os serviços mínimos pelo que, o presente Tribunal apenas se debruçará sobre os meios necessários para atingir aquele desiderato.
Assumindo esta premissa, teremos de reter que, quer a DGAJ, quer o SFJ, não estão de acordo quanto ao número de funcionários judiciais cuja presença deve ser garantida em cada Tribunal sustentando o SFJ a necessidade de se definir os meios de modo a que os serviços mínimos sejam garantidos por todos os funcionários judiciais em funções ao contrário da DGAJ a qual sustenta a necessidade de se garantir dois oficiais de justiça (e três oficiais de justiça para o TCIC) por se revelarem essenciais à salvaguarda da prática de actos urgentes, à semelhança, aliás, do que ocorreu em idênticas situações que mereceram a concordância do Tribunal Arbitral.
Ou seja, para que haja greve é necessário que um grupo de trabalhadores se abstenham de realizar a prestação do trabalho e, caso haja necessidade de se definir serviços mínimos (como se verificou no caso concreto), necessário se torna fazê-lo de modo a evitar prejuízos externos e injustificados.
Porém, e de acordo com o exposto no art.522.° do Código do Trabalho, aplicável ex vi.art.4.° n.° 1 da LGTFP, na pendência de um conflito, coletivo de trabalho as partes devem agir de boa fé.
E mais, de acordo com o exposto no art.334.° do Código Civil, o qual corresponde a um princípio de direito cujo âmbito de aplicação extrapola o próprio diploma onde está inserido, é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
O fim económico e social do direito à greve é a pressão sobre o empregador público com vista à satisfação de reivindicações de natureza profissional que aquela se recusa conceder, assim como o direito a propor os meios para a realização dos serviços mínimos se reporta à possibilidade de se contribuir, de forma activa, para evitar prejuízos externos e injustificados do exercício do direito à greve.
Propor como meios para os serviços mínimos, todos os oficiais de justiça a exercer funções em cada juízo ou Serviços do Ministério Público/DIAP materialmente competente corresponde, na prática, a não propor quaisquer serviços mínimos, não se procurando evitar prejuízos externos e injustificados do exercício do direito à greve mas sim, evitar que esse exercício interfira com a remuneração de cada funcionário em greve, o qual estaria, simultaneamente adstrito à realização dos serviços mínimos.
Sendo uma greve a certos e determinados actos processuais, todos os funcionários estariam em greve, mas simultaneamente, responsáveis pela prestação de serviços mínimos, sendo isso uma contradição nos próprios termos não admissível pelo já mencionado artigo 522.° do Código do Trabalho e art. 334.° do Código Civil.
A greve em questão prolonga-se no tempo, sendo que, os meios para a realização dos serviços mínimos propostos pelo SFJ têm-se circunscrito a um número definido de funcionários judiciais ao invés da sugestão aqui apresentada (Vide Ac.1/2023/DRCT-ASM o qual incidiu sobre a greve dos funcionários judiciais decretada entre as 00.00 horas do dia 15 de Fevereiro de 2023 e as 24.00 horas do dia 15 de Março de 2023, ou seja, a greve que antecede, imediatamente, a presente greve). Tal significa que é possível realizar os mesmos de forma diferente da vinculação de todos os funcionários judiciais aos serviços mínimos de modo a evitar prejuízos externos e injustificados do exercício do direito à greve e sem colidir com o princípio da boa fé a que se refere supra.
Ou dito de outra forma, a sugestão apresentada pelo SFJ revela-se necessária, adequada e proporcional sendo todavia contrária ao princípio da boa fé já mencionado, não podendo, como tal, este Colégio Arbitrai aderir a esta não se justificando outra solução que não aquela que já foi proferida no âmbito do Ac.1/2003/DRCT-ASM o qual incidiu sobre a greve dos funcionários judiciais decretada entre as 00.00horas do dia 15 de Fevereiro de 2023 e as 24.00 do dia 15 de Março de 2023, ou seja, a greve que antecede, imediatamente a presente greve.
Assim, reitera-se o já exposto naquele Acórdão, nomeadamente que as funções desempenhadas pelos Oficiais de Justiça numa secretaria judicial são materialmente diferentes daquelas que são executadas pelos seus colegas nos serviços do Ministério Público o que, naturalmente, colide com a definição de serviços mínimos. Na realidade, nos Tribunais e serviços do Ministério Público, o apoio à tramitação processual é efetuado pelo grupo de pessoal oficial de justiça.
