Sumário elaborado pela relatora (em obediência ao art. 663°, n°7, do CPC ex vi do art. 1°, n°2, al. a), do CPC).
I — Cabia ao autor o ónus probatório de que a alegada lesão fora constatada no local e no tempo de trabalho por si alegados (porque constitutiva do alegado direito à pretendida reparação infortunística labora]). Só se o autor tivesse logrado cumprir esse ónus probatório, só então beneficiaria da presunção legal de que tal lesão fora consequência do alegado acidente de trabalho;
Não se tendo apurado que o autor se lesionara nas circunstâncias de tempo, lugar e modo por ele alegadas, não se podia concluir que este sofrera o alegado acidente de trabalho. Não podendo haver responsabilização de qualquer das rés, a este título, independentemente das despesas e das incapacidades que o autor sofrer;
II— A participação da ré empregadora à ré seguradora de um alegado acidente que o autor reportara àquela primeira não significa, por si só, que esse acidente tenha existido;
III— O facto de haver um seguro de acidentes de trabalho entre a ré empregadora e a ré seguradora não significa, por si só, que o trabalhador aqui autor estivesse coberto por essa apólice aquando da ocorrência do alegado acidente.
IV —A fixação das incapacidades (temporárias e permanente) não significa, por si só, que haja um nexo causal entre o acidente alegado pelo autor e a lesão causadora de tais incapacidades temporárias e da respectiva sequela causadora de tal incapacidade permanente;
V — Mesmo que tivesse sido provada a existência do alegado acidente de trabalho não poderia nunca ser atendida nem apreciada, nesta sede recursiva, a matéria nova da questão da culpa da ré empregadora para/na ocorrência do alegado acidente (por falta/violação de condições de segurança no trabalho e respectivo nexo causal relativamente ao alegado sinistro) porque:
Não havia nos autos (em 1 instância) qualquer alegação de qualquer factualidade a este respeito;
Nem, muito menos, havia (por parte do autor e/ou da ré seguradora) qualquer pedido de agravamento de responsabilidade da ré empregadora, inerente a qualquer falta de condições de segurança e/ou actuação culposa desta, com correspectivas pensão e indemnização agravadas a favor daquele.
Proc. 3638/17.3T8BRR.L1 4ª Secção
Desembargadores: Paula Penha - Sérgio Manuel de Almeida - -
Sumário elaborado por Carolina Costa
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Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
RELATÓRIO
No Juízo do Trabalho do Barreiro — J2 sob o n° 3638/17.3T8BRR foi intentada a acção emergente de alegado acidente de trabalho, sob a forma de processo especial, em que figura como sinistrado AMSS e como entidades responsáveis FFFF — Companhia de Seguros, S.A. e SSSS, Construções, Lda, na qual aquele peticionou a condenação no pagamento do montante de € 2.286,04 pelos períodos de ITA, a pensão anual e vitalícia que viesse a ser fixada e € 25 a título de transportes. Para o efeito (em suma), o autor alegara ter sofrido um acidente quando trabalhava como servente sob as ordens e fiscalização da ré empregadora, mediante retribuição mensal acrescida de subsídio de alimentação diário e que em virtude desse acidente ficara com incapacidade temporária absoluta para o trabalho desde 24/5/2017 até 4/10/2017 e que a partir desta última ficara com incapacidade permanente parcial de 10,5/prct..
A ré empregadora contestou (em suma), refutando qualquer responsabilidade infortunística laboral por negar a existência sequer de um acidente de trabalho em 23/5/2017, que apenas lhe havia sido reportado no dia 2/6/2017 e que havia transferido a sua responsabilidade para a ré seguradora, relativamente à totalidade daquela retribuição.
A ré seguradora contestou (em suma), refutando qualquer responsabilidade, desde logo por o autor não constar da folha de férias enviada pela ré empregadora relativamente aos trabalhadores inscritos em Maio de 2017 e que desconhece o demais alegado pelo autor.
Foi proferido despacho saneador, com fixação da matéria de facto assente e da base instrutória e com o desdobramento do processo para fixação das incapacidades controvertidas. No âmbito deste apenso foi realizada junta médica e proferida a respectiva decisão.
Realizada a audiência de discussão, foi proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo (transcrição):
(< Pelos fundamentos de facto e de direito supra expostos, o Tribunal julga a ação improcedente porque não provada e, em consequência, decide absolver as Rés dos pedidos formulados.
Custas a cargo do Autor.
Valor da ação: 6 2.311,04 (artigo 120. ° n.° 1 e 2 do Código de Processo do Trabalho).
Registe e notifique. »
Inconformado, o autor veio interpor recurso cujas alegações terminam com as seguintes conclusões e pedido (transcrição)
(< I. A responsabilidade agravada da entidade empregadora em matéria de acidentes de trabalho exige a demonstração da inobservância de regras sobre a segurança, higiene e saúde no trabalho por parte da entidade empregadora, e que foi essa inobservância a causa adequada do acidente.
2. A afirmação desse juízo de adequação causal exige a demonstração de que:
a) - o acidente decorreu naturalisticamente da ação ilícita da empregadora sem a qual aquele acidente não teria ocorrido;
b) - a violação daquelas regras de segurança tornavam previsível a eclosão do acidente (juízo abstracto de adequação), nas concretas circunstâncias em que o mesmo ocorreu e com as consequências dele decorrentes (Juízo concreto de adequação);
c) - o acidente representa a concretização objectivamente previsível de um dos perigos típicos que a ação da empregadora era susceptível de criar e que, justamente, justificaram a criação das regras de segurança violadas;
d) - a vercaç do do acidente não ficou a dever-se a circunstâncias contemporâneas da ação alheias ao modelo de perigo, não conhecidas do agente e para ele imprevisíveis, não tendo a realização do modelo de perigo sido precipitada por circunstâncias que o não integram.
