Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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 - ACRL de 24-01-2024   Realização do exame por junta médica em acção emergente de acidente de trabalho.
Nos termos do artigo 663.°, n.º 7, do Código de Processo Civil, lavra-se o sumário do antecedente acórdão nos seguintes termos:
Formulado pela parte, após a realização do exame por junta médica em acção emergente de acidente de trabalho, requerimento no sentido da realização de junta médica da especialidade e da prestação de esclarecimentos pelos peritos intervenientes na junta médica realizada, deve o juiz emitir decisão sobre o mesmo, verificando-se uma nulidade processual secundária se profere de imediato sentença, omitindo decisão judicial sobre tal requerimento.
Proc. 3322/22.6T8CSC.L1 4ª Secção
Desembargadores:  Maria José Costa Pinto - Alda Martins - -
Sumário elaborado por Carolina Costa
_______
Processo n.° 3322/22.6T8CSC.L1
4.ª Secção
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório
1.1. Os presentes autos emergentes de acidente de trabalho em que é sinistrada JTCM, e entidade responsável a CSFF, S.A., tiveram a sua origem no acidente ocorrido em 01 de Setembro de 2022, quando a sinistrada se deslocava de casa para o seu local de trabalho, onde exercia funções laborais ao serviço da PARR S.A.
No exame médico-legal singular realizado na fase conciliatória, o Exmo. Perito do Gabinete Médico-Legal afirmou que do acidente resultou trauma indirecto da coluna cervical e lombar, por mecanismo de chicote, e atribuiu à sinistrada uma IPP de 4 /prct. a partir de 13 de Setembro de 2022 (fls. 43-44 e ss.), pelo Cap I, 1.1.1 b), da Tabela Nacional de Incapacidades, correspondente a raquialgia residual (coluna lombar).
Realizada a tentativa de conciliação perante o Digno Magistrado do Ministério Público (auto de fls. 146 e ss.), a mesma frustrou-se em virtude de a seguradora discordar da avaliação da incapacidade efectuada pelo perito médico no exame realizado na fase conciliatória.
Foi requerido exame por junta médica pela seguradora nos termos dos arts. 117°, n°1, alínea b), e 138°, n°2, do Código de Processo do Trabalho, tendo a mesma formulado os seguintes quesitos:
1 - Quais as lesões sofridas pela sinistrada no acidente?
2 - Quais as sequelas atualmente apresentadas diretamente decorrentes do acidente sofrido?
3 - Qual a IPP a atribuir às sequelas que apresenta?
4 - Quais os elementos objetivos em que a mesma se fundamenta?
No dia 21 de Junho de 2023 foi realizada ajunta médica no termo da qual os peritos da seguradora e do tribunal, por maioria, e com a discordância do perito da sinistrada, entenderam que a sinistrada se encontrava curada sem desvalorização. No seu laudo, os peritos fizeram constar, além do mais, que:
« — INFORMAÇÃO —
Profissão (à data do acidente): operadora de supermercado Data do acidente de trabalho: 01/0912022
Natureza do traumatismo/ lesões resultantes: acidente de viação com embate traseiro, ficando com cervicalgias, efeito chicote e contusão a nível dorsal. Assistida no Hospital de Cascais, dez Rx da coluna cervical, dorsal e lombar, sem alterações osteoarticulares agudas. Descrita contratura muscular.
TC da coluna dorsal e lombar, 08/09/2022 (fls. 14): alterações degenerativas.
TC da coluna cervical, 08/09/2022 (fls. 15): canal central estenótico de tipo congénito; estenose do canal de conjugação direito em C2-C3 em relação com uncartrose com seguro conflito de espaço com a raiz C3 direita; fenómeno similar atingindo a raiz C4 direita. Tratamento efetuado: conservador Data da alta: 14/09/2022 Proposta de ACSD Refere ter estado um mês e meio sem trabalhar por causa deste acidente.
Data do exame singular: 04/0412023 Proposta de IPP de 4/prct. (Cap. 11.1.1 b)
— ESTADO ATUAL —
Idade: 31 anos
Profissão: operadora de supermercado
Queixas: dor no fundo das costas e nas omoplatas, com a localização a variar
consoante o esforço que realiza. Toma metamizol e tiocolquicosido, de 15 em 15 dias.