Naturalmente que os serviços mínimos não visam assegurar a regularidade ou normalidade da actividade dos Tribunais, mas, da conjugação de todos os factos elencados supra, nomeadamente da extensão da greve em questão, retira-se que é necessário, adequado e proporcional dotar o Tribunal Central de Instrução Criminal, para a execução dos serviços mínimos, de 3 (três) oficiais de justiça que ali exerçam funções, sendo um dos serviços do Ministério Público.
Sustenta o Recorrente, por sua banda, que, não viola o princípio da boa fé nem consubstancia abuso do direito a indicação, para cumprimento dos serviços mínimos, de todos os oficiais de justiça a exercer funções em cada juízo ou serviços do Ministério Público/DIAP materialmente competente e que o Colégio Arbitral não podia reduzir os meios necessários a assegurar os serviços mínimos.
Vejamos:
O n.° 1 do artigo 57.° da Constituição da República Portuguesa (CRP) inserido no Capítulo III Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores estatui que É garantido o direito à greve.
De acordo com o n.°2 da mesma norma, é aos trabalhadores que compete definir o âmbito de interesses a defender através da greve, não podendo a lei limitar esse âmbito.
E nos termos do n.° 3, a lei define as condições de prestação, durante a greve, de serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis.
Por respeitar aos direitos, liberdades e garantias, este preceito é directamente aplicável e vincula as entidades públicas e privadas (art.18.° n.° 1 da CRP).
Em anotação ao artigo 57° da CRP escrevem J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, na Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4a Edição revista, pag. 51: Como meio de «acção directa» dos trabalhadores constitucionalmente reconhecido, a greve traduz-se num incumprimento lícito da obrigação de prestação de trabalho, com os prejuízos inerentes para as entidades empregadoras (interrupção da produção, risco de incumprimento de encomendas). Porém, a greve constitui também um sacrifício para os trabalhadores, que perdem o direito à remuneração pelo trabalho não prestado durante a greve, sem nenhuma garantia no sucesso da mesma.
E na pag.753 da citada obra referem os mesmos autores: Dois elementos fundamentais exige a noção constitucional de greve: a) uma acção colectiva e concertada de trabalhadores; b) a paralisação do trabalho (com ou sem abandono dos locais de trabalho) ou qualquer outra forma típica de incumprimento da prestação de trabalho.
Mas como se escreve no Acórdão do de 25.05.2011, Proc. 88/11.7YRLSB.L1, consultável em www.dgsi.pt, Embora a greve constitua um dos direitos fundamentais dos trabalhadores, a mesma não é um direito absoluto, pelo que existindo a possibilidade de confronto ou colisão entre o direito de greve e outros direitos fundamentais, também previstos na Constituição, esse direito pode sofrer alguma sorte de restrição nas situações definidas pela lei e com observância de determinados limites.
Integrando o direito à greve o núcleo dos direitos, liberdades e garantias, a restrição ao direito à greve só será admitida nos termos previstos no artigo 18.° n.° 2 da CRP que determina que A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
A propósito do artigo 18.° da CRP escrevem os mencionados autores na citada obra, pags.392 a 393 O primeiro pressuposto material de legitimidade das restrições de direitos, liberdades e garantias (cfr, supra nota VI) consiste na exigência de previsão constitucional expressa da respectiva retrição.
(-)
O segundo pressuposto material para a restrição legítima de «direitos, liberdades e garantias» (cfr. nota VI) consiste em que ela só pode se justificar para salvaguardar um outro direito e interesse constitucionalmente protegido.
O terceiro pressuposto material para a restrição legítima de direitos, liberdades e garantias (vide supra nota VI) consiste naquilo que genericamente se designa por princípio da proporcionalidade.
O princípio da proporcionalidade (também chamado princípio da proibição do excesso) desdobra-se em três subprincípios: (a) princípio da adequação (também designado por princípio da idoneidade), isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); b) princípio da exigibilidade (também chamado princípio da necessidade ou da indispensabilidade), ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias (tornaram-se exigíveis), porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias; c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa «justa medida», impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos.