IV - EM SEPARADO E EXPRESSAMENTE NOS TERMOS DO ART.° 77.° N.° 1, 2 E 3 DO CÓDIGO DE PROCESSO DE TRABALHO:
3. Ora bem, aqui chegados, o Tribunal a quo nada disto teve em atenção, nada disto ficou provado nem fundamentado ou motivado na sentença judicial.
4. Cuja sentença padece de nulidade insanável no seu todo, por ser controversa, contraditória e infundada. Voltando às CONCLUSÕES:
5. Não tendoficado demonstrado que o sinistrado estava a executar trabalhos em que existia o risco de se aleijar, perfeitamente identificado no plano de prevenção e avaliação de riscos, que era do conhecimento da empregadora, e no qual se mencionava a necessidade de colocação guarda-corpos para prevenção desse risco, o que a empregadora não executou, assim como não implementou qualquer outra medida de proteção coletiva ou individual de risco de segurança, e que o trabalhador se aleijou na mão direita, sofrendo lesões que lhe causaram prejuízos e danos graves na sua saúde física, cuja colocação de qualquer um dos meios de proteção referidos teria sido medida adequada a evitar o aleijão, há que concluir pela existência de responsabilidade agravada da empregadora.
Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com o Douto suprimento de V. Exas.:
- pugna-se pela procedência do recurso interposto, pelo seu provimento, condenando-se as apeladas na totalidade do pedido;
- e ainda que, a sentença Judicial, se for nula, revogando-a e repondo os direitos do ora Recorrente por ter ficado incapacitado devido ao acidente de trabalho;
- só assim,se fazendo a costumada justiça. »
A ré seguradora respondeu, pugnando pela improcedência do recurso, com as seguintes conclusões (transcrição):
<< I. O objeto do recurso apresentado pelo sinistrado cinge-se, tão somente, à sua discordância com a decisão final, por com ela efetivamente não concordar, mas sem qualquer motivo válido de censura;
2. O sinistrado não logrou demonstrar a verificação de um acidente considerado como de trabalho nos termos do disposto no artigo 8.° da LAT, pretensamente ocorrido em 23-05-2017;
3. O cumprimento da obrigação legal de participação de sinistro, pela entidade empregadora, quando a isso instada por um dos seus trabalhadores, não configura qualquer confirmação ou validação de que existiu um evento qualificável como acidente de trabalho;
4. A presunção juris tantum do artigo 10.0, n.° 1 da LAT não liberta o sinistrado do ónus da prova da verificação do próprio evento causador das lesões, ónus que lhe compete, e que, in casu, não se verificou;
5. A Seguradora não é obrigada a aceitar a retificação de uma folha de férias para, após verificação de um evento que se pretende qualificar como acidente de trabalho nos termos do disposto no artigo 8.° da LAT, incluir trabalhador que, antes de tal evento, não constava;
6. O Ac. Uniformizador de Jurisprudência de 21-11-2001 decidiu o seguinte: No contrato de seguro de acidentes de trabalho, na modalidade de prémio variável, a omissão do trabalhador sinistrado nas folhas de férias remetidas mensalmente pela entidade patronal à seguradora, ou na comunicação equivalente relativa a trabalhadores sem subordinação jurídica, mas com dependência económica, não afeta a validade do contrato, determinando a não cobertura do trabalhador sinistrado; (destaque nosso).
7. Esta orientação é extensível aos casos em que o nome do sinistrado só após o acidente foi incluído nas folhas de retribuições enviadas à Seguradora, sendo omitido em anteriores folhas de retribuições relativas a períodos em que se encontrava já ao serviço do empregador;
8. Não existe qualquer motivo para afirmar que as testemunhas apresentadas todas mentiram, ou duvidar dos seus testemunhos;
9. Uma declaração de presença num Hospital não é meio de prova bastante para demonstrar que o sinistrado se queixou de dores no referido dia 23-05-2017;
10. A decisão proferida no âmbito de um apenso de fixação de incapacidade não se sobrepõe à verificação, a montante, de requisitos substantivos, que, por si só, podem obstar à procedência da ação;
11. O contrato de seguro, antes de mais, é um contrato: significa, isto, que não existe obrigação de uma das partes (aqui, a Seguradora) de, acriticamente, aceitar qualquer alteração proposta pela outra parte (no caso, a Entidade Empregadora), nomeadamente a pretensa correção de folha de retribuições para incluir um trabalhador que durante meses não constou daquelas, e apenas após um evento pretensamente qualificável como acidente de trabalho, se tentou que constasse;
12. A Seguradora não aceitou a pretensa retificação àfolha de férias, e, por isso, não cobrou qualquer montante a esse título;
13. No final do ano, fruto de acertos à massa salarial transferida e alterações à mesma, a Seguradora cobrou esses mesmos acertos, e nada mais;
14. A sentença em crise não merece qualquer censura, muito menos padece de qualquer nulidade insanável;
15. Não se compreende a alegação de responsabilidade agravada por violação de regras de segurança, sem quaisquer elementos de suporte à mesma,
16. Pelo que, tal como o presente recurso, deve o mesmo improceder.
A ré empregadora respondeu, pugnando pela improcedência do recurso (em suma): por o recorrente ter omitido nas suas conclusões qualquer referência à decisão factual e sua impugnação, a ser desatendida; não ter o recorrente indicado as passagens da respectiva gravação; agora vir invocar a pretensa responsabilidade agravada da entidade empregadora por inobservância de regras sobre segurança, higiene e saúde, questão que nunca havia sido suscitada nos autos; e ter invocado nulidade da sentença sem que esta padeça de qualquer falta de fundamentação, contradição, ambiguidade ou obscuridade.