Exame objetivo: sem contratura muscular paravertebral cervical e dorsal; mobilidades
cervicais preservadas, com queixas álgicas nos últimos graus de inclinações.
— RESPOSTA A QUESITOS —
Do requerimento datado de 09/05/2023:
Pelos peritos em representação do Tribunal e da Seguradora:
1. Admite-se o agravamento álgico temporário da patologia degenerativa de que a examinada era portadora à data do acidente, após o que retornou ao estado prévio.
2. Ocorreu cura médico-legal, com retorno ao estado prévio ao evento em apreço, pelo que não resultaram sequelas do evento em apreço.
3. Não havendo sequelas, não há lugar à atribuição de IPP.
4. Prejudicado pela resposta anterior.
Pelo perito em representação da Sinistrada:
1. Até à data do acidente, a sinistrada nunca teve qualquer queixa da coluna vertebral (temos documento da médica de família que o atesta), pelo que e ainda que houvesse dano prévio, a responsabilidade do seu agravamento e o emergir da sintomatologia é da responsabilidade do sinistro. Ficou com cervicobraquialgias de maior intensidade e lombalgias de menor agravadas pelo esforço. Ao exame objectivo a dor e incomodo da sinistrada e a sua incapacidade na realização dos movimentos proposto pela dor, foi evidente.
2- Cervicobraquialgias e lombalgias agravadas pelo esforço.
3- Concordamos com os 4/prct. de IPP atribuída no exame singular pelo Perito do IML.
4- Os já referidos nos pontos nas respostas 1 e 2.
As partes foram notificadas deste laudo pericial por expediente electrónico elaborado em 30 de Junho de 2023, e a sinistrada veio em 03 de Julho de 2023 formular requerimento que fundamentou e terminou do seguinte modo:
«Assim, neste sentido, julga-se que é fundamental, para cabal esclarecimento das
sequelas que a sinistrada padece ao nível da coluna vertebral, por forma a ajudar o douto Tribunal na boa decisão da causa, que seja a sinistrada vista em sede de junta médica da especialidade de NEUROCIRURGIA, indicando-se para o efeito os seguintes quesitos que pretende ver ser respondidos:
1) Do sinistro sofrido em 01.09.2022 resultaram para a sinistrada sequelas ao nível da Coluna vertebral? Em caso afirmativo, quais?
2) Na eventualidade de se entender tratar de estado anterior, admite-se agravamento de patologia anterior que, a existir, seria assintomática e/ou desconhecida?
3) Em que capítulos e alíneas da TNI em vigor se enquadram as sequelas? 4) Qual o grau de desvalorização a atribuir?
Caso assim não se entenda, requer-se, muito respeitosamente, que sejam os peritos médicos que compuseram a perícia colegial convocados para prestar o seguinte esclarecimento:
a) Não tendo a sinistrada apresentado queixas do foro da coluna (cervical e lombar/dorsal) até à data do sinistro, podem, com a certeza que lhes é possível, afirmar que tais queixas/sequelas não decorrem do sinistro em causa nos autos? Fundamente-se.
b) As limitações apresentadas e objetiváveis visíveis aquando do exame objetivo, não são decorrentes e, por isso, consequência do sinistro?»
Não foi emitida qualquer decisão judicial que versasse sobre este requerimento.
Em 01 de Agosto de 2023, a Mma. Juiz do Juízo do Trabalho de Cascais proferiu decisão final a qual terminou com o seguinte dispositivo:
«[...]
Pelo exposto, declara-se ter a sinistrada, JTCM, .ficado curada clinicamente sem incapacidade, em consequência do acidente objecto dos autos, não lhe sendo devida, pela seguradora CSFF, S.A., qualquer quantia a título de pensão ou indemnização por incapacidade permanente.
Custas pela sinistrada [art. 527°, n 1 e 2, do Cód. de Proc. Civil, na redacção dada pela Lei 41/2013, de 26.06, ex vi do art. 1°, n°2, alínea a), do Cód. de Proc. do Trabalho], com encargos pelos exames a cargo da seguradora — art.° 17° n.° 8 do RCP.
Valor da acção: 670,00 (art. 120°, n°1, parte final, do Cód. de Proc. do Trabalho).[...]