E sobre os serviços mínimos, lemos na pag.757 da obra que vimos citando: No caso dos serviços mínimos deve ter-se em conta que há uma relação indissociável entre serviços mínimos e necessidades impreteríveis. Ambos os conceitos carecem de densificação abstracta e concreta: a primeira a efectuar por lei (cfrCód.Trab., art.5980), por convenção colectiva, ou por acordo com os representantes; a segunda pressupõe a execução caso a caso das disposições legais ou convencionais (cfr.Cód.Trab., art. 599°) referente à definição de serviços mínimos. Em qualquer caso as medidas definidoras de serviços mínimos e dos serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações, na medida em que consubstanciam medidas restritivas do direito de greve, devem pautar-se pelos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade. Esta limitação constitucional do direito à greve revela que os direitos dos trabalhadores carecem, como os outros direitos, de tarefas metódicas de concordância prática e de juízos de ponderação e de razoabilidade, não prevalecendo em abstracto contra certos bens constitucionais colectivos, designadamente os que têm a ver com serviços de primacial importância social, como os serviços de saúde, de segurança, de protecção civil, serviços prisionais, de recolha de resíduos urbanos, de abastecimento de água, e de outros serviços de interesse económico geral» de natureza afim, em que a continuidade é um valor em si mesmos (princípio da continuidade dos serviços públicos), além de ser uma dimensão organizatória e processual da garantia e realização de direitos, desde direitos, liberdades e garantias como o direito à vida, à integridade física, à liberdade e à segurança até ao direito à saúde e bens essenciais.
E como se afirma no sumário do Acórdão do de 19.06.2013, proc. 454/13.5YRLSB, consultável em dgsi.pt, I - Na medida em que o direito de greve pode colidir com outros direitos com igual dignidade constitucional, a tutela destes impõe que aquele sofra restrições que, todavia, lerão de ser as mínimas para permitir a concordância prática dos direitos em colisão e por conseguinte, que não implique a aniquilação de um dos direitos em detrimento do outro.
II - Por isso a definição dos serviços mínimos deve respeitar os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.
O direito à greve também encontra expressão no Código do Trabalho aprovado pela Lei n.° 7/2009, de 12 de Fevereiro (artigo 530.°), consagrando o artigo 537.° do mesmo Código a obrigação de prestação de serviços mínimos durante a greve quando esteja em causa a satisfação de necessidades sociais impreteríveis e o n.° 5 do artigo 538.° que a definição dos serviços mínimos deve respeitar os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.
De acordo com o n.° 3 do artigo 534.° do Código do Trabalho (aviso prévio de greve), O aviso prévio deve conter uma proposta de definição de serviços necessários à segurança e manutenção de equipamento e instalações e, se a greve se realizar em empresa ou estabelecimento que se destine à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, uma proposta de serviços mínimos.
Nos termos do n.° 1 do artigo 538.° do Código do Trabalho, os serviços mínimos e os meios necessários para os assegurar devem ser definidos por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou por acordo entre os representantes dos trabalhadores e os empregadores abrangidos pelo aviso prévio ou a respectiva associação de empregadores.
Na ausência de previsão em instrumento de regulamentação colectiva e de acordo sobre a definição dos serviços mínimos, segue-se a tramitação prevista nos n.°s 2 a 4 do artigo 538.°. Quanto aos efeitos da greve estabelece o artigo 536.° do Código do Trabalho:
1 - A greve suspende o contrato de trabalho de trabalhador aderente, incluindo o direito à retribuição e os deveres de subordinação e assiduidade.
2 - Durante a greve, mantêm-se, além dos direitos, deveres e garantias das partes que não pressuponham a efectiva prestação do trabalho, os direitos previstos em legislação de segurança social e as prestações devidas por acidente de trabalho ou doença profissional.
3 - O período de suspensão conta-se para efeitos de antiguidade e não prejudica os efeitos decorrentes desta.
Por fim, tratando-se de trabalhadores com vínculo de emprego público, como são os Funcionários Judiciais, há que apelar ao regime consagrado na Lei n.° 35/2014, de 20 de Junho (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas).
Dispõe o n.° 1 do artigo 394.° da LGTFP que A greve constitui um direito dos trabalhadores com vínculo de emprego público.
Refere o n.° 2 do artigo 396.° da LGTFP que O aviso prévio deve conter uma proposta de definição dos serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações, bem como, sempre que a greve se realize em órgão ou serviço que se destine à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, uma proposta de definição de serviços mínimos.
Sobre a obrigação de prestação de serviços estatui o n.° 1 do artigo 397.° da LGTFP que Nos órgãos ou serviços que se destinem à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, a associação que declare a greve, ou a comissão de greve, e os trabalhadores aderentes devem assegurar, durante a greve, a prestação dos serviços mínimos indispensáveis à satisfação daquelas necessidades.