Recebidos os autos nesta Relação, o Exm° Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da total improcedência do recurso.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
OBJECTO do RECURSO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente [conforme preveem os arts. 635.°, n.° 4, 637°, n° 2, e 639.°, n.°s 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante com a abreviatura CPC), aplicável ex vi do art. 87.°, n.° 1, do Código de Processo do Trabalho (doravante com a abreviatura CPT) —, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado [conforme prevê a parte final do art. 608°, n° 2, do CPC aplicável ex vi do art. 87.°, n.° 1, do CPT].
Assim, no caso em apreço (segundo o que julgamos entender face ao teor confuso das alegações recursivas e ao teor lacónico das conclusões recursivas) as questões a decidir são:
1' - Há nulidade da sentença ?
2' - Há errada apreciação da prova ?
3a Há responsabilidade agravada da ré empregadora ?
Fundamentação
Desde já, atentemos ao teor da sentença recorrida quanto à fundamentação de facto (transcrição):
<(A) Factos provados
O Tribunal considera demonstrados os seguintes factos:
1 - No dia 23 de Maio de 2017 o Autor exercia as funções de servente, sob as ordens, instruções e direção e fiscalização de SSSS, Construções LDA.,
2 - Não se encontram pagas quaisquer indemnizações ou despesas acessórias desde a data do alegado acidente até à data da instauração da ação em juízo.
3 - O Sinistrado não fez parte das pessoas seguras, na relação enviada pela Entidade Empregadora à data do acidente.
4 — O Autor auferia a remuneração anual de 8.891,84, correspondente ao salário base no valor de 557,00 multiplicado por 14 meses, a que acrescia o subsídio de alimentação no valor de 64,52 multiplicado por 242 dias.
5 - No dia 23 de Maio de 2017, o Autor não se queixou de qualquer dor, nem apresentou nenhuma limitação funcional e prestou o seu trabalho até ao fim do horário de trabalho.
6 - No dia 23 de Maio de 2017, o Autor continuou a trabalhar e o mesmo aconteceu no dia seguinte, não se tendo queixado a ninguém.
7 - Nos dias seguintes, o Autor não manifestou qualquer queixa, tendo trabalhado sem limitações.
8 - No mês de Maio de 2017, o Autor não teve qualquer falta por acidente de trabalho.
9 - No dia 2 de Junho de 2017, o Autor referiu ao sócio gerente da Ré entidade empregadora, AAGG ter sofrido um acidente de trabalho no dia 23 de Maio de 2017.
10 - AAGG acedeu ao pedido do Autor e participou o alegado acidente à Companhia de Seguros.
11- A responsabilidade civil pelos danos decorrentes de acidentes de trabalho da Ré empregadora encontrava-se transferida para a Ré FFFF — Companhia de Seguros SA., por força da celebração de um contrato de seguro com a apólice n. ° AT82550000.
12 - No mês de Maio de 2017, o trabalhador não foi incluído na folha de férias remetida mensalmente à ré Seguradora.
13 — O Autor, esteve em situação de incapacidade temporária por força de acidente de trabalho que sofreu em 04 de Janeiro de 2017, desde 04 de Janeiro de 2017 até ao dia 04 de Maio de 2017.
14— A Ré SSSS, Lda remeteu à Companhia de Seguros afolha de férias relativa ao mês de Maio de 2017 retificada, já com o trabalhador AMSS.
15 — Em 28 de Outubro de 2022, no ámbito do apenso de fixação da incapacidade para o trabalho, foi decidido que:
o tribunal decide fixar uma incapacidade parcial permanente (IPP) de 9/prct. ao sinistrado, já majorado com o coeficiente de 1,5 em razão da idade, sendo que, em sede de audiência de discussão e julgamento serão tidas em conta as 1Ts constantes do laudo pericial, a saber 1TP de 20/prct. de 24/05/2017 a 01/06/2017 e ITA de 02/2017 a 04/10/2017, data da alta definitiva.
B) FACTOS NÃO PROVADOS
O Tribunal não considerou demonstrados os seguintes factos:
a) No dia 23 de Maio de 2017, enquanto o Autor se encontrava a trabalhar numa obra a cargo da Ré SSSS, Construções, Lda, caiu uma peça metálica sobre o 1.° dedo da mão direita do Autor.
b) O Autor suportou o valor de C 25,00 para deslocações para comparência em Tribunal e em exames médicos relacionados com os eventos destes autos.
c) A Companhia de Seguros recebeu a folha de férias retificada e cobrou o prémio de seguro em função do valor de remunerações ai referido.
C) MOTIVAÇÃO
O Tribunal considerou demonstrados os factos supra elencados com base na prova documental junta aos autos conjugada com as declarações de parte do legal representante da Ré e do Autor, bem como das testemunhas ouvidas.
Assim e mais concretamente, os factos sob os números 1 a 3 foram demonstrados com base no acordo das partes, em sede de articulados, aceitando as mesmas a sua ocorrência nos termos considerados provados.
O facto sob o n. ° 4 foi considerado provado com base nas declarações do legal representante da Ré, conjugado com as declarações do Autor e as cópias do recibo de vencimento juntas como documento n.° 3 com a contestação da Ré SSSS, Construções, Lda.
Os factos sob os números 5 a 9 foram considerados provados com base na conjugação do depoimento de parte do legal representante da Ré, AAGG, conjugado com as declarações do Autor, em que ambos confirmaram que no próprio dia 23 de Maio de desde esse dia até ao dia 2 de Junho de 2017, o Autor prestou o seu serviço normalmente junto da Ré e só nesse dia 02 foi ter com o legal representante da Ré e solicitou que o mesmo participasse o acidente de trabalho à Seguradora, recorrendo então aos serviços médicos desta. Nesta parte, os dois depoimentos foram concordantes e claros, convencendo o Tribunal de que falavam a verdade e sendo, por isso acreditados.