1.4. A sinistrada interpôs recurso desta decisão em 08 de Agosto de 2023, tendo formulado, a terminar as respectivas alegações, as conclusões que se reproduzem:
1. Em 01/09/2022, a ora Recorrente sofreu um acidente de trabalho quando, no seu trajeto habitual de casa para o trabalho, a sua viatura sofreu um embate traseiro de um veiculo terceiro.
2. À data, a ora Recorrente prestava o seu trabalho de Operadora de Supermercado de 1a, sob a direção, autoridade e fiscalização de PARR, S.A., a qual tinha a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho transferida para a ora Recorrida.
3. Na sequência do acidente foi transportada para o serviço de Urgências do Hospital de Cascais — Dr. José de Almeida e, posteriormente, foi encaminhada para os serviços clínicos da ora Recorrida, onde foi assistida e se submeteu a exames complementares e de diagnóstico.
4. Tendo-lhe sido foi-lhe conferida alta curada sem desvalorização em 14/09/2022, com a qual não concordou, motivo pelo qual participou o acidente de trabalho junto do Tribunal do Trabalho.
5. Em sede de exame médico singular, foi-lhe atribuída uma IPP de 4/prct., pelo Código da TNI Cap - I, 1.1.1 b), correspondente a lombalgias residuais.
6. Realizada diligenciade tentativa de conciliação,ocorrida a 03 de maio de 2023 nostermos do artigo 108.° e seguintes. do Código de Processo do Trabalho, as partes não se conciliaram porquanto a Recorrida discordou do resultado do exame médico singular realizado na fase conciliatória, entendendo que a sinistrada se encontra curada sem desvalorização.
7. Na sequência, e havendo discordância apenas quanto a questões relacionadas com a incapacidade permanente, a Recorrida requereu a submissão da sinistrada a exame por junta médica, tendo para o efeito formulado quesitos que constam do requerimento e que aqui se dá por reproduzido.
8. Em 21/06/2023 realizou-se o exame por Junta Médica, tendo os senhores peritos médicos por maioria (Tribunal e Entidade Responsável) admitido não resultar sequelas e, por isso, considerar a sinistrada curada sem desvalorização.
9. Ao invés, pelo perito médico em representação da sinistrada foi defendido que a mesma Até àdata doacidente, a sinistrada nunca tevequalquer queixa da coluna vertebral (temos documento da médica de família que o atesta), pelo que e ainda que houvesse dano prévio, a responsabilidade do seu agravamento e o emergir da sintomatologia é da responsabilidade do sinistro. Ficou com cervicobraquialgias de maior intensidade e lombalgias de menor agravadas pelo esforço. Ao exame objetivo a dor e incómodo da sinistrada e a sua incapacidade na realização de movimentos proposto pela dor, foi evidente. Concordamos com os 4/prct. de IPP atribuída no exame singular pelo Perito do IML.
10. Por requerimento de 03/07/2023, que aqui se dá por integralmente reproduzido, a ora Recorrente insurgiu-se contra o parecer da Junta médica, tendo requerido, para cabal esclarecimento das sequelas de que padece, e por forma a ajudar o douto Tribunal a quo à boa decisão da causa, a realização de uma perícia médica da especialidade de Neurocirurgia, para o qual indicou os quesitos que pretendia ver serem respondidos, a saber:
1) Do sinistro sofrido em 01.09.2022 resultaram para a sinistrada sequelas ao nível da Coluna Vertebral? Em caso afirmativo, quais?
2) Na eventualidade de se entender tratar de estado anterior, admite-se agravamento de patologia anterior que, a existir, seria assintomática e/ou desconhecida?
3) Em que capítulos e alíneas da TNI em vigor se enquadram as sequelas? 4) Qual o grau de desvalorização a atribuir?
11. Em alternativa, requereu que fossem os senhores peritos médicos em representação do Tribunal e Entidade Responsável convocados para fundamentar as respostas aos quesitos formulados, bem assim, para prestar o seguinte esclarecimento:
a) Não tendo a sinistrada apresentado queixas do foro da coluna (cervical e lombar/dorsal) até à data do sinistro, podem, com a certeza que lhes é possível, afirmar que tais queixas/sequelas não decorrem do sinistro em causa nos autos? Fundamente-se.
b) As limitações apresentadas e objetiváveis visíveis aquando do exame objetivo, não são decorrentes e, por isso, consequência do sinistro?