Por seu turno, o n.° 2 da mesma norma elenca, de modo exemplificativo, os órgãos ou serviços que se destinam à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, aludindo a al.i) aos serviços de atendimento ao público que assegurem a satisfação de necessidades essenciais cuja prestação incumba ao Estado, onde se integram os Tribunais.
Nos termos do n.° 3 do mesmo artigo, As associações sindicais e os trabalhadores ficam obrigados a prestar, durante a greve, os serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações, estatuindo o n.° 4 que Os trabalhadores que prestem, durante a greve, os serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações e os afetos à prestação de serviços mínimos mantêm-se, na estrita medida necessária à prestação desses serviços, sob a autoridade e direção do empregador público, tendo direito, nomeadamente, à remuneração.
Relativamente à definição dos serviços a prestar durante a greve rege o artigo 398.° da LGTFP nos termos seguintes:
1 - Os serviços previstos nos n. °s 1 e 3 do artigo anterior e os meios necessários para os assegurar devem ser definidos por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou por acordo com os representantes dos trabalhadores.
2 - Na ausência de previsão em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou de acordo sobre a definição dos serviços mínimos previstos no n.° 1 do artigo anterior, o membro do Governo responsável pela área da Administração Pública convoca os representantes dos trabalhadores e os representantes das entidades empregadoras públicas interessadas, tendo em vista a negociação de um acordo quanto aos serviços mínimos e quanto aos meios necessários para os assegurar.
3 - Na falta de um acordo até ao termo do terceiro dia posterior ao aviso prévio de greve, a definição dos serviços e dos meios referidos no número anterior compete a um colégio arbitrai, composto por três árbitros constantes das listas de árbitros previstas no artigo 384.°
4 - O empregador público deve comunicar à DGAEP, nas 24 horas subsequentes à receção do pré-aviso de greve, a necessidade de negociação do acordo previsto no n.° 2.
5 - A decisão do colégio arbitrai produz efeitos imediatamente após a sua notificação aos representantes referidos no n.° 2 e deve ser afixada nas instalações do órgão ou serviço, nos locais habitualmente destinados à informação dos trabalhadores.
6 - Os representantes dos trabalhadores devem designar os trabalhadores que ficam adstritos à prestação dos serviços referidos no artigo anterior, até 24 horas antes do início do período de greve, e, se não o fizerem, deve o empregador público proceder a essa designação.
7 - A definição dos serviços mínimos deve respeitar os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.
Por seu turno, refere o artigo 403 n.° 1 da mencionada Lei que No caso de acordo parcial, incidindo este sobre a definição dos serviços mínimos, a arbitragem prossegue em relação aos meios necessários para os assegurar.
Por fim, o artigo 405.° da LGTFP manda aplicar subsidiariamente o regime da arbitragem necessária previsto na lei e o regime da arbitragem de serviços mínimos previsto no Decreto-Lei n.° 259/2009, de 25 de Setembro.
Regressando ao caso:
Antes de mais, importa salientar que as partes acordaram na necessidade de serem assegurados serviços mínimos e sobre a natureza desses serviços. A discordância centra-se na vertente relativa aos meios necessários a assegurá-los.
Invoca o Recorrente que o efeito a que alude o artigo 536° do CT (suspensão do contrato de trabalho do trabalhador aderente, incluindo o direito à retribuição) não tem aplicação à presente greve, por não implicar para o oficial de justiça aderente uma abstenção total da actividade laboral na medida em que só há paralisação aos actos referidos no aviso prévio e que a adesão de um oficial de justiça a esta greve não tem como consequência a aplicação de falta ao aderente à greve, isto porque o oficial de justiça não está ausente do serviço, nos termos do art.133.° da LGTFP, já que continua a trabalhar nos actos não previstos no aviso prévio, pelo que, não é correcta a conclusão do Colégio Arbitral de que a indicação de todos os oficiais de justiça para o cumprimento dos serviços mínimos visa impedir que a greve interfira na remuneração.
Ora, como decorre do aviso prévio de greve, a greve decretada pelo SFJ a vigorar entre as 00h00 do dia 16 de Março de 2023 e as 24h00 do dia 15 de Abril de 2023, para todos os funcionários de justiça a exercer funções em todas as unidades orgânicas de todos os Tribunais e Serviços do Ministério Público, cingiu-se a um determinado número de actos: i) a interrogatórios de arguidos não detidos/diligências/inquirições/debates instrutórios e audiências de discussão e julgamento em todas as unidades orgânicas; e ii) aos seguintes actos contabilísticos: registo de depósitos autónomos, emissão de guias para pagamento antecipado de encargos (preparo para despesas) e pagamentos/adiantamentos da remuneração a Administradores de Insolvência.