O facto sob o n. ° 10 foi considerado provado com base no depoimento do legal representante da Ré que confirmou ter recebido a informação do Autor e ter transmitido a participação, por entender ter o dever de o fazer e não o poder recusar, apesar de não estar convencido, à data, que teria ocorrido o evento tal como descrito pelo Autor. O seu depoimento foi espontâneo e seguro, explicando as suas razões de forma lógica e coerente e convencendo o Tribunal da veracidade do mesmo. Tal depoimento foi ainda conjugado com a cópia da participação de sinistro junta de fls. 69 a 70.
O facto sob o n.° 11 foi considerado provado por ter sido confirmado pela Ré FFFF que tinha celebrado o contrato de seguro em causa e o n.° da apólice, junta a fls. 6 e seguintes, em 4 de Abril de 2018, pela Ré Seguradora.
O facto sob o n. ° 12 foi considerado provado por ter sido admitido pela Ré SSSS, Lda na sua contestação e ser também alegado pela Ré FFFF, Companhia de Seguros, SA.
O facto sob o n.° 13 foi considerado provado atento o teor do documento n.° 1 junto pela Ré SSSS com a sua contestação e que constitui fls. 180-v, conjugado com as declarações do Autor que confirmou a sua situação de baixa por acidente de trabalho no período em causa.
O facto sob o n. ° 14 foi considerado provado tendo em conta o teor do documento n. ° 2 junto pela Ré SSSS com a sua contestação e que constitui fls. 181, conjugado com o depoimento da testemunha AMCFF, profissional de seguros reformado colaborador da Ré FFFF, Companhia de Seguros, SA, que confirmou o envio da folha pela Ré SSSS, Lda, a qual não foi aceite pela Ré Seguradora.
facto sob o n.° 15 foi considerado provado com base na decisão proferida no apenso A em 28 de Outubro de 2022.
Os factos considerados não provados foram assim considerados por não se ter feito prova da ocorrência do mesmo que convencesse o Tribunal da sua verificação.
O facto sob a alínea a) foi considerado não provado porquanto não se fez qualquer outra prova dos eventos tal como descritos, para além das declarações do Autor. A descrição dos factos feita pelo Autor não convenceu o Tribunal, pois o mesmo garantiu estar com os seus colegas de trabalho e testemunhas nos autos, PJMD e AJCC, que assistiram ao acontecimento, mas os mesmos negaram tal situação. Mais, o Autor não conseguiu explicar o porque de, no dia do alegado evento, ter acorrido aos serviços médicos do Centro Hospitalar Barreiro Montijo EPE e não ter declarado, no imediato, que as lesões que apresentava decorriam de um evento ocorrido durante a prestação de trabalho, o que não poderia deixar de saber ter de fazer, uma vez que tinha tido um acidente de trabalho em momento anterior e sabia os trâmites a atender. Aliás, se atentarmos à descrição do atendimento médico constante de fls. 254-v dos autos (documento junto aos autos em 18 de Abril de 2023), verificamos que no dia 23 de Maio de 2017, quando atendido às 20:39 o Autor referiu ter tido um traumatismo do primeiro dedo da mão direita duas horas antes, o que indica que tal traumatismo terá ocorrido já depois das I 8H e depois do horário de trabalho do mesmo, convencendo o Tribunal de que os factos não ocorreram como descritos pelo Autor.
O facto sob a alínea b) foi considerado não provado, pois não foi junto qualquer documento que comprove tais despesas e, em sede de julgamento, o Autor referiu ter gasto muito menos, cerca de e 10,00 em tais deslocações.
O facto sob a alínea c) foi considerado não provado atento o depoimento da testemunha AMCFF, que explicou que a Ré seguradora não aceitou a rectificação da relação dos trabalhadores de Maio feita pela Ré SSSS e que o valor cobrado pela Seguradora se destinava ao acerto global de valores de prémio de seguro relativo à massa salarial efectivamente assumida pela Ré SSSS, por ser superior ao valor da massa salarial com base na qual foi calculado
o prémio provisório. O seu depoimento convenceu o Tribunal de que não houve prémio de seguro pago relativo ao Autor. »
APRECIAÇÃO
1' questão — Há nulidade da sentença ?
O autor/recorrente veio invocar a nulidade da sentença recorrida, considerando-a contraditória por os factos assentes sob os itens 2, 10, 11, 14 e 15 justificarem uma condenação das rés e por a alínea c) dos factos não provados estar em contradição com o item 14 dos factos provados.
Cumpre apreciar e decidir.
A propósito das alegadas contradições, dispõe o art. 615°, n° 1, al. c), do CPC (aplicável ao foro laboral ex vi do art. 77° do CPT): 1 - É nula a sentença quando: ... c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão....
Esta e as demais causas de nulidade previstas, taxativamente, nas várias alíneas do n° 1 deste preceito são vícios formais/intrínsecos da formação de uma sentença, respectivamente, referentes à estrutura, aos limites e à inteligibilidade da mesma.
Como sabemos, a sentença, enquanto peça processual proferida pelo juiz, está sujeita ao silogismo judiciário, inerente à sua formação e à harmonia formal entre premissas e conclusão. Caso padeça de algum desses vícios formais haverá um erro de actividade/erro de construção ou formação/error in procedendo — que não se confunde nem pode confundir com um erro de julgamento/error in judicandi em termos de facto (error facti) ou de direito (error juris).
Para haver a nulidade em apreço tem de existir uma contradição real e ostensiva entre os fundamentos e a decisão — não uma mera contradição aparente, resultante de simples erro material (lapsus calami do autor da sentença) na fundamentação ou na decisão desta —. Isto é, tem de haver um vício real de raciocínio do julgador (ostensivo para um leitor minimamente diligente e sagaz) em que a fundamentação, de facto ou de direito, aponte num sentido e a decisão siga num sentido oposto ou, pelo menos, diferente — (cfr. os doutos ensinamentos de Antunes Varela em Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, r edição, págs. 689-690 e do Acórdão do STJ de 4/5/2017 do Exm° Conselheiro Relator Tavares de Paiva em dgsi.pt).