12. Porém, em 01/08/2023 foi proferida a douta Sentença na qual não é sequer apreciado o pedido feito pela Recorrente, sendo proferida decisão pela qual, e no que na presente sede importa, decidiu declarar a sinistrada curada sem qualquer desvalorização a partir de 14/09/2022.
13. Consta dos autos declaração da médica de família na qual se atesta que a sinistrada não tem registo de queixas de dores osteoarticulares atribuíveis à coluna cervical, dorsal ou lombar até ao dia 01/09/2022, data do sinistro.
14. Ora, considerando a relevância deste facto para a boa decisão da causa (nomeadamente para efeitos de atribuição de IPP), entende a Recorrente, salvo melhor opinião e devido respeito, que andou mal o douto Tribunal a quo ao não ter levado o conteúdo do mesmo aos factos assente.
15. Nestes termos, ao abrigo do disposto no n.° 1, do artigo 662° do CPC, e face à prova produzida nos autos que, salvo melhor opinião, impunham decisão diversa, desde já se requer que seja ampliada a decisão proferida sobre a matéria de facto, aditando-se à mesma o seguinte:
a) Não se encontram registadas pelo centro de saúde e médica de família da sinistrada quaisquer doenças prévias ao acidente, em particular, queixas de cervicalgias e/ou lombalgias, até ao dia 01/09/2022, data do sinistro.
16. O douto Tribunal a quo considerou que do acidente de trabalho sofrido pela ora Recorrente resultaram como lesões cervicalgias, efeito chicote e contusão a nível dorsal, porém sem sequelas e, por isso, a considerou curada sem desvalorização.
17. Para formar a sua convicção, referiu o douto Tribunal a quo ter considerado o resultado maioritário (Tribunal e Entidade Responsável) do auto de junta médica.
18.Com o devido respeito, entende a ora Recorrente que andou mal o douto Tribunal a quo na sua decisão de ter validado apenas o resultado da Junta Médica (apenas por maioria), em detrimento do exame médico singular, parecer do perito médico em representação do sinistrado, prova documental (declaração da médica de família), documentos em relação aos quais não dispensou a douta sentença nem uma única palavra!
19. Com efeito, com o devido respeito por entendimento divergente, o parecer maioritário da junta médica não deveria ter sido considerado suficiente para convencer o douto Tribunal, pois que tendo os mesmos admitido a ocorrência de um evento traumático (cervicalgias decorrente de efeito chicote e contusão a nível dorsal), e admitindo-se que as lesões constantes dos exames complementares de diagnósticos eram pré-existentes ao sinistro (o que a ora Recorrente desconhece, pois nunca apresentou queixas prévias), a verdade é que a Recorrente não padecia de qualquer limitação ou dor e exercia sem restrições a profissão de Operadora de Supermercado com as exigências físicas que lhe estão adstritas.
20. Ora, nos termos do artigo 11.°, n.° 2 da Lei 98/2009, de 4 de Setembro (cita-se): Quando a lesão ou doença consecutiva ao acidente for agravada por lesão ou doença anterior, ou quando esta for agravada pelo acidente, a incapacidade avaliar-se-á como se tudo dele resultasse, a não ser que pela lesão ou doença anterior o sinistrado já esteja a receber pensão ou tenha recebido um capital de remição nos termos da presente lei
21. A verdade é que a sinistrada não tinha antes do acidente quaisquer queixas temporárias ou permanentes ao nível da coluna, não lhe tendo antes sido diagnosticada qualquer doença, nem recebendo qualquer pensão por tal e exercia, sem qualquer limitação, a profissão de muita exigência física como Operadora de Supermercado.
22. Aliás, isso mesmo (ausência de queixas e doenças) consta da informação clínica emitida pela sua médica de família, junta aos autos com a participação de acidente de trabalho.
23. Assim, se efetivamente estão diagnosticas lesões à sinistrado ao nível da coluna vertebral, e se do acidente resultou efetivamente lesão na mesma, mantendo a Recorrente queixas e limitações da coluna vertebral, como mobilidades dolorosas, condicionado limitação e impotência funcional, sempre deveria ser considerada IPP nos termos do supramencionado artigo 11° n.° 2 da Lei dos Acidente de Trabalho.
24. É um facto evidente que a sinistrada tem cervicalgias, com quadro de dor e limitação funcional, o que não se verificava em momento anterior ao acidente.