Nessa perspectiva, e porque se mantém o dever de cumprir a prestação laboral relativamente aos demais actos que devam ser praticados nos processos, em rigor, não se pode observar nesta greve, por um lado, uma abstenção ao trabalho e, por outro, uma situação de ausência ao trabalho. E, por isso, a conclusão a retirar, é a que refere o Recorrente, isto é, não há suspensão do contrato de trabalho dos trabalhadores que aderem à greve, nem perda do direito à retribuição.
Com efeito, como consta da conclusão 10.a do Parecer da Procuradoria Geral da República n.° 6/2023 publicado no DR n.° 71, 2.° série de 11 de Abril de 2023, Continuando os funcionários judiciais a trabalhar, apesar de se recusarem a desempenhar algumas das suas funções, não há lugar a suspensão do contrato de trabalho, nem à correspondente perda do direito à retribuição [artigo 59.°, n.° 1, alínea a), da Constituição.
Ou seja, a greve decretada nestes moldes não se desenvolve nos parâmetros da greve, quer por que não há abstenção ao trabalho, quer por que não produz os efeitos legais da greve que é a suspensão do contrato de trabalho e do direito à retribuição.
Não obstante, face à decretada paralisação parcial do trabalho, que não cabe aqui caracterizar, sendo os Tribunais um órgão que se destina à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, obviamente que se impunha a definição de serviços mínimos e dos meios necessários a assegurá-los.
Ciente dessa necessidade, o SFJ propôs serviços mínimos e indicou como meios necessários a assegurá-los todos os funcionários de justiça a exercer funções em todas as unidades orgânicas de todos os Tribunais e Serviços do Ministério Público.
Mas a indicação feita pelo Recorrente, como considerou a decisão arbitral é inadmissível por violar o disposto no artigo 522.° do CT e configurar um absuso do direito?
Antes de mais, impõe-se relembrar que, de acordo com o n.° 2 do artigo 396.° da LGTFP, a indicação dos serviços mínimos que, na sua amplitude, também abarca a indicação dos meios necessários a assegurá-los, reveste a natureza de uma proposta.
E como também resulta do artigo 398.° n.° 7 da LGTFP a definição dos serviços mínimos e, consequentemente, dos meios necessários a assegurá-los deve respeitar os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.
Ou seja, os meios necessários a assegurar os serviços mínimos devem ser os adequados, os suficientes, para a realização dos serviços mínimos. E isto porque a razão de ser dos serviços mínimos não é normalizar os serviços abrangidos pela greve, mas sim assegurar necessidades impreteríveis desses serviços. Por conseguinte, os meios necessários para assegurar os serviços mínimos não podem ser excessivos.
Ora, indicar para a realização dos serviços mínimos, que são apenas isso mesmo, todos os oficiais de justiça, revela-se desproporcional. E se é certo que, como afirma o Recorrente, nos termos do artigo 57.° da CRP, compete aos sindicatos definir o âmbito de interesses a defender através da greve, não é menos certo que essa definição não pode extravasar os limites da boa fé a que se encontram obrigados por força do artigo 522.° do CT que determina que Na pendência de um conflito colectivo de trabalho as partes devem agir de boa fé.
E indicar todos os oficiais de justiça como meios necessários a assegurar os serviços mínimos em cada juízo ou serviços do Ministério Público, viola o princípio da boa fé na medida em que visa travar os efeitos da greve relativos à paralisação do serviço e à retribuição.
Percebe-se a alegação de que, com a experiência adquirida com as greves anteriores, o número de funcionários que cumpriram os serviços mínimos revelou-se insuficiente e que, por isso e face aos atrasos na Justiça, urgia tomar uma posição para colmatar tal insuficiência.
Contudo, contrariamente ao que afirma o Recorrente a indicação para cumprimento dos serviços mínimos de todos os oficiais de justiça a exercer funções em cada juízo ou serviços do Ministério Público/DIAP materialmente competente, para além de violar o princípio da boa fé pelo motivo que se indicou, viola o disposto nos artigos 57.° n.° 3 da CRP, 538.° n.° 5 do CT e 398.° n.° 7 da LGTFP por se revelar manifestamente excessiva à realização dos serviços mínimos acordados.