Sendo pacífica a jurisprudência e a doutrina a este propósito, no sentido de que só haverá tal nulidade se os fundamentos referidos pelo Julgador conduzirem, necessariamente, a uma decisão oposta, em termos de silogismo judiciário formal lógico. Isto é, se houver contradição formal entre premissas (o raciocínio exposto pelo juiz apontar num sentido) e a conclusão (a decisão do juiz for em sentido oposto ou, pelo menos, diferente daquele) — não por a solução jurídica que decorreu de interpretação dos factos e/ou da subsunção dos factos à norma jurídica, por parte do Tribunal da 1a instância, ser diversa da pretendida pelo recorrente (cfr. a este propósito o Acórdão do STJ de 9/2/2017 do Exm° relator Ribeiro Cardoso, no proc. 2913/14.3TTLSB.L1.S1, em dgsi.pt e Código de Processo Civil Anotado por José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, 3' edição Almedina, Volume 2°, págs. 734-737) .
Caso uma sentença padeça do vício formal em apreço haverá um erro de actividade/erro de construção ou formação/error in procedendo que não permitirá que se considere fundamentada ou justificada uma sentença que colida com algum dos fundamentos. Não se confundindo este error in procedendo com um erro de julgamento/error in judicandi em termos de facto (error facti) ou de direito (error juris) — cfr. os ensinamentos sábios e sempre actuais do mestre Alberto dos Reis em Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, C edição, Volume V, pág.122 e o Acórdão do STJ de 30/9/2020 do Exm° Conselheiro Relator Álvaro Rodrigues em dgsi.pt.
Posto isto, vejamos o caso concreto.
No caso em apreço (e salvo o devido respeito), tal invocação do recorrente é destituída de fundamento.
Quanto à alegação de que os itens 2, 10, 11, 14 e 15 dos factos provados impunham uma decisão condenatória das rés, o autor/ recorrente olvida-se que faltou apurar o facto primordial desta acção que é o constante da al. a) dos factos não provados.
Pois, não se tendo apurado que o autor se lesionara nas alegadas circunstâncias de tempo (dia 23/5/2017), lugar (numa obra da ré empregadora) e modo (a trabalhar a cargo da ré empregadora, uma peça metálica caiu sobre o 1° dedo da mão direita), não se podia concluir que este sofrera o alegado acidente de trabalho.
Como sabemos, a noção de acidente de trabalho (contida no Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho aprovado pela Lei n° 98/2009, de 4-9, em vigor à data do alegado acidente e doravante sob a abreviatura LAT), mais concretamente, no seu art. 8° é a seguinte:
(<1 - É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
2 - Para eleitos do presente capítulo, entende-se por:
a) «Local de trabalho» todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja, directa ou indirectamente, sujeito ao controlo do empregador;
b) «Tempo de trabalho além do período normal de trabalho» o que precede o seu início, em actos de preparação ou com ele relacionados, e o que se lhe segue, em actos também com ele relacionados, e ainda as interrupções normais ou forçosas de trabalho. »
Muito embora o legislador não tenha definido o que é o acidente propriamente dito, dizendo apenas «... é aquele...», tem sido a doutrina e a jurisprudência a levarem a cabo tal tarefa, burilando tal conceito normativo complexo e configurando-o como: um evento ou acontecimento súbito, imprevisto, de origem exterior ou também exterior ao organismo do sinistrado e lesivo do seu corpo humano, alterando o anterior estado físico ou de saúde do mesmo (cfr. Vítor Ribeiro em Acidentes de Trabalho — reflexões e notas práticas, págs. 208-210, Rei dos Livros, Lisboa 1984, cuja actualidade perdura apesar das sucessivas alterações legislativas; Júlio Manuel Vieira Gomes em O acidente de trabalho — O acidente in itinere e a sua descaracterização, Coimbra Editora 2013, págs. 19-27; e, por todos, Acórdão do STJ de 30/6/2011 do Relator Pereira Rodrigues, acessível em www.dgsi.pt ).
Voltando ao caso em apreço, não se apurou a ocorrência do alegado acidente de trabalho, isto é, que no alegado dia 23/5/2017, ao trabalhar numa obra, como servente subordinado e remunerado pela ré empregadora, tivesse caído uma peça metálica sobre o 1° dedo da mão direita do autor, lesionando-se.
Cabia ao autor o ónus probatório desta alegada factualidade porque constitutiva do alegado direito à pretendida reparação infortunística laboral (nos termos dos arts. 341° e 342°, n° 1, do Código Civil, doravante com a abreviatura CC, em conjugação com os arts. 2°, 3°, n° 1, e 8° da LAT).
Só se o autor tivesse logrado cumprir esse ónus probatório, isto é, que tal alegada lesão tivesse sido constatada no local e no tempo de trabalho por si alegados, só então beneficiaria da presunção legal (relativa contida no art. 10°, n° 1, da LAT em conjugação com os arts. 349° e 350° do Código Civil) de que tal lesão fora consequência do alegado acidente de trabalho.
Como tal não sucedeu no caso em apreço, o autor tinha o ónus probatório quer da ocorrência do alegado sinistro nos alegados tempo e local de trabalho, quer do duplo nexo causal no tocante à alegada consequência lesiva e no tocante às apuradas incapacidades para o trabalho (nos termos previstos pelo art. 10°, n° 2, em conjugação com o art. 8°, ambos da LAT).
Em suma, faltando a primordial demonstração da sobredita factualidade, não podia haver responsabilização de qualquer das rés, a este título, independentemente das despesas e das incapacidades que o autor sofrera.