25. Tanto assim que, durante o exame objetivo a aqui Recorrente queixou-se de dores nos movimentos de rotação da coluna vertebral, que não foram tidos em consideração.
26. Assim, como se disse supra, ainda que se entenda que o mesmo decorra de estado anterior, o que não corresponde à verdade, pois a sinistrada sempre conseguiu desempenhar a sua atividade habitual em pleno, a predisposição patológica do sinistrado num acidente não exclui o direito à reparação integral, salvo quando tiver sido ocultada, nos termos do n.° 1 do artigo 11.° da Lei 98/2009, de 04 de setembro.
27. Pois não sendo possível excluir que as lesões tenham resultado do acidente em apreço, as mesmas terão sido despoletadas, agravadas e/ou manifestadas pelo mesmo acidente, motivo pelo qual, em igualdade de circunstâncias, as mesmas deverão ser imputadas ao acidente.
28. Pelo que, quando a lesão ou doença consecutiva ao acidente for agravada por lesão ou doença anterior, ou quando esta for agravada pelo acidente, a incapacidade avaliar-se-á como se tudo dele resultasse, a não ser que pela lesão ou doença anterior o sinistrado já esteja a receber pensão ou tenha recebido um capital de remição, de acordo com o disposto no n.° 2 do artigo 11° do mesmo diploma, o que não se verifica.
29. Esta questão é corroborada pela médica de família da sinistrada, por documento datado de 29/09/2022, junto aos autos com a participação de acidente de trabalho, ao expor que
Para os devidos efeitos se declara que a utente acima identificada não tem, no processo clínico desta unidade, registo de queixas de dores osteoarticulares
atribuíveis à coluna cervical, dorsal ou lombar até ao dia 01/09/2022.
30. Assim, e de forma que a sinistrada não fosse pericialmente prejudicada, cumprindo-se as boas práticas médicas de avaliação do dano corporal pós-traumático em Direito do Trabalho, evitando que no presente caso ocorra omissão pericial valorizável de sequelas ao nível da coluna, requereu-se, para melhor apreciação médico-legal do caso emapreço, a realização de uma junta médica da especialidade de neurocirurgia (especialidade esta a responsável pelo tratamento e avaliação das sequelas deste foro), com objetivo de avaliar se tais sequelas ao nível da coluna, eram e são, ou não, enquadráveis no Cap 1 — 1.1.1., alínea b), e em que grau ou, se pelo contrário, se encontra curada sem qualquer desvalorização.
31. Ou caso assim não se entendesse, que fossem os senhores peritos médicos convocados para prestar o seguinte esclarecimento:
a) Não tendo a sinistrada apresentado queixas do foro da coluna (cervical e lombar/dorsal) até à data do sinistro, podem, com a certeza que lhes é possível, afirmar que tais queixas/sequelas não decorrem do sinistro em causa nos autos? Fundamente-se.
b) As limitações apresentadas e objetiváveis visíveis aquando do exame objetivo, não são decorrentes e, por isso, consequência do sinistro?
32. Porquanto, a realidade é a de que dos quatros peritos médicos que avaliaram a sinistrada, dois entendem que a mesma se encontra afetado de uma sequela valorizável na TNI em vigor,decorrentede sequelanacolunavertebral, nomeadamentepeloCap.l —1.1.1alinea b) — 4/prct., e os demais (dois) que não se encontra afetada de qualquer incapacidade, mas antes curada sem qualquer desvalorização.
33. Não é possível, nem crível, e muito menos desejável, uma divergência de entendimento entre os quatros peritos médicos.
34. Salvo melhor opinião, não podem os senhores peritos médicos, reconhecendo o agravamento de quadro álgico de patologia prévia, vir dizer que a Recorrente não ficou com sequelas, quando, e como consequência direta e necessário do acidente, ficou com limitações, objetiváveis, com interferência na sua atividade habitual, e que não se manifestavam antes do respetivo acidente.
35. Com o devido respeito por opinião diferente, entende a ora Recorrente que, face à prova carreada para os autos, e aos factos já constantes da matéria assente e, bem assim, à alteração/ampliação da matéria de facto já requerida nas presentes alegações, deveria o douto Tribunal a quo ter proferido decisão diversa no que concerne à atribuição de IPP.