E se conforme afirma o Recorrente, enquanto Associação Sindical, é livre para indicar para o cumprimento dos serviços mínimos os meios que entende, a verdade é que, como já dissemos, essa indicação tem a natureza de uma proposta e deve ser enformada pelo princípio da boa fé negociai (art.522.° do CT).
Por fim, invoca o Recorrente que, de acordo com o disposto no artigo 398.°n.°s 2 e 3 da LGTFP, sempre que os serviços mínimos e os meios necessários para os assegurar não estiverem previamente acordados entre as partes ou regulados por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho), e em caso de impossibilidade de acordo entre as partes até ao termo do 3° dia posterior ao aviso prévio de greve, compete a um colégio arbitral a fixação dos serviços mínimos e dos meios necessários para os assegurar e que, assim, parece que a Administração não podia ter convocado num primeiro momento a reunião prevista no artigo 398.° da LGTFP e, num segundo momento, o Colégio Arbitral para reduzir os serviços mínimos indicados no aviso prévio da greve de uma associação sindical.
Da análise dos autos decorre que, na sequência do aviso prévio de greve do AAA, datado de 01.03.2023, apresentado à Direcção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ), esta entidade, no dia 02.03.2023, solicitou a intervenção da Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP).
A DGAEP notificou a partes de que foi designado o dia 06.03.2023 para a reunião de negociação e promoção de acordo.
O SFJ comunicou à DGAEP o impedimento do seu Presidente para estar presente na reunião agendada para o dia 06.03.2023 e solicitou que a reunião se realizasse no dia 07.03.2023.
A DGAEP, após consulta à DGAJ, reagendou a reunião de negociação e de promoção de acordo para o dia 07.03.2023.
Da acta da reunião realizada no dia 07.03.2023 e na qual estiveram presentes representantes do SFJ e da DGAJ, consta, além do mais, o seguinte: Após, foi dada a palavra aos representantes das partes para se pronunciarem, mas em face das posições assumidas, as partes não lograram chegar a acordo quanto aos serviços mínimos a assegurar durante a greve.
Mais ficou a constar que Face à necessidade de, nos termos do artigo 400. ° da LTFP ser constituído um colégio arbitral, obtido o acordo de todas as partes, foi promovido o sorteio a que se referem os n. °s 3 e 4 da citada disposição legal, do qual se lavrará ata autónoma.
As partes foram notificadas da constituição do Tribunal Arbitral, bem como foram notificadas para, nos termos do artigo 402.° da LGTFP, apresentarem documentação escrita sobre as respectivas posições quanto à definição de serviços mínimos e quanto aos meios necessários para os assegurar, até às 12h00 do dia 09.03.2023.
Ambas as partes apresentaram por escrito o seu entendimento sobre a definição dos serviços mínimos e os meios necessários para os assegurar, tendo o SFJ invocado a questão em análise.
Ora, considerando que os serviços mínimos, na vertente dos meios necessários a assegurá-los, não estavam previamente acordados entre as partes ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho e não tendo sido possível o acordo sobre os mesmos, face ao disposto no artigo 398.° da LTFP impunha-se a convocação do Colégio Arbitrai para os definir, o que sucedeu mediante prévio acordo de todas as partes.
Ora, é certo que, como afirma o Recorrente, o Colégio Arbitral não tem competência para decidir se o aviso prévio de greve constituiu uma fraude à lei ou viola a lei da greve.
Sucede, porém, que, na falta de acordo, como no caso, o Colégio Arbitral tem competência para fixar os serviços mínimos e os meios necessários para os assegurar, não vedando a Constituição, nem a lei que esses serviços e meios sejam aumentados ou reduzidos, desde que observados os princípios da necessidade e da proporcionalidade.
Em suma, entendemos que, no caso, à luz dos princípios da necessidade e da proporcionalidade, o Colégio Arbitral podia ter reduzido os meios necessários ao cumprimento dos serviços mínimos indicados no aviso prévio.
Decisão
Face ao exposto, acordam os Juízes deste Tribunal e Secção em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão arbitral.
Custas pelo Recorrente restritas às de parte (art.4.° n.° 7 do RCP).
Registe e notifique.
Lisboa, 27 de Setembro de 2023
Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Paula de Jesus Jorge dos Santos

Sumário (art.663.° n.° 7 do CPC)
Tendo o AAA, no aviso prévio de greve, indicado para cumprir os serviços mínimos todos os oficiais de justiça a exercer funções em cada juízo ou serviços do Ministério Público/DIAP materialmente competente, à luz dos princípios da necessidade e da proporcionalidade podia o Colégio Arbitral reduzir os meios indicados.