Sendo de salientar que, no tocante à ré empregadora, o simples facto de esta ter acedido ao pedido do autor e ter participado o alegado acidente à ré seguradora quando o trabalhador/aqui autor lhe dera conhecimento da alegada ocorrência, não significa, por si só, que este acidente tenha existido.
Tão somente, significa que a ré empregadora, considerando estar transferida a sua responsabilidade infortunística relativamente ao autor seu trabalhador, deu cumprimento ao disposto no art. 87° da LAT (que consigna essa mesma obrigação).
Também sendo de salientar que, no tocante à ré seguradora, o simples facto de haver um seguro de acidentes de trabalho com a ré empregadora, titulado pela apólice n° AT 82557120, não significa, por si só, que o trabalhador aqui autor estivesse coberto por esta apólice aquando do alegado dia (23/5/2017) da ocorrência do alegado acidente.
Aliás, conforme ficou assente (no item 3 dos factos provados da sentença — que corresponde à alínea C dos factos assentes aquando do despacho saneador e que não tivera qualquer reclamação após respectiva notificação, nomeadamente do autor — ), à data do participado acidente, o autor não fazia parte das pessoas seguras constantes da relação enviada pela ré empregadora. E o item 12 dos factos provados da sentença reitera que, no mês de Maio de 2017, o trabalhador aqui autor não foi incluído na folha de férias remetida mensalmente à ré seguradora.
Tendo ficado assente (no item 14 dos factos provados da sentença) que a ré empregadora enviou uma retificação dessa folha de férias por forma a incluir o autor. Mas, nem sequer se apurou se a ré seguradora chegou a recepcionar essa rectificação da folha de férias relativa a Maio de 2017, já com o trabalhador/aqui autor e respectiva retribuição.
Por isso, não havendo qualquer contradição entre o item 14 dos factos provados e a alínea c) dos factos não provados.
Não sendo de olvidar que a transferência da responsabilidade infortunística laboral obedece a uma apólice uniforme (aludida no art. 81° da LAT) e no caso da modalidade do seguro ser a prémio variável (conforme preveem as cláusulas 5ª e 24a da apólice uniforme de seguro de acidentes de trabalho aprovada pela Portaria 256/2011, de 5-7): a apólice cobre um número variável de pessoas seguras, com retribuições seguras também variáveis, sendo consideradas pelo segurador as pessoas e as retribuições identificadas nas folhas de vencimento que lhe são enviadas periodicamente pelo tomador do seguro; estando o tomador de seguro obrigado a enviar à seguradora, até ao dia 15 de cada mês, cópia das declarações de remunerações do seu pessoal remetidas à Segurança Social, relativas às retribuições pagas no mês anterior, devendo no envio mencionar a totalidade das remunerações previstas na lei como integrando a retribuição para efeito de cálculo da reparação por acidente de trabalho.
Também não sendo de olvidar que a fixação das incapacidades, temporárias e permanente, após a feitura de junta médica no apenso (previsto nos arts. 117°, n° 1, al. b), 118°, al. b) e 138°, n° 1, 139° e 140°, n° 2, do CPT), não significa, por si só, que haja um nexo causal entre o acidente alegado pelo autor e a lesão causadora de tais incapacidades temporárias e da respectiva sequela causadora de tal incapacidade permanente.
Tendo o item 15 dos factos assentes da sentença recorrida, apenas, reproduzido a decisão proferida no respectivo apenso para fixação de incapacidades, conforme impõe o art. 135° do CPT.
Tão pouco se pode olvidar que, em face da participação do alegado acidente, a ré seguradora estava obrigada a prestar assistência clínica ao autor (nos termos dos arts. 27° e segs. da LAT ), conforme sucedeu no caso em apreço.
Mas, essa assistência, por si só, não significa aceitação da existência do alegado acidente de trabalho, nem reconhecimento de responsabilidade pela sua reparação —aliás, conforme veio a suceder nos autos em apreço, quer na sua fase conciliatória quer na sua fase contenciosa (conforme consta, respectivamente, no auto de não conciliação e na contestação apresentada pela ré seguradora) em que a seguradora negou tudo isso.
Para além disso, nenhum valor dos exames, dos tratamentos, das consultas e das deslocações, no âmbito dessa assistência obrigatória prestada pela seguradora, havia sido peticionado pelo autor no respectivo articulado de petição inicial (que dera início à fase contenciosa dos autos).
Por isso, não estando nenhum desses abrangido pelo item 2 dos factos provados da sentença.
Aliás, item este que corresponde à alínea B dos factos assentes aquando do despacho saneador e que não tivera qualquer reclamação, após respectiva notificação, nomeadamente do autor.
Em face de todo o supra exposto, impõe-se declarar como inexistente a invocada nulidade da sentença.
2ª questão — Há errada apreciação da prova ?
O autor/recorrente veio invocar erro do Tribunal recorrido ao considerar como provado o item 5 e como não provada a alínea a), quando havia documentos e depoimentos e declarações de parte a espelhar outra coisa diferente.
A propósito da impugnação de matéria de facto julgada pela 1' instância, dispõe o art. 640°, 1'1°s 1 e 2, do CPC, intitulado « Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto » que:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
Assim, a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1a instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, está subordinada à observância do transcrito ónus que a lei adjetiva impõe a um recorrente.
No respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, impondo-se que um recorrente proceda à delimitação, com toda a precisão: dos concretos pontos da decisão que pretende questionar; dos respectivos meios de prova, disponibilizados pelo processo ou pelo registo ou gravação nele realizada, que imponham, sobre aqueles pontos, distinta decisão; e a decisão que, no ver dum recorrente, se impunha para os pontos de facto objeto da impugnação.