36. Entendendo assim a ora recorrente que o douto Tribunal, ao ter-se baseado no exame da Junta Médica (por maioria) para decidir como decidiu, não fazendo qualquer juízo critico da restante prova produzida nos autos, violou os artigos 11.°, n.° 2, 19°, n.° 3, 21, n.° 1, 48, n.° 2 e 3, alínea c), todos da Lei n.° 98/2009 de 4 de Setembro.
37. De acordo com o n.° 11.°, n.° 2 da Lei 98/2009, de 4 de Setembro sendo a lesão consecutiva ao acidente agravada por lesão anterior ou quando esta for agravada pelo acidente a incapacidade avaliar-se-á como se tudo dele resultasse.
38. Ora, ao decidir como decidiu, não aplicando IPP ao caso concreto da ora Recorrente, o douto Tribunal a quo violou todos os artigos supramencionados, impossibilitando que à mesmo fosse atribuída a pensão decorrente da IPP.
39. Devendo, pois, ser anulada a sentença e substituída por outra que condene a Recorrida a pagar a pensão devida em função da IPP atribuída em sede de exame médico singular e pelo perito em representação da sinistrada em sede de perícia por junta médica.
40. Ou, caso assim não se entenda, deverá a douta sentença ser anulada nos termos do disposto no artigo 662.°, n.° 1 e 2 alínea do Código de Processo Civil, por força do n.° 1 do artigo 87.°, do Código de Processo de trabalho, com vista à realização de junta médica da especialidade de neurocirurgia, com vista ao cabal esclarecimento quanto às lesões/sequelas decorrentes do sinistro em apreço, ao reconhecimento de uma IPP ou, pelo contrário, se é de admitir o quadro de curada sem qualquer desvalorização.
1.5. A seguradora respondeu a esta alegação, defendendo a improcedência do recurso, com a manutenção da sentença recorrida.
1.6. Mostra-se lavrado despacho de admissão do recurso.
1.7. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto Parecer em que opina pela improcedência do recurso. Ambas as partes foram notificadas do mesmo e nenhuma delas se pronunciou no exercício do coniradilório.
Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre decidir.
2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente —artigos 635.°, n.° 4 e 639.0, n.°s 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 87.°, n.° 1, do Código de Processo do Trabalho —, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, prendem-se com a análise:
1. — da questão prévia de saber se a sentença deve ser anulada com vista à apreciação do requerimento da sinistrada no sentido da realização de junta médica da especialidade de neurocirurgia e da prestação de esclarecimentos pelos peritos intervenientes na perícia por junta médica realizada;
2. — de saber se deve ser alterada a decisão de facto, no que concerne ao aditamento da declaração constante do relatório do médico de família da sinistrada (inserto a fls. 20 verso) e no que concerne a encontrar-se a sinistrada curada sem desvalorização (facto 8.);
3.— de saber se à sinistrada deve ser reconhecido o direito a uma pensão pelo acidente de trabalho que sofreu em 01 de Setembro de 2022.
3. Fundamentação
3.1. Começa a recorrente por alegar, após relatar a tramitação verificada nos presentes autos, que por requerimento de 03 de Julho de 2023, se insurgiu contra o parecer da Junta médica, tendo requerido, para cabal esclarecimento das sequelas de que padece, e por forma a ajudar o Tribunal a quo à boa decisão da causa, a realização de uma perícia médica da especialidade de Neurocirurgia, para o qual indicou os quesitos que pretendia ver serem respondidos, e que, em alternativa, requereu que fossem os senhores peritos médicos em representação do Tribunal e Entidade Responsável convocados para fundamentar as respostas aos quesitos formulados, bem assim, para prestar os esclarecimentos que enuncia.
Alega também que, porém, em 01 de Agosto de 2023 foi proferida sentença na qual não foi sequer apreciado o pedido feito pela recorrente.
A final das suas alegações, pede, em termos subsidiários, a anulação da sentença com realização da junta médica de especialidade que requereu (cfr. as conclusões 10. a 12.a, 30.a a 34.' e 40.a).
Ainda que de forma não muito ortodoxa, entendemos que em termos substanciais a recorrente, com esta sua alegação, se insurge contra a falta de decisão do requerimento que formulou em 3 de Julho de 2023, após notificada do teor do laudo da junta médica, o que consubstancia a arguição de uma nulidade processual.