A este propósito, o Supremo Tribunal de Justiça (nomeadamente nos acórdãos de 2/6/2016 no proc. 725/12.8TBCHV.G1.S1, de 3/10/2019 no proc. 77/06.5TBGVA.C2.S2 e de 19/1/2023 no proc. 3160/16.5T8LRS-A.L1-A.S1, todos acessíveis em www.dgsi.pt) tem distinguido um ónus primário e um ónus secundário: o ónus primário de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação, consagrado no n.° E e o ónus secundário de facilitação do acesso aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida, consagrado no n.° 2.
E, também, tem considerado que aquele ónus primário se analisa ou decompõe-se em três: em primeiro lugar, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que julgou incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões que permita ao recorrido infirmá-las; em segundo lugar, deve especificar, na motivação, os meios de prova que constam do processo ou que nele tenham sido registados que determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; em terceiro lugar, deve indicar, na motivação, a decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
A previsão expressa de todos estes ónus, por um lado, visa facultar à contraparte a possibilidade de um contraditório esclarecido e, por outro lado, visa garantir uma adequada inteligibilidade do fim e do objecto do recurso, através da delimitação, com rigor e objectividade, do objecto do recurso e respectivas pretensões recursivas a apreciar pelo Tribunal ad quem (enquanto Tribunal que garante um 2° grau de jurisdição, mas não uma repetição da instância ou novo julgamento) — cfr. neste sentido Código de Processo Civil Anotado de António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Vol. I, edição 2018, pág. 770-771 e Abrantes Geraldes Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5' edição, págs. 162-178.
Sendo entendimento consolidado do Supremo Tribunal de Justiça (nomeadamente no acórdão de 7/9/2020 no proc. 2180/16.4T8CBR.C1.S1 em dgsi.pt) que: Os concretos pontos de facto que se querem impugnar são de inscrição obrigatória nas conclusões do recurso de apelação.
Voltemos ao caso concreto.
No caso em apreço, o autor/recorrente não deu qualquer cumprimento ao sobredito ónus de impugnação da matéria de facto, nomeadamente, não fazendo qualquer indicação de quaisquer concretas passagens da gravação da audiência de discussão da lide na la instância, tendo-se limitado a efectuar meras referências genéricas aquando da motivação recursiva e nada disso consta das conclusões recursivas.
Sendo as suas conclusões recursivas, totalmente, omissas sobre esta questão (do objecto inicial do recurso), nem sequer indicando qualquer dos pontos de facto julgados pela la instância que pretendesse ver modificados — contrariando a imposição contida no art. 637°, n° 2, em conjugação com o art. 640°, n° 1, al. a), ambos do CPC, assim como o aludido entendimento quer jurisprudencial quer doutrinário.
Por isso, não tendo sido cumprida (pelo recorrente) a sobredita condição de exercício do direito ao duplo grau de jurisdição, em sede de matéria de facto, restringiu, tacitamente, o objecto inicial do recurso (nos termos previstos pelo art. 635°, n° 4, do CPC).
Por conseguinte, deste comportamento processual do recorrente , advém como consequência que este Tribunal ad quem, ao abrigo do disposto no n° 1 do art. 640° do CPC, rejeita a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, ficando prejudicada a sua apreciação.
3a questão — Há responsabilidade agravada da ré empregadora ?
O autor/recorrente veio invocar uma alegada responsabilidade agravada da ré empregadora quanto à ocorrência do alegado acidente por alegada falta de implementação de condições de segurança.
Acontece que esta matéria, agora invocada, nem sequer fazia parte do objecto do processo.
Ora, o art. 608°, n° 2, do CPC, expressamente, prescreve que: O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras....
Este princípio é reflexo do princípio do dispositivo consignado no artigo 3°, n.° 1 do CPC, pois, como é consabido, não só o tribunal não pode resolver o conflito de interesses sem que essa resolução lhe seja pedida por uma das partes, como, ainda, é às próprias partes que compete, mediante o aporte aos autos do pertinente quadro factual (causa de pedir) e da formulação das respetivas pretensões (pedido), delimitar o objeto do processo (cfr. os doutos ensinamentos de Manuel de Andrade em Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora 1979, págs. 373-378, e de Miguel Teixeira de Sousa em As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, Lex, 1995, págs. 119-120).
Assim - ressalvadas as questões de conhecimento oficioso -, o Tribunal apenas pode conhecer das questões que lhe sejam colocadas pelas partes, não podendo, pois, prosseguir para lá do objecto do processo definido e delimitado pelas partes.
As questões submetidas à apreciação do Tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções deduzidas, desde que se apresentem, à luz das várias e plausíveis soluções de direito, como relevantes para a decisão do objecto do litígio e não se encontrem prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio (cfr. os doutos ensinamentos de Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora em Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2a edição, pág. 667 e de Manuel de Andrade, na obra já citada, págs. 297-298).
Sendo o pedido toda a questão que a parte submete ao juiz, reclamando dele um julgamento/um juízo lógico. Assim, pedidos não são, unicamente, os pontos sobre os quais o autor pretende o veredicto do magistrado, a fim de obter a declaração positiva da relação (reconhecimento do direito de que se arroga); são, também, os pontos sobre os quais o réu se propõe obter pronúncia negativa (cfr. os sempre actuais ensinamentos de Alberto dos Reis em Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora 1984, Volume V, págs. 52 e 53).
Em suma, a conjugação do preceituado nos arts. 608°, n.° 2 e 615°, n.° 1 al. d), do CPC consagra o princípio da correspondência entre a acção e a sentença.
Princípio este que se desdobra em duas direções diferentes e do qual resulta que: em primeiro lugar, o juiz deve pronunciar-se sobre tudo o que se pedir e só sobre o que for pedido; e, em segundo lugar, que o juiz deve pronunciar-se tomando por base todos os elementos de facto oferecidos pelas partes em apoio das suas pretensões e só com base nesses elementos (cfr. os ensinamentos sempre actuais do mestre Alberto dos Reis em Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora 1984, Volume V, pág.52).