Com efeito, a recorrente não imputa deste modo à sentença qualquer vício intrínseco, apenas mostrando o seu inconformismo com o facto de não se ter apreciado o seu requerimento no sentido da realização de uma perícia e de prestação de esclarecimentos por parte dos peritos que integraram a junta médica realizada o que, manifestamente, não se inscreve na hipótese do artigo 662.°, n.° s 1 e 2 do Código de Processo Civil, que se reporta às patologias da decisão de facto, nem pode considerar-se causa de nulidade da sentença, por não constar do elenco do n.° 1 do artigo 615.° do mesmo diploma.
No caso que nos ocupa, a recorrente invoca urna irregularidade de tramitação processual que se situa a montante da sentença: não se ter apreciado o seu requerimento probatório de realização de uma perícia e de prestação de esclarecimentos por parte dos peritos que intervieram na junta médica anteriormente realizada.
Trata-se, assim, da imputação de um desvio ao formalismo processual seguido na tramitação que antecedeu a sentença, que só poderia ser encarado na perspectiva de nulidade de processo.
Corno refere Miguel Teixeira de Sousa, distinguindo os erros de procedimento que inquinam a própria decisão, daqueles que se reportam ao procedimento que a antecedeu: «nos vícios da decisão incluem-se apenas aqueles que a ela respeitam directamente. Quer isto dizer que não é considerado um vício da decisão a realização de um acto não permitido ou a omissão de um acto obrigatório antes do seu proferimento: tais situações são nulidades processuais, submetidas, na falta de qualquer regulamentação específica, ao respectivo regime geral» (in Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, 1997, p. 216).
Esta distinção é importante, porque o regime de arguição é diferente consoante se trate de nulidade de processo ou de nulidade da sentença.
As nulidades da sentença (com excepção da originada pela falta de assinatura do juiz), se da decisão for admissível recurso, só podem ser arguidas como fundamento do recurso (artigos 615.°, n.° 4, do Código de Processo Civil e 77.°, do Código de Processo do Trabalho), o que deverá ser feito no prazo de 30 dias (artigo 80.°, n.° 1, do CPT), o mesmo sucedendo com os vícios de que padeça a decisão de facto nos termos do artigo 662.° do CPC.
As outras nulidades, quando o seu conhecimento dependa de arguição da parte interessada e a lei não estabeleça outro limite temporal, só podem ser arguidas no prazo geral de 10 dias, consignado no artigo 147.° do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1 ° n ° 7, alínea a) do Código de Processo do Trabalho, contado do dia em que, depois dc cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, neste último caso quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência (artigo 199.°, n.° 1 do Código de Processo Civil). E têm de ser suscitadas, mediante reclamação, perante o tribunal onde foram cometidas no assinalado prazo de 10 dias, prazo que é peremptório, pelo que o seu decurso faz extinguir o direito de arguir a nulidade (artigo 139.°, n.° 3 do Código dc Processo Civil).
Só assim não será quando a nulidade esteja coberta por uma decisão judicial, caso em que o meio adequado de reacção é o recurso dessa decisão. É o que ocorre se uma nulidade processual não sanada é sancionada por uma sentença e a parte toma conhecimento da mesma apenas com o conhecimento da sentença. Embora não se configure uma das nulidades específicas previstas no n.° 1 do artigo 615.° do Código de Processo Civil, ou uma patologia da decisão de factop prevista no artigo 662.° do mesmo diploma, não deixa, no entanto, de inquinar a sentença que a assumiu e lhe deu cobertura, sendo o modo adequado de reagir contra a mesma o recurso a interpor da sentença.
Deste modo, se o Juiz da 1.a instância profere uma sentença omitindo anteriormente um acto processual que a lei prescreve, dá cobertura a esse desvio processual e assume-o como seu, pelo que passa aquela nulidade processual a inquinar a decisão final como vício próprio desta. Nestas situações, admite-se que a nulidade seja arguida em via de recurso.
No caso sub judice, a recorrente veio invocar a omissão de decisão sobre o seu requerimento, logo na sua primeira intervenção processual após notificada da sentença, colocando tal questão no recurso de apelação desta interposto.
Verifica-se, pois, que suscitou a correspondente nulidade processual pelo meio próprio (a apelação da sentença) e tempestivamente (pois que observou o prazo de interposição de recurso — artigo 80.°, n.° 1 do CPT).
Esta questão deve ser apreciada em primeiro lugar na medida em que a sua procedência é susceptível de acarretar a nulidade consequencial da sentença.
Compulsados os autos, verifica-se que, efectivamente, a recorrente requereu em 03 de Julho de 2023 a indicada prova pericial — a realização de junta médica da especialidade de neurocirurgia — e, subsidariamente, esclarecimentos dos peritos que intervieram na junta médica de 21 de Junho de 2023.
E verifica-se, também, que sobre o seu requerimento não incidiu despacho judicial.
Aquele requerimento incidia sobre aspectos de natureza processual relacionados com a instrução dos autos e deveria ter sido apreciado (admitindo-se ou rejeitando-se o que nele era requerido) antes da prolação da sentença.
O que não aconteceu, como se viu, pois que a Mma. Juiz a quo não se debruçou sobre tal requerimento, não emitindo qualquer decisão sobre o mesmo.
Nos termos do preceituado no artigo 195.°, n.° 1 do Código de Processo Civil, [ti ora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma, formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
A falta de decisão do requerimento apresentado pela parte, redunda na omissão de um acto que a lei prescreve — cfr. o artigo 152.° do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art. 1.°, n.° 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho.
Por outro lado, é patente que essa falta pode influir no exame ou na decisão da causa.
Na verdade, o requerimento da sinistrada é no sentido da realização de junta médica da especialidade de neurocirurgia e da prestação de esclarecimentos pelos peritos intervenientes na perícia por junta médica realizada em 21 de Junho de 2023'. Atine, pois, à instrução dos autos, a qual é essencial para a fixação dos factos que o juiz repute por provados e sobre os quais vai assentara decisão de direito, senão assim manifestamente susceptível de influir no desfecho final da lide.
Pelo que se verifica uma nulidade processual à luz da previsão do artigo 195.°, ri.° 1 do Código de Processo Civil.
O reconhecimento da existência da nulidade implica que se determine a apreciação do requerimento da sinistrada no sentido da realização de junta médica da especialidade de neurocirurgia e da prestação de esclarecimentos pelos peritos intervenientes na perícia por junta médica realizada em 21 de Junho de 2023, com a anulação do processado subsequente que depende da indicada nulidade, nos termos prescritos no artigo 195.°, ri.° 2 do Código de Processo Civil.
O que acarreta a anulação consequencial da sentença proferida em 01 de Agosto de 2023.
Merece, pois, provimento a apelação.
3.2. Pela procedência da primeira questão acima elencada, que implica a anulação da decisão sob censura, mostra-se prejudicado o conhecimento das demais — cfr. o artigo 608.°, ri.° 2 do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 663.°, n.° 2 do mesmo diploma legal e ambos ex vi do artigo 1.°, n.° 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho.
3.3. As custas do recurso devem ser suportadas pela recorrida, que ficou vencida (artigo 527.°, n.'s 1 e 2, do Código de Processo Civil). Não havendo encargos a contar neste recurso que, para efeitos de custas processuais, configura um processo autónomo (artigo 1.°, 11.0 2 do Regulamento das Custas Processuais), restringem-se as mesmas às custas de parte que haja.
4. Decisão
Em face do exposto, julga-se verificada a nulidade processual acima indicada e anula-se a sentença recorrida, determinando-se que o Tribunal a quo aprecie o requerimento da sinistrada deduzido nos autos no dia 03 de Julho de 2023 e, oportunamente, profira nova sentença.
Condena-se a recorrida nas custas de parte que haja.
Nos ternos do artigo 663.°, n.°7, do Código de Processo Civil, anexa-se o sumário do presente acórdão.
Lisboa, 24 de Janeiro de 2024
Maria José Costa Pinto
Alda Martins
Manuela Bento Fialho
Nos termos do artigo 663.°, ri.0 7, do Código de Processo Civil, lavra-se o sumário do antecedente acórdão nos seguintes termos:
Formulado pela parte, após a realização do exame por junta médica em acção emergente de acidente de trabalho, requerimento no sentido da realização de junta médica da especialidade e da prestação de esclarecimentos pelos peritos intervenientes na junta médica realizada, deve o juiz emitir decisão sobre o mesmo, verificando-se uma nulidade processual secundária se profere de imediato sentença, omitindo decisão judicial sobre tal requerimento.
Lisboa, 24 de Janeiro de 2024