Consequentemente, havendo recurso da sentença, o tribunal superior apenas deve ser confrontado com questões que as partes discutiram nos momentos próprios (princípio da preclusão) e não para analisar questões novas — salvo se, forem de conhecimento oficioso, para as quais o processo tenha elementos e que ainda possam ser conhecidas, não estando cobertas pelo caso julgado.
Sendo o recurso para o Tribunal da Relação um meio de impugnação de uma decisão judicial proferida pelo Tribunal de la instância, visando a reapreciação desta (segundo um modelo de reponderação e não de repetição da instância) é no tocante à matéria de facto que mais se impõe o cumprimento desta regra. Precisamente, com vista a obviar que, numa etapa desajustada (porque só em sede de recurso), se coloquem questões factuais (novas) com inerentes matérias (novas) que nem sequer haviam sido suscitadas pelas partes, nem discutidas na la instância, nem sujeitas ao escrutínio/crivo da 1ª instância — sob pena de que tal equivaleria a suprimir um órgão de soberania (neste sentido está consolidada a jurisprudência, sendo exemplificativo o acórdão do STJ de 7/7/2016 no proc. 156/12.0TTCsC.L1.S1 em dgsi.pt).
Voltemos ao caso concreto.
Não consta dos autos em apreço (mais concretamente, quer durante a sua fase conciliatória que findara com o auto de não conciliação das partes, quer durante a fase contenciosa através dos articulados apresentados pelas partes) que tivesse sido suscitada a questão da culpa da ré empregadora para/na ocorrência do alegado acidente, nomeadamente por falta/ violação de condições de segurança no trabalho e respectivo nexo causal relativamente ao alegado sinistro.
Não havendo nos autos (em 1' instância) qualquer alegação de qualquer factualidade a este respeito.
Nem, muito menos, havendo (por parte do autor e/ou da ré seguradora) qualquer pedido de agravamento de responsabilidade da ré empregadora, inerente a qualquer falta de condições de segurança e/ou actuação culposa desta, com correspectivas pensão e indemnização agravadas a favor daquele (nos termos previstos pelos arts. 18° e 79°, n° 3, da LAT).
Por isso, aquando da fixação da matéria de facto assente e da base instrutória, não consta nenhuma de tal matéria (conforme resulta do teor da ref. 413416431).
E, por conseguinte, tão pouco houve, nem tinha de haver, qualquer discussão e decisão sobre tal matéria (quer factual quer jurídica) inexistente nos autos.
Aliás, mesmo que tivesse sido provada a existência do alegado acidente de trabalho não poderia (nunca) ser atendida nem apreciada, nesta sede recursiva, tal matéria porque nova e sem ser de conhecimento oficioso.
Em suma, nunca seria atendível tal matéria porque só agora o autor/recorrente veio suscitar esta nova questão e só agora argumentando com esta nova matéria não constante dos autos em la instância.
Por conseguinte, ficando prejudicada a sua apreciação.
Decisão
Pelo exposto, nos termos e com os fundamentos sobreditos, decide-se
I — Declarar a inexistência da invocada nulidade da sentença;
II — Rejeitar a impugnação da decisão factual;
II — No mais, julgar improcedente o recurso interposto pelo autor, mantendo-se a douta sentença recorrida.
Custas a cargo do recorrente.
Notifique.
(Este acórdão foi elaborado pela relatora, revisto e assinado por todos)
Paula Penha
(Adjunto Sérgio Almeida)
(Adjunta Maria José Costa Pinto)
Sumário elaborado pela relatora (em obediência ao art. 663°, n°7, do CPC ex vi do art. 1°, n°2, al. a), do CPC).
I — Cabia ao autor o ónus probatório de que a alegada lesão fora constatada no local e no tempo de trabalho por si alegados (porque constitutiva do alegado direito à pretendida reparação infortunística labora]). Só se o autor tivesse logrado cumprir esse ónus probatório, só então beneficiaria da presunção legal de que tal lesão fora consequência do alegado acidente de trabalho;
Não se tendo apurado que o autor se lesionara nas circunstâncias de tempo, lugar e modo por ele alegadas, não se podia concluir que este sofrera o alegado acidente de trabalho. Não podendo haver responsabilização de qualquer das rés, a este título, independentemente das despesas e das incapacidades que o autor sofrer;
II— A participação da ré empregadora à ré seguradora de um alegado acidente que o autor reportara àquela primeira não significa, por si só, que esse acidente tenha existido;
III— O facto de haver um seguro de acidentes de trabalho entre a ré empregadora e a ré seguradora não significa, por si só, que o trabalhador aqui autor estivesse coberto por essa apólice aquando da ocorrência do alegado acidente.
IV —A fixação das incapacidades (temporárias e permanente) não significa, por si só, que haja um nexo causal entre o acidente alegado pelo autor e a lesão causadora de tais incapacidades temporárias e da respectiva sequela causadora de tal incapacidade permanente;
V — Mesmo que tivesse sido provada a existência do alegado acidente de trabalho não poderia nunca ser atendida nem apreciada, nesta sede recursiva, a matéria nova da questão da culpa da ré empregadora para/na ocorrência do alegado acidente (por falta/violação de condições de segurança no trabalho e respectivo nexo causal relativamente ao alegado sinistro) porque:
Não havia nos autos (em 1 instância) qualquer alegação de qualquer factualidade a este respeito;
Nem, muito menos, havia (por parte do autor e/ou da ré seguradora) qualquer pedido de agravamento de responsabilidade da ré empregadora, inerente a qualquer falta de condições de segurança e/ou actuação culposa desta, com correspectivas pensão e indemnização agravadas a favor daquele.